Discurso durante a 212ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à memória do Professor Hélio Gracie.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESPORTE.:
  • Homenagem à memória do Professor Hélio Gracie.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2009 - Página 59536
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESPORTE.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, ATLETAS, PRESENÇA, SESSÃO, HOMENAGEM, PROFESSOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • HOMENAGEM POSTUMA, ATLETA PROFISSIONAL, PROFESSOR, DESENVOLVIMENTO, TECNICA DESPORTIVA, LUTA, DIVULGAÇÃO, BRASIL, MUNDO, COMENTARIO, HISTORIA, FAMILIA, EMPENHO, INCENTIVO, PRATICA ESPORTIVA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Senador Arthur Virgilio, exímio lutador de jiu-jitsu; prezado Vice-Governador Paulo Octávio, nosso Colega aqui no Senado, faixa preta; caro Rickson Gracie, também Rolker Gracie, ambos filhos do nosso homenageado; queridas Reila Gracie e Bianca Gracie, duas sobrinhas, e Reyson, sobrinho de Hélio Gracie; professores João Alberto Barreto, Pedro Valente, Osvaldo Alves; querido Senador Magno Malta, que, como eu, é um praticante do boxe; caro Deputado Marcelo Itagiba; agora, ouvindo Rickson Gracie, pude constatar uma tal familiaridade com as coisas que aprendi no boxe, como o sentimento de segurança, de superação de receios, de muita confiança em si próprio, por ter aprendido a, se necessário, se defender, faz com que nos tornemos pessoas muito mais propensas a, sobretudo, realizar esforços para que haja a paz e o respeito entre os seres humanos. E isso resulta muito do aprendizado que uma pessoa tem do judô, do jiu-jitsu ou do boxe.

            Então, aprendemos aqui a não precisar utilizar as técnicas que desenvolvemos. O Senador Arthur Virgílio, aqui no plenário, quando realiza os embates conosco da Base do Governo, ou com seus colegas em geral, é sempre pelo uso da palavra, nunca precisando utilizar um esforço físico. Outro dia, ele quase reservou para a Sabrina Sato uma demonstração da sua extraordinária capacidade. (Risos.)

            O pronunciamento que preparei de alguma forma cruza com as informações apresentadas pelos que me antecederam. Mas eu gostaria de poder fazer uma homenagem a seu pai, essa extraordinária personagem da história brasileira do jiu-jitsu e do esporte brasileiro. Então, permita que eu leia algumas páginas aqui.

            No dia 28 de janeiro último, o jiu-jitsu mundial perdeu uma de suas maiores referências. Hélio Gracie, patriarca da mais famosa família de lutadores brasileiros, faleceu aos 95 anos, em Itaipava, região serrana do Rio. Sofria de leucemia. Mas, conforme seu filho nos contou, na verdade ele ficou poucos dias doente, na sua reta final, praticamente, pois um dos seus legados, uma das lições maiores de sua vida foi que realizar atividades físicas sempre constitui a melhor maneira de não ficarmos doentes.

            Nascido em Belém, no Pará, Hélio é considerado - ao lado do irmão Carlos - o criador do jiu-jitsu moderno. Ele era o mestre com maior graduação em jiu-jitsu no mundo e dominava também o judô, arte marcial em que chegou ao sexto Dan da Faixa Preta. Sua importância para o esporte é tão grande que no exterior a modalidade ganhou os nomes de Gracie Jiu-Jitsu e Brazilian Jiu-Jitsu. Com base em seus ensinamentos, os Gracie tornaram-se referência mundial na prática do esporte. Atualmente, há academias da família na América do Sul, nos Estados Unidos e na Europa.

            O japonês Mitsuyo Maeda trouxe o jiu-jitsu para o Brasil em 1914. Desembarcou no Pará, onde recebeu ajuda de Gastão Gracie para se estabelecer. E, conforme aqui já nos falaram, Maeda ensinou a Carlos Gracie as técnicas do combate. Carlos, por sua vez, ensinou a arte a seus irmãos, quando a família já havia se mudado para o Rio. Um dos irmãos, Hélio, porém, devido a problemas de saúde e ao corpo franzino, não podia praticar as lutas e apenas acompanhava as aulas.

            De tanto observar, Hélio tornou-se perito na teoria e nas técnicas. Quando finalmente foi para o tatame, Hélio aprimorou a parte de solo tradicional através do uso do dispositivo de alavanca, o que lhe dava a força extra que não possuía. Assim, criou o Brazilian Jiu-Jitsu. Hoje, até o exército americano treina o jiu-jitsu brasileiro.

            “Se você quer um braço quebrado, contate Carlos Gracie neste número”, dizia um anúncio estampado em um jornal carioca nos idos dos anos 20. Era o início do lendário Gracie Challange - ou o desafio Gracie - e o começo do Vale-Tudo. Com grana em jogo, lutadores de capoeira, judô, boxe e wrestling topavam encarar Carlos e seus irmãos em combates sem regras.

