Pronunciamento de Patrícia Saboya em 10/12/2009
Discurso durante a 244ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Cumprimentos ao Senador Gilvam Borges pelo seu pronunciamento. Preocupação com a banalização da violência no País. Referência a violência contra a mulher. Destaque para a necessidade de se investir em educação de qualidade desde a primeira infância, numa cruzada contra a violência.
- Autor
- Patrícia Saboya (PDT - Partido Democrático Trabalhista/CE)
- Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SOCIAL.
SEGURANÇA PUBLICA.:
- Cumprimentos ao Senador Gilvam Borges pelo seu pronunciamento. Preocupação com a banalização da violência no País. Referência a violência contra a mulher. Destaque para a necessidade de se investir em educação de qualidade desde a primeira infância, numa cruzada contra a violência.
- Publicação
- Publicação no DSF de 11/12/2009 - Página 66531
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, NOTICIARIO, ESTUDO, DIVULGAÇÃO, FORO, AMBITO NACIONAL, SEGURANÇA PUBLICA, ESTATISTICA, VIOLENCIA, VINCULAÇÃO, JUVENTUDE, GRAVIDADE, AMPLIAÇÃO, PROBLEMA, DEFESA, ORADOR, INVESTIMENTO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, POLITICA SOCIAL.
- COBRANÇA, PRIORIDADE, PODER PUBLICO, SOCIEDADE CIVIL, COMBATE, VIOLENCIA, CONCLAMAÇÃO, INCENTIVO, TOLERANCIA, CULTURA, PAZ, LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, SOCIOLOGO, ANALISE, HOSTILIDADE, VITIMA, MULHER, ESTUDANTE, UNIVERSIDADE, REPRESSÃO, SEXUALIDADE, CONTRADIÇÃO, CARACTERISTICA, LIBERALISMO, BRASIL.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Presidente Mão Santa, pela generosidade das palavras. V. Exª sempre nos tem dado tanto incentivo para continuar nessa luta.
Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero, mais uma vez, parabenizar o Senador Gilvam e dizer que o meu discurso poderia significar até a continuidade do dele. Tendo em vista aquilo que nos disse, há pouco, o Senador Cristovam Buarque e, agora, em suas palavras, o Senador Gilvam - todos os dois com a mesma preocupação, Senador Mozarildo, que trago a esta tribuna mais uma vez.
Como disse anteriormente, na semana passada, tive oportunidade de falar sobre esta droga, que é o crack, que infelizmente tem tomado conta de vários lares. Tenho acompanhado as reportagens, as estatísticas, as pesquisas, os debates que têm sido feitos no Brasil, em relação a essa droga, sobre como combatê-la, como evitar que entre em nosso País, e tenho ficado cada vez mais preocupada com a situação da falta de uma iniciativa mais contundente, que possa, de alguma forma, aliviar, pelo menos, os corações das famílias brasileiras, que não sabem o que fazer com os seus filhos que se tornaram dependentes químicos de uma droga que quase não dá perspectiva de vida à juventude brasileira e que tem atingido muito mais os adolescentes e os jovens em nosso País do que qualquer outro segmento.
Hoje, muito em função daquilo que disse na semana passada, trago também um pronunciamento que procura discutir a violência e a juventude. Recentemente, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou dois importantes estudos sobre a violência no nosso País. Os dados são aterradores e mostram que a violência se incorporou à rotina da juventude brasileira. A maioria dos jovens, 55%, diz já ter visto corpos de pessoas assassinadas nos últimos 12 meses, e 30% desses relatam que já foram vítimas de algum tipo de violência. Cinqüenta e cinco por cento dos jovens!
Uma das pesquisas realizadas pelo Instituto Datafolha, entre junho e julho deste ano, mediu a percepção que cerca de cinco mil jovens, com idades entre 12 e 29 anos, têm da violência, em 31 cidades brasileiras.
Já outro estudo coordenado pela Fundação Seade, com dados de 2006, criou um índice que avalia a vulnerabilidade de jovens à violência em 266 cidades com mais de 100 mil habitantes.
Uma reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo, no dia 25 de novembro, traz o relato do menino Saulo - nome fictício -, de 13 anos, que mora numa favela em São Paulo. Saulo diz que assistir a assassinatos virou uma coisa comum na sua comunidade, para ele e para outros garotos. Ele conta também que já apanhou muitas vezes em casa e também da polícia. O repórter da Folha, o Sr. Mario Cesar Carvalho, lembra que uma das cenas mais impressionantes que já viu no exercício da sua profissão de jornalista foi a de crianças brincando, com naturalidade, de contar cadáveres na favela de Jardim Ângela, em São Paulo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é extremamente preocupante essa banalização da violência. Na semana passada, Senadora Kátia, eu trouxe o exemplo de uma professora, no interior de Minas Gerais, que, na hora do recreio, viu seus alunos de três e quatro anos de idade brincarem com o giz da sala de aula, como se aquilo ali fosse cocaína para traficar. A violência está tão banalizada em nosso País, que chocou tanto um jornalista que tem uma experiência tão farta não só nessa área, como também em outras, em relação às mazelas sociais.
