Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa do sistema de cotas raciais, às vésperas do início das audiências públicas no Supremo Tribunal Federal - STF para discutir o tema, afirmando que essas reparam uma injustiça histórica que segrega a população brasileira e impede o acesso dos negros à universidade pública.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL. ENSINO SUPERIOR.:
  • Defesa do sistema de cotas raciais, às vésperas do início das audiências públicas no Supremo Tribunal Federal - STF para discutir o tema, afirmando que essas reparam uma injustiça histórica que segrega a população brasileira e impede o acesso dos negros à universidade pública.
Publicação
Publicação no DSF de 03/03/2010 - Página 5118
Assunto
Outros > SENADO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, LIDERANÇA, COOPERATIVISMO, ESTADO DO PARANA (PR), REITERAÇÃO, APOIO, SETOR.
  • ANUNCIO, AUDIENCIA PUBLICA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEBATE, COTA, RAÇA, UNIVERSIDADE FEDERAL, SUBSIDIOS, DECISÃO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, REU, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB).
  • CRITICA, ORADOR, POLEMICA, NECESSIDADE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, POLITICA, COMPENSAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, INCLUSÃO, NEGRO.
  • QUALIDADE, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT), APRESENTAÇÃO, DADOS, INFERIORIDADE, ACESSO, NEGRO, DEFICIT, RENDA, SEMELHANÇA, DESIGUALDADE SOCIAL, MERCADO DE TRABALHO, SALARIO, ESCOLARIDADE, REGISTRO, HISTORIA, REIVINDICAÇÃO, COMPROMISSO, EFETIVAÇÃO, IGUALDADE, ELOGIO, PIONEIRO, INICIATIVA, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), ESPECIFICAÇÃO, PRAZO, VIGENCIA, COTA, COMENTARIO, RESULTADO, UNIVERSIDADE ESTADUAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PROTESTO, PARALISAÇÃO, SENADO, TRAMITAÇÃO, MATERIA, PARECER FAVORAVEL, RELATOR, ORADOR, INCLUSÃO, RAÇA, CLASSE SOCIAL, EXIGENCIA, ORIGEM, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, INCENTIVO, SEPARAÇÃO, CRITICA, ENTREVISTA, RADIO, COMPARAÇÃO, NAZISMO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, agradeço ao Senador Dornelles pela cessão do seu tempo, pela inscrição, para que pudéssemos usar da palavra hoje.

            Quero saudar a todos que estão aqui, do Paraná, já anunciado pelo Senador Mão Santa. O Senador Osmar Dias está ansioso para fazer uma fala, acredito eu que sobre o cooperativismo. Nós, que somos também da frente do cooperativismo, que estamos sempre juntos à OCB, ao Márcio, tanto o cooperativismo de crédito, de eletrificação, de saúde, enfim, de todas as áreas, sabemos que eu não só sou uma torcedora como sou aquela Parlamentar que busca sempre estar junto como defensora, como diz o Senador Osmar Dias. Então, a nossa saudação especial a todos que estão aqui nesta tarde de hoje que, pelo que entendi, são ligados ao cooperativismo no nosso Estado do Paraná.

            Hoje, vou tratar aqui da questão das cotas para as universidades.

            Nesta semana, senhoras e senhores, a questão das cotas raciais em instituições de ensino superior federais está de volta à pauta de discussões. O Supremo Tribunal Federal inicia amanhã, quarta-feira, uma série de audiências públicas para discutir o tema, a fim de subsidiar a decisão que nossa Corte Suprema tomará em relação à ação movida contra a Universidade de Brasília, que adota o sistema de cotas raciais. Vejam lá, senhores, isso é grave, muito grave. A nossa grande universidade, a Universidade de Brasília, adota as cotas raciais, reserva de cotas para negros e pardos, e agora vem uma ação contra essa dívida afirmativa, essa dívida que o País tem para com os negros, os pardos e os índios. Mas, enfim, nós acreditamos na nossa Corte Suprema.

