Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de o Brasil ter um olhar mais nacionalista e mais humanista sobre a Amazônia.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Necessidade de o Brasil ter um olhar mais nacionalista e mais humanista sobre a Amazônia.
Aparteantes
Adelmir Santana, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 13/02/2010 - Página 3083
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DESVALORIZAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, DIRETRIZ, GOVERNO BRASILEIRO, AUSENCIA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, ABANDONO, POPULAÇÃO, MOTIVO, INFERIORIDADE, PARTICIPAÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), PAIS.
  • DEPOIMENTO, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, ESTADO DE RORAIMA (RR), QUALIDADE, MEDICO, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, INDIO, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, IGREJA CATOLICA, PIONEIRO, HOSPITAL, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, REGISTRO, DECISÃO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, TERRITORIOS FEDERAIS.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, INICIATIVA, LEGISLAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, CRIAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESCOLA TECNICA FEDERAL, LUTA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, TRANSFORMAÇÃO, TERRITORIOS FEDERAIS, ESTADOS, BALANÇO, CRESCIMENTO, PERIODO, AMPLIAÇÃO, CIDADANIA, ELOGIO, ORGANIZAÇÃO, JUDICIARIO, AMBITO ESTADUAL, GESTÃO, OTTOMAR PINTO, EX GOVERNADOR, INFERIORIDADE, RECEBIMENTO, REPASSE, GOVERNO FEDERAL, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, PROVIDENCIA, REGULARIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA.
  • DENUNCIA, FALTA, PLANO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, DIVERGENCIA, MINISTERIO, REGISTRO, ATUAÇÃO, SUBCOMISSÃO, SENADO, REGIÃO AMAZONICA, BUSCA, PARCERIA, UNIVERSIDADE, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, OBJETIVO, DIAGNOSTICO, SITUAÇÃO.
  • DEBATE, DESMATAMENTO, NECESSIDADE, OFERTA, ALTERNATIVA, ATIVIDADE ECONOMICA, INVESTIMENTO, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO, CIENCIA E TECNOLOGIA, SUPLANTAÇÃO, SUBDESENVOLVIMENTO, RESPEITO, CARACTERISTICA, DIVERSIDADE, ECOSSISTEMA, APROVEITAMENTO, AREA, ANTERIORIDADE, DETERIORAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • ANUNCIO, PRETENSÃO, DISPUTA, ELEIÇÕES, GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, DIVISÃO TERRITORIAL, REGIÃO AMAZONICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Senador Mão Santa, que preside esta sessão, quero inicialmente agradecer as palavras gentis e carinhosas de V. Exª, que aliás é uma característica de V. Exª, até talvez pela formação de médico, de ser realmente uma pessoa sensível e atenta a todas as pessoas. 

            Quero primeiramente agradecer a Senadora Marina Silva que estava na minha, mas gentilmente permitiu que eu falasse primeiro.

            Sr. Presidente, como V. Exª disse, o Brasil precisava olhar melhor a Amazônia. O Brasil precisava ter um olhar mais nacionalista e mais humanista sobre a Amazônia. Como é que o mundo desenvolvido, aí compreendidos os países ricos, olha a Amazônia? Como é que o Brasil olha a Amazônia? Se fizermos uma comparação, veremos que há um desnível, porque enquanto o Primeiro Mundo - vamos incluir aí os Estados Unidos, o Canadá e os países desenvolvidos da Europa - vê a Amazônia como a maior reserva florestal do mundo, uma reserva importantíssima, como a quinta maior reserva mundial de água doce, como um celeiro de riquezas minerais - aí incluídos não só o ouro e os diamantes tão conhecidos por nós, mas também minerais de terceira geração -, o Brasil olha a Amazônia de forma completamente ultrapassada, talvez do jeito que ele era visto quando tinha um governador-geral ou mesmo quando veio para cá D. João VI. A Amazônia é uma espécie de quintal do País. E por isso mesmo é fácil compreender por que os dirigentes brasileiros, com honrosas exceções, não deram à Amazônia nem incentivos adequados, nem, sequer, o cuidado e a atenção que deve ter com os seus 25 milhões de habitantes. 

            A Amazônia, que representa 61% do território nacional, portanto, mais da metade do território nacional, é realmente olhada pelo Brasil assim: primeiro, qual é o peso da Amazônia em termos do produto interno bruto? Oito por cento. Então, os economistas, o pessoal da área econômica não tem tanta preocupação com a Amazônia. Noventa e dois por cento do PIB está nas outras regiões, notadamente no sul e no sudeste.

            Então, na verdade, toda a Região Norte, que está na Amazônia, e mais os Estados do Mato Grosso e parte do Maranhão, que integram a Amazônia, recebem um tratamento de terceira categoria. Não diria nem de segunda, porque, de segunda, é o tratamento que recebem o nordeste e o centro-oeste; o de primeira é dispensado ao sul e ao sudeste e o de terceira, à Região Norte e - ouso dizer - toda à Amazônia.

            Então, representa 8% do PIB. É matemática. Por isso, vale pouco para o Brasil. Vamos para o lado humano: lá estão 25 milhões de habitantes. É a população da Venezuela. Várias vezes a população da Guiana, do Suriname, da Guiana Francesa, do Peru, mas, em compensação, São Paulo tem mais habitantes do que tem a Amazônia toda. Então, o Governo Federal - Presidente da República e Ministros - sempre coloca a Amazônia na rabeira da fila.

