Pronunciamento de Marina Silva em 12/02/2010
Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Manifestação sobre a corrupção na política, problema que, segundo S.Exa., teria como antídoto a transparência, o acompanhamento e o controle social. Citação de artigo da autoria de S.Exa. intitulado "Justiça não é Vingança", publicado no Correio Braziliense, em 14 de junho de 2000. Comentários sobre a prisão preventiva do Governador José Roberto Arruda e de mais cinco pessoas.
- Autor
- Marina Silva (PV - Partido Verde/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).
POLITICA PARTIDARIA.:
- Manifestação sobre a corrupção na política, problema que, segundo S.Exa., teria como antídoto a transparência, o acompanhamento e o controle social. Citação de artigo da autoria de S.Exa. intitulado "Justiça não é Vingança", publicado no Correio Braziliense, em 14 de junho de 2000. Comentários sobre a prisão preventiva do Governador José Roberto Arruda e de mais cinco pessoas.
- Aparteantes
- Mozarildo Cavalcanti, Pedro Simon.
- Publicação
- Publicação no DSF de 13/02/2010 - Página 3091
- Assunto
- Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF). POLITICA PARTIDARIA.
- Indexação
-
- GRAVIDADE, PROBLEMA, CORRUPÇÃO, DEFESA, AMPLIAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, ACOMPANHAMENTO, CONTROLE, POPULAÇÃO, GESTÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, REGISTRO, DADOS, FEDERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP), DESVIO, FUNDOS PUBLICOS, BRASIL.
- DEBATE, PRISÃO, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), PERDA, REPUTAÇÃO, TRABALHO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, POSTERIORIDADE, RECEBIMENTO, OPORTUNIDADE, ELEITOR, REITERAÇÃO, OPINIÃO, COMBATE, IMPUNIDADE, AUSENCIA, PERSEGUIÇÃO, DEFESA, LEGALIDADE, JUSTIÇA, PUNIÇÃO, IMPORTANCIA, APERFEIÇOAMENTO, INSTRUMENTO, PREVENÇÃO, CORRUPÇÃO, REGISTRO, HISTORIA, PROBLEMA, BRASIL.
- DEFESA, GARANTIA, SETOR PUBLICO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, OBJETIVO, PREVENÇÃO, CORRUPÇÃO, APOIO, PROPOSTA, INELEGIBILIDADE, REU, DEBATE, APERFEIÇOAMENTO, ETICA, CIDADÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, APREENSÃO, DESVALORIZAÇÃO, TRABALHO, MINISTERIO PUBLICO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU).
- COMENTARIO, PROGRAMA PARTIDARIO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO VERDE (PV), RECONHECIMENTO, VITORIA, INCLUSÃO, NATUREZA SOCIAL, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, CONTINUAÇÃO, EVOLUÇÃO, POLITICA NACIONAL, EXPANSÃO, DEBATE, ADVERSARIO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), BENEFICIO, DEMOCRACIA, AMPLIAÇÃO, PROPOSTA, QUALIDADE, ENSINO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, ETICA, JUVENTUDE, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, HONRA, ORADOR, POSSIBILIDADE, CANDIDATURA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, DEPOIMENTO, PROCESSO, TROCA, FILIAÇÃO PARTIDARIA, DEFESA, MEIO AMBIENTE, COMBATE, DESMATAMENTO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Senador Mão Santa; obrigada, Senador Pedro Simon, meu amigo, meu irmão, pelas palavras sempre muito carinhosas e respeitosas, mas, infelizmente, às vezes, a gente tem que vir a esta tribuna para falar de episódios que subtraem em boa parte a esperança, subtraem em boa parte a alegria que as pessoas têm no que se refere a pensar a contribuição da política para a resolução dos problemas no nosso País, na comunidade onde vivemos, no Estado, na Federação.
Esse problema grave que afeta a todos e que tem sido motivo de nódoa para a política é, infelizmente, a corrupção, e eu gostaria de dar um título a essa breve fala, Senador Simon, Senador Mão Santa e Senador Mozarildo, de que a transparência é o melhor antídoto para a corrupção. Quando nós não temos processos que nos levem à transparência, ao acompanhamento, ao controle social, a corrupção consegue um maior espaço e uma maior desenvoltura.
Infelizmente as pessoas ainda entendem os processos de controle e participação social como sendo algo difícil, que atrapalha a gestão. Mas o que mais atrapalha a gestão pública é a falta dessa transparência, que leva ao desvio de dinheiro.
Eu gostaria de começar falando de uma questão de caráter geral. A Fiesp fez uma estimativa de 2006 que dá conta de que cerca de R$10 bilhões eram subtraídos pela corrupção no Brasil. Isso significa que nós tínhamos mais dinheiro desviado para a corrupção do que o que era aplicado no Ministério dos Transportes, R$9,7 bilhões, ou seja, a corrupção desvia um recurso maior do que o que foi destinado para o Ministério dos Transportes em 2006, segundo a FIiesp, e mais do que para o Ministério do Desporto, que é de R$1,2 bilhões, a mesma coisa em relação ao Ministério da Cultura.
Dados nos dão conta de que se adicionássemos esse recurso ao processo educacional brasileiro, ao orçamento da educação, nós quase dobraríamos o orçamento só freando o dreno da corrupção.
