Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Mobilização e as atividades do Primeiro Dia e Primeira Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. POLITICA SOCIAL.:
  • Mobilização e as atividades do Primeiro Dia e Primeira Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
Publicação
Publicação no DSF de 11/02/2010 - Página 2121
Assunto
Outros > HOMENAGEM. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DIRETRIZ, DEFESA, CIDADANIA, COINCIDENCIA, DATA, MOBILIZAÇÃO, SENADO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO.
  • ANALISE, RELATORIO, AUDITOR FISCAL, GRAVIDADE, PROBLEMA, FALTA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, SEMELHANÇA, ESCRAVATURA, RETENÇÃO, SALARIO, OFENSA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, ESTADO DE DIREITO, SOLIDARIEDADE, LOBBY, URGENCIA, VOTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, PUNIÇÃO, CRIME.
  • JUSTIFICAÇÃO, IMPORTANCIA, IMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, TOTAL, POPULAÇÃO, INSTRUMENTO, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, SIMULTANEIDADE, REFORMA AGRARIA, INCENTIVO, COOPERATIVA, CREDITOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Querido amigo Presidente José Nery, meus cumprimentos por ter sido o primeiro signatário desta sessão destinada a registrar as atividades da I Semana Nacional do Combate ao Trabalho Escravo.

            Sr. Presidente da Coordenação Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público, Sr. Sebastião Vieira Caixeta; Sr. Presidente da Federação das Entidades Representativas dos Oficiais de Justiça Estaduais do Brasil, Sr. Paulo Sérgio Costa da Costa; Srª Presidenta do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Srª Rosângela Rassy; senhoras e senhores; Srs. Senadores e Srªs Senadoras; há uma coincidência importante, porque, neste dia em que comemoramos os 30 anos de criação do Partido dos Trabalhadores - 10 de fevereiro de 1980 -, estamos aqui realizando esta sessão especial relativa ao trabalho escravo.

            Se me permite, Senador José Nery, faço este paralelo, porque, afinal, V. Exª, como Senador do PSOL, tem propósitos semelhantes àqueles que forjaram a formação do Partido dos Trabalhadores, bem como do seu próprio Partido, com vistas sobretudo a dar voz e vez aos que, por tantos séculos e décadas, estiveram em nosso País sem o devido direito a ter voz e a conquistar a possibilidade de ser cidadãos plenos. Então, eu gostaria de registrar este paralelo.

            No próximo dia 24, nós faremos uma sessão de homenagem, requerida pela Bancada do PT, aos 30 anos, e aí falarei mais a respeito.

            A questão da manutenção de trabalhadores em condições análogas às de escravos, conforme dados colhidos em relatórios de auditores fiscais do trabalho, é crucial em nosso País. Os relatos são extremamente graves: condições degradantes de trabalho; alojamentos superlotados, inclusive com trabalhadores dormindo no chão; retenção intencional de salários; jornada excessiva, com casos de mais de dezesseis horas diárias; não fornecimento de água potável; intervalos menores do que uma hora para repouso e alimentação dos trabalhadores; recibos de pagamento com valores irrisórios; inexistência de instalações fixas ou móveis de sanitários e lavatórios; ausência de fornecimento e de utilização de equipamentos de proteção adequados aos riscos das atividades; falta de material necessário à prestação de primeiros socorros, e detenção dos trabalhadores nas áreas do trabalho. Muitos dos que aqui têm estudado e analisado in loco têm constatado essas situações em pleno século XXI, inclusive em 2010.

            Cito como exemplo dos casos de manutenção de trabalhadores em condição análoga à de escravo, que acorrem à Justiça, o relatório feito pelo Ministro Herman Benjamim no Mandado de Segurança nº 14.017-DF, de 27 de maio de 2009, no qual S. Exª mostra a difícil situação vivida em determinadas áreas rurais do País e os dispositivos legais que são feridos por alguns proprietários de terra, que não cumprem as exigências constitucionais.

