Discurso durante a 211ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da decisão a ser proferida na próxima quarta-feira, pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a extradição ou não do Sr. Cesare Battisti.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Importância da decisão a ser proferida na próxima quarta-feira, pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a extradição ou não do Sr. Cesare Battisti.
Publicação
Publicação no DSF de 17/11/2009 - Página 59481
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REFERENCIA, EXTRADIÇÃO, REFUGIADO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, COMENTARIO, ENCAMINHAMENTO, ORADOR, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PROFESSOR, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, ENDEREÇAMENTO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESCLARECIMENTOS, POLEMICA.
  • REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, CONGRATULAÇÕES, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JURISTA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), APRESENTAÇÃO, OPINIÃO, CONFIRMAÇÃO, DENEGAÇÃO, EXTRADIÇÃO.
  • LEITURA, CARTA, CIDADÃO, PARTICIPANTE, ORGANISMO INTERNACIONAL, APRESENTAÇÃO, PARECER CONTRARIO, EXTRADIÇÃO, COMENTARIO, ESCLARECIMENTOS, ESCRITOR, REFERENCIA, ASSUNTO, REGISTRO, VISITA, REFUGIADO, NEGAÇÃO, ACUSAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, JUSTIÇA, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ACEITAÇÃO, FALSIDADE, ACUSAÇÃO, OCORRENCIA, ABUSO DE AUTORIDADE, SOLICITAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONCESSÃO, OPORTUNIDADE, DEPOIMENTO, REFUGIADO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JURISTA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), PUBLICAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Pedro Simon, que bom esteja V. Exª na Presidência desta sessão do Senado esta tarde. 

            Gostaria, hoje, de falar da importância da decisão que tomará o Supremo Tribunal Federal, nesta próxima quarta-feira, quando o Ministro Gilmar Mendes, depois de um resultado, até agora, de 4 votos a 4, irá proferir o seu voto no caso Cesare Battisti, se ele deve ser extraditado ou se deve ser confirmada a decisão do Ministro da Justiça Tasso Genro de conceder-lhe o direito de refúgio no Brasil.

            Eu gostaria de enaltecer aqueles órgãos de imprensa que têm procurado apresentar os diversos pontos de vista.

            Ainda hoje, recebi um artigo do filósofo francês Bernard-Henri Lévy e o encaminhei à Folha de S. Paulo. Assim fiz, porque gostaria que o jornal também pudesse dar oportunidade a todos os leitores de conhecer todos os elementos dessa história.

            A propósito, quero registrar que encaminhei ao jornal O Estado de S. Paulo, ao Sr. Ruy Mesquita, diretor responsável, uma carta cumprimentando o jornal pelo fato de ontem, por exemplo, no caderno Aliás, ter publicado dois artigos: um, do professor Miguel Reale Júnior, que se mostra a favor da extradição, e outro, do professor Dalmo de Abreu Dallari, que diz que a decisão do Ministro da Justiça é correta, é final, e a condição de refugiado prevalece. Mesmo tendo expressado, no editorial, seu ponto de vista favorável à extradição, o jornal publicou entrevista muito bem feita com o Ministro Marco Aurélio Mello, que, ainda na última quinta-feira, proferiu voto, que considero exemplar, no qual mostrou as razões de profundidade pelas quais o refúgio deve ser concedido ao Sr. Cesare Battisti.

            Gostaria de ler aqui hoje uma carta que me foi encaminhada por Carlos Alberto Lungarzo, professor aposentado de Lógica e Matemática da Universidade de Campinas e membro da Anistia Internacional dos Estados Unidos. Ele escreveu ao Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, a seguinte carta:

     “Prezado Senhor:

     Escrevo a V. Exª na simples condição de alguém que milita em defesa dos Direitos Humanos desde a adolescência, que passou por várias seções da Anistia Internacional, foi voluntário do ACNUR e da Justiça e Paz.

     Não sou membro de nenhum partido político ou seita religiosa, não sou eleitor no Brasil nem em meu país de origem, não recebo dinheiro da Itália, nem de grupos terroristas.