Falei ainda há pouco com uma educadora brasileira, a Drª Carminha, e ela me disse que foi feito um levantamento nos Municípios do Nordeste e, dos trezentos municípios que foram avaliados, os secretários de educação, não são eles os responsáveis diretamente pelo orçamento da educação, é sempre uma pessoa, uma espécie de assessor de finanças do prefeito, e o secretário de educação não tem a governança sobre os recursos e que essa ausência de governança é algo quase que proposital para que o desvio dos recursos da educação também aconteça.
Eu estou aqui comunicando esse dado de caráter geral para poder falar e reiterar a minha tese de que a falta de transparência, a falta de institucionalidade acaba levando a episódios lamentáveis como esses que tivemos aqui no Distrito Federal, na Capital do País, o coração do País que, infelizmente, tem que passar por esse tipo de aviltamento, quando, na verdade, deveria ser um exemplo.
Infelizmente, e eu sempre tenho dito isso, eu não sou de me regozijar com a desgraça alheia, eu preferia ter um bom exemplo para citar aqui, do Governo do Distrito Federal. Obviamente que esse problema da corrupção, a prisão do próprio Governador Arruda acaba manchando todo o trabalho que fez, inclusive na área da educação, em que educadores sérios se esforçaram e que agora veem o seu nome e o seu trabalho indo por água abaixo graças a uma atitude completamente nefasta de um gestor político com a responsabilidade que tinha de governador, juntamente com a sua equipe.
Não precisa dizer, muita gente já disse isso, que o Senador Arruda errou no episódio do painel, pediu desculpas, teve uma segunda chance dada pela população de Brasília, não saiu para o Senado, saiu para deputado federal, depois saiu para governador. Teve uma aceitação enorme na população, chegou a ser pensado para ser vice-presidente pelo seu Partido numa possível chapa correndo à Presidência da República e, de repente, temos um episódio lamentável como esse, inclusive com a sua prisão.
E, antes de continuar a minha fala, eu gostaria, ainda, de fazer uma observação de caráter geral, para que fique bem claro aquilo que estou dizendo: que não gosto de ficar me regozijando, não acho que essa seja uma oportunidade de fazer política quando acontecem essas desgraças. Eu gostaria muito de que pudéssemos vir à tribuna para falar das ideias, das propostas, dos projetos, das boas realizações que vêm sendo feitas, dos bons exemplos. Bons exemplos temos alguns, e que são relevantes, mas, infelizmente, o que toma a cena do País são esses episódios lamentáveis.
Eu publiquei no Correio Braziliense. Senador Mão Santa, em 14 de junho de 2000, um artigo intitulado “Justiça não é vingança”, para deixar bem claro que quando digo aqui que as pessoas que cometem erro, seja quem quer que seja, devam ser punidas, mas punidas pelo critério da justiça, de acordo com a lei, aquilo que está estabelecido, não alimentando nenhum tipo de política de ódio, porque para mim justiça não é vingança; justiça é uma forma de parar o erro praticado pelo próprio indivíduo e o dano que ele causa à sociedade. Portanto, quando ele é interditado pela lei, está sendo feito um bem não só ao cidadão, à sociedade, mas ao próprio indivíduo, que tem a chance de parar com o erro e de se recompor de acordo com as regras legais estabelecidas.
Portanto, eu defendo a ideia fundamental de que aquele que comete um crime, seja de que natureza for, deve pagar segundo o que determinam as leis vigentes, sem nenhum tipo de estímulo à política do ódio, da vingança. Não. As leis existem para isso. O Ministério Público, enfim, as instâncias superiores como agora se manifestaram, conseguiram dar um exemplo de que a população não fique achando que a certeza da impunidade vale a pena para aqueles que praticam o crime do colarinho branco. Que isso possa nos ensinar a aperfeiçoar a gestão, no sentido de que a transparência ajuda a não termos esses casos de corrupção.
Eu fiz aqui um breve apanhado, Sr. Presidente, e gostaria de passar a ler.
Por definição etimológica, a palavra corrupção expressa a oposição, a negação daqueles valores que consideramos, ou pelo menos deveríamos considerar como sustentáculos do bom andamento das relações intrapessoais e sociais, que são necessárias para a realização humana.
Corromper, portanto, é o ato pelo qual se adultera, estraga-se algo, física ou moralmente.
A corrupção política de uma determinada sociedade deteriora suas próprias estruturas, uma vez que a política é o cuidado com o que é coletivo, de todos; é a busca de soluções para os problemas que a sociedade como um todo enfrenta.
A corrupção é um fenômeno que acompanha, como uma das sombras, a história brasileira.
Desde a chegada dos primeiros colonizadores, as práticas de favorecimento pessoal, tráfico de influências e desvio de recursos públicos foram uma constante.
Nada, entretanto, parece poder ser comparado com a situação atual. A máquina pública foi, em muitos Municípios e em alguns Estados da Federação, capturada por pessoas que atuam impunemente.
O processo de corrupção no Brasil aparece sempre aliado à falta de transparência nos atos da vida pública. Quanto maior o grau de transparência, de aplicação do princípio da publicidade, maior a possibilidade de controle social dos atos dos governantes.
