Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura de carta dirigida aos netos de S.Exa., explicando proposta para a instituição de uma Renda Básica de Cidadania.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Leitura de carta dirigida aos netos de S.Exa., explicando proposta para a instituição de uma Renda Básica de Cidadania.
Publicação
Publicação no DSF de 19/02/2010 - Página 3429
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, ORADOR, DESCRIÇÃO, PROPOSTA, DISTRIBUIÇÃO, RENDA MINIMA, TOTAL, POPULAÇÃO, BRASIL, EXTINÇÃO, BUROCRACIA, PROGRAMA, ASSISTENCIA SOCIAL, ERRADICAÇÃO, MISERIA, FOME, PROMOÇÃO, DIGNIDADE, CIDADANIA, LIBERDADE, PAZ, ELOGIO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, DEFESA, JUSTIÇA SOCIAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Senador Mão Santa, eu queria, se me permite, fazer uma consulta, e ao prezado Senador Acir Gurgacz. Como hoje, agora, sou o último orador, eu queria saber se por acaso poderei contar com a generosidade e a paciência de V. Exª para um pronunciamento mais completo, porque o escrevi com muito cuidado, já faz algum tempo. Mas estava esperando o dia em que chegasse o momento, tal como hoje, onde não há pessoas pressionando outros Senadores.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Em 30 anos do Partido dos Trabalhadores, vou dar um presente a V. Exª. Quantos minutos V. Exª quer?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - O suficiente para que eu possa ler um texto que escrevi para meus queridos netos: Teodoro, Bernardo, Laura, Maria Luíza e Felipe.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª tem quantos netos? Cinco?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Cinco netos.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Pois eu tenho sete. Então, eu, vitorioso, vou homenageá-lo dando o tempo que você quiser, em homenagem aos meus netos também.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito bem.

            Pois aqui está minha carta, que se relaciona ao que estou apresentando ao Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores com respeito às diretrizes para o programa do governo Dilma Rousseff, que será examinado amanhã de manhã. Proponho que se acresça o item 18, no bloco denominado “Crescimento acelerado e o combate as desigualdades sociais e regionais”. Será um eixo que vai estruturar o desenvolvimento econômico, logo após a alínea “f”, que trata do aprimoramento permanente dos programas de transferência de renda como o Bolsa Família, para erradicar a fome e a pobreza, facilitar o acesso de homens e mulheres ao emprego, formação, saúde e melhor renda.

            A seguinte alínea “g”: Transição do Programa Bolsa Família para a renda básica de cidadania incondicional como um direito de todos participarem da riqueza da Nação, conforme prevista na Lei nº 10.853, de 2004, de iniciativa do PT, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 08 de janeiro de 2004. E o estímulo às administrações municipais a iniciar experiências pioneiras da instituição da Renda Básica de Cidadania, como em Santo Antonio do Pinhal, por iniciativa do Partido dos Trabalhadores.

            Eis a minha carta aos meus queridos netos Teodoro, Bernardo, Laura, Maria Luiza e Felipe:

            Eu gostaria muito de explicar a vocês uma proposta em que tanto eu, seu avô, acredito que será boa para todas as pessoas, tanto aqui em nosso País, o Brasil, quanto em todos os países do mundo. Trata-se da instituição de uma Renda Básica de Cidadania.

         Outro dia encontrei o Ziraldo, um dos maiores cartunistas brasileiros. No último dia 21 de outubro, ele ganhou o Prêmio Quevedos, na Espanha, pelo conjunto de seu extraordinário trabalho. Eu dei a ele o meu livro sobre a RBC e disse que tinha tido a ideia, por muitos amigos estimulada, de que ele pudesse escrever uma história em quadrinhos a respeito. Foi então que ele me disse que me daria essa historia de presente, o que me deixou muito feliz. Pediu-me que escrevesse a história da Renda Básica de Cidadania para as crianças.

         Senador Mão Santa, apenas um detalhe a que eu gostaria que prestasse atenção. Por que escrevi essa carta aos meus netos e para o Menino Maluquinho, personagem de Ziraldo? Porque ele disse: “Eduardo, eu quero lhe dar de presente uma história em quadrinhos para explicar a Renda Básica de Cidadania. Mas eu vou lhe pedir que escreva essa história para as crianças da forma mais didática possível, para que eu possa, então, elaborar a cartilha, a história em quadrinhos.”

            Por isso, escrevi essa história da forma a mais didática possível. Eis o porquê deste meu pronunciamento. Por essa razão, achei que será ótimo se eu puder explicar a renda básica de cidadania para meus netos, para toda e qualquer pessoa e também para o Menino Maluquinho, que é o principal personagem das histórias em quadrinho do Ziraldo. Vocês vão notar que, algumas vezes, tive de usar algumas palavras difíceis, que só entenderão melhor quando crescerem. É que resolvi escrever um texto relativamente simples que pudesse resumir o que explico em maior detalhes em meus livros Renda de Cidadania: saída pela porta e Renda Básica de Cidadania: a resposta dada pelo vento, respectivamente da Cortez Editora, Fundação Perseu Abramo e LP&M.

            A renda básica de cidadania suficiente, na medida do possível, para atender às necessidades vitais de cada pessoa será paga a todos os habitantes de uma comunidade, de um município, de um estado ou de um país ou até mesmo, um dia, de todo o continente ou do Planeta Terra, não importa a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica. Todas as pessoas passaram a ter o direito de receber a renda básica de cidadania como um direito de participar da riqueza daquela comunidade, município, estado, nação ou mesmo da Terra.

            Por que pagar igualmente para todas as pessoas, até mesmo para os que têm mais recursos e não precisam dela para a sua sobrevivência, como o Pelé, a Xuxa, ou o Presidente Lula, o Senador Mão Santa, o Senador Acir Gurgacz, ou o Senador Suplicy, ou o Ziraldo, ou até mesmo o nosso empresário mais bem-sucedido, Antonio Ermírio de Moraes? Porque os que temos mais vamos colaborar para que nós mesmos e todos os demais venham a receber.

            E quais as vantagens de tal procedimento? Primeiro, é muito mais fácil explicar o conceito da renda básica de cidadania do que os diversos programas de transferência de renda que existem em nosso País e em quase todos os países.

            Por exemplo, notem quanto tempo eu vou precisar para explicar o Programa Bolsa Família. Vamos marcar, são 19 horas e 28 minutos. Toda família no Brasil que tiver uma renda mensal per capita ou por pessoa inferior a R$140,00 passa a ter o direito de receber o benefício, que se inicia pelo valor de R$68,00. No caso de essa família ter uma renda familiar mensal por pessoa inferior a R$70,00, terá ainda o direito de receber R$22,00, R$44,00 ou R$66,00 caso a família tenha respectivamente uma, duas, três ou mais crianças até 16 anos de idade e ainda mais R$33,00 por jovem, até o máximo de dois, entre 16 e 18 anos.

            Portanto, o Programa Bolsa Família paga um mínimo de R$22,00 e o máximo de R$200,00 por mês. O valor médio do benefício é de R$95,00 por família. O orçamento previsto do Programa Bolsa Família em 2009 foi de R$11.434 bilhões. O tamanho médio da família brasileira está em torno de 3,5 pessoas. É um pouco maior para as famílias nessa faixa de renda.

            Há obrigações que as famílias necessitam cumprir: caso a mãe esteja grávida, deverá comparecer à rede pública de saúde, seja o posto de saúde ou o hospital no Município, para fazer o exame pré-natal e ter a sua saúde acompanhada. As crianças de até 6 anos devem ser levadas por seus pais para serem vacinadas segundo o calendário do Ministério da Saúde; as de 7 a 16 devem frequentar, pelo menos, 85% das aulas; os adolescentes de 16 a 18 devem frequentar, pelo menos, 75% das aulas.

            Portanto, precisei de pouco mais de dois minutos para explicar o Programa Bolsa Família.

