Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com o apagão elétrico, registrado ontem em vários estados do Brasil e que até agora não foi explicado. Analogia com os apagões invisíveis que o País enfrenta e quase não percebe, tais como os apagões sociais.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Preocupação com o apagão elétrico, registrado ontem em vários estados do Brasil e que até agora não foi explicado. Analogia com os apagões invisíveis que o País enfrenta e quase não percebe, tais como os apagões sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2009 - Página 58265
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, CORTE, ABASTECIMENTO, ENERGIA ELETRICA, CIDADE, PAIS, PERDA, CONFIANÇA, BRASILEIROS, MUNDO, SEGURANÇA, SISTEMA ELETRICO, AUSENCIA, AUTORIDADE, ESCLARECIMENTOS, PROBLEMA.
  • GRAVIDADE, SIMULTANEIDADE, CORTE, EDUCAÇÃO, BRASIL, DADOS, ANALFABETISMO, DESISTENCIA, ESCOLARIDADE, PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, TRANSPORTE URBANO, FALTA, CIDADANIA, NACIONALISMO, CONCLAMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é óbvio que o tema de hoje deve ser, para muitos de nós, essa tragédia que aconteceu ontem, embora sem consequências mais dramáticas, do ponto de vista de vidas, que é o apagão elétrico que ocorreu, Senador, em quase todo o País.

            Essa é uma tragédia do ponto de vista da imagem do Brasil, do ponto de vista daqueles que ficaram presos em aeroportos, que ficaram presos em elevadores, que ficaram presos em engarrafamentos e daqueles que passaram a ter um sentimento de insegurança sobre o sistema elétrico brasileiro, que - é preciso dizer - é um dos mais eficientes e seguros do mundo inteiro, mas que não nos deve satisfazer.

            Ao mesmo tempo, creio que é o tema de hoje a gente falar que não foram dadas ainda as explicações corretas sobre o que e por que, ontem, aconteceu esse problema. A ideia de que foi uma catástrofe climática, que acredito que pode ter sido, na minha visão de preocupado com o meio ambiente, não foi comprovada. Lamento que quase 24 horas depois ainda não se tenha uma explicação clara do houve e nem o encaminhamento de como isso não mais vai acontecer no Brasil de maneira fácil.

            Feito esse registro, Senador Mão Santa, quero falar aqui dos apagões invisíveis que este País atravessa e não percebe. Senador Marco Maciel, há quase uma contradição em termos, algo que é difícil a lógica explicar: para que o apagão apareça, tem que vir a escuridão. À luz do sol, a gente não vê os apagões que hoje tomam conta do Brasil. O apagão, por exemplo, que pesa sobre 14 milhões de brasileiros adultos que não sabem ler. Eu disse “não sabem ler”, porque a palavra “analfabeto” virou um adjetivo negativo. Na verdade - falo para esses 14 milhões -, não se sintam analfabetos. Sintam-se desprovidos de uma educação que vocês tinham o direito de receber; sintam-se roubados, lesados, desprovidos de educação, deserdados da alfabetização.

            Ao sentirem-se deserdados, a culpa não é de vocês; a culpa é daqueles que não lhes deram a chance de aprender a ler na idade certa.

            Temos que abolir a palavra “analfabeto” e substituí-la com clareza: deserdados da alfabetização. Esse é um apagão no qual o Brasil vive, mas é um apagão invisível, porque é um apagão que está aí.

            O Brasil, na nossa lógica, na nossa insensibilidade social, só vê o apagão quando a escuridão fica “visível”. Quando a escuridão não é visível, quando ela está dentro dos cérebros das pessoas, a gente não a percebe, mas temos um apagão de letras neste País. Ninguém vê o apagão de dois terços das nossas crianças e adolescentes abandonando a escola antes de terminarem o segundo grau. Esse é um apagão; esse é um apagão que não se vê, do qual quase não se fala, mas é um apagão tão dramático e mais permanente do que o de ontem, que já foi resolvido. E ainda estamos falando dele.

