Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Observações sobre a política externa do governo Lula e as recentes visitas dos Presidentes de Israel e do Irã ao País, que, segundo S.Exa., são prova da maturidade alcançada pelo Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Observações sobre a política externa do governo Lula e as recentes visitas dos Presidentes de Israel e do Irã ao País, que, segundo S.Exa., são prova da maturidade alcançada pelo Brasil.
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Marisa Serrano.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2009 - Página 61432
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, RESULTADO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO BRASILEIRO, IMPORTANCIA, RECEBIMENTO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, ISRAEL, PALESTINA, IRÃ, TCHECOSLOVAQUIA, REFORÇO, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, COMERCIO EXTERIOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

            Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente, Senador Mão Santa, pelos diálogos que nós temos tido aqui, especialmente nós que, talvez, estejamos entre aqueles que estão permanentemente dialogando, tenho a impressão de que não preciso, aqui, Senador Geraldo Mesquita Júnior, dizer que tenho tido uma posição de independência, mesmo que o meu Partido, neste momento, faça parte do Bloco do Governo.

            Tenho feito críticas duras ao Governo no que se refere à maneira como conduz, de uma maneira lenta demais, na mesma velocidade dos Governos de antes, o problema educacional brasileiro, dando apenas um aumento em relação às universidades, às escolas técnicas, mas não à educação de base, tendo deixado praticamente parado no que se refere à erradicação do analfabetismo, mas não posso deixar de entrar em uma polêmica que qualquer político mais esperto, como se diz, ficaria de fora. E entro nessa polêmica com a minha responsabilidade de cidadão brasileiro no que se refere à política externa do Governo Lula.

            O Governo Lula foi criticado há um mês ou menos pelo fato de receber aqui o Presidente de Israel. Muitos disseram que a política de Israel na Palestina justificaria que o Governo brasileiro não fizesse um aceno, como foi feito ao Presidente de Israel. Outros criticaram o fato de o Presidente receber, na semana passada, o Presidente da Autoridade Palestina. Disseram que o comportamento de alguns grupos políticos na Palestina não justificaria o Presidente Lula receber o Presidente da Autoridade Palestina. A partir dos últimos dias, especialmente ontem e hoje, têm criticado fortemente o Presidente Lula e o seu Governo por terem recebido aqui o Presidente do Irã.

            Eu quero dizer que o papel de um governo é se relacionar com os outros governos e que eu vejo até como uma prova de maturidade do Brasil estarmos sendo capazes de receber presidentes, chefes de governos de linhas tão diferentes.

            Agora mesmo estamos recebendo o Presidente da República Tcheca. Em uma semana, quatro presidentes vieram aqui. Não podemos negar que isso significa um amadurecimento da posição do Brasil no cenário internacional, que não começou no Governo Lula, que vem com o processo democrático, vem com o Presidente Sarney inclusive, quando fez as aberturas para o Mercosul e fortaleceu as relações com a América Latina, vem sim com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando ele espalhou, por intermédio de suas posições, o nome do Brasil, mas temos que reconhecer, ou porque veio depois desses, ou por causa do seu carisma, ou por causa de uma ênfase muito grande, ou por causa do Ministro que tem ao lado, que é o Ministro Celso Amorim, o fato de que, nesses sete anos, o Brasil deu um salto nas relações internacionais.

            Não somos mais um País como éramos antes. Nós estamos presentes e estamos sendo capazes e obrigados a receber dirigentes de países que podemos até ter sérias críticas a eles.

            Claro, ninguém pode deixar de criticar o fato de o Presidente do Irã ter dito em algum momento - eu nunca vi onde - que o Holocausto não teria acontecido contra o povo judeu. Essa é uma declaração que merece toda a ênfase do nosso protesto.

            Claro que a gente tem razão de criticar o uso de uma força descomunal pelo governo de Israel contra a população da Palestina, em vez de procurar concentrar seu esforço especificamente naqueles que causavam os atos terroristas.

            Claro que nós temos que criticar aquilo que os governos fazem de errado na nossa maneira de ver as coisas. Claro que podemos dizer, sim, que, no nosso ponto de vista, a perseguição no Irã aos bahá'is não é o que nós gostamos.