     Conheci Battisti esta semana [aliás, ele estava comigo, quando o visitei na quarta-feira passada]; antes que recebesse refúgio, nunca tinha ouvido falar dele nem no grupo a que pertencia. Tampouco tenho interesse intelectual ou profissional no caso: sou um cientista e não advogado, jornalista ou político. O que me move a empenhar-me nesta causa são o sentido de solidariedade, minha visão ética da vida e, também, a vergonha que me produz pensar que possa viver sob instituições nas quais se pratica linchamento.

     Embora tenha uma firme ideologia pessoal, repudio igualmente os neofascistas italianos que perseguem Battisti e aos pseudoesquerdistas que se enrolam na causa do revanchismo e a ‘vendetta’.

     Acompanhei muitos casos em minha condição de membro de AI, e vi pessoas liberadas por um STF diferente: vi a liberação de Fernando Falco, na qual participei ativamente, e a do padre Medina, em cujo apoio apenas pude redigir algumas cartas. Antes disso, soube da extradição de Mário Firmenich, que foi correta.

     Minha atividade em favor dos Direitos Humanos não foi apenas a de preencher papéis. Na década de 70 protegi refugiados do Cone Sul, vítimas da Operação Condor, com grave perigo para mim e minha família. Na década de 80 participei na resistência contra o Operativo Charlie no México e na América Central. Por tudo isso, não tenho nenhum embaraço em assumir que me sinto plenamente qualificado para exigir justiça para Battisti.

     Não estou pedindo clemência. Este é um termo teológico. O extraditando merece justiça. Em meus anos de militância conheci dúzias de vítimas da repressão e posso afirmar que é relativamente fácil, nessas condições, reconhecer a têmpera de alguém. Bastou estar uma hora com Cesare Battisti para perceber que ele tem enorme coragem, o oposto exato de seus inimigos, que se movem nas sombras, protegidos pelo poder. Posso me equivocar, mas me parece certo que Battisti não poderá ser amedrontado, como não foram amedrontados Nicola Sacco, Bartolomeu Vanzetti, Joe Hill, Ethel Rosenberg, Dreyfus, Olga Benário, e muitos outros.

     Não vou dizer a V. Exª que a história nos julgará: a história é longa e talvez só mude muito tempo depois que se acabe a única vida que temos certeza que possuímos. A crença na justiça histórica é apenas uma maneira racional de fantasiar um desejo mítico de eternidade.

     Mas quero fazer uma observação prática: a realização da vingança de outros, como simples procuradores, talvez não seja um bom negócio e não se possa fazer dela um bom proveito. Muitos dirão que, apesar de que Hitler e Mussolini tiveram má sorte, esse não foi o caso de Margareth Thatcher nem do ditador Franco, e que boa parte da Espanha e da Itália ainda apoia o fascismo e seus similares, e parecem ter muito sucesso.

     Mas, será realmente assim? Será que o triunfo de crueldade faz seus autores felizes?

     Todos os anos, milhares de flores chegam ao túmulo de Bobby Sands e dos outros nove heroicos garotos que levaram até a morte sua greve de fome, em 1981, e não o fizeram para pedir liberdade, apenas para manifestar o seu desprezo por seus infames opressores. O seu carrasco, a senhora Thatcher, só recebe os cumprimentos de subservientes empresários que enriqueceram com a ruína do seu país. Os que já não podem se beneficiar-se dela, se afastaram.

     Aliás, se o ódio compensa, eu gostaria de saber: por que o racismo atravessa a Itália? Por que os mesmos vândalos que exigem a cabeça de Battisti andam com tochas ateando fogo em acampamentos de africanos, árabes e ciganos matando mulheres e crianças? Será que pessoas felizes precisam de violência?

      Não digo que esses atos deveriam parar por razões morais. Os que os praticam não têm uma moral humanista: eles não acreditam na humanidade, mas nos mitos, na raça, na linhagem, nas armas.