            Estamos diante de mais uma decisão polêmica para nosso Supremo: decidir se é constitucional ou não a existência de cotas raciais em nossas universidades públicas federais. Na minha opinião, é um absurdo considerar o tema polêmico. Deveríamos simplesmente reconhecer que se trata de uma dívida afirmativa, que vem reparar uma injustiça histórica que segrega nossa população, que impede o acesso satisfatório de negros à universidade pública.

            Primeiro vamos falar da universidade pública, como professora de uma das melhores universidades de nosso País, a Universidade Federal de Mato Grosso. Dentre os vários cursos que lá existem, o curso de serviço social está em primeiro lugar. Em termos de qualidade, a Universidade Federal de Mato Grosso, só na área de Medicina, por duas vezes, Senador Osmar Dias, já conseguiu o título de melhor curso de Medicina do Brasil. Lecionei na UFMT por 26 anos e tenho orgulho de ter contribuído com o meu trabalho para a sua estruturação. E eu diria que tenho autoridade suficiente para falar que o negro não tem acesso.

            Foram anos lecionando para várias turmas anuais na UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso, que hoje conta com a nossa competente Reitora Maria Lúcia Carvalho. Poucos, muito poucos mesmo desses alunos eram negros ou índios ou mesmo pardos. A maioria, quase a totalidade, era de brancos de classes economicamente abastadas. Não estou em sala de aula desde que fui eleita deputada estadual pela primeira vez, mas sei que quase nada mudou.

            Muitos se levantam contra as cotas raciais dizendo: conheço alguns negros que chegaram à universidade pública passando no vestibular, concorrendo com todos os outros. Sim, isso acontece, claro que acontece, mas a exceção não faz a regra. Não podemos desconsiderar a barreira existente para o acesso dos negros e pardos. Se mais de 95% dos negros não conseguem entrar na universidade pública, há algo de muito errado nesse reino. Se temos uma população com mais de 50% de negros e pardos, a população brasileira, esta deveria ser a mesma proporção de alunos, caso a seleção fosse realmente justa, e não é bem isso que observamos.

            Os negros não entram na universidade pública porque são submetidos pela nossa cultura preconceituosa e segregacionista a acreditarem que a universidade pública não é o lugar deles, que jamais conseguiriam ascender socialmente, que não adianta se esforçar, que é muito difícil chegar lá. Sem exemplos de negros que tenham se tornado exemplo, sem ser no futebol, passam a acreditar que realmente não há espaço na academia para negro na academia

            Basta olhar a nossa história pessoal para ver que o que falo é uma triste e inexorável realidade.

            Fico puxando pela memória todos os companheiros e companheiras, professores e professoras da Universidade Federal do meu Mato Grosso, onde trabalhei por quase três décadas: poucos, quase nenhum ou nenhuma eram professores ou professoras negras. Alunos, consigo preencher, no máximo, duas mãos.

            O racismo no Brasil existe e não é velado. Pelo contrário, é bastante aparente. Basta ver o lugar no mercado de trabalho ocupado pelo negro e pelo branco, o salário do negro e o do branco, a escolaridade do negro e a do branco. Se essas diferenças não forem discriminação, bom, meu conceito de preconceito e discriminação é bem deturpado.

            Como a própria UnB reconhece, vítimas de várias perseguições racistas, negros e negras sempre enfrentaram enormes dificuldades para ingressar e permanecer na universidade. Desde a formação das instituições de ensino superior no século XIX, jamais houve um projeto que garantisse o acesso em massa da população negra à academia. Hoje, os negros correspondem a apenas - os negros e os pardos são pouco mais de 50% da sociedade brasileira - e hoje apenas 2% desse contingente são universitários. Então, apesar de representarem, como eu já disse, 50%, apenas 2% chegam às universidades.

            Pesquisas realizadas pela UnB comprovam o déficit de renda dos estudantes negros em relação aos demais estudantes. Os números apontam que 57,7% dos candidatos de cor negra possuem renda familiar inferior a R$1.500,00. Já em relação ao grupo de cor branca, esse percentual é de 30%.

            A mesma disparidade é verificada quando se analisa o percentual de pessoas com renda acima de R$2,5 mil: 46,4% dos candidatos de cor branca estão nessa categoria, enquanto o percentual no grupo de cor negra é de 20,4%.

