Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aprovação pela Câmara dos Deputados da chamada PEC da Alimentação (promulgada como Emenda à Constituição 64, de 2010), que introduz, em nossa Constituição, a alimentação como um direito social. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Aprovação pela Câmara dos Deputados da chamada PEC da Alimentação (promulgada como Emenda à Constituição 64, de 2010), que introduz, em nossa Constituição, a alimentação como um direito social. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2010 - Página 3378
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ESTABELECIMENTO, OBRIGATORIEDADE, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, ALIMENTAÇÃO, POPULAÇÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, ALIMENTOS, VITIMA, CALAMIDADE PUBLICA, INCENTIVO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, PRESERVAÇÃO, RECURSOS NATURAIS, CRITICA, GASTOS PUBLICOS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), FINANCIAMENTO, GUERRA, SUGESTÃO, UTILIZAÇÃO, DINHEIRO, ERRADICAÇÃO, FOME, MISERIA, MUNDO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Presidente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois de uma longa trajetória, depois de uma demorada tramitação, a chamada PEC da alimentação foi aprovada pela Câmara dos Deputados no reinício dos trabalhos do Congresso Nacional.

            A promulgação dessa PEC e a sua publicação no Diário Oficial confirmaram a vontade do Poder Legislativo em dar a sua contribuição, a sua colaboração à conscientização da sociedade brasileira diante de grupos vulneráveis da população que sofrem ainda o grave problema da fome e da desnutrição.

            A alimentação, Sr. Presidente, é o processo pela qual obtemos os nutrientes indispensáveis para as nossas funções vitais, como crescer, movimentar-se, trabalhar, reproduzir-se, etc. Sendo isso tão fundamental ao ser humano, como não constar do capítulo dos direitos sociais de nossa Constituição algo que garanta esse direito?

            Pois foi um lapso do nosso legislador-constituinte não deferir um mecanismo de proteção do processo alimentício, tal como acontece com a educação, com a saúde, com a Previdência. Em 1988, estabeleceu determinados princípios em defesa de direitos sociais, mas se esqueceu o nosso legislador-constituinte da alimentação.

            Quando percebi essa inadmissível lacuna, já em 2001, providenciei imediatamente uma proposta de emenda à Constituição que corrigisse essa falha. E, então, o Senado Federal, de logo, a aprovou. Indo para a Câmara dos Deputados, passou lá, entre comissões e o Plenário, quase seis anos.

            Entre a apresentação da proposta e a sua promulgação, nós consumimos nada menos do que nove anos, o que significa dizer que o processo legislativo é vagaroso, que o processo legislativo é demorado, mas um dia acerta nas suas funções, um dia acerta nos seus objetivos.

            Programas sociais importantes como o Bolsa-Família e outros que garantam o acesso à alimentação ficam na dependência da boa vontade dos governantes, porque esse ainda não é ou não era um direito constitucional.

            Inclusa na Constituição essa prerrogativa, vai-se tornar uma obrigação de Estado, e nenhum governante futuro poderá deixar de atender a esse direito constitucional de todos os brasileiros. Não só corrigir o problema da desigualdade social como fortalecer todos os segmentos da nossa economia que possam contribuir para uma alimentação boa e que seja capaz de atender a todos os segmentos do povo brasileiro.

            O Presidente Lula, que sempre defendeu a prerrogativa do cidadão de tomar café da manhã, almoçar e jantar, como não poderia deixar de ser, deu todo o apoio à aprovação dessa PEC.

            O Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição, por meio do seu Presidente, Dr. Renato, como também Deputados Federais, a exemplo do Deputado Fonteles, do Espírito Santo, fizeram uma campanha de âmbito nacional que repercutiu na Câmara dos Deputados, o que levou à sua promulgação, finalmente, agora no início do mês de fevereiro.

            Não podemos, Sr. Presidente, correr o risco de ver perderem-se, nos imprevisíveis caminhos da política, programas sociais tão importantes como os que dão acesso aos alimentos. O programa, por exemplo, do fortalecimento da agricultura familiar, o suporte financeiro, o financiamento, o seguro-rural, a assistência técnica e a extensão rural são medidas indispensáveis ao fortalecimento da agricultura e, consequentemente, à fixação do homem no campo e à concessão de alimentos baratos à nossa população.