            Suponhamos que, a partir de janeiro do ano que vem, o Governo anunciasse que vai iniciar a Renda Básica de Cidadania, mesmo com um valor modesto acima do que é pago às pessoas beneficiadas pelo Programa Bolsa Família. Digamos, como o valor médio do Bolsa Família é R$95,00, numa família de três, seria 31,50 por pessoa. Então, vamos supor que iniciaremos por um valor médio de, pelo menos, R$40,00 - um dia, vai ser 60; um dia, 100; um dia, 1000; e assim por diante.

            Então, vamos marcar: são 19 horas e 31 minutos. Vamos ver quanto tempo vai durar a explicação, Senador Acir. A partir de janeiro próximo, todas as pessoas no Brasil, inclusive as estrangeiras aqui residentes há cinco anos ou mais, não importa a sua condição socioeconômica, passarão a receber R$40,00 por mês. Numa família de 6 pessoas, o total será de R$240,00.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Só para informar, V. Exª só usou dez minutos do seu tempo até agora.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado.

            Com o progresso do País, esse valor será aumentado um dia para R$100, R$500, e assim por diante. A ninguém será negado. Será incondicional.

            Durou menos que um minuto a explicação. O senhor compreendeu bem, V. Exª compreendeu bem, Senador Acir? Foi mais fácil de compreender? (Pausa.)

            Esta é a primeira vantagem: o direito universal e igual para todos de participarmos da riqueza da Nação. Até para o menino maluquinho é muito mais fácil de compreender.

            Quais as outras vantagens de se pagar um valor igual para todos?

            Hoje, Senador Mão Santa, V. Exª vai ouvir todas as explicações.

            Eliminamos a burocracia envolvida em se ter que saber quanto cada pessoa ganha no mercado formal ou informal, seja na carteira de trabalho do trabalhador, do funcionário público, no pagamento feito com nota para qualquer pessoa em retribuição a alguma atividade ou que não tenha sido registrado, como, por exemplo, o recebimento pago nas ruas à pessoa que toma conta do automóvel, à vizinha para lavar a sua roupa ou por ter tomado conta das crianças enquanto foi ao trabalho, ou comprar algo na feira ou de um vendedor ambulante, informalmente.

            Também eliminamos qualquer estigma ou sentimento de vergonha da pessoa ter de declarar “eu só recebo isso e, por isso, mereço complemento de renda”.

            Eliminamos, também, o fenômeno da dependência que ocorre quando há programas que dizem que quem não recebe até certo patamar tem o direito de receber complemento, e a pessoa está ou não por decidir: “Vou ou não iniciar atividade que vai pagar esse montante? Mas se eu fizer atividade, passo a receber tanto, daí vem o Governo e me tira o que eu estava recebendo, eu talvez prefira não realizá-lo e entro na chamada ‘armadilha da pobreza ou do desemprego’”.

            Entretanto, se todos nós soubermos que, daqui para a frente, cada um de nós e mesmo os nossos membros de família vão, cada um, receber aquela quantia, a Renda Básica de Cidadania, então, qualquer trabalho que fizermos significará progresso, um acréscimo ao rendimento, e há sempre um estímulo ao trabalho.

            Bem, a vantagem mais importante da Renda Básica de Cidadania é que ela elevará o grau de dignidade e de liberdade do ser humano. Temos de pensar, como diz o grande economista Amartya Sem, Prêmio Nobel de Economia, que desenvolvimento, se for para valer, deve significar a expansão, um maior grau de liberdade para todas as pessoas na sociedade.

            No caso da moça que não tem outra alternativa para alcançar a sua sobrevivência senão a de vender o seu corpo, ou o rapaz que, por falta de alternativa, se vê instado a se tornar membro de uma quadrilha de narcotraficantes, ou daquela pessoa que, por falta de alternativa, às vezes em Rondônia ou no interior do Piauí, se vê instado a aceitar uma condição de trabalho semiescravo ou mesmo de escravo, essa pessoa, se houver a Renda Básica de Cidadania, vai poder dizer não a essa única alternativa: “Graças à renda básica, vou poder aguardar um tempo, quem saber fazer um curso e conseguir um trabalho mais de acordo com a minha vocação, a minha propensão”.

            Mas algumas pessoas já estão pensando, o Senador Mão Santa, às vezes, me chama a atenção: “Será que não vai estimular a ociosidade? O que vamos fazer com aquelas pessoas que têm uma tendência inarredável à vagabundagem? Será que algumas das pessoas que estão nos assistindo têm essa tendência?”

            Eu gostaria, então, de convidá-los todos a pensarmos um pouco, porque, afinal de contas, todos nós, seres humanos, amamos fazer uma porção de coisas e nos sentimos responsáveis por fazer uma série de atividades, desde as mães que, normalmente, amamentam os seus filhos com todo amor e carinho, ou nós, pais e mães, quando estamos tomando conta de nossas crianças para que se desenvolvam bem, para que bem se alimentem, para que sejam bem-educadas, ou quando nossos pais e avós são mais idosos - eu, por exemplo, tenho minha mãe, Filomena, com 101 anos, nem sempre posso estar com ela. Felizmente - éramos 11, hoje, 9 -, sempre alguns de meus irmãos ou irmãs estão na companhia dela, e, com muito amor e carinho, fazemos essa atividade tão significativa; ou ali, nas organizações de vizinhanças, nas igrejas das mais diversas denominações; ou nos diretórios acadêmicos, nas ONGs, quantas pessoas não se dedicam ao trabalho voluntário? Quando, por exemplo, os grandes pintores da história da humanidade - Vincent Van Gogh, Amedeo Modigliani - pintaram as suas obras, saíam pelas ruas para tentar vendê-las e conseguir a sobrevivência, mal conseguiam. Ambos ficaram doentes, morreram precocemente e, hoje, as suas obras são vendidas por milhões de dólares.

            Pois bem, ademais, este é um argumento importante: a nossa Constituição, Senador Mão Santa, assegura o direito à propriedade privada. Isso significa que aquela pessoa que detém a propriedade do capital, das fábricas, das fazendas, dos hotéis, dos restaurantes, das instituições financeiras, dos títulos financeiros, das propriedades imobiliárias, essas pessoas têm o direito de receber lucros, juros, aluguéis, os rendimentos do capital.

            E, por acaso, uma pessoa, segundo a nossa Constituição, para receber juros e lucro de aluguéis, precisa necessariamente demonstrar que esteja trabalhando? Não. Precisa necessariamente demonstrar que as suas crianças estejam frequentando a escola? Não. Entretanto, as pessoas que têm mais recursos fazem questão de que suas crianças, seus adolescentes estejam frequentando as melhores escolas, as melhores faculdades.

            Portanto, se nós asseguramos aos que têm mais recursos o direito de receber os rendimentos sem aquelas condicionantes, por que não estendermos a todos, ricos e pobres, o direito inalienável de todos partilharmos a riqueza de nossa Nação, partilharmos a riqueza, por exemplo, do Delta do Parnaíba ali no Piauí, ou da riqueza do Pão de Açúcar, da beleza da Cidade Maravilhosa, o Rio de Janeiro, ou do Pantanal, ou da beleza extraordinária da nossa Amazônia, ou dos Pampas do Rio Grande do Sul? E das coisas tão belas, da vida cultural intensa da minha grande cidade de São Paulo?

            Será que não é de bom senso, ainda mais quando consideramos certos aspectos da história do Brasil, como o fato de que, por mais três séculos, milhões de pessoas foram arrancadas da sua terra natal, a África, para virem para o Brasil contribuir para a acumulação de capital de tantas famílias, sem que houvesse uma remuneração adequada aos escravos que viviam nas senzalas e com alimentação precária, o que fazia com que a sua expectativa de vida média fosse pouco superior a 30 anos de idade? Ou, então, quando consideramos certos fatos da história recente, como o que o Presidente Lula muitas vezes tem assinalado, que felizmente parece que Deus é brasileiro, veio morar no Brasil e ajudou a Petrobras a encontrar lá no fundo do Oceano Atlântico, na camada pré-sal, enorme reserva petrolífera, que justamente agora vai possibilitar a todas as pessoas a não mais viverem em condições de pobreza; que vai prover a boa educação para todos, a ciência, a tecnologia, a cultura, a saúde, que são as finalidades para as quais o projeto relativo ao pré-sal está sendo considerado? Mas, dentre as proposições, poderá estar sendo considerada justamente a Renda Básica de Cidadania.