            Por isso, não leva nenhum tipo de... Como está na Constituição que a obrigação da República é eliminar as desigualdades regionais, o brasileiro que vive na Amazônia paga para ser brasileiro. É evidente que existem lá, também, malfeitores, mas é exceção da exceção! E se passa uma pecha de que todo habitante da Amazônia é meio paranóico e vive derrubando árvores, vive matando os bichos, vive perseguindo os índios. Isso não é a verdade da Amazônia. Mas por que fazem isso? Porque nós somos 25 milhões de habitantes e, comparados a São Paulo, que tem mais de 40 milhões, não valemos nada, teoricamente, para os que governam o Brasil.

            Aí, vamos para o lado eleitoral. Nós somos 11 milhões de eleitores; São Paulo sozinho tem o dobro de eleitores que tem a Amazônia toda. Então, realmente, para o Brasil, isto é, para o Governo brasileiro, a Amazônia não vale nada! É realmente o quintal do País. E nós somos tratados assim. E é por isso que eu uso minha voz de Senador pela Amazônia, porque nasci na Amazônia; de Senador por Roraima, porque nasci em Roraima... Eu não conheço a Amazônia e Roraima por ouvir dizer. Eu não conheço a Amazônia porque li algum livro ou assisti algum filme. Não! Eu nasci lá; tive de sair de Roraima para estudar. Voltei médico. Dediquei 15 anos da minha vida, como médico, trabalhando lá, atendendo a todos e a todas - para repetir o grande slogan do Governo Lula -, atendendo a todos e a todas, indistintamente. Não interessava... Ao contrário, priorizava os mais pobres, os índios, os negros, os brancos pobres também. E atendia, obviamente, também em meu consultório particular, mas a grande maioria da minha clientela era de gente muito pobre. Eu ia, Senador Mão Santa, às comunidades indígenas, inclusive levado pela Diocese de Roraima, porque eu trabalhava num hospital da Diocese, Hospital Nossa Senhora de Fátima, que depois foi fechado porque não passou a ser prioridade a questão da saúde. É importante dizer que a Igreja Católica prestou um grande serviço ao hoje Estado de Roraima quando existia apenas um hospital, que era o Hospital Nossa Senhora de Fátima.

            Da mesma forma na área educacional. O então Ginásio Euclides da Cunha, hoje Escola Euclides da Cunha, também era da Igreja Católica. O Colégio São José... Então, Roraima deve muito a essa atividade pioneira da Igreja Católica.

            E eu quero justamente falar hoje um pouquinho da história de Roraima para poder chegar à compreensão da importância do meu Estado. Embora seja o menor e o mais distante do Brasilzão central, Roraima é um Estado que mereceria ter muito mais atenção do Governo Federal e também dos governantes que por lá passaram.

            Primeiro, nós devemos registrar na história que lá nós éramos um pedaço do Estado do Amazonas, um pedaço; nós éramos Estado do Amazonas. Inicialmente começou com... Na época havia o título de freguesia, depois virou município e Getúlio Vargas, em 1943, com a sua visão de estadista, de longo prazo...

            Para mim, Senador Mão Santa, estadista é o Presidente que olha o País não só no hoje, não só para essa eleição imediata, mas que olha o país do futuro, dos filhos e dos netos nossos que estão aí.

            Getúlio Vargas naquela época olhou para a Amazônia e viu que as grandes fronteiras dela estavam completamente desguarnecidas, subdesenvolvidas ao extremo e criou, na época, três territórios na Amazônia e dois nos Estados do sul. Na Amazônia criou Guaporé, que hoje é o Estado de Rondônia; criou Rio Branco, que hoje é o Estado do Roraima e criou o Amapá, que hoje é o Estado do Amapá.

            Ora, se Roraima tivesse continuado sendo município do Amazonas, se fosse depender de consultar o Governo do Amazonas ou os amazonenses que moravam em Manaus, com certeza Roraima não seria transformado em território federal. Essa foi a forma que Getúlio Vargas encontrou para desenvolver aquela região, e realmente a diferença entre continuar município do Amazonas e ser território federal provou, em poucos anos, ser fundamental para aquela região, porque o Município de Barcelos, que é fronteira com o hoje Estado de Roraima, naquela época território federal, já foi capital do Estado do Amazonas, da Província do Amazonas e é um município que não passa de 30 mil habitantes e que o Governo do Estado do Amazonas não tem condições de dar atenção porque o Amazonas sozinho é maior do que os sete Estados do sul e sudeste juntos.

            Então, o Amazonas se desenvolve hoje graças à Zona Franca de Manaus, ao pólo industrial de Manaus. Então, Roraima ao se desmembrar do Amazonas avançou.

            E nós observamos 45 anos como território federal. E aí já foi demais. Quer dizer, um remédio tem que ter um prazo para ser usado. Ele não pode ser usado indefinidamente por uma doença de curta duração. Só se tomam indefinidamente remédios que são de uso contínuo, para doenças que são crônicas. Então, o remédio aplicado a Roraima foi demorado demais: 45 anos. Atrofiou um pouco o desenvolvimento de lideranças, tanto no campo empresarial quanto no campo político. E foi por isso que eu decidi largar o exercício da Medicina para entrar para a política. Deixei, vamos dizer assim, de cuidar do paciente humano, para cuidar do paciente social, que era o meu Estado. E fui ser deputado para ter, como bandeira principal, a transformação do território em Estado, a criação de uma universidade federal, de uma escola técnica federal.

