Discurso durante a 219ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da data da morte de Zumbi, em 20 de novembro de 1695, encerrando quase um século de resistência do Quilombo dos Palmares, e a desigualdade que ainda caracteriza a sociedade brasileira, em detrimento da população negra e parda do País, segundo dados levantados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro da data da morte de Zumbi, em 20 de novembro de 1695, encerrando quase um século de resistência do Quilombo dos Palmares, e a desigualdade que ainda caracteriza a sociedade brasileira, em detrimento da população negra e parda do País, segundo dados levantados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2009 - Página 61443
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, OPORTUNIDADE, ANIVERSARIO, MORTE, LIDER, RESISTENCIA, QUILOMBOS, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), CONTINUAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, DISCRIMINAÇÃO, GRUPO ETNICO.
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, DIA NACIONAL, MULHER, GRUPO ETNICO, MOTIVO, CELEBRAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, LUTA, FEMINISMO, AMERICA LATINA, CARIBE.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, COTA, ACESSO, NEGRO, UNIVERSIDADE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Senador Augusto Botelho.

            Quero dizer da satisfação de recebermos os visitantes, neste momento, em nosso plenário.

            Srªs Senadoras e Srs. Senadores, senhoras e senhores, em 20 de novembro de 1695, as forças do escravagismo finalmente conseguiram assassinar Zumbi, encerrando quase um século de resistência do Quilombo dos Palmares. Sabiam elas, contudo, que mais importante que matar o homem era erradicar o símbolo, pois o exemplo da sua bravura e a semente das ideias libertárias dos quilombolas já se haviam espalhado pelas senzalas do Brasil. Assim, com esse intuito de erradicar definitivamente o símbolo de luta pela liberdade encarnado por Zumbi, decidiu o então Governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, adotar uma providência tétrica: determinou que a cabeça do herói fosse colocada em um poste no lugar mais público da cidade, a fim de aterrorizar os negros, que julgavam ser Zumbi imortal.

            Hoje, decorridos 314 anos do martírio desse ícone da resistência negra ao escravismo, podemos afirmar, com absoluta convicção, que aquela autoridade colonial falhou em seu propósito. Zumbi vive, senhoras e senhores! Aquele que foi o poderoso Governador de Pernambuco não passa de uma referência desbotada nos livros de História. Já o negro-rei, o grande lutador da liberdade, permanece muito vivo, como a principal referência no combate ainda inconcluso por um Brasil em que todos sejam efetivamente iguais. Zumbi é o exemplo no qual se espelham milhões de jovens brasileiros - principalmente os negros - na batalha cotidiana pela afirmação de seus direitos.

            A conquista da liberdade formal pelos escravos, em 1888, nem de longe representou sua verdadeira emancipação. A chaga representada pela escravidão na história deste País projeta seu legado de iniquidades até os dias de hoje, expressando-se na cruel discriminação que é não apenas percebida no dia a dia de nossas relações sociais, mas que está igualmente plasmada, de modo insofismável, nas estatísticas.

            Decorridos mais de três séculos da morte de Zumbi, dados levantados pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) demonstram, com clareza, a desigualdade que ainda caracteriza a sociedade brasileira, em detrimento da vasta população negra e parda de nosso País. Os negros recebem, em média, 53% do salário dos não negros. Sua escolaridade média é de 5,8 anos, em contraste à de 7,7 anos dos não negros. Negros e negras ocupam 60,3% dos empregos na agricultura, 57,9% na construção civil, 59,1% nos serviços domésticos. Realmente, é muito grande, é muito significativa a diferença de emprego entre negros e não negros em nosso País. Há, sim, com certeza, senhores e senhoras que nos veem e que nos ouvem, uma discriminação que, em nosso País, perdura até os dias de hoje com os negros, esses que, com certeza, ajudaram, contribuíram de forma fundamental para a construção dos alicerces do desenvolvimento do nosso Brasil. Ainda de acordo com o Ipea, 55% do trabalho não remunerado e 55,4% daquele realizado sem carteira assinada são representados por negros e negras.

            Sr. Presidente José Sarney, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, a luta de Zumbi é parte destacada da luta do povo negro na diáspora. A chegada dos primeiros navios negreiros no Brasil marcou também a chegada da forte resistência contra a escravidão. Até hoje, a história do povo negro no Brasil tem sido de luta contra a discriminação racial em suas mais diversas manifestações. Senhoras e senhores, importa dizer, porém, que essa luta só não foi maior que a contribuição desse povo no crescimento e no desenvolvimento do Brasil em suas várias fases históricas. A força de trabalho dos negros movimentou os sucessivos ciclos de nossa economia. As contribuições da matriz africana incorporaram-se de forma inextricável à nossa cultura, criando uma das sociedades mais exuberantes do planeta.

            O sincretismo é, sem sombra de dúvida, a marca da cultura do Brasil, uma cultura forjada, senhoras e senhores, também com contribuições das mais diversas etnias africanas, trazidas no período da escravidão. Trata-se de uma cultura, enfim, que é síntese das contribuições dos muitos povos que escolheram este território para viver ou que para cá foram trazidos como cativos.