     Mas será que os massacres, a punição coletiva, a perseguição e o papel de inquisidores medievais levam alguma felicidade a suas mentes doentias? Se não for assim, qual é a vantagem desse ódio?

     Não posso evitar pensar no famoso coronel de Carandiru. Ele sentiu-se muito feliz quando massacrou 111 pessoas indefesas, mas será que era feliz junto a sua namorada, que aplicou com ele a mesma metodologia criminosa, a única que eles conhecem?

      Não estou dizendo a ingenuidade de que a ‘vida se vinga’ ou o ‘mal acaba recebendo o seu castigo’. A história mostra que isso não é verdade. Esta é uma ideia antropomórfica, válida para os que acreditam num destino personalizado. Há, porém, uma razão mais básica. A crueldade, a vingança e o revanchismo tornam as pessoas doentes. Não é o castigo divino; é o ‘castigo’ de nossas próprias células.

     Estatísticas feitas nos Estados Unidos, na França, durante a Guerra de Argélia, e na Nicarágua, depois da libertação, mostram que torturadores, carrascos, linchadores, têm o maior índice de problemas em sua vida afetiva. Na Georgia, por cada nove famílias de militares com graves quadros de violência familiar, há apenas duas famílias civis com os mesmos problemas. Em Alabama, por cada mulher de civil que apanha de seu marido, há 4,7 esposas de policiais que padecem desse problema.

     Contrariamente às opiniões cheias de ódio, de sede de sangue e de ‘vendettas’, há muitas pessoas que valorizam Battisti, sua integridade, resistência e inteligência, sua qualidade de escritor, sua capacidade de lutar durante 30 anos e estar disposto a morrer, em vez de tornar-se delator, ‘arrependido’, um lacaio da máfia peninsular

     Ele não estará sozinho em sua greve de fome, e não será possível para nenhum tribunal extraditar para Itália todos os amigos de Battisti.

     Excelência, sei que o V. Exª está num nível cognitivo muito superior ao de outras pessoas que se manifestaram contra Battisti. Sei reconhecer a inteligência de alguém, mesmo quando nossos valores sejam opostos. Ouso dizer que V. Exª apreciou 100% da brilhante intervenção do Ministro Marco Aurélio, e reconhece, sem dúvida, que naquela longa argumentação não há uma palavra desnecessária, uma frase que não seja precisa, uma verdade que não tenha sido exaustivamente provada.”

     [Está aqui o Professor Carlos Alberto Lugarzo se referindo, justamente à sessão da semana passada em que o Presidente Gilmar Mendes prestou muita atenção na exposição proferida pelo voto do Ministro Marco Aurélio Mello.]

     Prossegue o Professor Lugarzo:

     “O Ministro Marco Aurélio fez, como ninguém tinha feito, uma análise profunda da Sentença 76/88, RG 49/84 da Corte d’Assise de Milano. Ele enumerou 34 provas de que Battisti foi tratado como autor de crime político e acusado diretamente de subversivo (evversivo). Não acredito, mesmo sendo um outsider, que em direito absolutamente tudo seja assunto de opinião.

     Não posso pensar que V. Exª acredite realmente que esses crimes foram comuns. Nunca pensaria isso, porque seria insultar vossa inteligência, e eu nunca cometeria essa impropriedade. Também tenho certeza de que V. Exª sabe que a causa está prescrita. A prova dada pelo Ministro Marco Aurélio é um verdadeiro teorema, que só pode nos inspirar pena pelos que pretendem defender o parecer contrário.

     Percebi que V. Exª ouviu as poucas, mas precisas ironias do Ministro Marco Aurélio sobre o cinismo do governo italiano e seus xenófobos e racistas partidários ao descrever as 12 maiores injúrias que os mais altos políticos fizeram da cultura e do povo brasileiro e até de seus magistrados.

“Ele fez isso, olhando “olho no olho” no Embaixador Italiano, que naquele momento abandonou a empáfia e fechou o rosto.