            Agora, daí a negar ao Brasil o papel de receber esses presidentes, daí negar o papel de manter as boas relações comerciais com esse países, de, inclusive, tentar - o que pode parecer uma imensa pretensão -, fazer um esforço, ainda que pequeno para o Brasil e diante da força do mundo, para a paz entre esses povos lá distantes... Aí nós temos que reconhecer: a crítica a essa maneira de agir da política externa me parece uma falta de percepção, de algo que vai além do Governo e é algo que tem a ver com a Nação brasileira, que tem a ver com o Estado brasileiro.

            Eu não compactuo com muitas das posições de muitos dos presidentes e governantes de outros países. E até sou crítico dos governantes do meu País! Agora, daí a querer fechar o Brasil, querer impedir que aqui venham aqueles que querem negociar, aqueles que querem apresentar suas posições, eu creio que aí há um erro.

            Ao mesmo tempo em que o Presidente Lula recebeu essas pessoas, tenho a impressão de que, nas suas falas, não cometeu um único erro, de que o Ministro das Relações Exteriores não cometeu um único erro, de que, até aqui, ele manteve-se dentro da posição clara de representar a Nação, de representar o Estado brasileiro em um mundo confuso, em um mundo que não é o ideal como desejamos, em um mundo cujas posições são diferentes das nossas em diversos países.

            Eu poderia, Sr. Presidente, perfeitamente, ficar quieto, calado diante de um momento em que a polêmica tende a fazer com que você fique sempre marginalizado.

            Aqui, Senadora Marisa Serrano, durante a visita do Presidente Shimon Peres eu fiz uma nota no meu Twitter, dizendo: “O Presidente Peres de Israel acaba de fazer um discurso falando da paz”. Recebi uma quantidade imensa de protestos, dizendo: “Como é possível dizer que ele fala de paz se lá no Oriente Médio existe um clima de guerra?” Mas ele falou de paz. E, aliás, fez um belo discurso. Quem estava aqui assistiu.

            Ontem, na vinda do Presidente do Irã, aqui pelo menos onde foi recebido, ele falou de paz. Temos de falar a verdade. Se merece credibilidade ou não, é outro problema.

            Temos que reconhecer que a tentativa do Governo brasileiro de se mostrar presente no mundo e, inclusive, de manter diálogo com dirigentes com os quais discorda - imagino que se não discorda em um aspecto, pelo menos em algum outro deve haver discordância -, tenho a impressão de que é uma posição, Senadora Marisa Serrano, correta do ponto de vista de quem representa o Estado e não a si próprio; de quem representa a Nação, e não o seu partido.

            Por isso, em vez de ficar quieto, decidi dizer desta posição: não vejo por que o Brasil deveria se negar a manter diálogo com dirigentes dos quais cada um de nós pode ter todas as discordâncias. E, nessas relações, tem que manifestar as discordâncias, mas tem que reconhecer que essas pessoas estão representando seus países.

            Da mesma maneira que aqui, cada vez que se debate o ingresso da Venezuela no Mercosul, eu digo: eu não discuto a entrada do Chávez no Mercosul; eu discuto a entrada da Venezuela no Mercosul. Não tem jeito de o Presidente Chávez continuar Presidente por mais cem ou duzentos anos, não tem como. Agora, a gente tem certeza de que a fronteira da Venezuela com o Brasil vai durar mais mil anos. A gente tem que ter essa visão de longo prazo e de Estado.

            Eu passo a palavra à Senadora Marisa, que pediu um aparte.