            Entre as décadas de 30 e 50, Hélio enfrentou seis japoneses sem sofrer uma derrota sequer. Nas regras do Vale-Tudo, ele encarou Massagoishi, Takeo Yano, Takashi Namiki e Miaki. Contra Namiaki, a luta terminou quando Hélio estava torcendo o braço do japonês com uma chave de braço. E acabou sendo considerada empate.

            Hélio encarou também um judoca chamado Ono. Foram duas lutas nas regras do jiu-jitsu/judô e ambas terminaram empatadas, apesar da nítida vantagem do brasileiro. Naquela época só vencia o combate quem finalizava ou nocauteava o adversário; não existiam pontos ou juízes.

            Irritada com o sucesso de Hélio, a colônia japonesa no Brasil então passou a exigir a presença de Kimura e Kato para calar o brasileiro e resgatar o orgulho nipônico. E foram atendidos. Mas, assim que Kimura chegou ao Rio de Janeiro e viu o franzino Hélio - de apenas 62 quilos -, o campeão de judô se recusou a enfrentá-lo. Disse que Kato faria a luta e duvidou da força e da técnica do mestre do jiu-jitsu.

            A primeira luta entre Hélio e Kato aconteceu no Maracanã. A segunda, no Ibirapuera, em São Paulo. Foi lá que Kimura viu seu colega Kato ser estrangulado pelo subestimado mestre do jiu-jitsu brasileiro.

            Sem ter para onde correr, depois de ver Kato ser finalizado, Kimura, finalmente, aceitou o desafio e lutou contra Hélio.

            Apesar de ter vencido o brasileiro, Kimura elogiou a técnica de Hélio e ainda o convidou para mostrar o seu jiu-jitsu no Japão.

            A segunda derrota de Hélio foi contra Waldemar, a luta mais longa de todos os tempos. Hélio vinha da aposentadoria, estava há quatro anos sem competir. Waldemar era roupeiro de sua academia e treinava jiu-jitsu desde os dez anos com Hélio. Estava com 24 anos na época em que derrotou seu mestre com um chute no rosto.

            Em 2006, Hélio comentou essa luta. Em entrevista a uma revista brasileira, ele lembrou a derrota para o seu pupilo:

Como o cara (o jornalista) botou na boca do Waldemar Santana que eu não era grande coisa, eu o desafiei no dia seguinte. Ele aceitou, e mesmo resfriado, lutei. Nem pensei no fato de estar doente ou não, isso pouco me importou [conforme o Arthur já aqui disse]. Subi no ringue brigando, a luta durou 3h45. Foi a luta mais longa da história do mundo. Ele pesava 30 kg mais que eu. Depois dessa luta, a Academia Gracie recebeu 125 alunos novos, impressionados com o fato de como um cara magro, com o meu físico, conseguiria brigar durante tanto tempo.

            O jornalista a que Hélio se refere em seu comentário era o Carlos Renato. Trabalhou como assessor dos Gracie e no jornal Última Hora. Foi quem mais atiçou a rivalidade entre Hélio e Waldemar com críticas ao mestre e elogios ao pupilo. Mas o racha entre os dois lutadores de jiu-jitsu aconteceu quando Waldemar decidiu enfrentar o atleta do boxe Biriba, conhecido por protagonizar lutas arranjadas (ou assim chamadas marmeladas).

            Hélio ficou furioso quando viu Waldemar acabar com Biriba em apenas sete minutos, apesar de sua ordem expressa para que não lutasse. Então demitiu e expulsou Waldemar de sua academia. O ex-pupilo de Hélio passou a treinar na Academia Haroldo Britto, em Ipanema. E deu ouvidos aos conselhos de Carlos Renato, que acreditava que ele bateria seu mestre.

            Vale ler a crônica escrita à época da vitória de Waldemar pelo jornalista Nelson Rodrigues:

Há 20 e tantos anos que os Gracie mantinham uma invencibilidade que parecia definitiva. Por isso há tanta gente querendo dar rádio, televisão e até ferro elétrico a Waldemar. E não há dúvida que ele bem o merece. No dia de sua vitória, houve uma alegria universal, sim. O fraco sentiu-se menos fraco, o humilhado menos humilhado, e o marido que não pia em casa levantou, por 24 horas, a crista abatida. Todos nós somos cúmplices de Waldemar”. (Crônica de Nelson Rodrigues escrita em 1955).

            O nocaute de Waldemar sobre Hélio rendeu-lhe o apelido de “O Leopardo Negro” e um prestígio eterno no vale-tudo. Anos depois, mestre e pupilo fizeram as pazes.

            Um dos patriarcas do jiu-jitsu no Brasil e do vale-tudo, Hélio é tão importante para esse esporte quanto Jigoro Kano foi para o judô. Assim como Kano é reverenciado no Japão, Hélio merece e será sempre idolatrado como um dos pais do jiu-jitsu brasileiro e da mistura de artes marciais.

            Apesar de ter vencido a maioria de seus combates, foi nas derrotas para Waldemar e Kimura que Hélio provou para o mundo o valor de sua técnica de luta e pôs à prova o seu espírito guerreiro, jargão comum no vale-tudo. O combate contra o japonês durou 13 minutos.

