Discurso durante a 15ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reverência à memória da Dra. Zilda Arns Neumann, fundadora da Pastoral Nacional e Internacional da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa; do Dr. Luiz Carlos Costa, representante da ONU; e dos militares brasileiros vitimados pelo terremoto no Haiti.

Autor
Patrícia Saboya (PDT - Partido Democrático Trabalhista/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverência à memória da Dra. Zilda Arns Neumann, fundadora da Pastoral Nacional e Internacional da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa; do Dr. Luiz Carlos Costa, representante da ONU; e dos militares brasileiros vitimados pelo terremoto no Haiti.
Publicação
Publicação no DSF de 24/02/2010 - Página 3985
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ZILDA ARNS, MEDICO, FUNDADOR, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, APOIO, CRIANÇA, IDOSO, SITUAÇÃO, POBREZA, ABANDONO, REPRESENTANTE, BRASIL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), MILITAR, FORÇAS ARMADAS, VITIMA, ABALO SISMICO, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI.
  • RELEVANCIA, TRABALHO, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, ESTADO DO CEARA (CE), ELOGIO, VIDA PUBLICA, SOLIDARIEDADE, ZILDA ARNS, MEDICO, CONCLAMAÇÃO, POLITICA, RESPONSABILIDADE, PROMOÇÃO, BEM ESTAR SOCIAL, DEFESA, NECESSIDADE, GARANTIA, DIREITOS SOCIAIS, CRIANÇA.
  • ELOGIO, BRAVURA, MILITAR, FORÇAS ARMADAS, TRABALHO, RECONSTRUÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª PATRÍCIA SABOYA (PDT - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Senador. Presidente Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, autoridades que compõem esta Mesa nesta tarde de hoje, todos os meus colegas, Senadores e Senadoras que eu gostaria de citar em nome da pessoa do Senador Flávio Arns, não só pelo seu trabalho, pela sua dedicação, pela sua sensibilidade, mas, mais do que isso, pela sua proximidade, pelo seu sangue, que vem de uma mulher tão extraordinária, uma mulher tão maravilhosa, como era a Drª Zilda Arns; minhas senhoras e meus senhores, na verdade eu preparei, Senador Mão Santa, um pronunciamento, mas, quando a gente pensa em falar de uma pessoa, e eu começo meu pronunciamento com a Drª Zilda Arns, é melhor a gente deixar o coração falar mais alto. Ainda mais eu, que tive o privilégio e a honra de ter tido a possibilidade de conviver e de aprender um pouco com essa grande mulher tantas coisas maravilhosas que aconteceram no mundo. Estou na política já há um bom tempo: já fui Vereadora pela minha cidade de Fortaleza, já fui Deputada Estadual pelo meu Estado, o Ceará, e agora represento o povo do meu Estado e o meu Estado, sendo a primeira mulher Senadora eleita.

            Isto para mim é um orgulho muito grande, mas confesso aos senhores e às senhoras que quando cheguei a esta Casa, Senador Paulo Paim, me assustei um pouco. Em primeiro lugar, pelas pessoas com quem eu iria conviver: ex-governadores, ex-ministros, ex-presidentes da república, e eu pensava no meu intimo se eu seria capaz de dar conta de poder representar o meu Estado - com tanto carinho, tanto respeito que tenho pelo meu povo - à altura do povo cearense nesta Casa. Foi dando continuidade a uma luta que eu comecei há muitos anos na minha vida, que era a luta em defesa das crianças e dos adolescentes, que eu pude me espelhar ainda mais na figura dessa mulher tão encantadora.

            Penso que com a morte da Drª Zilda Arns, no primeiro momento - por favor não quero fazer nenhum discurso pessimista - morre um pouquinho também dentro de mim. Morro um pouquinho dentro de mim, porque venho de um Estado muito pobre, onde a gente é muito sofrida. Em 1986 foi a presença dessa mulher, nesse Estado tão pobre, que fez com que o Estado do Ceará, um dos Estados mais pobres da Nação brasileira, pudesse receber um prêmio mundial, que é o prêmio do Unicef, pela redução em 32% da mortalidade infantil de meninas e meninos.

            Portanto, posso dizer e posso afirmar - e creio que todos nós que estamos hoje neste Plenário, e tantos outros que não puderam comparecer - que não há nenhum brasileiro ou brasileira que tenha salvado tantas vidas como fez a Drª Zilda Arns, com a sua inteligência, com a sua sensibilidade. Usando a sua vocação de médica e o seu coração tão grande e generoso foi que ela conseguiu salvar milhares e milhares de vida. E essa é uma lição que nós temos para o resto da vida e a responsabilidade de cada um de nós que ficou aqui, seja de cada uma das senhoras, dos senhores, que trabalham lá na esquina, lá na ponta deste País, com tanta dificuldade, mas com tanto prazer, com tanta alegria de poder salvar a vida de uma criança, a vida de uma pessoa mais velha. Sonhando e acreditando nesse sonho é que eu continuo a lutar pelas crianças, Senador Paulo Paim, porque eu tenho certeza de que muitos talvez tenham dito para a Drª Zilda que já estava bom; mas ela não se contentou, tanto é que morreu em missão.