Não é à toa que o legislador, ao estabelecer o que seriam as regras para a gestão pública, estabelece alguns critérios, que são o da probidade, da impessoalidade, da transparência, da constitucionalidade, da legalidade. E a transparência tem, sim, uma função essencial, porque quando você está sendo acompanhado, quando você está sendo visto, a tendência é que você seja mais cuidadoso. Não é à toa que o provérbio bíblico diz que só deveremos dizer entre quatro paredes aquilo que podemos dizer no telhado. É exatamente para mostrar que a transparência é fundamental para evitar qualquer desvio de conduta, sobretudo quando se trata do interesse público.
Em contrapartida, a corrupção aparece unida à certeza da impunidade, acobertada pela ocultação de atos espúrios que, - imagina o corrupto - jamais serão revelados e, se o forem, não sofrerão qualquer sanção.
A certeza da impunidade faz com que as pessoas achem que, em alguns casos, aquilo que acontece com alguém, com o seu vizinho, jamais acontecerá com ele. Porque ele é tão esperto que é capaz de enganar a Justiça como um todo, o Ministério Público, o Tribunal de Contas. Mas existe uma coisa que às vezes as pessoas não são capazes de compreender: de que de alguma forma o erro sai pela falha e, nesse caso do Distrito Federal, saiu literalmente pela falha, saiu pelo lugar onde não se imaginava jamais pudesse sair que era entre os próprios envolvidos, que acabaram delatando uns aos outros, inclusive com provas bastante contundentes, que, conforme falei ontem, só faltava ter filmagem em três dimensões.
Em “A República” o filósofo Platão conta o mito do camponês Giges, uma história muito significativa para que se compreenda algo da condição humana e, talvez, determinados fenômenos da vida pública. Se formos analisar metaforicamente, pode nos ajudar a entender essa questão da transparência como um princípio ou uma condição fundamental para o combate à corrupção.
A História se refere ao fato de que, certo dia, pastoreando suas ovelhas, Giges encontrou uma cratera aberta por efeito de uma tempestade violenta. Giges desce pelo buraco e dentro dela descobre o cadáver de um homem com um anel no dedo. Giges pega o anel e coloca então no próprio dedo.
Para sua surpresa, descobre algo a seguir: quando virava o anel para a palma da mão, ficava invisível. Quando colocava o anel de volta à posição original, Giges tornava-se visível novamente. A história mostra como, com base no poder que o anel lhe conferia, Giges começa a fazer uso inadequado desses poderes e, com isso, começou a fazer uma série de coisas completamente equivocadas. Primeiro, seduziu a rainha, depois matou o soberano e usurpou o poder. Tudo em nome da invisibilidade.
O que o mito permite vislumbrar é que os seres humanos, via de regra, são tentadas a praticar ações condenáveis quando tomadas pela convicção de que elas não serão reconhecidas.
O caso da cidade de Brasília, amplamente noticiado nos últimos meses, que culminou com a decretação da prisão do Governador no dia de ontem, talvez seja apenas um exemplo mais eloquente. As denúncias que pesam contra o atual administrador do Distrito Federal trazem à tona uma parte dessa prática totalmente abusiva.
A transparência parece ser, de fato, a melhor forma de inibir a corrupção e constranger aqueles atos que, embora legais, não encontram legitimidade moral.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senadora Marina, quando puder, gostaria de merecer um aparte de V. Exª.
A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - Pois não.
A tarefa que nos cabe, então, é a de identificar na política onde restam aneis como o que Giges encontrou e então destruí-los e, com isso, evitarmos que sejamos “protegidos” pelo ocultamento ou pela quase que certeza de que não seremos vistos, de que não seremos observados pelos olhos da justiça e pelos olhos dos cidadãos.
Poderíamos começar pelo financiamento das campanhas, espaço de inúmeras invisibilidades e desvios, garantindo-se financiamento público de campanha, onde todos tivessem, de forma equânime, os meios para suas campanhas e, com isso, evitar determinado tipo de práticas que têm levado, muitos políticos, a verdadeiros abismos, achando que esses abismos são portas.
Eu concedo o aparte a V. Exª.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Senadora Marina, eu quero, primeiramente, parabenizá-la pelo enfoque deste tema. Corrupção é um tema que, realmente, tem de ser debatido, esclarecido. E eu quero dizer a V. Exª que fiquei surpreso. Em dezembro, eu li uma matéria, no caderno da Folha de S.Paulo, um trabalho feito pelo Instituto Datafolha, em que se pesquisou eleitores de todo o Brasil e alguns pontos me chamaram atenção e me deixaram muito preocupado. Primeiro: a maioria dos eleitores pesquisados admitiu que é impossível fazer política sem algum grau de corrupção. E uma parte significativa - se não estou enganado -, 70% desses eleitores pesquisados disseram que, de alguma forma, eles ou votaram ou trocaram votos em troca de um favor, seja de cargos ou de materiais ou de alguma coisa que receberam. Então, não é transferir a culpa para o eleitor. É, na verdade, termos um diagnóstico de que nossa sociedade está tolerante com a corrupção. Por exemplo, nós temos uma eleição agora, daqui a duzentos e poucos dias, no dia 03 de outubro.