            Por quê? Porque eu saí de casa, lá de Roraima, com quinze anos de idade, para estudar em Belém, uma distância enorme hoje em dia. Imaginem aquela época em que os aviões não eram a jato. Então, eram sete horas e meio de vôo, fora as escalas. Faz-se escala em Manaus e em Santarém para poder chegar a Belém. Estudei lá, em Belém, fiz o segundo grau, hoje ensino médio, a faculdade, me formei em Medicina e voltei para Roraima.

            Então, quando eu me tornei deputado, eu digo: “Eu vou lutar para que ninguém precise mais sair do Estado de Roraima para estudar, para ter uma graduação em qualquer profissão”. E realmente consegui aprovar duas leis autorizativas, criando a Universidade Federal de Roraima e a Escola Técnica Federal. O Sarney era Presidente da República.

            O Senador Marco Maciel era o Ministro da Educação. E eu fui falar com o Senador Marco Maciel, que era o Ministro da Educação, e ele disse: Deputado, é muito difícil o governo sancionar essas leis autorizativas, porque, embora a lei autorizativa, ela está dizendo, autoriza o Poder Executivo a fazer, e ele faz quando quiser, ele não vai ter obrigação de fazer, mas cria-se o clima político, e portanto, passa a haver a cobrança pela criação. Então, a regra é não aprovar essas leis autorizativas que impliquem gerar despesa para o Poder Executivo.

            Mas, felizmente, ele se sensibilizou, e o Ministério da Educação, na pessoa dele, deu parecer favorável pela sanção das duas leis, e o Senador Sarney, então Presidente da República, sancionou as leis e, depois, tomou a iniciativa de não só regulamentar, por meio de decreto, criar o corpo de professores, de funcionários técnico-administrativos, fazer os concursos. Na época, o então Governador Getúlio Cruz tomou a iniciativa de o estado mesmo já implantar a Escola Técnica Federal, e ele doou os prédios de um complexo que estava sendo criado para abrigar as secretarias de estado para compor o campus da universidade.

            Então, na verdade, foram dois pontos fundamentais que alavancaram, em seguida, quando foram na Constituinte. Eu, Deputado constituinte, tinha sido reeleito em 86, já criada a universidade e já criada a escola técnica, embora, como diziam, estava só no papel, nós lutamos para a transformação em estado. E a Constituinte criou o Estado de Roraima, o Estado do Amapá, transformando os dois territórios em estado, e criou o Estado do Tocantins.

            Pois bem, Roraima, nesses 21 anos de Estado, cresceu muito mais, Senador Eurípedes, do que nos 45 anos de território federal. E o povo passou a ter cidadania, porque passou a escolher os seus governadores, passou a ter representação no Senado, que, como território, não tinha, passou a ter uma representação igual à dos outros estados na Câmara Federal, isto é, 8 Deputados Federais, que é o mínimo que cada unidade da Federação tem; portanto, passou a ter representação federal, passou a ter um governador eleito, passou a ter o Tribunal de Contas do Estado, Tribunal de Justiça. E aqui quero dizer que a nossa justiça é considerada pelo CNJ uma das melhores do país. E não é, Senador Eurípedes, porque nós somos poucos habitantes, não, é porque nós temos, proporcionalmente, até menos juízes do que o necessário, mas nós lá realmente temos uma justiça bem organizada, tanto o Poder Judiciário quanto o Ministério Público muito atuantes, e isso faz uma diferença na vida do cidadão comum, do cidadão pobre, porque também a nossa Defensoria Pública no estado, embora pequeno, foi um dos primeiros a instalar a Defensoria Pública. E aqui até quero fazer uma homenagem ao meu sobrinho que, em novembro, faleceu, vítima de um acidente brutal e que era um defensor público do estado, concursado. Mas todos os defensores de Roraima, e na pessoa do Dr. Leno quero aqui homenagear, são muito atuantes.

            Portanto, lá o Governo cumpre aquele dever da Constituição, que é realmente dar ao pobre o direito de ter advogado à altura para defendê-lo. E lá existe isso.

            Então, houve uma mudança radical no Estado de Roraima nesse período. E tivemos a sorte de o Governador Otomar Pinto, já falecido - faleceu recentemente, no dia 11 de dezembro de 2007 -, um ano após ter sido reeleito Governador. Ele, antes, como Governador do Território, preparou a infra-estrutura mínima necessária para sermos um Estado e teve, digamos, o reconhecimento do povo de Roraima, ao ser eleito o primeiro Governador eleito do Estado de Roraima.

            Ele fez um trabalho muito importante de consolidação do Estado, de implantação dessas instituições que citei, o Tribunal de Justiça, a Assembléia Legislativa, que é outro caso importante. O povo hoje tem os Deputados Estaduais, para não só fiscalizar o Governo Estadual, mas cuidar das necessidades dos municípios, de todos os lugares.

            Então, foi uma revolução muito grande. E hoje estamos realmente vivendo um momento que precisa de todo roraimense. E aqui, quando falo todo roraimense e toda roraimense, para mim roraimense é aquele que vive lá, paga os impostos lá, que compra o seu rancho lá, que trabalha, portanto, dia e noite lá. Porque dou um exemplo aqui: meu irmão de sangue, filho do mesmo pai e da mesma mãe, nasceu lá em Roraima, mas mora em Pernambuco, por uma questão de opção familiar. Então, ele é um cidadão pernambucano, porque ele paga os impostos lá em Pernambuco, ele exerce a profissão dele lá em Pernambuco. E em Roraima, temos muita gente, inclusive o meu pai, que foi do Ceará para lá. Os meus avós maternos foram da Paraíba para lá. Então, temos gente de todos os quadrantes desse Brasil. 