Sei que V. Exª entendeu que o Ministro Marco Aurélio desmascarou os interesses políticos e psicológicos (ressentimento, vingança, propaganda, revanchismo) que nada têm de jurídico e se escondem detrás de um julgamento feito com todas as violações possíveis aos Direitos Humanos e ao devido processo. E que ele também ressaltou o idealismo das gerações que lutaram contra a barbárie na década de 70, sem se importar que os vândalos usassem farda ou se vestissem à paisana.

Seria impossível duvidar de que V. Exª ouviu a um dos maiores magistrados da atualidade falar da ditadura do judiciário, algo que conduzirá à catástrofe não apenas da instituição do refúgio, mas de toda a democracia.

Tampouco V. Exª ignora muitos fatos que, embora não tenham sido narrados no dia 12, são de absoluta evidência: Que o governo da Itália se utiliza da organização DSSA para sequestrar refugiados no exterior, que o ministro italiano Clemente Mastella disse aos parentes das vítimas que não cumpriria sua promessa feita ao Brasil de limitar a prisão de Battisti aos 30 anos, que Battisti morreria na Itália pelas mãos de seus algozes e, portanto, que a declaração de greve de fome de Battisti é a evidência de que prefere uma morte digna por sua própria mão.

Enfim, Senhor Presidente, V. Exª sabe que o Ministro Marco Aurélio está certo, e hoje há milhares de pessoas que sabem disso. Não o conheço e não posso julgar se os Direitos Humanos e a Justiça são importantes ou não para Vossa Excelência.

Mas, caso o sejam, V. Exª tem uma excelente oportunidade de cumprir com esses direitos e honrar a justiça:

Admita o empate e outorgue ao réu o benefício da dúvida!

Atenciosamente

Carlos Alberto Lungarzo

Matrícula de Anistia Internacional (USA) 21525711”

            Sr. Presidente, recebi outra carta, que teve a colaboração, entre outros, do Sr. Celso Lungaretti. Ela está que está circulando como de autoria de cidadãos brasileiros que encaminharam hoje aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, Carlos Britto, Celso de Mello, Cezar Peluso, Dias Toffoli, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Ricardo Levandovisk, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello, a seguinte carta:

Prezado Srª ou Sr. Ministro,

Sou apenas um cidadão brasileiro, um daqueles sujeitos na esquina, que, como já foi dito, não detêm doutos conhecimentos para meter o bedelho na augusta discussão de assuntos jurídicos, só servindo para pagar impostos que sustentam as sapientes cortes.

Mesmo assim, acredito ter algo relevante a dizer sobre o pedido de extradição do escritor italiano Cesare Battisti e o farei, correndo o risco de ser achincalhado em excelsas declarações á imprensa. É que, na esquina, estou bem próximo do povo sofrido deste país e que por mais que tentem contínuos rancor e ânimo vingativo, os brasileiros continuamos, no fundo de nossa alma, generosos e compassivos.

Somos conhecidos e estimados no mundo inteiro por nossa cordialidade. E fizemos por merecer essa boa imagem, acolhendo, em nosso território, sem preconceitos e mesquinharias, os estrangeiros que aqui vieram para construir uma nova vida ou para escapar de perseguições que sofriam.

Nunca discriminamos ninguém, nem mesmo ditadores e torturadores. Talvez porque, como cristãos que a maioria de nós somos, não nos sentíssemos sem pecado para atirar a primeira pedra em outros pecadores.

Então, muito me surpreende que os senhores, por ação ou omissão, estejam prestes a mudar nossa tradição, que é e sempre foi humanitária.

Pior: num caso em que até um mísero sujeito na esquina como eu percebe haver enormes dúvidas. Aliás, até vossas votações de luminares têm ficado bem longe da unanimidade.

Nós, os humildes, sabemos qual é o lado em que a corda sempre arrebenta, então aprendemos a desconfiar das razões de Estado. Quando vemos os poderosos moverem uma perseguição tão encarniçada contra alguém, desconfiamos que não seja por espírito de Justiça - pois, para os senhores do mundo, esta é sempre a última das motivações.