            O trabalho escravo fere os princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho, constantes do art. 1º, incisos III e IV, da Constituição da República, bem como choca-se com os objetivos fundamentais do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e de promover o bem de todos, conforme o art. 3º do texto constitucional.

            O Brasil é signatário de vários tratados e convenções internacionais que veiculam normas de combate ao trabalho em condições degradantes, das quais cito as Convenções da Organização Internacional do Trabalho nº 29, que trata do trabalho forçado e obrigatório, e nº 105, que versa sobre a abolição do trabalho forçado.

            Conforme consta do art. 149 do Código Penal, a redução do trabalhador à condição análoga de trabalho escravo é crime, com pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa, além da pena correspondente à violência. Além disso, a Constituição Federal, no seu art. 186, explicita que a função social da propriedade rural é cumprida quando, além de outros requisitos, observa as disposições que regulam as relações de trabalho e promove o bem-estar dos trabalhadores.

            Avalio como muito importante e oportuna a mobilização em torno desta Primeira Semana Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, pois este - e tudo o que a ele se assemelhe - configura, no dizer do Ministro Herman Benjamim, do Superior Tribunal de Justiça, “gritante aberração e odioso desvirtuamento do Estado de Direito, sobretudo em era de valorização da dignidade da pessoa, dos direitos humanos e da função social da propriedade”.

            Quero também abraçar a causa que V. Exª aqui nos transmite de clamar pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 438, que V. Exª mencionou, conclamando todos os Parlamentares do Congresso Nacional, os Deputados Federais, para que façam essa votação o quanto antes, atendendo, inclusive, à conclamação de V. Exª, Presidente desta sessão, José Nery.

            E gostaria de aqui lhes transmitir o quanto tenho a convicção, formada ao longo destes anos, de que um dos principais instrumentos institucionais de política econômica, inclusive que poderá contribuir para a erradicação do trabalho escravo, além da realização da reforma agrária, porque é importante ainda torná-la mais expedita, é a instituição de uma renda básica de cidadania, conforme já aprovada por todos os partidos, pelo Congresso Nacional, pela Lei nº 10.853, que diz, entretanto, que ela será instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados, como faz, portanto, o programa Bolsa Família, que hoje já atinge 12,5 milhões de famílias, correspondentes a algo entre 45 e 50 milhões de habitantes, ou um quarto da população brasileira.

            Mas o passo a ser dado, e quero conclamar todos para transmitir isso ao Presidente Lula e àquela pessoa que for eleita, se for a Ministra Dilma Rousseff, ou a Marina Silva, ou o José Serra, ou o Ciro Gomes, ou o candidato do PSOL, ainda por ser escolhido, é efetivamente implementar-se a renda básica de cidadania, prevista na lei. E por que razão a renda básica de cidadania colaborará para essa finalidade? Se me permitem, aqui farei uma breve avaliação.

            Mas como assim? Todos que estão à mesa vão receber? Até mesmo a Srª Rosângela Rassy vai receber, e o Senador Eduardo Suplicy, e o Pelé, e a Xuxa, e o Presidente Lula, a Ministra Dilma Rousseff e o Governador José Serra? Sim. Mas, como e por quê, se não precisamos, para atender às nossas necessidades vitais, dessa renda básica? Porque, obviamente, nós, que temos mais, colaboraremos para que nós mesmos e todos os demais venhamos a receber.

            E quais as vantagens? Permitam-me: primeiro, é muito mais fácil todos compreendermos e o povo todo compreender o que é a renda básica de cidadania. Se eu for aqui explicar o Programa Bolsa Família, bem colocado, terei que fazê-lo em três minutos. Mas, vamos supor que todos aqui venham, depois de bem compreender, recomendar ao Presidente Lula que, já em 1º de janeiro próximo, inicie-se a renda básica de cidadania. Como explicá-la? A partir de 1º de janeiro, todas as pessoas, inclusive os estrangeiros aqui residentes há cinco anos ou mais, terão direto a receber algo como R$50,00 por mês, para começar - um dia será R$ 70,00; outro dia, R$ 100,00; outro dia, R$ 500,00; outro dia, R$ 1.000,00. Com o progresso do País, sempre haverá uma renda mais e mais de acordo com o que for sustentável pela Nação.