Enfrentar a violência não é uma tarefa fácil, mas também não é impossível. Sabemos qual é o caminho que devemos trilhar. Não é preciso lançar mão de ideias mirabolantes. Sabemos que o fundamental é aquilo que o Senador Cristovam Buarque fala, todos os dias desta tribuna e de onde pode: investir em educação de qualidade desde cedo, desde a primeira infância, e em políticas sociais consistentes em áreas como saúde, geração de trabalho e renda, moradia, saneamento básico, segurança pública, cultura, esporte e lazer.
Mas por que não avançamos? Já há boas práticas de prevenção e de combate à violência sendo aplicadas no Brasil afora. Por que, então, não conseguimos vencer essa batalha? Eu sei e preciso dizer que também não tenho as respostas prontas para esses questionamentos. Tenho, porém, algumas pistas.
Em primeiro lugar, acho que ainda estão faltando boas doses de ousadia e de vontade política dos agentes públicos nas três instâncias governamentais. A cruzada contra a violência precisa ser colocada no topo das prioridades do Poder Público e da sociedade brasileira. Sem essa priorização, sem uma grande mobilização social em torno desse tema, certamente não conseguiremos superar tantos obstáculos.
Em segundo lugar, gostaria de chamar a atenção para um ponto que considero muito importante, que é esta impregnação da cultura da violência, que discutia, agora há pouco, com o Senador Cristovam Buarque, em nosso cotidiano, no cotidiano do povo brasileiro. Percebemos que quase tudo no Brasil se resolve na base da violência; não existe mais a mediação de conflitos, diálogo. As cenas de violência - e não estou referindo-me apenas à violência física - já fazem parte do dia a dia do brasileiro.
Estamos perdendo a paciência, a tolerância, deixando de exercitar a generosidade, a gentileza e o respeito pelo outro. Nas escolas brasileiras, tanto nas públicas como nas privadas, são frequentes os casos de violência praticados contra alunos e contra professores; alunos que depredam o patrimônio público, estudantes que se revoltam contra os professores; alunos que perseguem outros colegas que não se encaixam no padrão seguido pela maioria; jovens que não aceitam a diversidade racial, étnica e de orientação sexual.
Há algumas semanas, Srªs e Srs. Senadores, tivemos um exemplo dessa exacerbação da violência no ambiente escolar. Todos conhecem a história - provavelmente muitos Senadores falaram sobre ela; e eu lamento não ter estado aqui, porque estava de licença para tratamento de saúde, e não poder ter falado e trazido também a minha opinião sobre o caso da estudante Geisy Arruda, de 20 anos, que foi linchada pelos colegas porque usava um minivestido cor-de-rosa.
Muitos, amigos, pessoas de boa-fé, Senador Mão Santa, orientaram-me que talvez não precisasse entrar tão profundamente nesse tema ou nesse caso da estudante que usava um vestido curto na universidade e que praticamente criou uma comoção na universidade inteira, juntando estudantes, parecendo que estavam em uma arena. E muitas pessoas me disseram: “Este assunto já foi tão debatido. Talvez não seja bom que você, mais uma vez, traga esse assunto à tona”. Mas, como eu não estava aqui, porque estive quatro meses de licença, eu ainda acho que esse assunto não deve morrer na nossa lembrança e que nós sempre temos que lembrar o caso da Geisy, da estudante que usava uma saia curta, porque não parece o Brasil que a gente vive.
Parece um outro Brasil. Aqueles que estavam naquela agitação toda por causa de uma minissaia cor-de-rosa não parecem se comportar dessa mesma forma nos carnavais, nas praias, nas boates, nos eventos que acontecem no dia a dia do nosso País. Parecia, sinceramente, Senador - e eu vi pela televisão -, que revivíamos os tempos do Império Romano, quando centenas de pessoas se aglomeravam no Coliseu para assistirem aos embates entre gladiadores e as caçadas de animais selvagens, como leões. A comparação, eu sei, pode ser até exagerada - talvez seja uma caricatura daquilo que eu quero mostrar -, mas o episódio vivenciado pela estudante Geisy, acuada diante da multidão raivosa, em pleno estado catártico, foi uma demonstração de truculência, de total desrespeito aos direitos humanos, de intolerância, de ódio e de barbárie.