            A gente não vê o apagão, mais claro ainda, embora não tão visível, de uma pessoa que perde a vida na porta de um hospital com uma doença que seria curável por uma simples injeção que lhe fosse dada no momento certo. Esse é um apagão no sentido até literal do termo, porque é um apagão da vida. A pessoa perde a vida, a pessoa é apagada da vida, mas sobre esse apagão a gente não ouve falar, Senador Mão Santa, o senhor que é médico e que curou tantas pessoas, a ponto de receber o apelido de Mão Santa. É o apagão do impedimento do atendimento médico por falta de seguro, por falta de contatos, por falta de remédios, por falta de atenção. Esse apagão é descuidado; pior que descuidado, esse apagão é invisível.

            A gente não vê o apagão de milhões de pessoas que todos os dias ficam nas paradas de ônibus, esperando o ônibus, perdendo seu tempo. Isso é um apagão. O tempo é borrado, o tempo é apagado, como se o fosse por uma borracha, esperando o ônibus que não vem; ou dos que ficam uma, duas horas dentro do ônibus, em vez de estar com a família, vendo sua novela, se quiser, lendo, estudando. Apagamos o tempo dos brasileiros ou mesmo daqueles que têm recursos, mas ficam com seu tempo apagado nos engarrafamentos monumentais das cidades brasileiras. Por quê? Porque, anos atrás, algum investimento não foi feito, talvez, para evitar o apagão elétrico. Não foram feitos investimentos corretos para evitar os apagões dos engarrafamentos sistemáticos que tomam conta das cidades brasileiras por quilômetros e quilômetros, apagando o tempo de vida das pessoas que ali ficam por horas prisioneiras. Não vemos os apagões que não aparecem pela escuridão, pela falta de luz.

            Não vemos, Senador Marco Maciel, o apagão da falta de patriotismo que tomou conta hoje do Brasil, da falta de sentimento coletivo, da falta de republicanismo, como o senhor gosta de citar. O Brasil é um País que, praticamente, apagou o republicanismo.

            Temos um apagão de republicanismo no Brasil, mas nós não vemos. Nós nos acostumamos, cada um de nós, a ser um brasileiro independente, e não parte de um conjunto muito maior de seres humanos, que têm em comum a brasilidade, o patriotismo consequente, o sentimento republicano necessário para fazermos parte de uma mesma sociedade com condições iguais de oportunidades. Nós não vemos os apagões que estão à luz do dia; só vemos os apagões que aparecem graças à escuridão.

            E existe, em razão de tudo isso, um apagão maior, que é o apagão da consciência de cada um de nós do tamanho real dos problemas que atravessamos. Não vemos os problemas que exigem uma análise mais cuidadosa, um aprofundamento maior dos fenômenos sociais.

            Por isso, Senador, vim aqui dizer da minha preocupação com a infraestrutura energética brasileira, para que seja explicado o que aconteceu ontem e que seja dito o que vai ser feito para manter esse orgulho brasileiro, que é o sistema elétrico, tanto de produção quanto de distribuição. É um orgulho brasileiro. Não vamos também nos esquecer disso. Que nos expliquem o que houve e como isso vai ser consertado, mas que a gente não se esqueça dos demais apagões que o Brasil atravessa todos os dias, todas as horas, todos os momentos, todos os anos através de séculos: o apagão da educação, o apagão da saúde, o apagão dos engarrafamentos, o apagão das paradas de ônibus, o apagão do tempo perdido dentro dos ônibus pelas pessoas que aí estão, o apagão da República brasileira.

            Vamos tentar despertar para que esses apagões todos sejam levados em conta, e não apenas o apagão elétrico, que, de fato, assusta muito mais, porque vem de repente e chega com a escuridão. Não é visível o tempo todo, aí a gente se acostuma com eles. E o que mais faz um apagão não ser percebido é o costume dele; é o costume de estar num lugar apagado que faz com que o apagão não seja percebido. E vivemos num Brasil em que nos acostumamos com os apagões das mortes no trânsito, das violências na cidade, das sucessivas crises que atravessamos no passado.

            Vamos aproveitar esse apagão visível pela escuridão para despertarmos para os diversos apagões que existem à luz do sol, à luz das luzes, até nos momentos em que o sistema elétrico funciona perfeitamente.

            Essa é a mensagem, Senador Mão Santa, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, que eu gostaria de passar hoje.

            Vamos ver - esse é o verbo -, vamos ver todos os apagões que aí estão, e não apenas o apagão elétrico.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2009 - Página 58265