Pronunciamento de José Nery em 04/03/2010
Discurso durante a 22ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Alusão à Campanha da Fraternidade Ecumênica - 2010, com o tema "Economia e Vida", cujo lançamento será comemorado na próxima segunda-feira, dia 8 do corrente, em Sessão Especial do Senado Federal.
- Autor
- José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
- Nome completo: José Nery Azevedo
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
RELIGIÃO.
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- Alusão à Campanha da Fraternidade Ecumênica - 2010, com o tema "Economia e Vida", cujo lançamento será comemorado na próxima segunda-feira, dia 8 do corrente, em Sessão Especial do Senado Federal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/03/2010 - Página 5613
- Assunto
- Outros > RELIGIÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- CONGRATULAÇÕES, CONSELHO NACIONAL, IGREJA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), LANÇAMENTO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, ASSUNTO, ECONOMIA, PRIORIDADE, VIDA, PAZ, SOLIDARIEDADE, DEFESA, ORADOR, NECESSIDADE, VINCULAÇÃO, EFICACIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, PROMOÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, CONVITE, POPULAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, LUTA, INCLUSÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS, ALIMENTAÇÃO, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO, TRABALHO ESCRAVO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
- REPUDIO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, UTILIZAÇÃO, METADE, ORÇAMENTO, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA INTERNA, DIVIDA EXTERNA, MANIFESTAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, AUSENCIA, DISCUSSÃO, SOCIEDADE CIVIL, ESSENCIALIDADE, PROBLEMAS BRASILEIROS.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, na próxima segunda-feira, 8 de março, às 11 horas, o Senado Federal realizará sessão especial para comemorar o lançamento da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2010 cujo tema é “Economia e Vida”.
O requerimento para realização da sessão é subscrito pelo Senador Marconi Perillo, bem como por um conjunto de Senadores e Senadoras.
Em razão de não poder estar presente na sessão especial desta próxima segunda-feira, antecipo, Sr. Presidente, minhas considerações num pronunciamento que faço agora, alusivo ao tema da Campanha da Fraternidade de 2010.
Quero, inicialmente, parabenizar o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic)...
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Senador José Nery, eu queria apenas, se V. Exª me permitir...
O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - (...) lembrar que, em 8 do corrente, segunda-feira, às 11 horas, nós queremos a presença de V. Exª, porque haverá uma sessão especial sobre o assunto que V. Exª trata.
Então, V. Exª é nosso convidado para aqui estar presente, porque será realizada sessão especial, no dia 8 do corrente, segunda-feira, às 11 horas, destinada a comemorar o lançamento da Campanha cujo debate V. Exª, com sua inteligência privilegiada, antecipa.
O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Justamente em razão da impossibilidade de estar aqui na segunda-feira pela manhã, faço agora o pronunciamento alusivo ao tema da Campanha da Fraternidade e ao tema, de fato, da sessão especial da próxima segunda-feira.
Eu começo dizendo dos meus cumprimentos ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) e, em especial, à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pela feliz escolha do tema da Campanha da Fraternidade neste ano de 2010.
A escolha da temática “Fraternidade e Economia”, sob o lema “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6:24), foi resultado de muitas reuniões e pesquisas que apontaram para a necessidade de reflexão sobre os resultados da atual forma de organização econômica vigente em nossa sociedade.
Sob a responsabilidade do Conic - Conselho Nacional das Igrejas Cristãs no Brasil -, a Campanha da Fraternidade de 2010 é ecumênica e está aberta à participação de todas as denominações cristãs.
O objetivo geral da campanha é, na palavra de seus organizadores:
Colaborar na promoção de uma economia a serviço da vida, fundamentada no ideal da cultura da paz, a partir do esforço conjunto das igrejas cristãs e de pessoas de boa vontade, para que todos contribuam na construção do bem comum, em vista de uma sociedade sem exclusão.
Portanto, a Campanha da Fraternidade de 2010 quer reunir as igrejas cristãs e, principalmente, fortalecer na sociedade a proposta de uma economia a serviço da vida, sem exclusões, criando uma cultura de solidariedade e promovendo a paz. A Campanha tem como objetivos, ainda, ajudar a reconhecer nossa omissão diante das injustiças que causam exclusão social e miséria. Hoje, precisamos combinar eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica, percebendo a relação e a importância do meio ambiente nas atividades de desenvolvimento econômico, social e cultural.
O texto base da Campanha insiste que a economia existe para a pessoa e para o bem comum da sociedade, e não o contrário, como é apregoado e vivenciado hoje em dia. O lema da Campanha, a afirmação de Jesus registrada no Evangelho de Mateus, “vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro”, propõe-nos uma escolha entre os valores do plano de Deus e a rendição diante do dinheiro, visto por muitos de nós, humanos, como valor absoluto dirigindo a vida.