            Para o Presidente Lula, o combate à fome ainda continua no discurso em muitas nações ricas, como se fosse um problema invisível que não sensibiliza as pessoas. E vai além na sua missão em prol daqueles que passam fome, pois entendemos que os gastos feitos pelos países ricos para socorrer seus sistemas econômicos seriam mais do que suficientes para erradicar a fome no mundo.

            Um exemplo, Sr. Presidente, da inversão de prioridades está nos gastos de bilhões e bilhões de dólares com movimentos militares que acontecem em todo o mundo, muitas vezes programados por governos dos Estados Unidos. A última crise, a crise do subprime, dos Estados Unidos, a crise habitacional que redundou em prejuízos incomensuráveis não só aos países ricos da América e da Europa, atingindo também os países do terceiro mundo, como o Brasil, essa crise, Sr. Presidente, obrigou a que os americanos e também os europeus injetassem bilhões e bilhões - e por que não dizer trilhões? - de dólares para impedir que a crise se alastrasse. Isso tudo por conta da irresponsabilidade daqueles que, na economia americana sem freios, sem uma regulamentação adequada, tinham plena liberdade para assaltar a população, para enganar a população, para fraudar os financiamentos. E, consequentemente, criaram uma economia falsa, fantasma, que redundou nessa que nós consideramos a maior crise que já se abateu sobre o mundo depois da quebra de 1929.

            Sr. Presidente, eu não pretendia me repetir nesta tribuna, mas o dever legislativo me impõe certas insistências discursivas, em nome de um bom público. Por mais anacrônica e contraditória que possa parecer em tempos de fome zero, a iniciativa da PEC da Alimentação, que se transformou na Emenda à Constituição nº 64, de 2010, guarda pertinência e relevância intocáveis dentro de um contexto cultural e histórico, recheado de desigualdades dolorosas e injustiças gritantes. Nesse sentido, vale a pena retomar o centro da argumentação política, por meio da qual se esconde a motivação pela aprovação da matéria a que me refiro.

            Trata-se, Sr. Presidente, da inscrição imprescindível no caput do art. 6º da nossa Constituição, do direito expresso à alimentação, reconhecendo o mesmo como elemento fundamental do longo e descompassado processo de inclusão social no Brasil. Aliás, já não era sem tempo de o País tomar providências normativas mais enérgicas contra os males da fome.

            Afinal de contas, conforme cálculo de pesquisadores da ONU, o número de pessoas famintas no mundo chegou a mais de um bilhão de pessoas. 

            Sr. Presidente, ali pelos idos de 2002, recebi a visita do relator da ONU, o sociólogo suíço, Dr. Ziegler, e ele veio ao Brasil para saber como o nosso País está tratando a pobreza com relação à alimentação e quais as providências do Congresso Nacional, por meio medidas legais, visando a dar cobertura a programas sociais.

            Pude constatar que a ONU, por intermédio de seu representante, tinha uma grande preocupação e também um grande alívio também ao saber que aqui no Senado Federal um Senador havia apresentado uma emenda à Constituição, dispondo sobre o grave problema da alimentação, e essa notícia ele levou para a ONU.

            Nós participamos, no ano passado, de um encontro organizado pela FAO, em Roma, e lá nós encontramos presidentes do mundo inteiro, inclusive o nosso Presidente Lula, todos irmanados nesta luta incansável para derrubar a fome em todo o mundo. Fui convidado como membro do Parlamento do Brasil por ter sido o autor desta PEC, a chamada PEC da Alimentação.

            O Secretário-Geral da ONU reiterou, bem recentemente, que o fornecimento de alimentos é condição básica para uma vida digna. Foi dele igualmente que os chefes de Estado do mundo inteiro ouviram a advertência sobre a necessidade de a comunidade internacional aumentar sua produção de alimentos em 70% até 2020, com a finalidade de suprir as necessidades da população em crescimento.

            A Declaração de Viena, assinada pelo Brasil em 1933, já demonstrava a preocupação dos dirigentes internacionais com a alardeante questão famélica do mundo. Formulada durante a Segunda Conferência Internacional de Direitos Humanos, tal declaração encerrava em seu conteúdo o direito de todos à alimentação, reconhecendo o seu acolhimento como condição prévia ao exercício da cidadania.