Então é muito importante que haja essa mobilização, como esse pronunciamento que V. Exª, mas envolvendo todos os setores da sociedade: as igrejas, os clubes de serviços como Lions e Rotaries, a Maçonaria, as associações de bairro e que realmente se pudesse esclarecer o eleitor que, se ele vota por algum favor, ele está ajudando a que os corruptos continuem na política. Então, é aquela história: como é que na Medicina nós prevenimos a doença? É esclarecendo como se deve tomar medidas preventivas. No caso da eliminação da corrupção, que é um trabalho prolongado, temos que começar por esclarecer as pessoas a não eleger candidatos a respeito dos quais se tenha qualquer dúvida de que são corruptos. Então, esse trabalho tem que ser feito de maneira continuada, não termina nessa eleição, mas nessa eleição já seria um grande passo a fazer. Eu concordo plenamente. Não adiante ficar somente na elaboração de projeto de ficha limpa, ficha suja, de criar mecanismo de controle durante as eleições se nós não mudarmos a cabeça da sociedade. E aqui quero fazer um esclarecimento. Aquele estudo deixa bem claro que não é só o eleitor, coitado, que está passando fome que se vende não; os ricos se vendem até mais, vendem-se de maneira pesada, porque financiam certos candidatos em troca de favores de corrupção depois. Algumas pessoas, ou sejam empreiteiras, ou sejam pessoas que se dizem donos de eleitorado, realmente se vendem de maneira pesada. É preciso realmente que haja lei, que haja punição, mas é preciso o primeiro passo, que é a conscientização de que o eleitor não pode colaborar para eleger corruptos.
A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - Eu agradeço o aparte de V. Exª. Sempre tenho dito que nós precisamos combinar duas coisas.
Os mecanismos de controle são fundamentais, e acho que as iniciativas que temos aqui da ficha limpa é, sim, uma tentativa de aperfeiçoar para - como diz o Ministro Ciro Gomes - termos o cuidado de ex ante já estarmos cautelosos em relação àqueles que passarão pela avaliação do voto popular. Então, já é uma espécie de pré-teste que tem a ficha limpa. O Senador Pedro Simon tem sido entusiasta e um líder dessa proposta aqui dentro do Congresso Nacional.
Uma outra questão importante é a combinação daquilo que são as atribuições do indivíduo do ponto de vista ético, do ponto de vista moral, e as qualidades que precisamos estabelecer dentro das instituições públicas. Sempre digo que a boa gestão, o combate à corrupção diz respeito a um processo de retroalimentação entre instituições virtuosas e indivíduos virtuosos, porque nós, como indivíduos, sempre somos sujeitos a falhas. Não existe ninguém perfeito.
Mais uma vez aqui vou recorrer ao provérbio bíblico que diz que aquele que pensa que está de pé cuide para que não caia. Nem diz assim o poeta bíblico Salomão, acho que no livro de Eclesiastes, que diz que aquele que pensa que está de pé cuide para que não caia. Ele não diz aquele que está de pé, mas aquele que pensa que está de pé, porque dependemos de vários fatores para estarmos de pé. O escritor Chesterton diz que há apenas um ângulo para o homem ficar de pé e todos, infinitos, para cair. Então, há só um ângulo em que ficamos de pé e infinita quantidade de pontos que nos leva a queda e que temos que ficar muito atentos para isso.
Como é que nós podemos aperfeiçoar essa atenção? Com, enfim, o cuidado, como indivíduos, para, agora indo para uma linguagem mais voltada para o meu Estado, não meter a mão em cumbuca, o que é muito perigoso. E, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento das instituições. Eu fico muito preocupada quando eu vejo a desqualificação do Ministério Público, a desqualificação do Tribunal de Contas, a ameaça de que se membros do Ministério Público tomarem essa ou aquela atitude poderão ser processados.
Obviamente, todas as instituições devem ser aperfeiçoadas, Senador Mozarildo, Senador Pedro Simon, o Ministério Público, o Tribunal de Contas, o Judiciário, o Legislativo, o Executivo, mas nós podemos partir do princípio de que o cuidado e o zelo que muitos agentes têm são no sentido de nos manter vigilantes, para evitarmos que o silêncio, o ocultamento, a quase certeza da impunidade façam com que as pessoas vão afrouxando os seus princípios.
A combinação de indivíduos virtuosos e instituições virtuosas asseguram uma melhor gestão pública, inclusive o cuidado com os recursos públicos.
Eu concedo o aparte ao Senador Pedro Simon.
O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Antes de entrar no pronunciamento de V. Exª, eu faço questão de salientar que assisti aos dez minutos de V. Exª na televisão, no programa do seu partido. Eu fiquei profundamente emocionado. Em primeiro lugar, pelo programa em si; em segundo lugar, pelo tom de V. Exª, pela vida que V. Exª apresentou. Com muita singeleza, com muita simplicidade, mas é a vida de uma heroína. A vida de alguém que mostra como... Afinal, os mestres da lei não entendiam como Jesus, filho do carpinteiro, podia ter a inteligência que ele tinha e a sabedoria que ele tinha. Pois V. Exª, lá, sem saúde, sem instrução, sem nada, conseguiu, passo a passo, chegar onde está V. Exª, mantendo a dignidade, mantendo a seriedade, mantendo o seu estilo. V. Exª não mudou. Eu imagino que, na Câmara de Vereadores, V. Exª deveria ser igual ao que é agora, o mesmo estilo e a mesma forma. E, como diz V. Exª, se fosse depender de pesquisa, V. Exª nunca seria candidata ao Senado, porque nenhuma lhe dava nenhuma chance. Achei bonito o pronunciamento de V. Exª...