Com certeza, Sr. Presidente, as palavras de Jesus clamando, dizendo que não se pode servir a Deus e ao dinheiro são muito oportunas, Senador Paulo Paim, neste momento que vivemos em nosso País, haja vista o clamor popular contra a corrupção se levanta em todas as parte do Brasil, especialmente na luta que faz o povo de Brasília para varrer dos espaços estatais da Capital da República aqueles que, sem a menor cerimônia, se utilizam dos recursos públicos para promover a propina e a corrupção.
Então, Jesus, personificando o próprio Deus, diria aos corruptos de hoje: vocês não podem servir a Deus e à corrupção.
Creio que esse ensinamento deveria fazer todos nós pensarmos no sentido dessa afirmação bíblica e dessa cobrança às consciências, à vida, à história de cada um e de cada uma.
É com satisfação que concedo um aparte ao Senador Paulo Paim.
O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador José Nery, eu sei que o Senador Mão Santa vai ser tolerante com V. Exª, como foi com todos os oradores. Por isso, este aparte que faço não trará prejuízo nenhum para o seu brilhante pronunciamento sobre a Campanha da Fraternidade. Eu poderia dizer, Senador José Nery, que fico com a frase, já muito conhecida, que ninguém serve a Deus e ao diabo ao mesmo tempo. O diabo é uma figura que tem uma simbologia. Ele representa isto: ele representa a corrupção, o roubo, a violência, a discriminação. Quem discrimina o seu semelhante, seja pela etnia, seja pela cor, pela raça, pela origem, pela procedência, pela idade, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela sua religião, com certeza absoluta não está servindo a Deus e está servindo ao diabo. Então tem essa simbologia. É isso que a Campanha da Fraternidade quis dizer, e que alguns não entenderam. Eu vi editoriais detonando a Campanha da Fraternidade deste ano. O que foi mostrado é isto: que o ser humano tem que ter solidariedade, tem que conviver na fraternidade, na harmonia, ser generoso, não ser aquele que só pensa no bem próprio, no enriquecimento. É isso que a mensagem quer dizer. Essa postura de grandeza de que, em primeiro lugar, tem que estar o ser humano, tem que estar o meio ambiente. Desenvolvimento sim, mas sustentável. Olha o que está acontecendo no mundo e no Brasil com a agressão do homem ao meio ambiente. Por isso que todas as igrejas - e não é somente a Igreja Católica - se somam na Campanha da Fraternidade. Com muita alegria, recentemente eu tive uma conversa com as igrejas e percebi que elas também estão na campanha em defesa dos idosos, dos aposentados, do fim do fator e de uma política que recomponha o poder de compra dos idosos. É isso que a Campanha da Fraternidade quer dizer. Em todas as áreas, da criança, do adolescente, do trabalhador, do empregado, do desempregado, do sem-teto, do sem-terra, do empresário, que é um empreendedor - não é, Senador Jayme Campos? - que temos também de valorizar. Ora, o que seriam dos nossos empregos se nós não soubéssemos também valorizar aqueles que nos empregam? Eu falo como ex-dirigente sindical. Eu até sempre falo, Senador José Nery, para concluir, que eu recebi uma charge desses chargistas famosos em que ele faz o mapa do Brasil e bota na minha boca. E eu agradeci a ele e disse: pode publicar à vontade. Ele me desenhou dizendo: sou a favor do lucro. Para todos. Então, não sou contra o lucro. Que o lucro venha para aqueles que fazem o devido empreendimento, principalmente na fonte geradora de emprego, e que a gente possa também, com isso, garantir um salário decente. E até, quem sabe, o PL de minha autoria que está em debate no Senado, que trata da regulamentação definitiva da participação dos lucros em relação aos trabalhadores. Enfim, um aparte pequeno que não vai prejudicá-lo, porque sou o próximo inscrito e estou pacientemente aqui esperando o brilhantismo da conclusão do seu pronunciamento pelo tempo que for necessário. Sei que o Senador Mão Santa vai entender, porque o primeiro orador que usou a palavra falou por 40 minutos. Obrigado.
O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Agradeço com enorme satisfação o aparte do Senador Paim, que, sem dúvida, enriquece meu pronunciamento com exemplos práticos de como podemos fazer da vida algo justo e digno, sobretudo fazendo com que o desenvolvimento econômico seja para todos e todas e não sirva apenas para alimentar a riqueza e o lucro de alguns poucos. A comparação que V. Exª faz com o texto bíblico, trazendo um adágio popular que tem origem no texto bíblico, dizendo que não se pode servir a Deus e ao diabo, é verdadeira. Não se pode servir a Deus e ao dinheiro utilizado de forma ilegal e incorreta, não se pode servir a Deus e à corrupção.
Por isso considero, Senador Paulo Paim, que certos setores da sociedade abastados, sim; ricos, sempre; poderosos pensam ser eternamente, ficam incomodados com o tema que vai ao cerne, à essência de uma questão fundamental para a sociedade, que é o seu desenvolvimento econômico. Eles querem discutir fraternidade e justiça social sem falar na acumulação indevida, obtida muitas vezes - e assim de fato é - a partir da exploração do trabalho humano, da exploração das riquezas naturais, a serviço do lucro, da acumulação, do enriquecimento, muitas vezes, ilícito.