            Além disso, e já orientado para a eventual apropriação de tal direito por politicagens eleitoreiras, o próprio texto declara expressamente que a alimentação não deverá ser, em hipótese alguma, utilizada como instrumento de pressão política.

            Retrospectivamente, cabe lembrar, eu mesmo havia apresentado, em 2001, uma PEC bastante semelhante a esta sobre a qual discorro no presente instante, quer dizer, à proposta da ONU. Naquela oportunidade, além da questão da alimentação, estávamos muito sensíveis à ausência flagrante de algum dispositivo constitucional que se prestasse a garantir o direito à alimentação, seguindo o ordenamento jurídico de diversos países.

            Por isso mesmo, nada mais coerente que se mantivesse na PEC que está sob presente apreciação menção igualmente explícita àquilo que pretendíamos.

            Sr. Presidente, com o objetivo de considerar alimentação como direito humano fundamental e consolidar a segurança alimentar e nutricional como política de Estado, a emenda constitucional nº 64 atende substancialmente a uma reivindicação elementar dos segmentos vulneráveis de nossa população.

            Traduz-se, basicamente, no estabelecimento imediato de políticas consistentes que combatam a fome e a miséria, de forma a permitir ao cidadão brasileiro usufruir de alimentação adequada.

            Embora os programas sociais levados a cabo pelo Governo tenham de algum modo amenizado o estado deplorável em que o Brasil estava mergulhado, a ninguém ocorre imaginar que o problema da fome e da falta de comunicação, em realidade, sejam eliminados. Os bolsões de miséria ainda persistem em todos os cantos do País, como se fossem focos bacteriológicos sempre a proliferar em ambientes os mais diversos. Nem mesmo o Fome Zero, apesar de toda excelência no desempenho de suas funções, consegue dar conta de todo o desafio a que se propõe.

            No mundo, o cenário não se afigura mais promissor tampouco. Segundo a FAO, seriam necessários US$44 bilhões ao ano em investimentos em agricultura para a produção de alimentos em quantidade suficiente, em vez dos atuais US$8 bilhões. Diante disso, só nos resta deduzir que a comunidade internacional está muito longe da meta de reduzir a fome pela metade até 2015, contrariando as estimativas mais ingênuas.

            Já estou encerrando, Sr. Presidente.

            Pior que isso, o impacto de crescimento previsto de mais de 2,5 bilhões de habitantes até 2050 vai ser extremamente prejudicial ao problema da fome, sobretudo aos países em desenvolvimento.

            No Brasil, a instituição da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional definiu, em 2006, os parâmetros conceituais do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Com isso, deu-se os primeiros passos para assegurar o direito humano à alimentação adequada em território nacional. No entanto, em que pese o seu valor simbólico como marco legal, tal sistema, na visão dos especialistas, ainda não atende aos requisitos normativos suficientes para caracterizar o poder público como responsável fundamental pelo atendimento do direito alimentar no País.

            Portanto, Sr. Presidente, com a promulgação da PEC da Alimentação, transformada agora em realidade, por meio da Emenda Constitucional nº 64, novos horizontes se descortinarão no Brasil, pavimentando um caminho mais seguro de o Estado apoiar toda a cadeia de produção, comercialização e abastecimento de bens alimentares em nosso território. Mais que isso: competirá aos Governos fixar compromissos mais firmes com a utilização sustentável de recursos naturais, com a promoção de práticas de boa alimentação por meio de programas educacionais, com a distribuição de água e alimentos durante situações de crise e, por fim, com a garantia da qualidade biológica e nutricional dos gêneros alimentícios.

            Cumpre registrar, Sr. Presidente, que não seria por demasiado frisar que sem alimentação o ser humano não sobrevive fisicamente e, sem comunicação dessa necessidade, sem conscientização dessa necessidade à população brasileira, à sociedade e ao mundo, o problema da fome continuará, por certo, se agravando.

            Sr. Presidente, agradeço pela paciência com que V. Exª me deixou aqui na tribuna e eu gostaria que este discurso permanecesse nos Anais do Senado Federal como uma vitória do Congresso Nacional, como uma contribuição inestimável ao reconhecimento de que um país do Terceiro Mundo, um país em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, pode mostrar ao mundo inteiro como se comportar no combate à fome e à desnutrição em nosso País.

            Obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2010 - Página 3378