            Trata-se, portanto, do bom senso. Os fundamentos, em verdade, da proposta da Renda Básica de Cidadania foram elaborados ao longo da história e estão presentes em todas religiões e nos raciocínios dos grandes filósofos, economistas, pensadores do mais largo espectro.

            Quando V. Exª saiu de casa hoje, Senador Acir Gurgacz, V. Exª o fez por onde? Pela janela ou por onde?

            O Sr. Acir Gurgacz (PDT - RO. Fora do microfone.) - Pela porta.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pela porta.

            Já dizia o Mestre Confúcio, 520 anos antes de Cristo, que a incerteza é pior do que a pobreza. E pode alguém sair de casa, senão pela porta? O nome de meu livro Renda de Cidadania” tem como subtítulo A Saída é pela Porta exatamente para demonstrar...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...que, se desejamos melhorar a distribuição da renda, erradicar a pobreza, prover dignidade e liberdade real para todos na sociedade, uma solução de tão bom senso quanto V. Exª sair de casa pela porta é instituirmos uma Renda Básica de Cidadania justa.

            Seguindo um pouco mais adiante na história, 300 anos antes de Cristo, vamos nos deparar com Aristóteles que escreveu Política, em que observou que Política é a ciência de alcançar uma vida justa para todos, o bem comum. Para isso, mencionou ele: “É necessária a justiça política que precisa ser precedida da justiça distributiva, que torna mais iguais os desiguais”.

            Ora, mas isso é coincidente também com aquilo que nos ensinam os textos da Bíblia Sagrada. Qual a palavra mais citada na Bíblia em hebraico, no Antigo Testamento, Senador Acir? O Senador Mão Santa é um especialista na Bíblia Sagrada e sabe que é tzedaka (t, z, e, d, a, k, a), que, em hebraico, significa justiça na sociedade, justiça social, que era o grande anseio do povo judeu, como o é do povo palestino. E, se formos ali no Deuteronômio, no livro escrito por Davi, no Livro dos Provérbios, no Êxodo, veremos que sempre a palavra tzedaka está presente.

            Não é à toa, pois, que o MST, nos seus seminários, muitas vezes, começa pela leitura do Êxodo para lembrar a luta pela terra prometida, a luta por justiça.

            Mas, se formos ao Novo Testamento, que o Presidente Mão Santa conhece tão bem, vamos observar que, nos Atos dos Apóstolos está escrito que eles juntaram todos os seus bens e viveram em solidariedade, de tal forma a prover cada um de acordo com suas necessidades. Nas parábolas de Jesus, como na do senhor da vinha, ele contou que contratou inúmeros trabalhadores ao longo da jornada, na primeira, na segunda e até na última hora do dia e com cada um contratou aquilo que ambos consideravam justo. Quando chegou ao final da jornada, iniciou o pagamento pelo último que ali chegou. Quando pagou ao primeiro, este lhe perguntou: “Mas o senhor está me pagando o mesmo que pagou ao último que aqui chegou e eu trabalhei mais do que ele”? “Ora, você não percebe que estou lhe pagando exatamente o que ambos combinamos como justo e que o último que aqui chegou também merece receber o necessário para a sobrevivência da sua família?”

            Se formos a São Paulo, Presidente Mão Santa...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - São Paulo foi duro.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - São Paulo disse na Segunda Epístola aos Coríntios...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - “Quem não trabalha não merece ganhar para comer.”

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - São Paulo disse na Segunda Epístola aos Coríntios que todos devemos seguir o exemplo de Jesus, que em sendo tão poderoso, resolveu viver em solidariedade no meio aos mais pobres, de tal maneira que, conforme está escrito, para que haja justiça, para que haja igualdade...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Mas ele não disse apenas isso, não. V. Exª tem de saber que ele fazia tendas - tenda é casinha, é casebre. Então, até os últimos anos de sua vida ele dava o exemplo do trabalho.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito bem, mas ele também disse que para que haja justiça, para que haja igualdade, toda aquela pessoa que teve uma safra abundante não tenha demais e toda aquela pessoa que teve uma safra pequena não tenha de menos.

            E se nós formos olhar os ensinamentos, por exemplo, depois que houve...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Mas está escrito. O Deus, o que ele disse?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Está bem.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - “Comerás o pão com o suor do teu rosto.”

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Mas é também o próprio... Hoje a campanha da fraternidade...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - A Campanha da Fraternidade de 2009 colocou que o importante é que nós possamos criar as condições de justiça que promoverão a paz. Mas este ano, a Campanha da Fraternidade tem como lema Justiça e a Vida. E é muito importante que nós pensemos em como compatibilizar isso. E se nós formos olhar os ensinamentos das outras religiões, e, depois, da Guerra do Iraque e do Afeganistão,a destruição das torres em Nova Iorque, em 11 de setembro, há alguns anos, veremos que há um enorme interesse para saber o que pensam os seguidores de Maomé, do Alcorão, como os quatro califas que escreveram o Livro dos Hadis, como Omar, o segundo deles, que disse: “Toda aquela pessoa que detém um grande patrimônio deve separar uma parte dele para aqueles que pouco ou nada têm”.

            Se formos olhar os ensinamentos do budismo como os de Dalai Lama que ontem dialogou com o Presidente Barack Obama, deixando preocupados os membros do governo chinês, veremos que Dalai Lama, em Uma Ética para o Novo Milênio, observa que, se for para aceitar o consumo tão suntuoso dos mais ricos, nós precisamos antes assegurar a sobrevivência de toda a humanidade.

            E se seguirmos um pouco mais adiante na História, no início do século XVI, poderemos encontrar os ensinamentos de um dos grandes filósofos do humanismo moderno que foi Thomas More e que no livro...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -.... na discussão sobre a pena de morte, estava ali havendo um diálogo entre o cardeal arcebispo e Rafael Hitlodeu, o viajante português, observando que a pena de morte não havia colaborado para a diminuição da criminalidade violenta na Inglaterra naquela época de Henrique VIII. Rafael Hitlodeu disse que muito mais eficaz do que infringir esses castigos horríveis a quem não tem outra alternativa senão a de primeiro tornar-se um ladrão para daí ser transformado em cadáver é você assegurar a sobrevivência das pessoas.l Então, um amigo de Thomas More, chamado Juan Luís Vives, escreveu um tratado de subvenção aos pobres para o prefeito da cidade flamenga de Bruges, em que pela primeira vez se propõe a um prefeito municipal um programa de garantia de renda mínima, que foi de alguma maneira, em 1525, 1526, aplicado em Ypres, também na Bélgica.

            Dois séculos depois, podemos nos deparar com um outro Thomas, que foi um dos maiores ideólogos das revoluções americana e francesa. Refiro-me a Thomas Paine, que é considerado um dos maiores ideólogos das revoluções americana e francesa e que, para a Assembléia Nacional da França, em 1795, no texto Justiça Agrária, de apenas vinte páginas, observou que a pobreza é algo que tem a sua origem na civilização e na instituição da propriedade privada. Lá na América, onde ele havia estado antes da independência, não conseguiu encontrar tamanha...

            (Interrupção do som)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...destituição e pobreza como a que se observava nas vilas e cidades européias de 215 anos atrás. Por quê? Porque lá na América a propriedade era comum, entre os índios. Ele considerava de bom senso que uma pessoa que cultive a terra e realize empreendimentos possa usufruir de seu trabalho na sua propriedade. Mas era o seu plano que toda pessoa que assim o fizesse destinasse uma parcela desse rendimento para um fundo que a todos pertenceria. Uma vez acumulado esse fundo, nós então pagaríamos a cada pessoa residente naquele País, não como uma caridade, mas como um direito de todos participarem da riqueza da Nação, que lhes foi retirado quando instituída a propriedade privada.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI. Fazendo soar a campainha.) - V. Exª me permite, como é o nome do Partido de V. Exª?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Partido dos Trabalhadores.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Então, vamos cultivar o trabalho. Olhe, vamos semear o trabalho. Voltaire, um Senador brilhante da França, disse que três males o trabalho afasta, no mínimo: o tédio, a preguiça e a necessidade - que é a pobreza, não é? E Napoleão Bonaparte, que andou por lá depois da República - bonito o que disse o baixinho Napoleão - disse: “Conheci os limites da minha visão, conheci os limites do meu braço - ele que era guerreiro -, conheci os limites das minhas pernas, mas não conheci os limites do trabalho”. Vamos ensinar isso, dar o exemplo. Vamos pregar, cultuar o trabalho. Olha, que Deus podia colocar o filho dele... Mas o colocou na casa de um trabalhador, de um operário - seria até do PT, do Partido dos Trabalhadores. Então, vamos pregar o trabalho, Suplicy!