A SRª Marina Silva (PV - AC) - Obrigada!
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - As referências a seus possíveis adversários. Achei bonita a referência de V. Exª ao Lula, seu amigo, companheiro de uma longa caminhada e que os fatos da vida levaram a divergir. Impressionante o número de pessoas que falaram comigo, a simpatia com que receberam o seu pronunciamento.
Aí eu fiz uma comparação: o Collor, quando se lançou candidato a Presidente, saiu do MDB, criou um partido novo; ele vinha lá das Alagoas, estado maior do que o Acre, mas uma repercussão sobre a classe política muito negativa. Um pronunciamento de televisão dele, e a candidatura dele começou a subir e não parou mais. O pronunciamento dele era completamente diferente do seu. O pronunciamento dele dizia horrores do Presidente Sarney; ele se apresentava como homem da moral, o homem que estava cassando os marajás e não sei mais o quê, e não sei mais o quê. O seu pronunciamento, não; o seu pronunciamento foi convocando todos ao entendimento, ao diálogo, a uma proposta que realmente signifique algo muito positivo para este País. Eu me emocionei às lágrimas com o seu pronunciamento, com a sua serenidade. As pessoas têm me dito, e eu não respondo, mas penso comigo mesmo, porque elas acham que V. Exª é tão meiga, dá uma demonstração de ser tão fraquinha fisicamente, que eles perguntam se V. Exª vai ter condições físicas de entrar nessa luta tremenda que é um final de campanha. Eu respondo que, se Deus quiser, sim; se Deus lhe der as forças, eu acho que sim.
V. Exª já está produzindo um efeito muito positivo no Brasil. A posição uniforme do Brasil, de certa forma, lá na reunião sobre o meio ambiente, foi influência de V. Exª. O pronunciamento do Lula, o entendimento, a proposta feita foi obra de V. Exª. V. Exª me desculpe, mas sou sincero. V. Exª foi uma grande Ministra, uma grande Ministra, mas, de certa forma, quando V. Exª, vendo que as forças eram insuportáveis e não querendo abrir uma luta aberta com o Presidente da República, saiu do Governo. Saindo e falando em uma candidatura a Presidente, V. Exª está fazendo mais pelo meio ambiente do que quando era Ministra, porque, por sua causa, o Governo agora está tentando fazer algumas coisas. Não tenho nenhuma dúvida de que o Governo não faria tais coisas se V. Exª tivesse saído do Ministério, ficado aqui e esquecido. Mas a presença de V. Exª, o medo de V. Exª, o fato de toda a imprensa ter noticiado que V. Exª era uma das figuras esperadas na Conferência, fizeram com que o Serra, as outras pessoas e o próprio Lula avançassem. Não sei o que vai acontecer. Lamento que os pequenos partidos e a chamada ala progressista... Quando vejo o PSOL não apoiar V. Exª, fico... Então, não entendo mais nada. Não falo no PMDB porque quem comanda o PMDB é uma legião estrangeira, e essa legião estrangeira que está no comando do PMDB, que esteve durante oito anos com Fernando Henrique, ocupando cargos importantíssimos e que está agora nos oito anos do Lula nos mesmos cargos e até mais, sabe que se V. Exª ganhar nenhum fica, aliás, eles sabem que se o Requião ganhar eles também não ficam. Então, eles querem ficar ou com o Lula ou com o Serra, porque aí eles ficam, como já ficaram nos anos anteriores. Mas os outros partidos deveriam ter um gesto de grandeza, deveriam reunir-se e dar a este País uma chance, que seria a candidatura de V. Exª para valer. Eu rezo para isso. Confesso que não vejo o Brasil preparado, mas eu rezo para isso. V. Exª diz, e realmente está lá na Bíblia, que quem pensa que está de pé ... Eu já estou sentado aqui, mas V. Exª é uma das poucas pessoas que está de pé. E o Brasil sabe que V. Exª está de pé pela sua história, pela sua garra, pela sua competência. Ninguém mais do que V. Exª pode chamar nossa atenção para essa questão e nos cobrar. Se o Senador Mão Santa me permitir e o Senador Mozarildo concordar, eu irei à tribuna hoje falar sobre essa matéria. Eu acho que ontem foi um dia muito importante. V. Exª - não sei se outros - vai me entender quando eu disser que eu entrei na igreja ontem e, como franciscano, rezei pelo Arruda.