            A Srª Marisa Serrano (PSDB - MS) - Obrigada, Senador Cristovam. Concordo com V. Exª quando diz que o Presidente Lula, como Presidente de todos os brasileiros, como Chefe de Estado, deve receber, e pode receber, os outros Chefes de Estado sem nenhum problema. O que me causa espécie, Senador Cristovam, é o que aconteceu principalmente ontem, não só receber o Presidente do Irã, mas dar aval a uma política de energia atômica que nós sabemos preocupante em todo o Oriente Médio. É dar aval à belicosidade. É o nosso País mostrar ao mundo que aceita esse tipo de energia, mesmo que o Presidente tenha dito que seja para energia limpa, mas nós sabemos que o Irã está em uma área de extremo conflito no Oriente Médio. E isso nos causa espécie, porque não é assim que o Brasil sempre agiu, é justamente o contrário: é falar de paz e agir na paz também. Todos nós conhecemos o Irã, sabemos qual é a sua forma de agir, as mulheres iranianas devem sentir na pele a falta de liberdade que têm, são todas subalternas e sabem disso. Tenho lido muito a respeito e choca-me a questão de como as mulheres vivem no Irã. Tenho convivido muito com os Baha’is aqui de Brasília, de São Paulo e sei das angustias que eles passam por não terem liberdade religiosa no seu país, no país de fundação Baha’i. Além disso, é um país fundamentalista que tem pouca percepção da liberdade que os outros países podem ter, principalmente na religião. Queria externar a V. Exª e a todo o País que está nos vendo e ouvindo que não é a questão de o Presidente Lula ter recebido um Chefe de Estado, mas a forma como o fez. Parece-me que é um desrespeito também a todos esses que sofrem, que penam. E eu acompanhei o grupo Baha’i ao Itamaraty, pedindo que o Brasil solicitasse a libertação dos Baha’is presos por professarem uma filosofia que não é aquela que o Governo aceita. Então essas coisas doem. E eu gostaria muito que Presidente Lula pudesse tê-lo recebido, mas não desse o aval a questões como essas que nós estamos colocando e que V. Exª colocou também. Muito obrigada.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu quero dizer que, se eu sentisse esse aval do Presidente Lula, eu protestaria contra o aval da mesma maneira que a senhora protesta, entendendo a vinda desse Chefe de Estado. Porque o que eu vi foram muitas críticas à vinda do Chefe de Estado. Eu, inclusive, já levei reivindicação dos Baha’is à Embaixada iraniana. Sou um defensor de todos que praticam a religião Baha’i, uma religião de paz, de amor, que merece o nosso respeito.

            É claro que a gente não pode tolerar a maneira como as mulheres são tratadas em muitos outros países. Quando os presidentes desses países vêm aqui, ninguém se lembra de criticar, ninguém faz a menor ressalva. A gente tem que fazer essa crítica também.

            Eu não estou emitindo juízo nem estou aqui para defender nenhum dos presidentes que aqui vieram. Não estou tampouco defendendo as posições do Presidente Lula, salvo a posição de recebê-los. E quanto aos discursos que ele fez, eu tenho a impressão de que se mantiveram dentro dos limites. No que se refere à questão nuclear, eu acho que ele foi até bem explícito contra o uso de armas nucleares; ele foi bem explícito em defender que qualquer país possa fazer o que o Brasil faz aqui. Nós temos centrais nucleares, nós tratamos o nosso urânio e temos na nossa Constituição a proibição de termos bombas atômicas.

            Nós temos pelo Estado de Israel um profundo respeito, todos nós, inclusive pela responsabilidade de um brasileiro na criação de Israel e pelo carinho que cada um de nós tem não apenas com os israelenses, mas eu pessoalmente com os judeus em geral, que são pessoas responsáveis por grande parte dos avanços científicos e culturais da humanidade inteira. Talvez nenhum outro povo tenha dado uma contribuição maior, proporcional ao número de seus indivíduos, para o pensamento mundial do que o povo judeu. Isso a gente tem que dizer, tem que reconhecer.

            Agora, as relações do Brasil com os Estados têm que ser com uma maturidade capaz de evitar um passionalismo que, nós últimos dias, vem acontecendo, dos que são contra receber aqui o Presidente de Israel e uma grande parte do movimento mulçumano, do movimento árabe se manifestou claramente.

            Eu recebi muitas manifestações quando elogiei o discurso feito pelo Presidente Peres nessa Mesa. E é em nome disso que estou dizendo: o Brasil não pode tratar as relações entre Estados como tratamos as relações entre pessoas.

            Eu, inclusive, critiquei diversas vezes o Presidente pelo fato de querer fazer política externa como se fosse política entre amigos. Não existe política externa entre amigos. Não existe política externa entre inimigos. Existe política externa entre Estados.

