Discurso durante a 242ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Histórico da criação da Sudene, que completa 50 anos, apontando o que ainda falta para o desenvolvimento do Nordeste, especialmente no que tange à educação. Registro de conflito havido em frente à sede do Governo do Distrito Federal hoje pela manhã.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).:
  • Histórico da criação da Sudene, que completa 50 anos, apontando o que ainda falta para o desenvolvimento do Nordeste, especialmente no que tange à educação. Registro de conflito havido em frente à sede do Governo do Distrito Federal hoje pela manhã.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2009 - Página 66089
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), REGISTRO, HISTORIA, LUTA, LIDERANÇA, REGIÃO NORDESTE, CRIAÇÃO, ENTIDADE, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, BALANÇO, CONTRIBUIÇÃO, DIFICULDADE, ATUAÇÃO, PROCESSO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AVALIAÇÃO, ORADOR, NEGLIGENCIA, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, DESCONHECIMENTO, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, JUSTIÇA SOCIAL, ELOGIO, FUNDADOR.
  • APREENSÃO, CONFLITO, NATUREZA FISCAL, ESTADOS, REGIÃO NORDESTE.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, RISCOS, PERDA, OPORTUNIDADE, RIQUEZAS, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, RESERVATORIO, SAL, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, DEFESA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO.
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, REPRESSÃO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), MANIFESTAÇÃO COLETIVA, PRISÃO, JUVENTUDE, REPUDIO, CORRUPÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a minha intenção hoje aqui era antecipar-me por alguns dias e fazer uma fala sobre os 50 anos da criação da Sudene.

            A Sudene é uma entidade que muitos hoje nem sabem que existe. Entretanto, para a minha geração, a Sudene foi a grande, a maior de todas as esperanças que tivemos por um Brasil sem desigualdade regional.

            Ainda muito jovem, eu me lembro da luta de Celso Furtado, João Goulart e lideranças locais do Nordeste para criarmos uma instituição que iria acabar com esta vergonha brasileira de uma desigualdade regional tão forte, como a que até hoje nós sofremos.

            Nesses cinquenta anos, a Sudene teve seu período áureo, seu período de auge, seu período de mostrar resultados e um período longo, longo de decadência, até que passou pela sua pura e simples extinção no Governo Fernando Henrique Cardoso, para, no Governo Lula, na lei, teoricamente, abstratamente, voltar a existir.

            De fato, continua sendo uma entidade muito longe da realidade daqueles anos - 1959 e começo de 1960 - em que ela representava uma esperança. E representava até uma sinalização e uma luz para o mundo inteiro, que via no Brasil uma entidade que era capaz de planejar e canalizar os esforços nacionais para quebrar a desigualdade regional que caracteriza o Brasil, Senador Mão Santa.

            Nós nos acostumamos a falar da desigualdade social, mas esquecemos que o Brasil é um dos países com pior desigualdade entre suas regiões, especialmente a Região Sul, a Região Centro-Sul e a Região Nordeste e a Região Norte.

            A Sudene canalizou recursos, os resultados ocorreram, mas numa dimensão muito menor do que nós esperamos.

            Hoje, o que se tem é a sensação de que nem mais precisaríamos de uma entidade que procurasse enfrentar essa vergonha da desigualdade regional que temos. Cinquenta anos é um longo tempo para qualquer instituição no Brasil, mas é um período extremamente importante para uma região, para uma instituição que procurou canalizar todos os conhecimentos técnicos da época, do planejamento, da economia, do desenvolvimento, para fazer decolar uma região.