            Temos gente do Rio Grande do Sul, do Paraná. É uma terra, que eu diria, cosmopolita. Isso é muito bom para a vida de Roraima.

            E temos os nossos índios, que eram os habitantes primeiros lá da região, e que têm um índice de desenvolvimento razoavelmente melhor do que de muitos Estados da Federação. Nós temos uma Secretaria do Índio, coisa que pouquíssimos Estados têm, para cuidar dos problemas dos índios.

            Então, na verdade, o Estado de Roraima tem tudo para ser um grande Estado. Lógico que ele tem sofrido por parte do Governo Federal um tratamento muito ruim. É uma malvadeza o que tem sido feito, notadamente pelo Governo Lula, em relação ao meu Estado de Roraima.

            E olhe que é um Presidente que, no seu primeiro programa, quando foi da sua primeira eleição, tinha uma frase lá no programa para a Amazônia que até me convenceu a votar nele no segundo turno, na primeira eleição. Porque, no primeiro turno, eu não votei nele, mas, no segundo turno, eu votei, porque ele disse o seguinte: era chegada a hora de se dizer o que se pode fazer na Amazônia e ajudar a fazer o que se pode. E acabar de dizer apenas o que não se pode fazer na Amazônia.

            E eu quero também ressalvar que tem uma medida do Presidente Lula muito positiva para a Amazônia, que é a regularização fundiária da Amazônia, porque lá tem pessoas que foram, por exemplo, como na época dos meus avós, para lá e que vivem ainda em terras não tituladas - portanto, teoricamente, terras públicas -, mas com documentos do Incra, documento precário.

            Então, na verdade, precisa que a gente resolva esses problemas todos, porque, repetindo, embora a Amazônia não seja prioridade do Governo Lula, porque, Senador Mão Santa, nesse período todo de Governo do Presidente Lula, estamos no último ano dos seus oito anos de Governo. Ele destinou à Amazônia apenas 5% dos recursos federais que são destinados voluntariamente para as regiões; quer dizer, que a União destina sem a obrigação constitucional. Quer dizer, para 61% do território nacional, a parte mais subdesenvolvida da Nação, ele destinou apenas 5%; para as outras regiões...

            A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - ... ele destinou 95% das transferências voluntárias.

            Então, não há realmente um empenho de organizar - dar-lhe-ei um aparte daqui há pouco, com muito prazer -, não há realmente sequer um plano de desenvolvimento, como gosta muito a Senadora Marina de dizer, sustentável, para a Amazônia. Não existe um plano; existem tentativas de fazer plano, mas há sempre uma dissintonia dos próprios Ministros do Presidente Lula. Então, por exemplo, não se entende o Ministério da Integração Nacional, que deveria integrar as regiões; não se entende o Ministério da Agricultura; não se entende o Ministério do Meio Ambiente; e não se entendem os outros Ministérios; nem se fala dos outros Ministérios: do Transportes, das Minas e Energia.

            Agora mesmo, nós estamos atravessando uma ameaça implícita de apagão de energia elétrica, porque a energia que nós temos vem, lá, em Roraima, da Venezuela, e a Venezuela está atravessando uma crise, por um lado, climática e, por outro lado, por falta de manutenção e de investimento no setor elétrico daquele país.

            Então, é preciso que esse raio-X seja feito muito claramente, e, como eu aprendi na minha vida de médico, nada se faz sem diagnóstico. Inclusive na Subcomissão da Amazônia, nós estamos fazendo um trabalho de ouvir a inteligência existente na Amazônia, e quem são? As universidades federais, os institutos de educação, os institutos de pesquisa como o Inpa, Instituto de Pesquisa da Amazônia; Instituto Evandro Chagas, do Pará; Museu Emílio Goeldi, do Pará. Já ouvimos esse pessoal e ouviremos todos os que pudermos para criar um diagnóstico do Senado sobre a Amazônia e apresentaremos uma proposta de plano para a Amazônia.

            É importante discutir essa questão e também que a Amazônia como um todo. E no meu Estado, em particular, mudemos o rumo dessa prosa, porque, no meu Estado, realmente estamos vivendo um período muito ruim nestes últimos dois anos de Governo, depois da morte do Governador Otomar Pinto. Realmente não existe internamente um plano adequado. Do Governo Federal nós só temos recebido maus tratos.

            Quero ouvir a Senadora Marina Silva, candidata a Presidente da República, que dá a honra de me apartear.