            Eu tenho impressão de que nesse sentido o Governo Lula tem procurado acertar. Eu acho que tem errado na transformação de políticas de reforma social em políticas de assistência. Tem errado muito em fazer com que o Brasil tenha tido um retrocesso ideológico imenso. Desapareceram os debates em relação às propostas. Até a Oposição não apresenta nenhuma alternativa. A Oposição faz criticas, não apresenta alternativas. Esse retrocesso ideológico talvez seja o aspecto mais negativo dos oito anos do Governo Lula.

            Eu tenho a impressão de que, na política econômica, o que ele fez foi dar continuidade a um sentido de responsabilidade que surgiu no Governo Itamar Franco, antes do Governo Fernando Henrique Cardoso, e é uma responsabilidade correta. Talvez a única inflexão que ele tenha dado tenha sido em política externa, no sentido de abrir a presença do Brasil nos mais diversos países e de transformar Brasília, de repente, num centro de peregrinação de dirigentes dos diversos Estados do mundo. 

            Como eu digo, hoje mesmo está aqui o Presidente da República Tcheca, que obviamente não chama atenção, mas está aqui visitando o Brasil.

            Senador Geraldo Mesquita.

            O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Senador Cristovam Buarque, concordo com V. Exª que as relações de Estados não podem ser obstadas por questões que, mesmo de forma justificada, aparecem como uma nódoa, uma mancha num país ou noutro. Acho certíssimo o Presidente da República receber qualquer dignitário, qualquer mandatário. Fico desconfiado quando isso é feito de qualquer forma ao argumento que o Brasil tem, de qualquer maneira, que conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Aí eu acho que a coisa não vai bem. Agora, a relação entre Estados é proveitosa, útil, em que pesem questões relativas a cada um que a população do mundo inteiro discute. A Senadora Marisa lembrou há pouco a situação dos Baha’is no Irã. Lembro a V. Exª, por exemplo, espero até que não seja verdadeira a notícia, mas colhi da imprensa brasileira a notícia de que cidadãos iranianos que se revoltaram contra o resultado das últimas eleições lá estão sendo condenados à prisão perpétua. Acho que o Presidente Lula manifestou-se - acho que V. Exª tem razão - acertadamente com relação ao direito que tem o Irã de promover sua política de energia atômica desde que para fins pacíficos, como fazemos aqui. Agora, acho que o Presidente perdeu uma grande oportunidade de, diplomaticamente, cavalheirescamente, dizer ao presidente iraniano que observamos com muita preocupação que cidadãos iranianos sejam presos e condenados à prisão perpétua tão somente pelo fato de terem se insurgido contra um resultado eleitoral. Acho que, fazendo assim, ele passa a ideia de que essas relações entre Estados estão acima dos interesses particulares de cada um, como é o nosso caso, em relação ao propalado desejo - que não é mais nem um desejo, parece uma obsessão - de o Brasil conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Se a relação é por uma razão como essa, Senador Buarque, acho que precisamos revê-la, porque aí ela está indo por um caminho equivocado que pode dar em coisa que não agradará, no futuro, os brasileiros.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Estou mais de acordo ainda porque acho que o Conselho de Segurança, hoje, é um objetivo secundário. As Nações Unidas, hoje, não são um lugar onde se discutem os grandes fatos, que estão muito mais na OMC e em outras entidades bilaterais, como o G-20, do que mesmo no Conselho. Não vale a pena fazer barganha nenhuma, mas muito menos para ter cadeira no Conselho de Segurança. Nisso, estou de acordo. Agora, no que concerne às relações bilaterais, às relações comerciais e à tentativa de influenciar - às vezes, as tentativas não são feitas nos discursos explícitos, mas nas conversas particulares, às quais a gente não tem acesso; não sei se houve ou não -, justifico.

            Porém, não podemos deixar de protestar pelo que acontece com os bahá’is, protestar pela maneira discriminatória no tocante ao tratamento de gênero, protestar contra a negação do Holocausto, contra a ideia de negar a existência do Estado de Israel. Isso a gente tem que dizer, mas sem negar a relação entre os Estados e inclusive, quando for o caso, a visita de Chefes de Estado ao Brasil.

            É isso, Sr. Presidente, o que eu tinha para dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2009 - Página 61432