            Rui Barbosa que está ali, sabe o que ele disse? Que a primazia é do trabalho e do trabalhador. Ele vem antes, ele faz a riqueza.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Se V. Exª me der a oportunidade, de fato, de prosseguir, eu vou mostrar-lhe.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - V. Exª fez essa carta aos netos. V. Exª é neto de um dos maiores homens que passaram aqui no Brasil, um trabalhador. Qual é o nome dele?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Francesco Matarazzo, meu bisavô.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Então, este é o exemplo que seu bisavô deu: o trabalho.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - E eu trabalho tanto por esta idéia porque tenho a consideração de que, no dia em que for aprovada esta proposição, as pessoas trabalharão muito melhor e com maior grau de liberdade. Vou procurar comprovar isso e na companhia - se V. Exª me permitir hoje dizer - de um dos maiores...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - V. Exª me permite lhe dar uma sugestão? Eu tenho aprendido muito. Escreva uma biografia do seu bisavô. Foi o exemplo de maior trabalho em São Paulo.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Eu sei. Eu já li a biografia escrita por Ronaldo César Coelho.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Vamos fazer em quadrinho para as crianças verem o exemplo do trabalho do bisavô de V. Exª, que fez a riqueza de São Paulo.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Se V. Exª quiser ouvir um pouco mais, vou continuar.

            Outro inglês, professor primário, Thomas Spence, num folheto publicado em Londres com o título “Os direitos das crianças”, em 1797, propôs que cada localidade coloque em leilão o uso de todos os bens imóveis existentes, que utilize a receita para cobrir todas as despesas públicas locais, inclusive a construção e a manutenção dos imóveis, assim como os impostos devidos ao governo. E que distribua trimestralmente o excedente em partes iguais entre todos os habitantes, cuja subsistência será assim assegurada.

            Em 1848, Joseph Charlier, em Solução do Problema Social, afirmou que todos os homens têm o direito a gozar dos recursos naturais criados pela providência para que possam prover as suas necessidades. Em Princípios de Economia Política, em 1848, o economista e filósofo inglês John Stuart Mill defendeu que se deveria atribuir a cada pessoa, seja ou não capaz de trabalhar, um mínimo de subsistência.

            No século XX, filósofos e economistas das mais diversas tendências, depois de examinarem as mais diversas ideologias e proposições, chegaram a uma conclusão comum, como a expressa por Bertrand Russell, em 1918, em Caminhos para a Liberdade: Socialismo, Anarquismo e Sindicalismo.

O plano que estamos preconizando reduz-se essencialmente a isto: que certa renda, suficiente para as suas necessidades, será garantida a todos, quer trabalhem ou não, e que uma renda maior - tanto maior quanto permita a quantidade total de bens produzidos - deverá ser proporcionada aos que estiverem dispostos a dedicar-se a algum trabalho que a comunidade reconheça como valioso.

            Em 1920, em Um Esquema para um Bônus Social, Dennis Milner e Mabel Milner propuseram:

Todo indivíduo, todo o tempo, deveria receber de um fundo central uma pequena soma em dinheiro que seria suficiente para manter a vida e a liberdade, se tudo o mais falhasse; que toda pessoa deveria receber uma parte de um fundo central, de maneira que toda pessoa que tenha certa renda deveria contribuir com uma parcela proporcional à sua capacidade.

            Em 1937, a grande economista Joan Robinson, em Introdução à Teoria do Pleno Emprego, propôs que se distribua a todos, aos sábados, uma libra. Seu colega na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que também conviveu com John Maynard Keynes, que, em 1977, foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia, James Edward Meade, foi um dos principais defensores da Renda de Cidadania. Desde quando elaborou Diretriz de Política Econômica para um Governo Trabalhista, em 1935, até trabalhar de forma mais amadurecida em sua trilogia sobre Agathotopia, em 1989, 1992 e 1995, onde desenvolveu uma bela argumentação - a qual acabo de explicar ao nosso querido Ministro Samuel Pinheiro Guimarães, que agora está vendo os planos de médio e longo prazos, pois está preparando como será o Brasil 200 anos após a independência, em 1922. Disse-lhe que será importante que considere a proposição da renda básica de cidadania, que espero que seja realizada.

            Pois bem, James Meade contou de sua longa viagem em busca de Utopia, Senador Mão Santa. Por mais que navegasse, não conseguiu encontrar Utopia. Mas, no caminho de volta, deparou-se com Agathotopia, que em grego quer dizer em “um bom lugar”. Lá tornou-se amigo de um economista que lhe disse que os agathotopianos sabem onde fica Utopia, mas não iriam lhe contar, pois tinham uma diferença muito grande com os utopianos, que eram seres humanos perfeitos que viviam num lugar perfeito, enquanto os agathotopianos eram seres humanos imperfeitos, que cometiam as suas bobagens e perfídias - eu, às vezes, também cometo bobagens, Senador Mão Santa - mas que tinham conseguido construir um bom lugar para viver.

            E então ele estudou aqueles arranjos sociais e instituições de Agathotopia e verificou que eram os melhores que até então havia encontrado para alcançar simultaneamente os objetivos de liberdade, no sentido de cada um poder trabalhar naquilo que for a sua vontade e de poder gastar o que receber de acordo com a sua vontade; de igualdade no sentido de não haver grandes disparidades de renda e de riqueza; e de eficiência no sentido de se alcançar o maior padrão de vida possível de acordo com os recursos e a tecnologia vigentes.

            E eis que então quais eram esses instrumentos? Primeiro, flexibilidade de preços e de salários para alcançar a boa locação de recursos; muita interação entre trabalhadores e empresários, entre o trabalho e o capital, de tal forma que os trabalhadores fossem contratados não apenas por salários mas também por participação nos resultados. Mas, como às vezes os salários podem cair e a participação nos resultados, por fenômenos de seca ou de inundações ou internacionais, o resultado não fica tão bom, então é necessário haver um outro instrumento que possibilite a todos terem uma vida com dignidade o suficiente para a sua sobrevivência, que é a renda básica de cidadania. E ele, então, no seu capítulo final de Agathotopia, formula algo que me foi muito útil aqui quando o Senador Francelino Pereira foi designado Relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos, em 2002. Eu dei o meu livro para ele e falei: “por favor, Francelino, estude e daí me diga o que acha; eu estou disposto a dialogar”. E ele concluiu, dizendo: “Eduardo, é uma boa ideia, mas você precisa torná-la compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo a qual, para cada despesa é preciso haver a receita correspondente. Que tal você aceitar um artigo que diga que a Renda Básica de Cidadania será instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados, como, portanto, faz o Bolsa Família?” E eu achei que aquilo era uma proposta de bom senso e aceitei. E graças a essa proposição, a lei foi aprovada por consenso de todos os partidos: primeiro, no Senado; em seguida, na Câmara; e foi ao Presidente Lula, em janeiro de 2004, quando o então Ministro Antonio Palocci disse ao Presidente: “como é para ser instituído gradualmente, por etapas, é factível, pode sancioná-lo”. E o Presidente sancionou a lei que institui a Renda Básica de Cidadania.