            Mas, se começarmos com R$50,00, seriam R$50,00 vezes seis - pai e mãe e mais quatro crianças -, R$300,00, o que possibilitará àquelas pessoas, como as que eu, certo dia, deparei-me, quando o Padre Ricardo Rezende, da Pastoral da Terra... Senador José Nery, era o início do ano de 1992, e o Padre Ricardo Rezende transmitiu ao Congresso Nacional: “Por favor, venham aqui, a Rio Maria, sul do Estado do Pará, para ver como está a situação desses trabalhadores”. Eu estava no meu primeiro ano como Senador, do primeiro para o segundo ano, e fui acompanhar diversos Parlamentares - inclusive, o próprio Presidente Lula, então não parlamentar, acompanhou a visita. E lá ouvimos os depoimentos de dezenas de trabalhadores, que, em síntese, diziam o seguinte: “A gente vem para cá e, diante do hotel, do restaurante ou da rodoviária, vem o fazendeiro, ou o seu capataz, ou o seu administrador e nos diz: ‘Quem quiser sobe aí no caminhão, ou no ônibus, e vamos para a fazenda, a 400, 500 quilômetros daqui, e lá vocês vão cortar a floresta, prepará-la, roçar a terra, plantar, e vão receber um tanto’. Pois bem, para lá a gente vai e, passadas três, quatro semanas, chega para o gerente da fazenda e diz: ‘Eu preciso receber porque preciso mandar o dinheiro para a família’. ‘Mas como assim?’. ‘Já trabalhei um bocado!’. ‘Mas, por enquanto, você está devendo’. ‘Como estou devendo?!’. ‘É, você comprou aqui na venda mais do que o que tem direito de receber’. ‘Bom, se for assim, eu vou embora’. ‘Se quiser ir embora, vai levar um tiro!’. E muitos levaram tiros, e assim nos relataram.

            Ora, houvesse uma renda básica de cidadania para esse trabalhador, assim como para aquela pessoa, aquela moça jovem que, por vezes, não tem outra alternativa para ajudar no sustento da sua família senão vender o seu corpo ou alguém como o rapaz do filme “Cidade de Deus”, que, por vezes, nas periferias das nossas grandes cidades, por falta de alternativa, torna-se o “aviãozinho” ou o “falcão” da quadrilha de narcotraficantes, se essas pessoas tivessem a renda básica de cidadania, elas poderiam dizer: “Não, eu agora não preciso aceitar esse único caminho de sobrevivência, eu posso aguardar um pouco mais porque, graças à renda básica para mim e para cada membro da minha família, que será cada vez melhor com o progresso do País, eu agora tenho a oportunidade de pelo menos ter um pouco de dignidade e até posso realizar um curso, uma formação profissional que vai me permitir, na hora em que surgir uma boa oportunidade mais de acordo com a minha vocação e propensão, então aceitá-la”.

            É esse o sentido, além das vantagens de se erradicar toda a burocracia envolvida em se ter que saber quanto cada um ganha; de se erradicar qualquer estigma ou sentimento de vergonha em a pessoa precisar dizer “Só recebo tanto, por isso mereço tanto”; de se erradicar o fenômeno da dependência que acontece quando se têm aqueles programas que dizem “Quem não recebe até tanto tem direito a receber tal complemento”, e a pessoa está por decidir, “Vou ou não iniciar essa atividade? Mas, se eu iniciá-la, receber esse tanto, vem o Governo” - e agora o Governo anunciou que retirou 720 mil pessoas do programa Bolsa Família - “e retira aquilo que eu estava recebendo ou por receber”. A pessoa poderá decidir: “Ah, então não vou fazer esse trabalho e entro na armadilha da pobreza e do desemprego”.