Rezei não para ele ser solto, porque acho que ele tem que ficar um bom tempo na cadeia, mas para Deus lhe dar força, dar-lhe ânimo para que ele consiga meditar, refletir, para que ele tenha força para atravessar essa fase. O que aconteceu ontem foi muito importante. Olha, minha querida Marina, como é triste ver esta Casa, a Câmara, o Executivo e o Supremo... Nós não damos importância a essas coisas. É ficha suja, é ficha limpa. Nós temos que ver juridicamente se a Câmara de representantes do Distrito Federal tinha que dar licença ou não tinha que dar licença para prender ou para não prender. A verdade é que o Brasil é o país da impunidade, e, na minha opinião, ontem foi um dia histórico, porque ontem, finalmente, um político importante foi para a cadeia e pode começar. Não que eu queira ver político, banqueiro, na cadeia, que eu seja um cara mórbido nesse sentido, não; eu quero apenas que o povo olhe e veja, como acontece nos outros países - corrupção existe no mundo inteiro -, que, como acontece no mundo inteiro, o corrupto é punido. No Brasil se a pessoa tem um bom advogado, não acontece nada. V. Exª nessa tribuna, V. Exª na sua campanha presidencial terá exatamente nisso - na ética, na moral, na seriedade e na dignidade - a sua grande bandeira. E o que é mais importante: uma bandeira que V. Exª não está pegando agora, na campanha, porque é a história da sua vida e é a história da sua luta. Tenho muito carinho por V. Exª.
Eu me sinto muito feliz por ser amigo de V. Exª. Quando V.Exª me encontra e me olha com seu sorriso, que é um sorriso meigo, um sorriso de amor, de carinho, de afeto, não calcula como me sinto bem. Como me sinto bem agora, vendo V. Exª falar e imaginando que os milhões que estão assistindo agora a TV Senado ou vou assistir a ela à noite deverão emocionar-se com o pronunciamento que faz. Obrigado, meu Deus, por V. Exª estar conosco.
A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - Senador Pedro Simon, muito obrigada pelas suas palavras sempre tão amorosas para comigo. Confesso a V. Exª que quando cheguei a este Senado, V. Exª, o Senador Eduardo Suplicy e algumas outras pessoas a quem homenageio - e o faço na pessoa de V. Exª e do Senador Eduardo Suplicy - se constituíram em referências para mim. Algumas pessoas, de alguma forma, se constituíram numa espécie de escola para esses dezesseis anos que se encerrarão em dezembro de 2010.
Sempre que faço referência às pessoas que têm uma vida de testemunho na política, refiro-me a pessoas como V. Exª, o Senador Eduardo Suplicy, Cristovam e tantos outros, porque geralmente, quando se fala dos erros praticados na política, há uma tentativa de generalizar, e as generalizações não são boas, porque colocam todos no mesmo plano, como se não fosse possível haver pessoas que fazem do serviço público e da vida pública um ato de serviço, um ato de servir.
Digo um serviço, não no sentido piegas da palavra, falo daquilo que a gente é capaz de encarar, esta tribuna, este mandato como algo temporário e passageiro, em que você vem aqui para prestar um serviço digno, um serviço honrado a todos aqueles que querem ver os seus interesses legitimamente salvaguardados e principalmente aqueles que são os mais frágeis na nossa sociedade, que muitas vezes não têm como obter a audiência necessária, a escuta necessária e o olhar para as suas demandas.
Eu igualmente, como V. Exª, não sinto nenhum prazer quando vejo a vida de pessoas ser destruídas. Há uma música do Chico Buarque que diz: “A dor da gente não sai do jornal”, referindo-se aos pobres. Essa dor que sai no jornal talvez não seja da pessoa que praticou o dolo, mas é do seus amigos, é dos seus filhos, é da esposa, é da mãe, é do pai, é do irmão. É uma dor de exposição que a gente não consegue imaginar. Eu vivi essa experiência quando vi pessoas ligadas ao meu partido, ao meu antigo partido, o PT, sendo colocadas publicamente numa situação altamente constrangedora em função de envolvimento em atos inteiramente abomináveis e que estão sendo investigados. A minha oração também é de que a justiça seja feita, de que a justiça feita. E para mim a justiça é algo que se pratica por amor porque toda justiça que não é praticada por amor não é justiça; é vingança.
E eu gosto muito das palavras de quem disse - não sei se foi Shakespeare - que o contrário de injustiça não é justiça, é amor, porque toda justiça que não se pratica por amor não é justiça, é vingança.
Eu não sinto nenhum prazer nisso que aconteceu com o Governador Arruda. Eu fiquei muito triste no dia em que ele veio a essa tribuna, e chorou, e pediu desculpas. E era um jovem senador. Eu olhava para aquele jovem senador, um homem inteligente, um homem, enfim, com uma vida fantástica pela frente. E de fato, eu pedi a Deus que ele conseguisse se restaurar.
E quando o vi, enfim, andando nos projetos aqui em Brasília, mesmo sendo de um partido de oposição ao meu na época, eu me regozijava com a recuperação que ele estava tendo. E lamento que tudo isso tenha acontecido, liderando inclusive por ele.
Quais são as armadilhas da vida! É por isso que eu concordo inteiramente: há apenas um ângulo para se ficar de pé e muitos pontos nos quais a gente pode cair. Eu peço a Deus que nos mantenha de pé a cada dia e que nos ajude. E como é que Ele nos ajuda? Nos ajuda com instituições que estejam vigilantes, nos ajuda com pessoas que estejam vigilantes e com mecanismos que possam ser criados para dar transparência à ação pública.