            Pois bem. Mesmo o maior economista do século...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - V. Exª me permite participar?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Claro.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Primeiro, eu já vi aí V. Exª cantando e a Bíblia está cheia de cânticos. Davi dedilhava a sua harpa e fazia os salmos. “Jesus é o meu pastor e nada me faltará” é um samba de Davi - que coisa bela! Mas V. Exª, que tem esse dom da música - eu não tenho, eu confesso -, V. Exª tem até na genética. O seu filho é um dos maiores artistas do Brasil, aquela figura encantadora.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Então, quero lembrar a V. Exª, que tem o dom de ser um orador e um cantor... O cântico se comunica mais do que a oratória. Está na Bíblia, nos Salmos. Então, eu queria lembrar “Guerreiro Menino”: “um homem também chora”. É do Fagner. Sou fã do Fagner.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Eu também.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - A composição é de Gonzaguinha. Eu queria oferecer para V. Exª botar no livro, porque é a coisa mais bela. É uma comunicação. Ele diz assim:

Guerreiros são pessoas

São fortes, são frágeis (...)

É triste ver este homem

Guerreiro menino

Com a barra de seu tempo

Por sobre seus ombros

Eu vejo que ele berra

Eu vejo que ele sangra

A dor que traz no peito

Pois ama e ama

Um homem se humilha

Se castram seu sonho

Seu sonho é sua vida

E a vida é trabalho

E sem o seu trabalho

Um homem não tem honra

E sem a sua honra

Se morre, se mata

Não dá pra ser feliz

Não dá pra ser feliz

            Então, queria dar essa contribuição de presente para V. Exª, que lidera o Partido dos Trabalhadores, que está fugindo do trabalho como o diabo foge da cruz. Então, é isso.

            Acredito em Deus, que amou e amou, que é Deus, que é o cimento da família, essa sagrada instituição, daí respeitá-lo porque V. Exª falou dos netinhos... Acredito no estudo que leva à sabedoria, que vale mais do que ouro e prata, e no trabalho, que faz as riquezas.

            Então, queria lhe oferecer, Acir Gurgacz, “Guerreiro Menino”, do Fagner, composição do Gonzaguinha.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Então, eu gostaria de perguntar a V. Exª se considera que eu ter elaborado esse texto e fazer esse pronunciamento, em favor da Renda Básica de Cidadania, que eu procuro fazer para persuadi-lo...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Com o trabalho não vem renda básica, não; vem a renda grandiosa, que nos leva à...

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - V. Exª não permitiu que eu concluí-se a minha pergunta. V. Exª considera que eu não estou realizando um trabalho? V. Exª considera que eu estou aqui, ao realizar esse pronunciamento, fugindo do trabalho como se foge da cruz? É essa a sua interpretação?

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - A sabedoria está no meio. É o momento de uma necessidade, de uma caridade. Caridade é amor, todos nós pactuamos com isso. Mas isso é um passo que nos leve ao trabalho. Aí será o fim.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Quem sabe se eu aqui agora relatar a V. Exª o que pensam os maiores economistas do Século XX e XXI a respeito desse tema, se V. Exª tiver a paciência de ouvir um pouco mais, vai poder se tornar persuadido da proposta.

            Eu gostaria de agora falar sobre o maior economista do Século XX, que foi John Maynard Keynes, que, em 1939, em Como Pagar pela Guerra (How to Pay for The War), que ele escreveu para o The Times, procurou convencer os seus compatriotas, quando estavam para entrar na guerra contra a Alemanha e, depois, contra o Japão, que era necessário se preparar para a defesa e separar o necessário para isso. E como, em função da guerra, iria haver problemas sociais graves, ele, então, propôs que se separassem 2% do produto doméstico bruto do Reino Unido, à época, que correspondia a 5 bilhões de libras esterlinas e, portanto, 100 milhões de libras esterlinas para se prover uma Renda Básica. Em 1939, John Maynard Keynes.

            Abba Lerner, que trabalhou com Oskar Lange sobre a Teoria Econômica do socialismo de mercado, em 1944, publicou “A Economia do Controle: A Economia do Bem-Estar”, em que propõe a instituição de uma soma fixa como um imposto de renda negativo para todos.

            Outros laureados com o Nobel de Economia, defensores do sistema de mercado, argumentaram em favor da garantia de uma renda mínima para os que não tivessem o necessário para sobreviver. Assim, Friedrich Von Kayek, em “O Caminho da Servidão”, em 1944, e George Stigler, em “The Economic of Minimum Wage Legislation”, na American Economic Review, de 1946, observou que, se quiser combater a pobreza absoluta e promover o emprego, que é o que V.Exª deseja, melhor até do que o instrumento do salário mínimo, seria a instituição de um imposto de renda negativo que proveria uma renda mínima aos que não alcançassem o necessário com seus rendimentos. O mesmo ponto, de maneira bastante didática foi popularizado por Milton Friedman...

            (Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -...em “Capitalismo e Liberdade”, em 1992. Mas quem mais se empenhou na elaboração e defesa de uma renda mínima, garantida ao longo, sobretudo dos anos sessenta e setenta, foi James Tobin, um seguidor de John Maynard Keynes, como é o Paul Krugman, hoje, o Prêmio Nobel brilhante, recente, que, em muitos aspectos, diferia de Friedman, pois era um defensor das proposições de Keynes.

            Em 1972, o Nobel, James Tobin, ajudou o candidato democrata, George McGovern a elaborar a proposição de um Demogrant de mil dólares anuais para todos os americanos, justamente o conceito de uma renda básica.

            James Tobin, Paul Samuelson, John Kennedy Galbraith, Roberto Lampman, Harold Watts e 1.200 economistas, em 1968, encaminharam um manifesto ao Congresso norte-americano, em favor da adoção de um sistema de complementação e garantia de renda.

            Em 1969, o Presidente Richard Nixon convidou Daniel Patrick Moynihan, um arquiteto de programas sociais dos Governos John Kennedy e Lindon Johnson, para desenhar o The Family Assistence Plan, que instituiria a garantia de uma renda mínima através de um imposto de renda negativo. Foi aprovado na Casa dos Representantes, mas barrado no Senado.

            Naquela época, um dos que mais se empenharam pela garantia de uma renda foi Martin Luther King Jr., como se pode observar em seus inúmeros ensaios em Where Do We Go From Here: Caos or Community?, de 1997, onde ele afirma: “Eu agora estou convencido de que o mais simples meio provará ser o mais eficaz - a solução para a pobreza é aboli-la diretamente por meio de uma medida agora amplamente discutida: a renda garantida”.

            Em 2005, numa estada nos EUA, procurei o ex-Senador George Mc Govern, que havia perdido a eleição presidencial para Richard Nixon, em 1972, para lhe relatar que o Brasil havia aprovado a instituição de uma renda básica de cidadania, conceito semelhante ao que ele defendera em 1972. Ele ficou feliz e me disse: “Bem que me diziam que eu era uma pessoa com ideias adiante de seu tempo.”

            Em 1974, o Congresso norte-americano aprovou uma proposta de imposto de renda negativo parcial, apenas para os que trabalham e não alcançam um patamar de renda, com o nome de Earned Income Tax Credit, ou Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, o qual teve um desenvolvimento importante. Hoje, Senador Mão Santa, mais de 23 milhões de famílias recebem essa complementação de renda nos Estados Unidos da América, que é de, mais ou menos, US$2 mil por ano, em média. Esse programa se somou aos programas de assistência às famílias com crianças dependentes, substituído, em 1996, pela Assistência Temporária às Crianças Dependentes, ao Seguro Desemprego, aos Cupons de Alimentação, e à Seguridade Social. Nas últimas décadas, quase todos os países europeus criaram programas de transferências e garantias de renda, a exemplo da Renda Mínima de Inserção, na França, do Rendimento Familiar Mínimo, em Portugal, de benefícios às crianças de forma bastante generalizada. Nos países da América Latina, espalharam-se os programas de transferência de renda condicionada, como Oportunidades, no México, Chile Solidário, Jefes e Jefas de Hogar, ou, mais recentemente, Asignación Familiar, na Argentina, Avancemos, na Costa Rica, e Ingreso Ciudadano, no Uruguai.