            Alguns estão pensando: “Imaginem, vai-se pagar uma renda básica até a quem porventura não esteja trabalhando e não queira trabalhar?”. Como fazer, Srª Rosângela?

            Ah, pensemos um pouco! Afinal de contas, todos nós amamos fazer tantas coisas! Nós, seres humanos, muitas vezes fazemos uma porção de atividades porque nos sentimos responsáveis por ajudar a comunidade onde vivemos, sejam as mães quando estão amamentando seus nenéns, ou nós, pais e mães, quando estamos cuidando de que nossas crianças bem se alimentem e se desenvolvam, não se machuquem, ou quando nossos pais são mais idosos e necessitam da nossa assistência. Por exemplo, minha mãe hoje tem 101 anos. Quando estou em São Paulo, logo vou lá, mas, felizmente, alguns irmãos ou irmãs estão sempre lá com ela. Isso é importante.

            Ou ali, nas comunidades religiosas, nas comunidades de bairros, nas igrejas das mais diversas denominações, quantos de nós não nos colocamos à disposição para realizar tarefas?

            Vincent Van Gogh e Amedeo Modigliani eram pessoas que pintavam seus quadros e saíam pelas ruas para vendê-los e conseguir a sobrevivência, e mal conseguiam. Então, ambos ficaram doentes, morreram precocemente e hoje as suas obras são vendidas por milhões de dólares.

            Ora, mas também é importante se pensar... A nossa Constituição assegura o direito à propriedade, o que significa que aquela pessoa que detém a propriedade do capital, das fazendas, das fábricas, dos hotéis, dos restaurantes, das instituições financeiras, dos títulos financeiros, das propriedades imobiliárias podem receber juros, lucros, aluguéis. E eu lhes pergunto, Senador Nery, a pessoa, para receber juros, lucros e aluguéis, por acaso está na Constituição, na lei brasileira, que ela precisa comprovar que esteja trabalhando? Precisa? Não. Precisa comprovar que as suas crianças estejam frequentando escola, Senador Marco Maciel? Um proprietário do capital, para receber juros, lucros e aluguéis, diz a lei brasileira que, para receber tais rendimentos do capital, precisa essa pessoa comprovar que suas crianças estejam na escola, que seus adolescentes estejam nas faculdades? Não é preciso, não é? Pois bem, se nós asseguramos aos mais ricos o direito de receberem tais rendimentos, mesmo sem tais condicionalidades, por que não estendermos a todos, ricos e pobres, o direito inalienável de todos participarmos da riqueza da Nação, como um direito de sermos brasileiros e brasileiras, um direito à cidadania? É de bom senso. Tão de bom senso como sairmos de casa pela porta. Basta perceber. A resposta está aí, sendo soprada pelo vento, como diz o Bob Dylan.

            Então, Senador Nery, gostaria de cumprimentá-lo por essa iniciativa, cumprimentar todos aqueles que lutam pela erradicação do trabalho escravo. E aqui quis transmitir a todos que daremos um passo enorme também se, além da reforma agrária, das cooperativas, dos microcréditos, de todos os instrumentos positivos para acabar com o trabalho escravo, inserirmos, nessa programação, a instituição da Renda Básica de Cidadania, que já é aprovada pelo Congresso Nacional, por todos os partidos.

            Meus parabéns a V. Exª, Senador José Nery, pelo seu empenho. E pode me convocar, sim, para continuar as visitas aos lugares onde se constatam os desvios de procedimentos, onde esteja acontecendo o trabalho escravo, em qualquer parte deste País.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Modelo1 5/3/249:43



Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/02/2010 - Página 2121