            Creio que, nesses 50 anos, ao mesmo tempo em que prestamos uma homenagem aos seus fundadores, àqueles que levaram adiante a Sudene, àqueles que acreditaram que era possível quebrar a desigualdade regional, é hora de fazer uma reflexão e olhar para o futuro. A reflexão é no sentido de que o que se conseguiu foi muito, muito menos do que o que se imaginava. Até mesmo o desenvolvimento maior do Nordeste em relação às outras áreas se deu não a favor de seu povo, mas de uma minoria de privilegiados, que receberam dinheiro nacional e investiram em benefício próprio. Não houve o retorno que se esperava para o conjunto da população do Nordeste. Não dá para dizer que a população do Nordeste esteja hoje substancialmente melhor do que estava 50 anos atrás, embora tenha havido um aumento na renda da região, mas de forma concentrada.

            A Sudene foi um instrumento de concentração da renda localmente, embora possa ter sido um instrumento de uma ligeira redução da desigualdade na distribuição da renda entre regiões. E a causa disso, a meu ver, está num erro conceitual perfeitamente explicável naquela época, que só agora a gente pode ter percebido: é que a desigualdade, Senador Mozarildo, não vai diminuir através dos investimentos econômicos. A desigualdade regional e a desigualdade social, ainda mais, só teriam diminuído se, nesses 50 anos, nós tivéssemos transformado o Nordeste na região mais educada do Brasil, se tivéssemos feito do Nordeste a região onde toda criança tivesse uma escola boa, de qualidade, e essas crianças tivessem conseguido transformar o Nordeste em um centro produtor de conhecimento de alta tecnologia. Se tivéssemos feito isso, se 50 anos atrás tivéssemos percebido que o caminho do desenvolvimento socialmente justo, permanentemente eficiente está no conhecimento e não no investimento industrial, hoje não há dúvida de que o desenvolvimento do Nordeste seria diferente. E não há dúvida de que hoje nós estaríamos numa situação melhor do que está o Centro-Sul do Brasil.

            Até porque é preciso lembrar que nem sempre foi o Centro-Sul a região mais rica. No começo da colonização brasileira, estava em Olinda o centro mais rico do País. Nos séculos seguintes, estava em Minas Gerais o polo mais rico. Já tivemos, em alguns momentos, a Amazônia como polo rico, graças à borracha. São Paulo e sua riqueza são um produto basicamente do século XVIII em diante.

            Nós poderíamos ter revertido isso se o investimento tivesse sido feito no setor mais correto, naquele que, de fato, representa o motor do progresso, que seria o desenvolvimento educacional do nosso povo, especialmente das nossas crianças.

            Essa é uma lição. A outra lição é que uma das grandes falhas da Sudene nas últimas décadas é que ela perdeu a dimensão regional e passou o centro da luta a ser entre os Estados. O que nós vemos hoje é uma disputa, uma verdadeira guerra fiscal entre os Estados, cada um querendo pegar um pouco mais, em vez de uma luta regional, do conjunto dos nossos Estados.

            E aí temos uma lição para daqui às próximas semanas: o pré-sal pode ser a Sudene do século XXI. O pré-sal pode se transformar em uma outra ilusão, como a Sudene terminou sendo. No pré-sal, Senador Mozarildo, há uma disputa entre os Estados para saber com quem vai ficar o dinheiro - primeira grande falha -, em vez de se dizer: esses recursos são nacionais e vamos beneficiar os Estados, porque eles são partes da Nação - e não, ao contrário, imaginar que a Nação é a soma dos Estados. São visões completamente diferentes: imaginar que os Estados são parte da Nação, ou imaginar que a Nação é a soma dos Estados. Hoje, cada Estado está brigando pelo seu pedaço e cada um deles esquecendo o conjunto da Nação brasileira. Primeira grande falha.

            E a segunda falha é essa idéia de que o Estado vai poder gastar o dinheiro do pré-sal no que quiser: nos prédios bonitos para as repartições públicas; gastar o dinheiro para pagar a nós, os adultos desta época, em vez de usarmos o dinheiro para construirmos o futuro da Nação brasileira, que é a verdadeira dona desses recursos.

            A Sudene, nos seus 50 anos, pode servir de uma grande lição para o que fazemos hoje no Brasil inteiro.