            A Sra. Marina Silva (PV - AC) - Senador Mozarildo, obrigada pelo aparte que me concede. V.Exª se refere ao esforço que está fazendo de ouvir a inteligência da Amazônia. Isso é louvável porque geralmente as pessoas pensam no desenvolvimento da Amazônia como um processo exógeno à própria região, quando temos ali uma capacidade instalada que deve ser ouvida e merece toda a audiência em qualquer que seja a política de desenvolvimento para a região. Quando eu estava no Ministério do Meio Ambiente, nós realizamos um esforço muito grande envolvendo todos esses setores, da academia aos governos estaduais, dos governos estaduais aos governos locais, a sociedade civil, 22 ministérios se envolveram no Plano de Desenvolvimento para a Amazônia, baseado em cinco eixos, que eram a questão do apoio às atividades produtivas sustentáveis, a inclusão social, a infraestrutura para o desenvolvimento e o combate às práticas ilegais e todo o esforço na parte de inovação, conhecimento e tecnologia. Com isso, no nosso entendimento, nós estaríamos dando conta do universo de desenvolvimento para a Amazônia. Foi um trabalho árduo, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, aliás, pelo Ministério da Integração Nacional, ainda com o amigo Ciro Gomes, com a coordenação executiva do Ministério do Meio Ambiente. Infelizmente, quando o Programa ficou pronto, e aí não estou entrando no mérito de ter repassado ou não para o Ministro Mangabeira Unger, mas o Presidente Lula entendeu que o Mangabeira, o Ministro Mangabeira era a pessoa mais indicada para coordenar esse Plano. E no meu entendimento, o Plano sequer saiu do papel porque ali estão todas as bases para um projeto de desenvolvimento para a Amazônia que contempla todos os setores, do grande ao pequeno, do pequeno à produção de conhecimento, da produção de conhecimento à inovação tecnológica, da inovação tecnológica ao manejo sustentável dos recursos e o respeito às populações locais, é o PAS. O Ministro Mangabeira Unger tem uma visão, no meu entendimento, completamente desatualizada da Amazônia e obviamente baseou sua ação por essa visão e, com certeza, isso não fez prosperar o Plano que deveria ter sido implementado.

            Eu peço vênia aqui apenas para discordar em parte de uma questão que V. Exª levantou dizendo que não houve prioridade para a Amazônia. Eu acho até que em alguns aspectos houve a prioridade, só que não com o devido cuidado, como, por exemplo, o Processo de Ordenamento Territorial e Fundiário para a Amazônia, que já é um dos eixos estruturantes do plano de combate ao desmatamento, desde 2004, não foi implementado como deveria. Deveria ter sido associado ao zoneamento ecológico e econômico, deveria ter sido associado ao zoneamento ecológico e econômico, deveria ter sido associado ao Plano de Desenvolvimento Sustentável da região, que era o PAS, e, infelizmente, passou a ser apenas um programa de transferência de terra e repassou mais de 67 milhões de hectares de terra na Amazônia sem critério. Isso equivale a quase três vezes o patrimônio do Banco do Brasil, que é de mais de 18 bilhões. Então, V. Exª diz que não teve os recursos mas só esse patrimônio repassado, que equivale à França e à Itália juntas, é muita coisa, se nós pensarmos no que foi repassado diretamente. No meu entendimento, fazer o ordenamento territorial e fundiário, como V. Exª falou, é fundamental para dar segurança aos produtores, para evitar impunidade, para evitar a expansão da grilagem, para combater desmatamento. Agora, não da forma como foi feito e como foi aprovado no Congresso Nacional. O Presidente Lula vetou alguns artigos, mas, no meu entendimento, ainda temos um processo danoso que irá se refletir em aumento de desmatamento, em ocupação indevida de terra sem o devido cuidado por parte da União. E tanto é que cada coisa que o Governo vai cedendo, vai cedendo, em seguida vem outra. Quando foi aprovada aquela medida provisória, diziam que com aquilo nós íamos pôr o freio de arrumação, acabar com a grilagem, a partir daí, todo mundo ia trabalhar bonitinho.

            Agora colocaram, na lei que regulamenta o art.23, um artigo dizendo que se tiram as competências do Ibama pra combater desmatamento, infelizmente, com o apoio da Base do Governo na Câmara dos Deputados. Em seguida, veio o Código Ambiental mudando a lei que criou o Sistema Nacional de Unidade de Conservação, a lei dos crimes ambientais, a lei que cria o serviço florestal brasileiro e a gestão florestal no Brasil, só para citar alguns.

            Então, acho que nós temos que fazer um esforço na direção do que V. Exª diz, alocar os recursos, fazer o dever de casa no que concerne ao ordenamento territorial e fundiário, valorizar as iniciativas de realização do zoneamento ecológico e econômico, como fizeram Rondônia, Acre, como está fazendo o Pará, o Mato Grosso e até o Estado de V. Exª, para que tenhamos um processo que seja a idéia de passar no teste e não mudar o teste, como toda vez se faz e o Governo cede. Aqueles que cumprem a lei se sentem lesados e os que não a cumprem se sentem os espertos, que sempre conseguem fazer com que aquilo que deveria ser uma regra seja transformado o tempo todo em exceção.

            Eu agradeço a V. Exª pelo aparte e o cumprimento por trazer um tema tão importante, como é o caso da Amazônia, para o debate, nesta manhã de sexta-feira, aqui no Senado da República.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senadora Marina Silva, eu agradeço sobremodo o aparte de V. Exª, até porque tenho aqui que relatar que fomos ao Ministério que V. Exª dirigia, o Governador Otomar Pinto, eu e uma parte da Bancada de Roraima, levar um projeto que era muito simples - pedir o apoio de V. Exª - que era usar as áreas já chamadas utilizadas, desmatadas, em projetos por incentivo do Incra, para que nós pudéssemos mecanizar aquelas áreas, aproveitá-las, sem precisar desmatar novas áreas. O meu Estado é até exceção, porque Roraima não é só floresta, tem uma grande área de lavrados. V. Exª se dispôs e chamou seus auxiliares para trabalhar nesse projeto. Infelizmente, é como V. Exª diz, muitas vezes as coisas são bem-intencionadas, bem colocadas no papel, mas não são implementadas, seja por uma razão ou por outra. É evidente que, se nós não partirmos, na Amazônia, para o zoneamento econômico e ecológico; se não partirmos para investir em ciência, tecnologia e inovação, vamos condenar aquela população a viver de maneira muito primitiva até. E eu quero dizer que, quando se fala em desmatamento da Amazônia, fala-se de uma maneira, eu diria até, preconceituosa, mas estão aí os levantamentos mostrando que muitos dos desmatamentos na Amazônia são feitos em áreas de assentamento do Incra, nos acampamentos do MST e até nas reservas indígenas. Por quê? Porque aos índios não é dada outra opção a não ser o que eles sabem fazer secularmente, que é desmatar, plantar sua roça e colher.