            Em 1986, em Louvain, na Bélgica, um grupo de cientistas sociais, economistas e filósofos, entre os quais Philippe Van Parijs, Guy Standing, Claus Offe, Robert van der Veen, criaram a BIEN, Basic Income European Network, para se constituir num fórum para debater todas as formas de transferência de renda nos mais diversos países e também para propugnar que em cada país se constitua uma Renda Básica Incondicional. Desde então, a cada dois anos, a BIEN tem realizado congressos internacionais. Em 2004, por ocasião do congresso realizado em Barcelona, como havia pesquisadores dos cinco continentes, propus que se transformasse a BIEN em Basic Income Earth Network, ou Rede Mundial da Renda Básica, o que foi aprovado consensualmente. Depois, houve o XI Congresso Internacional, em Cape Town, e o XII Congresso Internacional, em Dublin, em junho de 2008, quando foi feita uma consulta a nós, os treze brasileiros que ali estávamos, se poderíamos sediar o próximo, o XIII Congresso Internacional da BIEN. Assim ficou definido, pois dissemos que sim, e o XIII Congresso Internacional da BIEN vai ser realizado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, em 30 de junho, 1º e 2 de julho deste ano, 2010, e, felizmente, o Presidente Lula aceitou fazer a palestra de abertura na manhã do dia 1º de julho próximo.

            No início dos anos 60, numa vila de pescadores, o prefeito ali observou que de lá saía uma grande riqueza na forma da pesca. Ele observou que havia muitas pessoas pobres na vila e propôs aos seus concidadãos: “Vamos...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ... criar um imposto de 3% sobre o valor da pesca para formar um fundo que a todos pertencerá.” Houve enorme resistência. “Mais um imposto. Sou contra”. Mas eis que conseguiu, após cinco anos, persuadir a comunidade, porque havia ali pessoas como o Senador Mão Santa, que, com o tempo, vou conseguir persuadir.

            Finalmente, criado o fundo, a experiência deu tão certo que, dez anos depois, ele se tornou Governador do Estado do Alasca. E eis que o Alasca, no final dos anos 60, na baía de Prudhoe, encontrou, como agora achamos no fundo do Oceano Atlântico, enorme reserva petrolífera. Então, eleito Governador em 1976, disse ele aos seus então 300 mil concidadãos residentes no Alasca:

Nós precisamos pensar não apenas nesta geração, mas na futura. O petróleo e outros recursos naturais não são renováveis. Vamos, então, separar uma parcela dos royalties [que depois ficou estabelecida em 25%] decorrentes da exploração dos recursos naturais para instituir um fundo que a todos pertencerá.

            E o que aconteceu? Esses recursos passaram a ser aplicados em títulos de renda fixa, ações de empresas do Alasca, contribuindo para diversificar sua economia, ações de empresas internacionais, inclusive brasileiras, as mais rentáveis, como da Petrobras, da Vale do Rio Doce, do Bradesco, do Itaú, e ações de empresas dos Estados Unidos e empreendimentos imobiliários. E o valor daquele fundo passou de US$1 bilhão, em 1980, para US$40 bilhões, atualmente.

            Para cada pessoa residente no Alasca, pois a única condição é residir ali há um ano ou mais... Pergunto ao Senador Acir Gurgacz, só para dar um exemplo: quantas pessoas são na sua família?

            O Sr. Acir Gurgacz (PDT - RO) - (Inaudível. Fora do microfone.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Três.

            Senador Mão Santa, para dar um exemplo, se V. Exª me permite fazer-lhe uma pergunta pessoal: quantas pessoas são na sua família?

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Eu e Adalgisa temos quatro filhos e sete netos.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Vamos supor marido, mulher e quatro filhos...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Suplicy, todos trabalham.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Todos trabalham.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Todos os meus filhos, graças a Deus. Eu acho que essa foi a maior riqueza que eu tive. Foi dar o exemplo. Padre Antonio Vieira dizia: “Palavra sem exemplo é um tiro sem bala”. O exemplo arrasta.

            Já que o senhor não quis cantar o Guerreiro Menino, do Fagner, composição do Gonzaguinha, eu lhe lembrava do Luiz Gonzaga, nosso filósofo lá do Nordeste. Eu sou do Nordeste. Dizia ele que a esmola que você dá a um homem são - ele diz isto na sua cantoria bonita - mata de vergonha, humilha o cidadão e vicia. Mas eu ficaria com Deus mesmo, que disse: “Comerás o pão com o suor do seu rosto”.

            É uma mensagem aos governantes para propiciar trabalho. Eu fui governante e procurei propiciar. A gente propicia. É dever do governante propiciar trabalho.

            E aí, dos filósofos, de todos os economistas que você disse, permita-me ficar com Franklin Delano Roosevelt, paralítico, que governou os Estados Unidos quatro vezes. Ele ajudou a vencer a guerra. Ele, depois da recessão, disse: “Norte-americano, arrume um trabalho. Persista. Se não der certo, arrume outro trabalho”.

            Está aí. Então, eu quero... Agora, que a caridade tem que ser feita... Amor, fé, esperança e caridade ninguém está contra. Mas ela é momentânea. Então, eu creio nessas minha crenças. Mas V. Exª é um homem muito generoso. Está defendendo aquilo que o apóstolo Paulo disse: fé, esperança e amor, que é caridade. Ele vai além e diz que a melhor das três é o amor.

            Então, V. Exª merece todos os aplausos por esse amor, essa caridade, essa solidariedade. Mas a base maior é o trabalho. Essa é a minha crença.

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...Gurgacz estivesse...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Olha, a família do Acir Gurgacz é de trabalho. Eu conheço a história e vou lhe dar o livro que ele me deu. Muito trabalho. Desbravaram o norte todinho.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - V. Exª já conhece o que acontece no Alasca? Gostaria de conhecer?

            Então, vamos supor que estivesse o Senador Acir Gurgacz vivendo no Alasca. Entre 1º de janeiro e 31 de março, teria preenchido um aplication form, um requerimento, e o Senador Mão Santa também. Ele poderia até se recusar a fazê-lo, mas vamos supor que estivesse inscrito. O Senador Mão Santa trabalha aqui no Senado e vive em tal endereço, e que V. Exª também tivesse escrito assim. Teria ainda colocado, não precisaria responder qual o seu rendimento, qual o seu patrimônio - isso não vai afetar -, teria que esclarecer que residia aqui há um ano ou mais... Então, no ano passado, fui ao Alasca verificar se o que o Senador me contou era verdade e realmente funciona. Poucas perguntas adicionais, e duas pessoas que lhe conhecem testemunham se a declaração é verdadeira. V. Exª responde por suas crianças até 18 anos, o Senador Mão Santa também, enquanto tivesse crianças pequenas.

            E quem assim procedeu, quando chegar a última semana de setembro ou a primeira de outubro, teria recebido, por transferência eletrônica, na sua conta bancária, ou por cheque enviado à sua residência, se assim preferiu, nos primeiros anos, 80, cerca de 300, depois 400, 500. No ano de 2008, inclusive com a Sarah Palin como Governadora, foram US$2,609 por pessoa, e portanto, em uma família de três pessoas, como a de V. Exª, seriam mais de US$7 mil; em uma família de seis pessoas ou até dez, se contarmos os netos, seriam mais de US$26 mil - e a família do Senador Mão Santa, se estivesse lá vivendo - e ele jamais ia deixar de trabalhar por ter recebido o direito, mais do que natural, de todos participarem da riqueza da nação.

            Eu gostaria de informar que, se em 1976, quando o Governador Jay Hammond propôs aquele fundo para todos os 300 mil residentes do Alasca, 76 mil votaram “sim”, 38 mil votaram “não” - dois para um, venceu. E hoje, conforme estudo do economista Professor Scott Goldsmith....

            (Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...da Universidade do Alasca, hoje é considerado suicídio político para qualquer liderança propor o fim dessa sistemática. E por que razão? Porque fez do Alasca o mais igualitário dos 50 estados norte-americanos.