Portanto, é uma Campanha que traz como tema “Fraternidade e Economia”. Não se pode falar de Deus, não se pode falar de fé, não se pode falar de religião, não se pode falar de cristão, de evangélico, se não incluirmos a dimensão econômica entre as questões que permeiam as relações humanas, sem as quais não podemos, evidentemente, dizer que estamos construindo a nova sociedade. Ouvindo os discursos de muitos, é bom sempre comparar com a prática, para verificar se há essência, se há verdade ou, pelo menos, a busca da verdade naquilo que afirmam.
Por isso, Senador Paulo Paim, o aparte de V. Exª, pelo contrário, enriquece o meu pronunciamento e, sem dúvida, é um estímulo para que façamos da luta cotidiana em defesa da vida, da luta cotidiana em defesa dos mais pobres, dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo e da cidade, dos sem-terra, da juventude, dos que moram nas periferias das cidades, dos que são tratados com preconceito de qualquer natureza motivos para juntarmos forças na luta e na busca da sociedade que sonhamos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os recursos materiais, embora necessários, não podem ser o supremo valor dos nossos atos nem o critério absoluto das decisões dos indivíduos e dos governos. Como socialista, orgulho-me de ter dedicado três décadas de ativismo político a uma causa ancorada nesses princípios, ora tão bem trabalhados nesta Campanha da Fraternidade.
A medida fundamental para qualquer economia é criar um sistema que garanta as condições para a devida manutenção e desenvolvimento da vida em todas as suas dimensões, materiais e imateriais. O capitalismo seguramente trabalha no sentido oposto. Não se importa com a destruição da natureza ou com o fato de que está tornando sistêmica a miséria de milhões de famílias no Brasil e em todo o mundo.
Ainda hoje, em nosso País, vigora uma política econômica que considero perversa, que privilegia os grandes especuladores ao mesmo tempo em que sangra os recursos públicos com o pagamento de criminosos juros da dívida pública brasileira. É, para mim, Sr. Presidente, um verdadeiro escândalo que 48% das receitas do País sejam utilizados para amortizar, pagar os juros e serviços das dívidas interna e externa. Para mim é difícil compreender que um tema dessa natureza, relacionado à utilização de quase metade dos recursos do Orçamento Público da União seja direcionado para o pagamento da dívida, assunto que, infelizmente, muitos não querem discutir porque nos vai levar à essência dos problemas nacionais e da forma de acumulação histórica com que o Brasil tem sido marcado.
Na história humana, marcada pela exploração e injustiça, a Bíblia se volta decididamente para a defesa dos pobres. No âmbito social, a Bíblia nos mostra profetas acusando reis e gente poderosa que enriquece à custa do povo e não cuida bem daqueles a quem deveriam servir. No âmbito comunitário, a Bíblia fala sobre a diária do trabalhador que deve ser paga no mesmo dia, pois ele precisa disso para viver, e ao socorro que devemos prestar aos pobres.
Assim, a Campanha da Fraternidade de 2010 é, sem sombra de dúvida, um instrumento à disposição das comunidades cristãs e de todas as pessoas de boa vontade para enfrentar, com consciência crítica e coerência os temas do desenvolvimento e da justiça, da economia e da vida humana no Brasil e no mundo.
Precisamos denunciar a perversidade de todo modelo econômico que vise, em primeiro lugar, o lucro, sem se importar com a desigualdade, a miséria, a fome e a morte de milhões de pessoas. A Campanha da Fraternidade de 2010 nos convida a lutar para incluir a alimentação adequada entre os direitos previstos na Constituição Federal, erradicar o analfabetismo, eliminar o trabalho escravo, combater o trabalho infantil, conseguir uma tributação justa e progressiva, garantir o acesso à água e continuar a luta pela reforma agrária.
Assim, não tenho dúvida de que o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e demais entidades envolvidas na campanha, em 2010, dar-nos-ão, com a escolha desse tema, fundamental contribuição ao debate acerca das alternativas que a humanidade pode promover para superar o atual estágio de autodestruição da humanidade e dos recursos do Planeta.
De minha parte, reafirmo o compromisso assumido quando de minha juventude: trabalhar em favor dos pobres e excluídos do mundo, enfim, um compromisso com o socialismo e a democracia, que a Campanha da Fraternidade ora encarna de forma tão justa e correta.
Parabéns ao Conic, às Igrejas Cristãs e a todas as pessoas, lideranças das comunidades de base em todo o País, que se mobilizam nesse período, criando consciência crítica e organização social para fazer frente aos graves problemas de suas comunidades, de seus Municípios, de seus Estados e do nosso País.
Muito obrigado.
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