            Então, o que eu quero dizer, Senadora Marina, é que, no fundo, transferir... Por exemplo, se foi feita só a regularização fundiária, quer dizer, a transferência de patrimônio, e não houver investimento, o que vai acontecer é que não vai mudar nada, vai piorar até. Mas, no fundo, no fundo, o que eu reclamo é que, em oito anos de Governo - e V. Exª é testemunha de que encontrou dificuldade, acabou de citar aí que o plano passou para a mão do Ministro Mangabeira Unger -, há uma dissintonia, não há realmente uma... Por isso é que eu estou dizendo que quero fazer, tenho essa pretensão de fazer, na Subcomissão Permanente da Amazônia, essa ausculta da inteligência da Amazônia, e nisso a colaboração de V. Exª é muito importante, para que possamos ter um plano que não seja... A Amazônia não é só verde, ela é também amarela, das flores do Ipê, ela é também vermelha, das cores de certas flores que existem na Amazônia, ela é amarelada, como são os lavrados do meu Estado, e verde em certas épocas, mas, no fundo, no fundo, o que eu quero aqui é que nós encontremos um diagnóstico e um caminho para que a Amazônia não continue, por mais alguns séculos, indo e vindo: indo algumas vezes de maneira muito errada e outras vezes vindo no sentido de regredir para o antes. E no meu Estado - que, repito, é o menor, em termos de população da federação -, seria muito simples até fazer um modelo piloto de como é que deveriam ser os Estados da Amazônia. No entanto, não há sintonia, não há vontade política e, infelizmente e realmente, é essa a realidade que estamos vivendo.

            Eu inclusive defendo que nós temos de ter - já que o Senado representa os Estados - uma posição mais pró-ativa, toda a bancada da Amazônia, porque nessa bancada nós somos 27 Senadores. É lógico que temos diferenças de pensamento sobre isso ou sobre aquilo, até porque os Estados da Amazônia não são iguais. É um equívoco pensar, por exemplo que a Amazônia é só floresta. É um equívoco pensar que na Amazônia só existe índio. É um equivoco pensar que na Amazônia a prioridade é a árvore. Então, essas coisas... É o meu pensamento. Agora, por isso mesmo é que eu quero ouvir a inteligência científica da Amazônia. E estou ouvindo.

            Já ouvi esses estudos que mencionei, o Inpa da Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o Instituto de Biotecnologia da Amazônia, os dois Institutos de Pesquisa do Pará, a Reitora da Universidade do Acre. E vamos ouvir os Reitores de todas as universidades, porque nós queremos ter algo realmente que não seja, como disse V. Exª, exógeno, uma receita exógena para a Amazônia, porque há muita gente falando de Amazônia lá de Ipanema, lá da Avenida Paulista, e - o que é pior - principalmente lá da Europa, lá dos Estados Unidos, querendo dar receita para nós do que eles não fizeram por sinal.

            V. Exª está solicitando mais outro aparte? Terei o maior prazer em ouvi-la.

            A Srª Marina Silva (PV - AC) - Eu acho que V. Exª está levantando um tema fundamental. Inclusive, V. Exª falou daquela proposta de uso das áreas já degradadas. Obviamente, no nosso recorte do Ministério do Meio Ambiente, em relação às áreas de preservação permanente em reserva legal, não poderiam ser utilizadas as áreas degradadas que estão abandonadas ou semiabandonadas, mas está correta a tese, ressalvando essas áreas que deveriam ser averbadas. Agora, no plano de combate ao desmatamento e no próprio PAS, a responsabilidade de implementação dessa agenda é do Ministério da Agricultura, que, infelizmente, tinha uma posição de resistência total ao plano. E eu acho que agora... Até um dias desses, antes de Copenhague, eu li um artigo do Ministro Stephanes, dizendo que, de fato, há uma contribuição a ser dada pelo Ministério da Agricultura. E eu espero que ela seja dada o quanto antes, porque nós já estamos prontos, Senador Mozarildo. A Embrapa diz que já tem tecnologia, conhecimento para que possamos utilizar corretamente as áreas que estão abertas sem precisar abrir novas áreas.