            Veja: nos Estados Unidos da América, nos 50 Estados onde funcionam todos aqueles sistemas de transferência de renda, inclusive o crédito fiscal por remuneração recebida, que paga um complemento de renda a quem trabalha mas não consegue atingir certo patamar, então se paga para estimular o trabalho, durante os anos 1990, de 1989 a 1999, houve um crescimento do rendimento anual médio das famílias 20% mais ricas de 26%; das famílias 20% mais pobres, de 12%. Portanto, houve concentração de riqueza. Já no Alasca, graças a se distribuir cerca de 6% do produto doméstico bruto igualmente para todos...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Eduardo Suplicy, V. Exª me permite...

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Mas V. Exª vai me interromper na hora em quem apresento o xeque-mate!

            No Alasca, graças a se ter distribuído 6% do produto doméstico bruto igual para todos os seus habitantes, que hoje são quase 700 mil, qual foi o resultado? As famílias 20% mais ricas cresceram no seu rendimento médio 7%. As famílias 20% mais pobres cresceram 28%. Ou seja, do ponto de vista de quem deseja criar uma sociedade com maior equidade, com maior igualdade, não há dúvida de que houve bons resultados.

            Gostaria de informar a V. Exª que...

            (Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - V. Exª foi extremamente generoso comigo, então, não vou abusar. De minhas quinze páginas, estou na décima, então...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Não, eu fico no debate qualificado. Mas V. Exª vai entender. V. Exª citou muita gente aí. Vou citar eu mesmo. Por isso estou aqui.

            Fui prefeitinho, V. Exª não foi. Então, vou dizer como eu procedi. Estou aqui para trazer essas experiências. Não vim contar, não; eu sei. Fui prefeitinho e trabalhava mesmo. Entrava às 7 horas; até uma hora, era aquele negócio de despachar, secretários... Suplicy, olhe para cá, aprenda. Estou aqui para ensinar.

            Fui prefeitinho, Lula não foi. Conheci isso tudinho que esses teóricos fizeram. E sabe o que eles acham? Às 13 horas, eu abria a porta, na cidade de Parnaíba. Estou dizendo, eles estão me ouvindo. Por isso estou aqui. Preste atenção, eu tenho a ensinar. E estou aqui por isso.

            V. Exª foi o melhor Presidente da Câmara Municipal que São Paulo já teve.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - E com trabalho.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Foi por isso, pela austeridade de V. Exª. E vou dizer porque eu estou aqui. Às 13 horas, eu abria a porta, entravam 20, 30... Eu enfrentava o povo. Eu sei disso. Eu sou médico, eu sei psicologia. Preste atenção. Aí, chegava um cara e dizia: “Dr. Francisco” - é como sou conhecido lá - “estou com fome, estou sem trabalho, estou morrendo aqui de fome”.

            E eu, Prefeito comecei, criei - não ouvi conversa não, eu fiz história... comecei a dar bilhete de acordo com o lugar onde moravam: “Vai comer em tal restaurante”. Aí ele olhava assim e dizia: “Mas minha mulher também não tem”. Aí eu dava dois para os restaurantes. Aqueles homens tinham tanta vergonha e dignidade... Quem está dizendo sou eu, não é esse negócio de teoria, não.

            Cidade pequena, Prefeito sabe tudo...Eles vinham duas, três vezes e pronto. Não vinham mais, eles achavam aquilo, como diz o Luiz Gonzaga, uma humilhação, uma vergonha. Eles arrumavam trabalho. Então, foi evoluindo a ideia. Eu dava. E estou falando aqui, e a minha cidade está ouvindo. Não tinha negócio de fome não, nunca teve. Eu saí prefeitinho de lá, fui candidato a Governador do Estado. Tinha quatro candidatos, eu tive 93,84% dos votos dessa cidade. Tinha um candidato do PT. Teve uma urna lá que deu 276 para Mão Santa; 2, Átila Lira, que era o mais forte; PT, zero; e o outro, zero. Dava bilhetes de acordo com o bairro para o restaurante, mandava recolher e pagar. Olhe para cá. Eu que fiz, criei esse negócio de programa social e paguei caro por isso, fui o primeiro injustiçado, fui cassado - a maior imoralidade da justiça, como V. Exª acabou de dizer.

            Quando chegamos em Teresina, eu criei... Do lado do Palácio, tinha um batalhão, minha mulher, D. Adalgisa, chegou lá e disse: “Você não precisa de proteção”. Botamos os soldados para fora, e ela fez o primeiro restaurante “Sopa na Mão”, o primeiro do País. Garotinho foi comer lá, Mário Covas foi comer lá, eu os levava. E aquilo foi se expandindo, quando eu vi, estava no Estado todo. Eu fui cassado, e disseram... É a página mais negra e mais imoral dessa justiça da história do mundo, não é do Brasil. Porque aí disseram que eu dei comida - “Sopa na Mão” - e o nome mão, Mão Santa...

            Eu tinha um programa, “Luz Santa” - Luiz Inácio não inventou caridade não. “Luz Santa”, melhor programa do que esses que estão aí: eram 30 quilowatts. Corresponde a uma casa com quatro lâmpadas e o serviço social pagava. E o nome “Luz Santa”, Mão Santa.

            Água, eu nunca cortei de um pobre. O rico não vai ao banco e parcela em dez anos? Então, aquelas contas atrasadas eu mandava parcelar, o serviço social... Chamavam isso de “Água Santa”. E dei remédio. Dei e dei mesmo. E se voltar ao executivo, vou dar mais. Não estou convencido de que não... Agora, eu nunca pedi título, não pedi voto. Dava de comer a todo mundo. Mário Covas foi lá, Garotinho. Foi o primeiro restaurante popular no Brasil. Foi o nosso. Nós sabemos o que é sensibilidade.

            Mas quero, como primário, como mais importante, ensinar ao povo do Brasil dois caminhos: o estudo e o trabalho. Essa é minha causa. Rui Barbosa disse: “Oração e trabalho”. Eu digo: “Estudo e trabalho”. Essa é a minha crença. Quer dizer, esses programas sociais, Suplicy, têm de existir. Por isso digo que o Prefeito deve transformar em estudo, em caminhos para trabalho. E se consegue encaminhar uma pessoa para o trabalho, a não ser os deficientes, que têm que ter uma rede de proteção.

            Então, temos muita coisa em comum, essa sensibilidade, essa generosidade. Apenas eu valorizo mais o trabalho e o resultado do trabalho.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - V. Exª...

            O SR. MÃO SANTA (PSC - PI) - Pois não, cinco minutos para V. Exª. Debate qualificado. 

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Mão Santa, vou procurar, nesses cinco minutos, sintetizar os pontos principais e, sobretudo, dizer-lhe que tenho convicção de que a renda básica de cidadania é muito consistente com a promoção do trabalho. A sua implantação será fundamental para aumentar as oportunidades de trabalho para todas as pessoas no Brasil, e muito mais de acordo com sua vocação, sua vontade.

            A propósito da renda básica de cidadania, assinala o grande filósofo e economista Philippe Van Parijs, em Real Freedom for All. What (if anything) may justify capitalism? - “Liberdade real para todos. O que (se é que há alguma coisa) pode justificar o capitalismo?” -, que, se desejarmos de fato uma sociedade justa, temos de colocar em prática os princípios de justiça estabelecidos por um dos maiores filósofos contemporâneos, John Rawls, da Universidade de Harvard. Ele diz que, se nós quisermos criar uma sociedade justa, precisamos colocar em prática os instrumentos que realizem os três princípios de justiça, que são os seguintes:

            1. Toda pessoa tem direito igual ao conjunto mais extenso de liberdades fundamentais que seja compatível com a atribuição a todos desse mesmo conjunto de liberdades (princípio de igual liberdade);

            2. as desigualdades de vantagens socioeconômicas só se justificam se (a) contribuem para melhorar a sorte dos membros menos favorecidos da sociedade (princípio da diferença), e se (b) são ligadas a posições que todos têm oportunidades equitativas de ocupar (princípio de igualdade de oportunidades).

            Então, Philippe Van Parijs explica muito bem que, se desejarmos colocar em prática esses princípios, a Renda Básica de Cidadania é o instrumento que mais contribuirá para essa finalidade.

