Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão acerca da oitiva ontem na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando generais manifestaram suas opiniões sobre o ingresso de homossexuais nas Forças Armadas.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FORÇAS ARMADAS. DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexão acerca da oitiva ontem na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando generais manifestaram suas opiniões sobre o ingresso de homossexuais nas Forças Armadas.
Publicação
Publicação no DSF de 05/02/2010 - Página 1065
Assunto
Outros > FORÇAS ARMADAS. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DECLARAÇÃO, ALMIRANTE DE ESQUADRA, GENERAL DE EXERCITO, IMPEDIMENTO, INGRESSO, HOMOSSEXUAL, FORÇAS ARMADAS, APREENSÃO, ORADOR, DISCRIMINAÇÃO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • SOLICITAÇÃO, MESA DIRETORA, RETIRADA, PAUTA, VOTAÇÃO, INDICAÇÃO, MINISTRO, SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR (STM), OFERECIMENTO, OPORTUNIDADE, ESCLARECIMENTOS, REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, REQUERIMENTO, CONVOCAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, ontem, durante a sabatina dos dois oficiais generais que postulam integrar o Superior Tribunal Militar como ministros julgadores, ocorreram alguns fatos que merecem a nossa reflexão.

            Após todos os Senadores já terem votado, o Presidente da Comissão, Senador Demóstenes Torres, formulou um derradeiro questionamento que, por julgar oportuno, procurei qualificar melhor. A pergunta para os dois futuros juízes versava sobre o ingresso e a permanência de homossexuais nas Forças Armadas.

            O Almirante de Esquadra Álvaro Luiz Pinto afirmou que não tem nada contra, mas impõe condicionantes no sentido de que o homossexual “mantenha a dignidade da farda, do cargo, do trabalho que executa”.

            O General de Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho julga ser incompatível a presença de homossexuais nas Forças Armadas. Segundo ele, “o indivíduo não consegue comandar”. Diz ele que “a tropa não vai obedecer”, isto estaria provado. Para o General Cerqueira Filho, os homossexuais só devem ser aceitos pelas Forças Armadas se “mantiverem a opção sexual em segredo”.

            Nesse ponto, torna-se importante lembrar o texto constitucional. A Constituição da República, no seu art. 1º, inciso III, afirma que o Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e como um de seus objetivos fundamentais, inscritos no art. 3º, inciso IV, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O art. 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

            Assim, Sr. Presidente, considerando que se pode inferir um viés discriminatório nas declarações de ambos os oficiais, entendo que tal postura poderá influenciar nas decisões futuras que eles terão que tomar como Ministros do STM.

            Dessa forma, peço a V. Exª que não coloque na pauta do Plenário as duas mensagens de indicação de autoridade, concedendo aos dois oficiais a oportunidade de explicar melhor as suas declarações. Como os Ministros do STM não podem pautar suas posições em flagrante desacordo com o texto constitucional, entendo que não devemos votar matérias dessa natureza sem os devidos esclarecimentos.

            Assim, Srª Presidente, eu, além dessa manifestação aqui em plenário, encaminharei à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania um requerimento para que os dois oficiais possam novamente comparecer àquela Comissão.

            Sei que o processo foi concluído e a votação realizada; porém, avalio que deveria ter, naquele momento que aconteceu, inclusive após o meu próprio voto... E quero ressaltar que eu inclusive avaliei como muito positivo e expressei ao Almirante Álvaro Luiz Pinto, assim como também ao General de Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, que a vida de ambos, sobretudo na Marinha e no Exército e a colaboração que ambos tiveram em inúmeras fases de suas carreiras militares, muito contribuíam para que todos tivéssemos uma avaliação muito positiva da contribuição que poderão dar como Ministros no Superior Tribunal Militar.

            A resposta que ambos deram foi realizada após a votação dos 22 Senadores - e a votação foi 22 a zero. Não estou querendo com isso aqui modificar o resultado, mas avalio que são importantes esses esclarecimentos; daí por que ingressarei com requerimento na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, além desta manifestação, para que ambos possam novamente ser convidados para esclarecer este ponto.

            Noto que, quando o Presidente Demóstenes Torres formulou a sua pergunta, ele lembrou que o próprio Código Penal Militar prevê que o homossexualismo é crime penal militar, o que, claramente, não tem mais nenhuma aplicação em função da vigência da nova Constituição, que justamente esclarece que não pode haver discriminação de qualquer natureza.

            Portanto, é relevante que possam o Almirante Álvaro Luiz Pinto e, em especial, o General de Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, ambos, esclarecer que, de maneira alguma, agirão, em qualquer oportunidade, de maneira contrária à letra e ao espírito da Constituição, que, com muita clareza, afirma que o Brasil tem, como um de seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana e, como um de seus objetivos fundamentais, inscrito no art. 3º, inciso IV, “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, e que o art. 5º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

            Ora, o General Raymundo Nonato de Cerqueira Filho expressou que ele conheceu casos, na Guerra do Vietnã, em que oficiais das Forças Armadas dos Estados Unidos deixaram de ser respeitados na sua voz de comando pelo fato de serem homossexuais. Na verdade, são muitos os casos ao longo da história. Há, por exemplo, a história de um general importante, muito homenageado na Áustria - e pessoas que visitam a Áustria me relataram sobre isso - que era uma pessoa reconhecidamente homossexual e que, ao longo de sua vida, foi um dos generais de importância histórica e de maior vulto na história da Áustria.

            Certamente haverá, no histórico das Forças Armadas do Brasil, pessoas que tenham eventualmente comportamento homossexual sem que isso tenha eliminado a hipótese ou a possibilidade de serem muito respeitadas no seu histórico de atuação nas Forças Armadas Brasileiras.

            Com muito respeito pelo Almirante de Esquadra Álvaro Luiz Pinto e pelo General de Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, avalio que será importante que nós possamos ouvi-los novamente, não para qualquer nova votação, mas para o esclarecimento de que ambos estão completamente cientes de que a Constituição Brasileira não permite, de forma alguma, discriminação de qualquer natureza para qualquer pessoa, sobretudo no que diz respeito a seu comportamento sexual, seja homem ou mulher.

            Assim, Srª Presidente, encaminho à Presidência do Senado esta reflexão e o apelo. Aqui estão anexas as notas taquigráficas da reunião da CCJ, ocorrida em 3 de fevereiro de 2010, referentes ao diálogo havido naquele momento.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/02/2010 - Página 1065