            E mais, ainda: existe aquele sistema, lavoura/pecuária, combinando o plantio de determinadas espécies, inclusive de leguminosas, com a própria pecuária para que possamos ter uma produtividade maior, um sistema de revezamento e uso das pastagens, o que aumentaria a produtividade e a geração de emprego. Infelizmente, em um primeiro momento, na Comissão de Agricultura, o projeto foi rejeitado. Depois, a gente conseguiu fazer com que ele voltasse a tramitar e fosse aprovado. Esse projeto é uma iniciativa de um técnico importante, um pesquisador da Embrapa. Então, acho que, se não houver uma atitude integrada, transversal - como eu disse - nós vamos ficar, apenas, com a agenda fragmentada. E a agenda fragmentada faz com que não haja uma visão ampla para a Amazônia, como V. Exª está reivindicando aqui. Mas, no meu entendimento, o uso dos 165 mil quilômetros quadrados de área que foram abertas e que estão abandonadas já é perfeitamente possível, assim como evitar a expansão sobre as novas áreas, obviamente ressalvando as áreas de preservação permanente e a reserva legal.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Exatamente, Senadora Marina. Em nossa proposta de Roraima, pelo menos, as áreas já mexidas, já antropologicamente utilizadas - que são as chamadas, por alguns setores, de áreas já degradadas - foram feitas dentro de assentamentos do Incra. Portanto, estimuladas pelo Governo Federal, que, inclusive, só dava o título para o colono depois que ele desmatava 50% da área. Ou seja, na tese deles, desmatar significava estar produzindo na área. Se essas áreas já estão derrubadas... Então, se houver - no caso de meu Estado de Roraima, estão todas dentro de assentamentos regulares do Incra - uma utilização disso aí, pronto.

            Agora, autorizar e dar assistência, porque...

            A Srª Marina Silva (PV - AC) - Senador Mozarildo.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Se não der assistência, vai fazer como estão hoje lá: um monte de colonos passando fome, que têm apenas uma agricultura de subsistência e mal. Então, é preciso - eu repito - que o Brasil, o Governo Federal tenha um olhar para a Amazônia primeiro nacionalista, segundo humanista.

            A Srª Marina Silva (PV - AC) - Só uma contribuição e eu paro aqui, porque, enfim... Mas é que, no caso do desmatamento - e as pessoas às vezes colocam muito a lume os pequenos agricultores e a agricultura familiar -, pelo levantamento que temos - e é um levantamento técnico -, 20% do desmatamento é causado pelos pequenos e cerca de 80% pelos grandes. Para que a gente não cometa a injustiça de achar que o desmatamento da Amazônia é causado exclusivamente pelos pequenos agricultores. São 20% por aqueles que têm a maior quantidade de propriedades e em menor área, mas 80% são praticados pelos grandes proprietários. Na terra indígena, há o menor índice de desmatamento. As áreas mais preservadas que têm ação antrópica são as áreas indígenas, ainda que também haja desmatamento. E, no levantamento que fizemos, uma boa parte desses desmatamentos significam invasão inadequada das próprias terras dos índios. Sei que V. Exª está dizendo que se deve usar também essas áreas que foram desmatadas dentro dos assentamentos, mas trago esses dados para que não se crie uma idéia de que o desmatamento na Amazônia, na sua maior parte, é causado pelos pequenos. É também pelos pequenos, deve ser igualmente combatido, devemos ter políticas para que eles também não venham a desmatar, mas 80% são causados pelos grandes proprietários.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senadora Marina, eu evito muito essa dicotomia entre grandes e pequenos, entre índios e não índios, porque, senão, ficamos num embate que não leva a nada.

            Eu não afirmei aqui que o maior desmatamento da Amazônia é feito pelos pequenos. Eu disse que existe também nos pequenos, mas não uso essa dicotomia e acho que temos de eliminá-la para podermos pensar numa solução global. Por exemplo, se nós temos - no meu Estado, pelo menos eu posso dizer isso - assentamentos que foram promovidos pelo Governo Federal, através do INCRA, já desmatado até mais de 50% da área, o colono está lá e o que vem acontecendo historicamente? O colono desmata, não tem condições de sobreviver ali e vende o lote para um terceiro, quando ele passa a ter direito de vender. Aí um fulano compra um lote aqui e depois compra outro do vizinho e se transforma num grande proprietário de pastos e, portanto, de criação de gado.

            Então, há que se ter um diagnóstico e uma receita que surja de dentro da Amazônia, da inteligência da Amazônia e daqueles governantes da Amazônia. Agora, lógico, respeitando e analisando todas as vertentes. Não tenho preconceito, porque, para mim, duas coisas também que não são antagônicas, para mim não são antagônicas, ciência e fé. Há quem ache que seja incompatíveis você acreditar na ciência e ter fé. Eu não. Eu acho que você pode ser perfeitamente uma pessoa que acredita na ciência, porque a ciência não é também uma obra de Deus? Lógico que é. Quem é que deu a capacidade para o homem descobrir e fazer certas coisas? Foi Deus.

            Então, acho que é possível ter ciência e fé juntas, como é possível ter na Amazônia pequenos, médios e grandes produtores, como é possível ter assentados, como é possível ter pessoas que estão lá historicamente há muito tempo, como é possível conviver tranquilamente com reserva indígena. Aliás, em termos de reserva indígena, o meu Estado já tem 60% do território demarcado. Portanto, não é por falta de demarcação e não é por falta de definição de certas regras.

            O que falta efetivamente é ter um diagnóstico e um plano nacional em que estejam engajados governos municipais, estaduais e o Governo Federal para, de fato, acabar com essa triste desigualdade regional que existe na Amazônia. Não pode ficar essa história, Senador Eurípedes, Senador Mão Santa, de que... Até tem uma música que diz: os pobres continuarem cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. No caso da federação brasileira, se é que podemos dizer assim, os Estados mais ricos ficam cada vez mais ricos, do Sul e do Sudeste, até às custas da migração que vai para lá, mas os mais pobres ficam cada vez mais pobres, às vezes até de inteligência.