            Na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, o Deputado Ciro Gomes é hoje o relator da proposta que cria o Fundo Brasil de Cidadania, que guarda relação com o Fundo Social Pré-Sal, de minha autoria, já aprovado aqui no Senado Federal, que estabelece que será separada uma proporção dos royalties decorrentes da exploração dos recursos naturais, uma proporção das diversas concessões de serviços e obras públicas e também uma proporção dos aluguéis dos imóveis pertencentes à União e outros recursos para constituir um fundo que poderá financiar uma Renda Básica de Cidadania para toda a população.

            Quanto mais pessoas compreenderem como a Renda Básica contribuirá para a construção de um Brasil civilizado e justo, mais estarão dizendo ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à Presidente Dilma Rousseff, ao Presidente José Serra, à Presidente Marina Silva ou ao Presidente Ciro Gomes: “É uma boa proposta. Vamos logo colocá-la em prática”.

            Tenho convicção, Sr. Presidente Mão Santa, de que, em breve, experiências pioneiras mostrarão a importância de se implantar uma renda básica de cidadania. Refiro-me, por exemplo, àquilo que está para acontecer em Santo Antônio do Pinhal, onde o Prefeito José Augusto Guarnieri Pereira encaminhou projeto de lei sobre a matéria à Câmara, os nove Vereadores o aprovaram e ele sancionou em novembro último.

            Além dessa, há experiências como as que ocorrem em Omitara/Otjivero, a cem quilômetros de Windhoek, na Namíbia: em uma vila rural, mil habitantes passaram, há dois anos, a receber uma renda básica modesta, equivalente a doze ou treze dólares norte-americanos ou cem dólares da Namíbia. Reportagem da revista Der Spiegel, de agosto último, Senador Presidente Mão Santa, indica que os resultados de dois anos de concessão de uma renda básica de cidadania modesta naquela vila aumentou a atividade econômica, o empreendedorismo, inclusive das mulheres, e melhorou a frequência das crianças às escolas. Então, quero lhe passar a reportagem da revista Der Spiegel que mostra como, em um país em desenvolvimento pobre como a Namíbia, a experiência da renda básica, tão estimulada pelo bispo Zephania Kameeta, está dando certo e trazendo consequências positivas, inclusive no sentido da consecução do objetivo que V. Exª tanto aqui assinalou - o importante é as pessoas trabalharem. Pois lá as pessoas estão trabalhando mais, com muito maior autoestima, melhorou o nível de equidade social e diminuiu consideravelmente a pobreza absoluta.

            Portanto, trata-se de olhar para ver.

            Eu irei, a caminho de Munique - recebi um convite para visitar aquela cidade -, passar na Namíbia para verificar essa experiência in loco.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - V. Exª é o Líder do PT?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sou Vice-Líder.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Do Governo? Não.

            Valdir Raupp ontem fez um belo pronunciamento nesta Casa, dizendo que ainda há mais de vinte milhões abaixo da linha da pobreza. Ou seja, não estamos contra não, estamos aplaudindo emergencialmente o que foi feito, mas ele mesmo, o Líder, diz: “Só tem uma saída, que é a educação”. Ela vai acabar com isso.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Educação é fundamental, e a Renda Básica de Cidadania contribuirá para a erradicação da pobreza absoluta desses vinte milhões de habitantes.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Há essa pobreza que V. Exª está descobrindo e que está nas pesquisas, mas há também a concentração de renda: estamos, entre os trezentos países do mundo, entre os sete piores!

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Há muita desigualdade.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Pois é, mas maior do que essa concentração de renda é a concentração do saber, que está só nas mãos dos ricos.

            Neste País - atentai bem ao que vou lhe dizer -, 74% dos brasileiros -aprendi isso com a professora Marisa Serrano - não têm um livro. Este País nos envergonha. Este Senado, aberto, em uma luta do professor Cristovam Buarque e de todos nós, aprovou um piso para a professora, a mãe da sabedoria, a única classe cujos membros também são chamados de mestres, como Cristo. Hoje, o País, os Poderes, que somos nós, a Justiça... Ele é ilegítimo! Novecentos e sessenta reais!

            Quanto ganha o pessoal da Justiça? Quanto ganham as professorinhas? Quanto ganham os médicos?

            Então, reconheço essa preocupação de V.Exª, mas acho que maior ainda é a falta de chance de saber da população: 74% dos brasileiros e brasileiras não têm um livro.

            Isso aqui foi muito positivo. Eu aprendi muito com V. Exª e acho que V.Exª poderá ser um grande Governador de São Paulo, como V. Exª foi o melhor Presidente da Câmara Municipal da cidade de São Paulo. Isso explica o povo ter reconhecido a sua austeridade e o exemplo do seu bisavô - homem que mais deu trabalho e emprego no Brasil -, elegendo-o várias vezes Senador da República.

            Muito agradecido. Foi um debate qualificado. Nós ainda vamos ter esse ponto de encontro. V. Exª trouxe aqui aquilo que é fundamental: a generosidade, o amor e a caridade, que nunca registrei - confessei até que fiz intensamente no meu governo, não é? Fui até mal compreendido, não é?

            Mas a minha crença é nessa... Eu cheguei aqui acreditando no estudo e no trabalho, uma passada no estudo e no trabalho.

            Então, nós agradecemos a V.Exª.

            Há poucos dias me perguntaram sobre V. Exª. Eu dissse: “É o homem que trabalha mais lá. Eu acho que ele chega às cinco horas da manhã e é o último que sai, cheio de livros”. Todos nós o respeitamos, porque V.Exª simboliza o trabalho aqui. V.Exª tem muito carinho de todos os Senadores, porque todos nós o reconhecemos. V. Exª tem porte atlético, é um atleta - ouvi dizer que luta jiu-jitsu, boxe -, mas nunca usou sua força para outra coisa que não fosse carregar pastas e livros e defender suas teses.

            Os nossos parabéns e os nossos cumprimentos.

            São Paulo trouxe para cá esse grande e extraordinário líder, que é Suplicy. Votaram na austeridade que V. Exª teve na Câmara, saiu de Vereador para Senador. Isso é um pulo difícil na história do Brasil. E o exemplo do bisavô de V. Exª, que lá no Piauí nós admiramos, todo o mundo admira. Era o homem-trabalho, o homem que criava empreendimentos, o homem empreendedor, o homem que fazia a riqueza. Isso somou ao que a gente é.

            Então, meus parabéns!

            Permita-me encerrar a sessão?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Só quero alguns segundos para agradecer...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Um minuto.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ...a atenção de V. Exª. Eu gostaria de dizer da minha adolescência e juventude. Como muitas pessoas, impressionaram-me os ensinamentos, de um lado, de Jesus, de outro lado, de Karl Marx. V. Exª sabe que um dia eu fui explicar para a CNBB, para as Comunidades Eclesiais de Base, as Pastorais da Terra a Renda Básica de Cidadania e observei que era consistente com os ensinamentos de Karl Marx, que disse que quando a sociedade humana estiver mais amadurecida se poderá inscrever como lema da bandeira na sociedade de cada um, de acordo com a sua capacidade e a cada um de acordo com as suas necessidades. E foi então que D. Luciano Mendes de Almeida, o saudoso Presidente da CNBB me disse: “Eduardo, você não precisa citar Karl Marx, porque ele é muito mais bem defendido por São Paulo, na II Epístola aos Coríntios, tal como eu aqui citei. Daí eu li essa Epístola tão bonita, em que ele diz que deveríamos todos seguir o exemplo de Jesus que, em sendo tão poderoso, resolveu se solidarizar e viver dentre os mais pobres, de tal maneira que conforme está escrito, para que haja justiça, para que haja igualdade, todo aquele que tenha uma safra abundante demais não tenha demais, todo aquele que teve uma safra pequena não tenha de menos.

            Eu agradeço muito a atenção de ambos os Senadores Acir Gurgacz e o Senador Mão Santa com quem, mesmo com as nossas divergências, nós aprendemos uns com os outros e bastante.

            Como dizia o amigo Carlito Maia, “o que nós precisamos é uns dos outros.”

            Peço a V. Exª que inclua o meu discurso todo como lido.

 

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            SEGUE, NA ÍNTEGRA PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/02/2010 - Página 3429