O que aconteceu neste Senado da República também foi algo lamentável, que tisnou o Congresso brasileiro ainda mais e que boa parte de nós se levantou. E em todos os momentos em que me coloquei nunca me coloquei como bastião da verdade, porque para mim a ética faz parte da vida. E um homem pode se vangloriar de ser bonito, um homem ou uma mulher pode se vangloriar de ser forte, um homem ou uma mulher pode vangloriar-se de qualquer coisa menos de ser justo e de ser ético, porque, ao vangloriar-se de ser justo ou ético, estaria admitindo que poderia não sê-lo. E, ao admitir não sê-lo, já perdeu a condição de justo e de ético.
Então, nós não podemos nos vangloriar da ética. Ela é algo que deve fazer parte da nossa vida. Mas, infelizmente, numa situação em que os exemplos que vêm a lume são sempre esses, aqueles que procuram ter uma vida decente aparecem como se fosse algo fora do comum, quando, na verdade, isso deveria ser o comum.
É por isso que as palavras de V. Exª até me deixam emocionada. Agradeço a referência que V. Exª fez ao programa do Partido Verde, Senador Mão Santa. Senador Mozarildo, eu peço vênia. Mas o nosso foco e o nosso enfoque é de valorizar esses mais de 25 anos de democracia no Brasil. Para que serve a democracia? Para que as pessoas possam se colocar livremente. Para que as pessoas possam se entender fora do ódio, dos alinhamentos que, muitas vezes, se constituem verdadeiros blocos de enfrentamento. A ditadura, a falta de democracia nos levam a essa necessidade. Na democracia, é possível estabelecer a conversa mesmo entre os diferentes.
E quando eu digo que a nossa posição é pós-Lula, quando eu digo que nós estamos avaliando os 16 anos da história recente do Brasil, estou dizendo que vamos integrar todas as boas conquistas que começaram lá com o Presidente Itamar, com o Plano Real, que o Presidente Fernando Henrique aprofundou. O Presidente Lula fez a Carta aos Brasileiros; fez algo fantástico que foi um processo de inclusão social, que só ele poderia fazer. E por que o Presidente Lula fez? Porque ele veio com um acordo social de mais de vinte anos de militância, dizendo que era fundamental combater a pobreza e as injustiças neste País. Se não fosse esse acordo social, ele não teria conseguido sair de 8 bilhões para 28 bilhões, para investir em programas como o Bolsa Família. Eu reconheço isso, não tenho nenhum problema em fazer esse reconhecimento. Mas a história não para. E o Brasil não merece fazer um plebiscito entre o Presidente Lula e o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa polarização, essa dicotomia entre essas duas contribuições, com seus erros e acertos, é um aviltamento da democracia e uma subtração do projeto de crescimento e de desenvolvimento que um país como o Brasil tem pela frente. Nós temos muitos desafios, e isso eu disse no programa: os dois Presidentes levaram quase 100% das nossas crianças à escola. Mas temos um passo adiante a ser dado: é o passo da qualificação, do investimento nos professores, de investir na pré-escola, para que as nossas crianças tenham uma infância com cuidado, com zelo, com condição de receber na escola aquilo que, muitas vezes, não conseguem receber em casa. Que possam ter um suporte, um incentivo, para que os nossos jovens entrem no ensino médio e possam sair com alguma profissionalização, Senador Mão Santa, para ter acesso a uma oportunidade de trabalho. Que a gente possa trabalhar valores, e aí, ao trabalhá-los, esses que são exemplos contrários aos valores vindos de cima, têm que ser eliminados primeiro, para que a gente possa nas escolas também ter uma relação de acolhimento com os nossos jovens, que os leve a apostar que o trabalho decente, que a busca de oportunidade para construir a sua vida, construir a sua família, construir uma sociedade, vale a pena. É em cima dessa ideia, desse ideário, que eu estou nesse lugar honroso de pré-candidata do Partido Verde. E sem a ansiedade tóxica de que, para fazer política, vale tudo: dizer qualquer coisa do Serra, qualquer coisa da Ministra Dilma, qualquer coisa do Presidente Lula e do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Alguém já me disse: eu não sei porque você menciona o Presidente Fernando Henrique Cardoso porque nem as pessoas do Partido dele às vezes menciona. Eu digo porque é uma questão de justiça naquilo que for justo mencionar. E com relação ao Presidente Lula é a mesma coisa. Até porque para poder falar dos problemas que eles não foram capazes de resolver, dos desafios que não foram capazes de levar à frente, é preciso que você parta de coisa de acumulou positivamente. A história não se faz em cima do nada. Não podemos ter uma visão niilista das coisas. Combater a corrupção, a falta de ética na vida pública é também combater a falta de ética na relação política.