            A riqueza da contribuição cultural africana na formação da cultura brasileira fica patente nas manifestações populares do Brasil. É uma contribuição que se mostra na religião, no batuque do samba, na capoeira, na culinária, na moda, na língua. Está em todo o arcabouço cultural brasileiro. São esses elementos trazidos pelos negros escravos e adaptados por eles ao meio que encontraram no Brasil que chamamos “cultura afro-brasileira”.

            De particular beleza e significado é a contribuição trazida pela mulher negra. Entre uma infinidade de nomes, não posso deixar de recordar alguns. Lembro aqui de Dandara, mulher de Zumbi, guerreira valente que, além de atuar ao lado do companheiro na defesa do Quilombo, lá trabalhou pela manutenção da cultura de matrizes africanas até a sua morte heroica, suicidando-se para não retornar à condição de escrava.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Eu pediria mais três minutos, Sr. Presidente.

            Anastácia foi filha do estupro de uma princesa africana por um comerciante português. Mulher de grande beleza e personalidade forte, tinha plena consciência da injustiça e crueldade da escravidão, tendo muitas vezes ajudado os escravos quando eram castigados; em outras oportunidades, facilitou-lhes a fuga. Um dos poucos fatos conhecidos de sua vida traz a marca da violência característica do regime escravocrata: durante dois anos, foi obrigada a usar uma mordaça de ferro na boca, que era retirada apenas para que se alimentasse.

            Chica da Silva tinha o perfil de uma mulher de personalidade e era uma autêntica líder feminina, conquista quase inacreditável em uma época marcada pela mais cruel discriminação. Habitante do Arraial do Tijuco, atual distrito de Diamantina, era uma das poucas escravas que sabia ler e escrever. Libertada por determinação do contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira, foi mãe zelosa, garantindo que seus treze filhos tivessem excelente educação. Um de seus filhos tornou-se padre. Jamais se resignou com o preconceito de que seus filhos eram alvos.

            Do tempo presente, não posso deixar de mencionar a extraordinária figura de Benedita da Silva, nossa Benê. Mulher negra, pobre e favelada, conseguiu graduar-se em Assistência Social e licenciar-se em Estudos Sociais. Após exercer a Vereança no Rio de Janeiro, elegeu-se, em 1986, a única Constituinte negra. Reelegeu-se Deputada em 1990 e, em 1994, tornou-se a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira nesta Casa, com mais de 2,2 milhões de votos. Depois, foi a primeira mulher negra a governar o Estado do Rio de Janeiro. Em 2003, já no Governo Lula, assumiu a Secretaria de Assistência e Promoção Social, com status de Ministra, tornando-se a primeira mulher negra a atingir essa posição na política brasileira.

            Finalizando esse pequeníssimo rol de extraordinárias mulheres negras, escolhidas entre muitas outras que eu poderia mencionar, devo dizer algumas palavras, Sr. Presidente, sobre Tereza de Benguela, que viveu na histórica cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital do meu Estado de Mato Grosso. Exemplo de garra e competência na luta contra a opressão, Tereza de Benguela foi líder quilombola no século XVII. Esposa de José Piolho, que chefiava o Quilombo do Quariterê, Tereza assumiu o comando quando seu marido morreu. Líder implacável e obstinada, valente e guerreira, Tereza de Benguela comandou uma comunidade de três mil pessoas e ficou conhecida como a Rainha Negra do Pantanal.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi pensando em todas essas exemplares mulheres negras que apresentei projeto de lei objetivando instituir o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, a ser comemorado anualmente no dia 25 de julho. Acredito que a iniciativa é importante, senhores e senhoras. Infelizmente, meu tempo está terminando, mas quero dizer que a escolha do dia 25 de julho para a efeméride é motivada pela celebração, nessa data, do Dia Internacional de Luta da Mulher Negra da América Latina e do Caribe, conforme deliberação adotada, em 1992, durante o I Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana.

            Acredito que as mulheres carecem de heroínas negras. Carecemos de heroínas negras que reforcem o orgulho de sua raça e de sua história, carecemos de exemplos nos quais possamos nos espelhar para nossas batalhas cotidianas.

            Ao encerrar esta minha fala alusiva ao Dia da Consciência Negra, devo destacar a importância da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei de Cotas nas Universidades. São dois diplomas legais que muito haverão de contribuir para a inclusão definitiva do negro na sociedade brasileira. Precisamos avançar com medidas como essas se desejamos, de fato, mudar a visão do negro que predomina na nossa sociedade. Já é passado o tempo de os negros e negras brasileiros deixarem de ser olhados como serviçais e passarem a ser vistos como cidadãos, deixarem de ser encarados como empregados para serem percebidos como iguais nessa sociedade.

            As ações afirmativas são o caminho a ser trilhado para a valorização da raça negra, assegurando o reconhecimento de seu papel preponderante na construção do Brasil e de nossa identidade cultural, social e religiosa.

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2009 - Página 61443