            E eu fico me perguntando, e nesses momentos eu penso muito: o que está acontecendo com este mundo de meu Deus? O que está acontecendo e se essas calamidades, esses desafios não são todos para nos acordar, aos homens e mulheres desta humanidade, para a gente pensar um pouco, botar a mão na cabeça, botar a mão na consciência, para ver se nós estamos fazendo aquilo que devemos fazer, se estamos cuidando das nossas crianças, se estamos cuidando dos nossos jovens ou se não estamos querendo aqui penalizá-los mais uma vez, como muitas vezes chegam propostas de se reduzir a idade penal? Porque a violência é muito grande neste nosso País, e os jovens são os grandes responsáveis pela violência no nosso País.

            Esquecem essas autoridades que nós, principalmente nós políticos, somos os verdadeiros responsáveis por essa violência, pela desnutrição, pelo trabalho forçado das nossas crianças, por tantas e tantas mazelas que existem à solta por esse mundo. E, muitas vezes, a gente acha mais fácil esconder a poeira debaixo do tapete.

            Drª Zilda, não. Ela botou a poeira para cima. Ela mostrou o que a gente tinha e que o maior patrimônio de uma humanidade são os nossos filhos. Que um país só pode ser melhor, só pode ser verdadeiramente justo e saudável se os nossos filhos estiverem bem criados, estiverem bem acolhidos, tiverem o direito a um lar, tiverem direito à saúde, tiverem direito a ter um pai, uma mãe, uma escola digna. E foi por tudo isso que a Drª Zilda Arns lutou.

            E aqueles que a admiravam sentiram, talvez como eu, uma dor muito forte, como se estivesse apagando um pedacinho da gente, de uma chamazinha que está lá dentro. É tão difícil quem milita pela criança, porque elas não votam, elas não têm voz. É prioridade na eleição para todo o mundo; no dia seguinte, todo o mundo se esquece dos compromissos, se esquece de melhorar a educação, se esquece de melhorar a saúde. Muitas vezes são contra os direitos que a gente tenta preservar, como o aleitamento materno, por que a Drª Zilda lutou tanto, me ajudou tanto nesta Casa e a tantos Senadores com a sua palavra forte. Quantas vezes pedindo também para não ser reduzida a idade penal, porque essa não era a saída para a violência no nosso País? E essa mulher estava lá, naquele dia, fazendo uma palestra, mostrando no Haiti, uma terra tão pobre e miserável, como era possível salvar a vida das crianças. E ali mesmo morreu.

            Ao ver aquela imagem muitas vezes na televisão, eu via sempre aquela igreja demolida, destruída e, ao mesmo tempo, via aquele crucifixo enorme em pé inabalável. Não caiu!

            Só posso pensar aqui na minha cabeça - posso estar errada - que Deus quer nos mostrar alguma coisa.

            Um dia desses, no meu Estado, morreu uma criança de quatro anos. Ela estava dentro da igreja, de onde foi levada, estuprada e morta. Dentro da igreja. Às vezes fico pensando se Deus, que já deu tanto exemplo para a gente, se cansou e vai dizer assim: “Talvez eu fazendo, dentro da minha Casa, essas coisas acontecerem, talvez, a humanidade acorde e veja o tanto que estamos perdendo!”. O tanto que nós estamos perdendo neste País, neste mundo de homens e mulheres que nasceram para ser felizes, que nasceram para ter um lar, que nasceram para ter um trabalho, para ter uma casa, para ter uma família.

            Ao mesmo tempo, ao me lembrar, presto homenagem a esses 19 homens que foram certos de que poderiam contribuir, de que poderiam ajudar, de que iriam lá, se fosse preciso, com sua própria vida, para ajudar a reconstruir aquele lugar, aquele país, aquele pedaço de terra tão sofrido. E 19 deles não voltaram.

            Senador Paulo Paim, quando o senhor falava, eu passava também ali e via em cada um deles o retrato dos meus filhos. Tenho uma filha de 26, um de 25, um de 21, e um de 4. Cada um deles que eu via, eu me lembrava também dos meus filhos.

            Portanto, só posso naqueles que ficam aqui, no seu parentesco, na sua amizade com esses homens que, de forma tão generosa, tão desprendida, estavam lá para lutar por seus sonhos, por aquilo que acreditam e certamente por uma humanidade muito melhor, que não seja tão perversa, que, em vez de construir a paz, fique cada vez lutando mais por guerras, guerras e guerras, onde nossos filhos e nossos corações de mãe e de pai muitas vezes só ficam dilacerados... Um vazio, um buraco muito grande muitas vezes acompanham tantas mães, tantos pais, tantas irmãs e irmãos, amigos e amigas.

            Que essa tragédia possa servir para nos alertar. Mesmo vivendo em outro país, mas que também tem tanta miséria, tanto sofrimento e ainda tanta perversidade, que isso sirva para nos orientar, nos fortalecer. Que Deus nos ajude, e a mim também, para que essas chamazinha que eu tinha tão acesa, na certeza da liderança de uma mulher tão forte, não se apague. Que ela se acenda dentro de mim e que eu continue lutando e gritando, berrando, chorando, se for preciso, por todas as crianças que são nossa responsabilidade.

            Um beijo no coração de todos.

            Muito obrigada. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/02/2010 - Página 3985