Eu tenho muitas divergências com o Senador Mozarildo Cavalcanti e as experimentamos no cotidiano. Aqui nos nossos apartes respeitosos, elas ficam muito claras, mas nunca deixam de ser respeitosos e nunca ninguém espere que possa fazer qualquer coisa - peço a Deus para nunca ter que fazê-lo - que não seja justa com o meu oponente, com o meu adversário. Graças a Deus, tenho um tribunal de contas que me vê em altura e em profundidade vinte a quatro horas por dia, que é a minha consciência e o Deus em quem eu acredito. Mesmo que ninguém veja, eu estou vendo. E se eu me sinto incoerente comigo mesma, eu perco a força diante de mim mesma e diante de Deus. E não existe nada pior do que você perder a sua própria força.
Quando eu pedi para sair do Governo do Presidente Lula, não foi uma decisão fácil; foi uma decisão com os meus assessores mais próximos, foi uma decisão ali com a minha família, pedindo a Deus se aquilo era certo e se era o momento certo. E hoje eu agradeço profundamente a Deus por ter saído, por ter tido a coragem de sair, porque não é fácil, Senador Pedro Simon, quando você tem uma relação de 30 anos de investimento com aquela pessoa, qualquer coisa que você faça que possa parecer que vai levar a um constrangimento, a um sofrimento dói em você, como dói naquela pessoa. Mas, às vezes, a pior dor é a dor não causada, porque, se não tivesse saído, poderiam ter sido revogadas as medidas de combate ao desmatamento. O desmatamento poderia voltar a crescer 30%. Nós não teríamos como ir para Copenhague para assumir uma meta de redução de 36%, 38% de redução, 80% dos quais vinham do desmatamento, se o plano tivesse sido revogado por pressão de Rondônia, por pressão de setores do Pará, não da Governadora, por setores do Governo de Mato Grosso. Naquele momento uma forma de ser leal era saindo, porque, se a sociedade dissesse: “Presidente Lula, revogue a moratória, revogue a resolução do Banco Central, revogue a punição aos ilegais”; se tivessem todos batido palmas, ele iria se sentir respaldado tanto por aqueles que pressionavam para ele revogar as medidas quanto pela sociedade. E aí um homem sozinho não tem como bancar sozinho um processo como aquele.
Mas a sociedade brasileira, os formadores de opinião foram lá e disseram que as medidas estavam corretas. A Marina saiu, e elas continuam sendo implementadas até hoje. E que felicidade, Senador Pedro Simon, quando eu vi que, em 2009, o desmatamento que, em 2004, chegou a 27 mil km2, foi de 7 mil km2.
E eu recuperei a frase que eu disse no dia que eu saí do Governo. Um jornalista me perguntou: “Senadora, a senhora sai derrotada?” Eu lhe disse: “A derrota ou a vitória só se mede na história.” E, na história, eu não estava derrotada. Porque, muitas vezes, os vitoriosos sequer estão aqui para ver a vitória. Chico Mendes não está aqui para ver a vitória de o desmatamento da Amazônia sendo combatido pela Polícia Federal, sendo combatido pelo Exército, sendo combatido pelos órgãos de inteligência deste País. Naquela época, os órgãos de inteligência deste País fiscalizavam a vida de Chico Mendes para dizer que ele era um espião dos Estados Unidos, para dizer que ele era alguém contra a pátria e contra os interesses da Amazônia. Nunca alguém foi tão favorável à pátria e aos interesses da Amazônia como Chico Mendes. Infelizmente, ele não está aqui para ver essa vitória. Mas, mesmo quando estava vivo, aparentemente derrotado, ele já era vitorioso, porque estava do lado da verdade, estava do lado da justiça, estava do lado certo.
E, ontem, foram 20 anos da libertação de um homem que, durante quase 30 anos foi derrotado na prisão: Mandela. Mas, na história, ele é vitorioso e será sempre vitorioso, porque se colocou do lado certo. Acho que a grande política nos ensina, primeiro, que não devemos ter prazer no mal na política. Devemos sempre nos regozijar com o bem e combater com todas as forças as injustiças, a corrupção e tudo aquilo que não deve ser parte da vida pública, mas nos colocarmos nessa perspectiva de construção histórica. Não é uma visão messiânica das coisas: não existem seres iluminados, não existem seres ungidos a priori. É um trabalhar todo o dia o caráter, a ação, a renúncia, a construção daquilo que precisa ser feito com todo o cuidado para que o Brasil seja melhor. E eu sinto que nós estamos estamos bem próximos de, em vez de fazer da eleição um embate, vamos fazer o debate; em lugar de fazer um plebiscito, vamos fazer uma eleição em dois turnos e que a população escolha livremente quem é aquele que ele acha que deve dirigir os rumos do nosso País. O Brasil está pronto para dar esse passo. Que, por favor, o sociólogo e o operário continuem dando a sua contribuição, mesmo quando não estiverem mais no Governo, para que o Brasil avance, como fez Mandela, que optou por apenas um mandato e, ao fazer isso, ao sair da cena, entrou para sempre na história como o homem que está construindo e reconstruindo a cada dia a África do Sul.
O Brasil, que se preparou com a sua democracia, que reconquistou a democracia, pode, sim, conquistar o desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural e, principalmente, a sustentabilidade ética. Que as relações políticas sejam também um espaço da ética.
Muito obrigada. (Palmas.)
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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA MARINA SILVA EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inserido nos termos do art. 230 do Regimento Interno.)
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Matéria referida:
Justiça não é vingança.
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