Então, a prepotência com que a Itália tenta impor sua vontade ao Brasil, forçando-nos a fazer o que nunca fizemos nem é de nosso feitio fazer, sinceramente nos ofende.

Mais ainda quando percebemos que Cesare Battisti pode ter sido vítima de um julgamento de cartas marcadas, como os que ocorriam nas ditaduras que aqui existiram no século passado, para nossa imensa vergonha.

Também nos parece imensamente injusto causar sofrimento a um ser humano por acontecimentos obscuros de mais de trinta anos atrás. Nosso senso comum nos faz concluir que tais delitos já estejam prescritos, pouco nos importando as filigranas jurídicas com que se tente dilatar o tempo das punições.

Um de nossos grandes artistas disse: “Você, que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão”. E é por dizer coisas como esta que conquistou o respeito e a admiração da gente brasileira. Pensem nisso, Srs. Ministros.

         Battisti vem sendo, há muito tempo, um indivíduo pacato e produtivo. Nada tem feito que inspire receios quanto a suas ações, caso os Srs. lhe devolvam a liberdade, para residir e trabalhar no Brasil.

Então, entre acusações duvidosas, pressões arrogantes de um governo desmoralizado e a certeza de que será um cidadão que nenhum mal nos causará, nós, os sujeitos na esquina, não temos dúvidas em pedir-lhes que confirmem o refúgio já concedido a Cesare Battisti.

E, sem abusar da vossa paciência, suplicamos: façam-no o quanto antes, pois nunca se sabe quanto um indivíduo resistirá a uma greve de fome.

Já nos basta suportar o opróbrio da entrega de Olga Benário para a morte nos cárceres nazistas. Não tomem, em nosso nome, uma decisão que muito provavelmente causará a morte de Cesare Battisti no país que ele escolheu para viver. Pois, não há motivo para descrermos de sua afirmação de que preferirá morrer entre nós do que servir de troféu para seus carrascos da Itália.

E por ser um caso de vida ou morte, nós vos rogamos, Srs. Ministros: coloquem seus sentimentos à frente da vaidade, não se vexando de mudarem votos que se comprovaram incorretos nem de alterarem decisões que vos faria passarem à História como omissos e indiferentes ao destino de um injustiçado. Os que forem cristãos, levem em conta que a vaidade é um pecado capital. E os demais, que a compaixão e o amor ao próximo são um ensinamento comum da maioria das religiões.

É o que vos tenho a dizer, Srs. Ministro, na esperança de que lhes sirvam de algo as ponderações de um sujeito na esquina - humilde, sim, mas que acredita ser dotado do espírito de justiça inerente, segundo Platão, a todo ser humano. E é em nome do espírito de Justiça que deixo esta palavra final: salvem a vida e restituam a liberdade de Cesare Battisti! Ele já sofreu demais e merece viver em paz.

Respeitosamente,

            Aqueles cidadãos, na esquina do Brasil, que passaram a coletar assinaturas entre todos.

            E queria, Sr. Presidente, Senador Pedro Simon, prezado Senador Arthur Virgílio, Líder do PSDB, transmitir-lhes que, há cerca de dois anos, um dia fui procurado pela escritora Fred Vargas. Explicou-me que, arqueóloga, historiadora, esteve verificando, em profundidade, as razões de tudo que ocorrera com Cesare Battisti. Ela escreveu vários livros, quatro dos quais estão entre os mais vendidos. Um Lugar Incerto é o primeiro na lista dos livros mais vendidos na França, como histórias ou romances policiais. Ela me mostrou que, como historiadora e arqueóloga, foi verificar como é que se espalhou na Idade Média a peste e verificou que foi por meio de pulgas de diversos tipos. Isso, inclusive, levou-a a contribuir com o governo francês para prevenir a gripe suína. Ela me explicou de tal maneira tudo o que ocorrera com Cesare Battisti que, por essa razão, eu resolvi averiguar. Fui visitá-lo, conversei com ele, observei, por suas próprias palavras, que, especialmente, depois de ter participado do grupo Proletários Armados pelo Comunismo e ter participado de ações revolucionárias, inclusive, armadas, nunca matou ou atingiu qualquer pessoa, tendo, inclusive, realizado esforços para evitar tais procedimentos sanguíneos.