            Antes de finalizar o brasileiro com um golpe chamado à época ude-garame, mas que mais tarde, em sua homenagem, passaria a se chamar Kimura, o campeão de judô dissera a Hélio que se ele o aguentasse por mais de três minutos poderia se considerar o vencedor. O judoca pentacampeão mundial pesava 30 quilos a mais que Hélio e era 4 anos mais novo.

            Pai de sete filhos e duas filhas, Hélio era incentivador da prática esportiva, mas mostrava-se decepcionado com os rumos das artes marciais em suas últimas entrevistas. Entre os filhos que seguiram o caminho do jiu-jitsu, os de maior destaque foram Royce, campeão de três edições do Ultimate Fighting Championship - UFC, e Rickson, bicampeão do Vale Tudo Japan. Foi graças ao UFC que o jiu-jitsu brasileiro ganhou popularidade no mundo.

            Gostaria aqui de falar algumas das frases de Hélio Gracie, nas suas próprias palavras:

O jiu-jitsu que criei foi para dar chance aos mais fracos enfrentarem os mais pesados e fortes. E fez tanto sucesso que resolveram fazer um jiu-jitsu de competição. Gostaria de deixar claro que sou a favor da prática esportiva e da preparação técnica de qualquer atleta, seja qual for sua especialidade.”(Fightingnews)

“O objetivo do jiu-jitsu é, principalmente, beneficiar os mais fracos, que, não tendo dotes físicos, são inferiorizados. O meu jiu-jitsu é uma arte de autodefesa que não aceita certos regulamentos e tempo determinado. Essas são as razões pelas quais não posso, com minha presença, apoiar espetáculos cujo efeito retrata um anti jiu-jitsu.” (Fightingnews)

“Tudo o que eu aprendi na vida eu aprendi observando. Por isso eu não dou aula para ninguém com alguém assistindo, porque eu acredito mais em quem vê do que em quem faz. De maneira que, confiando nisso, eu passei a fazer a coisa com perfeição. E fui descobrindo as alavancas que todos nós temos. A necessidade que fez isso. Quer dizer, eu não fiz por inteligência e nem genialidade. Os japoneses acham que eu sou um gênio. Mas não sou nada, sou até burro em certas horas.” (Entrevista para a revista Faixa Preta, em agosto de 2006)

“Quando você tem mais confiança em si mesmo, você é automaticamente mais tolerante. Você tem condição de meditar, de se por no seu devido lugar sem precisar lutar, e isso assusta os valentões.” (Fightingnews)

“Nunca fui finalizado na vida!

            Meu caro Rickson Gracie, eu queria aqui lhe dizer da afinidade que senti diante das palavras de seu pai e de suas próprias palavras aqui, inclusive com respeito à sua preocupação de como é que pessoas que aprenderam essas coisas tão significativas para a saúde do ser humano, a saúde no sentido maior de a pessoa poder, ainda que às vezes até menor, mais franzino... Eu, por exemplo, aprendi um pouco de judô, mas acabei, dos 8 aos 12 anos, no Acampamento Paiol Grande, em São Bento do Sapucaí, e tinha o Waldemar Zumbano, como orientador.

            Fiz as minhas primeiras lutas e aprendi a gostar do boxe. Depois conheci Éder Jofre, Abrão de Souza, Paulo de Jesus e Milton Rosa, alguns dos grandes boxeadores dos anos 50 e 60, com os quais inclusive fiz luvas.

            Dos 15 aos 20 anos, resolvi treinar com o meu Professor Lúcio Inácio da Cruz, 2, 3, 4 vezes por semana, até que, aos 21 anos, disputei o campeonato de boxe da Gazeta Esportiva.

            E, conforme as suas palavras aqui, eu no boxe e você no judô, fomos aprendendo coisas para justamente podermos ter mais segurança.

            Eu, quando tinha 15, 16 anos, resolvi aprender boxe. Eu também era mais franzino. Hoje sei que não será tão fácil para qualquer pessoa que, porventura, quiser mexer comigo. Nunca precisei; especialmente depois de ter aprendido boxe, as pessoas passaram a me respeitar mais.

            E eu gostaria agora de lhe dar de presente um livro que fala de coisas que me aproximam de você, Rickson, Um Notável Aprendizado: A Busca da Verdade e da Justiça do Boxe ao Senado, porque você tem vontade de que, em nosso País, na sua cidade, Rio de Janeiro, e em todas as cidades do Brasil, possamos ter um menor grau de violência, de criminalidade violenta. E, para isso, precisamos colocar em prática princípios de justiça, de realização de efetiva paz.

            Meus parabéns ao Hélio Gracie e a todos vocês que são discípulos deste extraordinário esportista brasileiro.

            Eu queria também agradecer a presença da Ana Elisa Egreja, artista plástica de São Paulo, que está aqui hoje sendo homenageada na exposição dos artistas que todos nós, Arthur Virgílio, indicamos. Sugiro que possam depois visitar a exposição dos artistas brasileiros. Cada Senador indicou um artista de seu respectivo Estado.

            Portanto, parabéns a Hélio Gracie e a todos vocês, que, tal como Arthur Virgílio, aprenderam jiu-jitsu. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2009 - Página 59536