            O reconhecimento, senhores e senhoras, dessa realidade e a luta da população negra por educação não são dados recentes. Em termos de ação organizada, pode-se identificar, entre outras, as reivindicações da Frente Negra Brasileira, nos anos 1940, e as propostas de Abdias Nascimento em nome da implementação de políticas públicas voltadas para o atendimento das demandas desse grupo social.

            As políticas, senhores e senhoras, de ações afirmativas, entre elas as cotas raciais, comprometem-se com a promoção de grupos não atingidos pelas políticas de caráter universal, em nome da efetivação do princípio constitucional de igualdade. O Sistema de Cotas para Negros adotado pela Universidade de Brasília - UnB, além de ser uma iniciativa institucional importante e inovadora, é, assim, o resultado de esforços históricos dos movimentos negros.

            Após cinco anos de muita discussão, a Universidade de Brasília foi a primeira federal a instituir o sistema de cotas em seu vestibular tradicional, em junho de 2004. Essa ação afirmativa, que faz parte do Plano de metas para Integração Social Étnica e Racial da UnB, será aplicada por um período de 10 anos.

            Fui à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que foi a primeira universidade pública a adotar o sistema de cotas raciais quando nossa Ministra Nilcéia era reitora da Universidade.

            Nessa visita pude ver in loco como a cara da Universidade mudou, como ela enegreceu. Só de olhar os quadros de formatura nos cursos de Direito observamos que, antes da implantação da Lei de Cotas, tínhamos um negro e um ou dois pardos; após a instituição das cotas, temos lá entre 40, 50 alunos, meia dúzia de negros e pardos.

            Faz diferença sim! Sou relatora do projeto de cotas que está tramitando no Congresso Nacional há mais de dez anos. Só no Senado há dois. Sendo que há mais de um ano está parado na CCJ. Desde o final de 2008, o assunto não voltou à pauta. Já fizemos reuniões, audiências públicas, já fomos para a mídia, mas até agora nenhum sinal desse projeto em condições de ser aprovado. O meu parecer está pronto há mais de um ano e é favorável às cotas raciais e sociais. Há três cortes: corte relativo à proveniência de escola pública, antes do curso superior; o da questão social, ou seja, relativa a recursos da ordem de 1,5 salário mínimo per capta por família e ainda a cota racial: negros, pardos e índios.

            Tem três cortes o projeto de que eu sou relatora. É simples. É aprová-lo, e o Brasil vai pagar uma dívida, com certeza, imprescindível, para com os indígenas, os negros, os pardos, os pobres, os provenientes das escolas públicas deste país. Essa história de dizer que vai provocar segregacionismo, jamais! Essa lei de que sou relatora, ela traz realmente no seu bojo a questão social, sim, só que ela traz a questão do negro e que muitos não querem.

            Para finalizar, quero só rebater um absurdo que escutei ontem, em uma entrevista em uma rádio: de que a política de cotas é nazista. Quanta ignorância comparar uma política que busca incluir, que busca provocar o fim da segregação entre brancos e negros no ensino superior público, com o regime que buscou exatamente tirar uma raça inteira do convívio com a raça branca ariana, que relegou a raça considerada inferior a uma situação de total divisão social. O nazismo desagrega. Nós queremos é agregar.

            Consideram que não há a necessidade de cotas e que o sistema vigente é suficiente para promover justiça no acesso ao ensino superior público. Ora, se assim for, o não ingresso de negros na universidade pública ocorreria por qual motivo? Acreditar na justiça do vestibular é acreditar que negros não têm capacidade de passar e esse é o mais puro pensamento racista, sim.

            Quero aqui fazer um apelo aos nossos Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal deste país, da Suprema Corte, para que votem pela constitucionalidade das cotas. Precisamos corrigir o apartheid educacional existente em nosso país, para que daqui a vinte anos possamos ter universidades públicas plurais, com negros e brancos em igualdade numérica.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Modelo1 4/26/245:25



Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/03/2010 - Página 5118