            Eis que, diante do sequestro e morte de Aldo Moro, ele tomou a resolução de nunca participar de qualquer ato que pudesse ferir ou matar alguém. E ele disse, por “a” mais “b” mais “c” mais “d”, que não participou de qualquer dos homicídios pelos quais foi acusado e condenado à prisão perpétua. E não há, Senador Pedro Simon, uma única testemunha sã, adulta, que o Governo italiano aponte como tendo visto Cesare Battisti cometer qualquer dos quatros assassinatos. Só há a denúncia formulada por aqueles que, efetivamente, participaram do assassinato, mas que tiveram o benefício do instrumento chamado “delação premiada”.

            Inclusive, o ex-Premier Massimo D’Alema, que conversou com o Presidente Lula ontem, e o Primeiro-Ministro Berlusconi, que hoje conversou com o Presidente Lula, devem ter também a hombridade, como italianos - e eu falo como bisneto e neto de italianos -, de explicar como é que a Corte italiana e mesmo a Corte européia aceitaram que houvesse falsos defensores, baseados em procurações falsas, coniventes com a denúncia dos que fizeram a delação premiada.

            Essas questões foram examinadas devidamente pelo Sr. Romeu Tuma Júnior, Secretário Nacional de Justiça; pelo Ministro Tarso Genro, que, diante das dúvidas, proferiu o voto pelo refúgio do Sr. Cesare Battisti.

            Então, encaminhar o Sr. Cesare Battisti para a Itália, extraditando-o sem o exame aprofundado desses fatos e, ainda mais, diante de todo o empenho das autoridades italianas, muita vezes colocando palavras ofensivas ao Brasil, como se isso não fosse um ato político, então...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - (...) será que para crimes efetivamente comuns se empenhariam tanto essas autoridades? Autoridades de um governo tipicamente conservador, mesmo com o apoio do Sr. Massimo D’Alema, mas que foram coniventes com o tempo em que a Justiça italiana, ainda que num governo democrático, cometeu abusos denunciados pela Anistia Internacional, abusos como a prática da tortura, a prática de técnicas de afogamento para tentar fazer com que as pessoas confessassem aquilo que nem sempre era a verdade.

            Eu aqui concluo, Sr. Presidente Senador Pedro Simon, Senador Arthur Virgílio, no sentido de que possa o Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, antes de proferir o seu voto, diante do resultado até agora (quatro a quatro), então, chamar o Sr. Cesare Battisti para vir, perante os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dizer, olho no olho, aos Ministros, qual é a sua verdade.

            E eu tenho a certeza de que, como juízes, como Ministros do Supremo Tribunal Federal, então, darão a oportunidade que ele não teve perante a Corte italiana e a Corte Européia, porque nunca um juiz perguntou a Cesare Battisti, nunca uma autoridade policial perguntou a ele: “você matou tal pessoa?” Nunca isso aconteceu. Pela primeira vez, a Justiça brasileira tem essa oportunidade. Que possa, então, o Sr. Cesare Battisti ser convidado para ir à sessão de quarta-feira próxima...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - (...) e, antes dos Ministros confirmarem o seu voto e o próprio Ministro Gilmar Mendes declarar o seu voto, que pelo menos o escutem, como eu próprio fiz para chegar às conclusões que aqui manifesto.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sr. Presidente, pela ordem.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Intervenção fora do microfone.) - Sr. Presidente, peço apenas para transcrever os dois artigos publicados ontem no O Estado de S. Paulo, do Professor Dalmo de Abreu Dallari e de Miguel Reale Júnior, para que o meu pronunciamento tenha espelhe os dois pontos de vista.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- “Benefício está, sim, sujeito à lei” e “A condição de refugiado prevalece” (O Estado de S. Paulo).


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/11/2009 - Página 59481