Não podemos aceitar que, num país como o Brasil, supostamente um país civilizado, cenas desse tipo aconteçam. E aconteçam dentro de um ambiente universitário, local que deveria ser o centro do saber, do conhecimento, do debate de idéias, da pluralidade.
O episódio da Uniban revela também o quanto a violência contra a mulher ainda é uma prática disseminada na nossa sociedade. O Brasil é supostamente um país liberal, um país tropical. O culto ao corpo é até feito de uma forma exagerada. Um país, Srªs e Srs. Senadores, onde usar roupas curtas e biquínis não é visto como pecado há muito tempo. Então, por que tanta hostilidade em relação a uma moça que trajava um minivestido rosa?
O problema é a existência de dois brasis, o Brasil moderno, esse que o Senador Cristovam Buarque há pouco tempo nos chamava a refletir, o Brasil moderno, que avança, e o Brasil cada vez mais retrógrado, o Brasil moralista, preconceituoso, machista, que enxerga as mulheres apenas como objeto de desejo dos homens. Para esse Brasil, é pecado quando as mulheres resolvem vivenciar a sua sexualidade, sem amarras, sem preconceitos e sem tabus.
O sociólogo Rudá Ricci - e eu já vou concluir -, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Representativa, fez uma boa análise sobre o episódio, em um excelente artigo onde ele diz:
“O caso Geisy denuncia esse movimento conservador, retrógrado, que nega a sexualidade do outro. Revela o temor ou a sexualidade reprimida justamente de um País cujo erotismo é destacado por todo o mundo. O vestido curto era insinuante como todo o povo brasileiro. [...] Mas somos um País contraditório, em eterna esquizofrenia moral. O mesmo povo que se carnavaliza em micaretas é o que se assusta com as saias curtas. Que País é este afinal? Que futuro projetamos para nós mesmos?”, questiona o sociólogo.
Outra questão a ser analisada é a velha tendência de transformar uma mulher de vítima de uma situação em culpada. Quantas vezes depois eu ouvi relatos de pessoas, intelectuais, de pessoas de boa formação, que eu não deveria entrar tão profundamente nesse debate, porque, afinal de contas, parece que a Geisy levantou a saia ou fez algum ato obsceno ou fez algum gesto que poderia ter criado essa euforia alucinante na comunidade da universidade.
Portanto, são desculpas esfarrapadas de um País ainda muito contraditório, de um País que precisa refletir muito, de um País que precisa aprender a respeitar o próximo, de um País que precisa aprender a exercitar a generosidade, a solidariedade, os contatos de olho a olho, os debates sinceros, os debates que realmente podem trazer algum futuro para este País, que podem trazer alguma reflexão a nós que somos políticos responsáveis por representar o nosso povo e a nossa sociedade. Que nós possamos ser políticos com a cabeça aberta, arejada; que não possamos permitir que esse tipo de atitude simplesmente impere neste País; que crianças ainda sejam vítimas da exploração sexual, que crianças sejam vítimas do preconceito, que crianças sejam vítimas de tabus, que os nossos jovens não tenham direito a exercitar a sua liberdade plena, os seus sonhos e os seus desejos.
Por isso, Senador, eu trago mais uma vez um tema que considero de alta relevância, um tema que deve ser abordado não só por aqueles que são ou se dizem ou desejam ser especialistas no tema da criança e do adolescente, mas de todos os homens e mulheres que estão aqui, como eu, que sonham e que acreditam que é possível um dia viver em um País melhor, em um País mais justo e que respeite principalmente aqueles que são mais frágeis, aqueles que são mais vulneráveis.
E mais uma vez repito, Presidente Mão Santa, que esses são os nossos pequenos, são os nossos filhos, que precisam de nós que somos adultos para defender os seus direitos, que precisam de nós que somos adultos para proteger os seus sonhos, para proteger o que disse aqui o Senador Cristovam, a emissão dos seus sonhos e dos seus desejos e para que essas emissões não sejam cerceadas, não sejam obstáculos para o crescimento do nosso País, para o desenvolvimento do nosso País. Mas isso seja, sim, um instrumento de transformação, de mudança de uma sociedade muito melhor, de uma sociedade muito mais feliz, de uma sociedade que viva muito mais em paz, que lute muito mais pela paz e que isso esteja dentro do nosso coração de verdade; que não seja apenas um discurso da boca para fora, mas que seja um ato todos os dias praticado por cada um de nós.
Senador Mão Santa, quero agradecer a generosidade de V. Exª pelo tempo e, mais uma vez, agradecer ao Senador Paulo Paim, que trocou de horário comigo e me concedeu a oportunidade de falar algo que acredito ser essencial e importante para as futuras gerações.
Muito obrigada.
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