            Eu queria vir aqui falar sobre esses 50 anos. Mas, Sr. Presidente, eu não posso deixar de, ao mesmo tempo, falar... Senador Mozarildo, V. Exª pediu um aparte e eu o darei...

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Sim, gostaria.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Ao mesmo tempo de falar, como brasileiro, dos problemas nacionais; como nordestino, dos problemas regionais; eu não posso deixar de falar, como Senador de Brasília, do problema local. Há poucos minutos, uma manifestação em frente à sede do governo, que nem mais é usada pelo Governador, terminou em pancadaria, terminou em violência, terminou em bombas de efeito moral e terminou, inclusive, com a prisão de jovens. Pelo menos um deles eu tenho conhecimento pessoal de que neste momento está preso. É um líder do Partido dos Trabalhadores, Senador Paim, o José Ricardo Fonseca, que foi levado de lá, no camburão, para uma delegacia, que o seu pai não descobriu ainda qual é. Ele acaba de me ligar há pouco pedindo que o ajude com advogado. Liguei para a OAB para ver se pode ajudar.

            Nós estamos numa situação em que uma manifestação, que era pacífica, diferente inclusive da ocupação da Assembléia Legislativa, a nossa Câmara Legislativa, onde, no processo, houve a quebra de algumas coisas de madeira... Essa, não. Era uma pura e simples manifestação, caminhando pelas ruas, que foi impedida na base da violência, terminando com bombas de efeito moral, pancadaria e, inclusive, a prisão desse jovem.

            Eu gostaria muito, Senador Mão Santa, o senhor como nordestino, como irmão do Paulo Tarso, que é um dos maiores baluartes da Sudene desde a sua criação, de ficar restrito a falar da nossa região, da nossa entidade, do seu passado, do seu futuro; mas eu não posso deixar de dar esse recado, como Senador do Distrito Federal, preocupado com o que aqui está acontecendo, não só com a situação de constrangimento que vivemos, mas até mesmo com a ...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ...mas, inclusive, com a tentativa de impedir manifestações em que a população está querendo demonstrar o seu espírito de ânimo, a sua situação, o seu desagrado com a realidade que nós vivemos.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha que falar. Mas há dois pedidos de aparte e todo discurso é enriquecido com os apartes. Eu passo, portanto, a palavra ao Senador Mozarildo.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senador Cristovam, a parte que V. Exª abordou no seu pronunciamento sobre desigualdades regionais, é impressionante que um dispositivo constitucional diz que um dos objetivos da República é a eliminação das desigualdades sociais e regionais, mas essas desigualdades regionais têm sido aprofundadas. Vou falar sobre a Região Norte, sobre a Amazônia toda, a Amazônia Legal, que ainda inclui um Estado do Centro-Oeste, que é Mato Grosso, e uma parte do Maranhão, que é do Nordeste. Sabe quanto foram repassados de recursos voluntários da União, isto é, do Governo Federal, no Governo Lula? Cinco por cento apenas do total do Brasil. Então, 80% dos investimentos do BNDES são nas Regiões Sul e Sudeste. Dessa forma, não há como pensar em eliminação das desigualdades regionais. Então, é evidente, e V. Exª tem razão, que se tem que aprofundar e exagerar mesmo no investimento em educação. O meu Estado está fazendo isso, apesar do descaso do Governo Federal com o meu Estado. Então, acho que educação, sim; mas também sim à injeção de recursos para que possa a infraestrutura desses Estados pobres melhorar, senão vamos ficar como naquela história da música: os mais ricos vão ficar cada vez mais ricos e os mais pobres cada vez mais pobres.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu agradeço muito, Senador Mozarildo, porque serve para que eu esclareça a minha posição. Eu não tenho nenhuma dúvida de que essa idéia de investir só em educação não resolve, até porque não há como fazer educação se não tiver estrada por onde os meninos e os professores possam passar, se não tiver uma indústria potente para dar recursos ao Governo para investir na educação. Se não houver um sistema de saúde, como fazer uma boa educação? Sem agricultura, como haver comida? Sem comida, não há como ter educação.