            Eu fiquei surpreso, Senador Adelmir, com a afirmação dos cientistas desses institutos que nós ouvimos de que não existem pesquisadores em número suficiente. A maioria é bolsista do CNPq que está pesquisando na Amazônia. Esse pessoal não vai ficar lá. Não há concurso aberto para pesquisadores da Amazônia. Então, é lamentável. Agora, vemos a toda hora estrangeiros que vêm pesquisar a Amazônia, através de instituições as mais diversas. É preciso reverter esse processo. Sem xenofobia, sem dicotomias, sem ideologias. Acho que a ideologia que tem de ter é a ideologia de defesa do homem e da mulher da Amazônia, independente da condição em que ele esteja.

            Por isso quero dizer, quanto ao meu Estado, que eu inclusive pretendo, Senador Adelmir, disputar o Governo do Estado, porque eu acho que é chegada a hora de nós realmente darmos um rumo correto para o nosso Estado.

            E eu espero que este debate possa contribuir. De qualquer forma, eu tenho aqui uma obrigação de, como Senador, dizer a realidade do que eu penso, do que eu vejo e defender as minhas teses, respeitando todos os outros pensamentos.

            Senador Adelmir, com muito prazer, ouço V. Exª.

            O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - Senador Mozarildo, quero me congratular com V. Exª, e somos todos conhecedores de suas posições em defesa daquela região, não apenas do seu Estado, mas da Amazônia como um todo. Quando V. Exª levanta a questão dos pesquisadores, passa-me uma lembrança do quanto é importante a questão da educação no País. Que bom seria que tivéssemos naquela região alguns conteúdos programáticos, algumas escolas, algum curso vinculado ao estudo aprofundado da região como um todo, de suas riquezas, da riqueza vegetal, da riqueza mineral, do seu povo, para que esse assunto não se limitasse ou não estivesse muito mais vinculado a estudos feitos por estudiosos de fora do País, mas por brasileiros natos, brasileiros que conhecem aquela região, que vivenciam as suas questões. Porque é muito importante a Amazônia para não ser considerada em todos os seus níveis, em todas as suas dificuldades, por estudiosos brasileiros, por pessoas que efetivamente conheçam a matéria e que tenham uma formação em todos os níveis, inclusive superior, sobre o que devemos fazer com essas riquezas de que todos nós falamos, que todos nós reconhecemos, mas que sabemos que tem ainda muitas coisas que são ainda desconhecidas da população brasileira.

            Então eu queria me associar a V. Exª e dizer que realmente a sua luta, a luta de todos os representantes daquela região que enfocam essa questão, e V. Exª faz isso aqui semanalmente, chamando a atenção para as dificuldades em que vive o seu Estado, em que vive a região e, principalmente, despertando, tentando despertar o que essa região pode representar, não apenas para o Brasil, mas para o mundo, se efetivamente merecesse um estudo aprofundado, uma dedicação da classe intelectual, da classe científica, estudando as questões amazônicas e as suas riquezas naturais. Temos de preservá-la, sim, mas temos de compreendê-la e saber como fazer essa preservação. Associo-me a V. Exª.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Obrigado, Senador Adelmir.

            Para V. Exª ver como o brasileiro conhece pouco a Amazônia, V. Exª vai encontrar, se conversar numa rodada, seja aqui em Brasília ou em qualquer Estado do Sul e do Sudeste, vai encontrar brasileiros que conhecem vários países da Europa, os Estados Unidos, mas que nunca foram à Amazônia, nunca se interessaram por, de fato, ver qual é a realidade da Amazônia. Para V. Exª ter um exemplo mais concreto, recentemente, um estudo feito pelo IBGE, pelo Exército Brasileiro e com a presença da TV Globo, foi, através de modernos equipamentos, constatado que o ponto extremo do Brasil não é o Oiapoque, no Amapá, é o Monte Caboraí, em Roraima, 60 km acima do Oiapoque. Mas, mesmo a Rede Globo, que estava presente no evento e que, portanto, documentou o evento, continua dizendo nos seus jornais, nas suas novelas, nos seus programas, que o Brasil vai do Oiapoque ao Chuí.

            O Sr. Adelmir Santana (DEM - DF) - As músicas.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Pois é, nas músicas, continua sendo assim.

            Então, o desconhecimento geográfico de um ponto extremo diz tudo em relação ao interesse que o brasileiro tem pela Amazônia. Aliás, há um Deputado da Amazônia que diz o seguinte: muita gente tem até uma certa paranóia de achar que os estrangeiros cobiçam a Amazônia. Cobiçar a Amazônia é um negócio correto. Agora, falta o brasileiro cobiçar a Amazônia, ter a boa cobiça em defesa da Amazônia.

            Portanto, quero encerrar por aqui e dizer que vou voltar ao tema sobre a Amazônia na questão da redivisão territorial da Amazônia. Porque defendo essa redivisão, começando pelo o que aconteceu no meu Estado, no Amapá, no próprio Acre - que não foi bem uma redivisão, foi uma anexação -, Rondônia, Tocantins, Mato Grosso do Sul. Quero enfocar essa questão da redivisão territorial da Amazônia como um ponto importante para o desenvolvimento da Amazônia. Porque não é possível que apenas três Estados da federação - o Amazonas, o Pará e o Mato Grosso sejam mais de 50% do território nacional.

            Então, Senador Mão Santa, quero agradecer o tempo que me foi concedido, agradecer os apartes da Senadora Marina Silva e do Senador Aldemir Santana e dizer que o meu Estado de Roraima, portanto uma das unidades da federação que compõem a Amazônia, precisa, sim, ser melhor olhado pelo Governo Federal e melhor tratado pelo próprio Governo Estadual.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/02/2010 - Página 3083