            Claro que o processo tem que ser sistêmico, mas a diferença é qual é o verdadeiro motor do processo, qual é o verdadeiro vetor que vai transformar a sociedade. Aí eu digo que é um: a educação. O vetor é a educação; o resto é uma base fundamental, até porque a própria economia daqui para frente não terá a sua dinâmica se a gente não tiver, através da educação, um processo de alimentação dos novos produtos, que são baseados em ciência e tecnologia.

            Então, de acordo com o senhor, as propostas nossas não podem ficar presas à educação, até porque ela sozinha não existe. Não há como pagar os professores sem uma economia forte; não há como as pessoas se locomoverem sem transporte; não há como comerem sem a agricultura; não há como terem móveis, computadores sem indústria. É o sistema todo que tem que ser trabalhado, e até porque a educação vai mudar mesmo é o futuro, e a gente precisa começar a mudar desde agora.

            Agora, a diferença é que, no começo da Sudene, imaginávamos que o vetor do progresso era a indústria; e aí nós erramos. A indústria pode ser a base de sustentação do progresso, mas o vetor que puxa o progresso não é mais a indústria; é o conhecimento que faz a indústria. É esse conhecimento que gera a indústria. Esse conhecimento vem da educação.

            Por isso, o vetor é a educação. A base é todo o sistema econômico de que um país precisa.

            Senador Mão Santa.

            O Sr. Mão Santa (PSC - PI) - Senador Cristovam, quero cumprimentá-lo. Deus escreve certo por linhas tortas. V. Exª representa o Nordeste, Pernambuco, o Recife, suas raízes culturais, embora hoje seja um senhor político de todo o Brasil. Mas as raízes... Então, com muita satisfação, vi que V. Exª - eu, representando a Mesa Diretora do Senado - quer prestar uma homenagem à Sudene, um dos três grandes sonhos de Juscelino. Juscelino Kubitschek imaginou o Sul se desenvolvendo e para lá ele carreou a indústria automobilística; Brasília, nesse tripé, o centro do Brasil, essa interiorização; e a Sudene, lá no Nordeste, para tirar as desigualdades regionais. E Deus escreve certo por linhas tortas, porque V. Exª é um homem de muita cultura, muitos livros - eu estou em mão com o livro de Zózimo Tavares, que ele lança hoje: Atentai bem! Assim Falou Mão Santa. V. Exª é um homem de muitos livros, mas um dos encantos da sua literatura, que deixa aí para o Brasil, é o seu encontro com Celso Furtado - parece-me que foi em Paris.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Foi.

            O Sr. Mão Santa (PSC - PI) - Um encanto! Um encanto!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador.

            O Sr. Mão Santa (PSC - PI) - Um encanto de dois homens. Então, V. Exª vai representando com muita grandeza o Senado da República. E o Senado da República foi solidário com a Sudene. Nós a recriamos. Apenas houve um veto - não é? - de Sua Excelência o Presidente da República, e ela não está pujante, como todos nós desejaríamos. Mas quero dar o testemunho da sua responsabilidade como Senador da Capital Federal. Nós assinamos juntos. Se, se o Poder Legislativo do Distrito Federal não tiver uma solução satisfatória, nós entraremos aqui com uma CPI. Então, V. Exª engrandece... Por isso, falo com muito orgulho do Senado da República. E parte desse orgulho é pelo que V. Exª traz de riqueza para esta Casa.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador. Aproveito para prestar homenagem ao seu irmão Paulo Tarso, meu amigo, que é fundador da Sudene e até hoje ligado à Sudene de uma maneira que, talvez, nenhuma outra pessoa consiga ser. Como o senhor mesmo diz, é maníaco pela concepção da Sudene.

            Sr. Presidente, era isso o que eu tinha a falar, e agradeço o tempo que o senhor me concedeu, além do tempo previsto.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2009 - Página 66089