Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apresentação de justificativas em defesa da comemoração dos 50 anos da inauguração de Brasília.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).:
  • Apresentação de justificativas em defesa da comemoração dos 50 anos da inauguração de Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/2010 - Página 6929
Assunto
Outros > HOMENAGEM. GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PEDIDO, SESSÃO SOLENE, SENADO, COMEMORAÇÃO, CINQUENTENARIO, CAPITAL FEDERAL, RECONHECIMENTO, BRASILEIROS, IMPORTANCIA, CONSTRUÇÃO, NOVA CAPITAL.
  • COMENTARIO, CRISE, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), NECESSIDADE, DEMONSTRAÇÃO, CAPACIDADE, BRASILIA (DF), TRANSFORMAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, VIABILIDADE, GOVERNO, AUSENCIA, CORRUPÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, vou dar continuidade ao debate há pouco com o Senador Paulo Duque, porque acho importante o povo brasileiro pensar junto conosco aqui de Brasília.

            A história de qualquer povo se faz, sobretudo, por suas epopeias, por suas realizações tão grandes que se chamam epopeias.

            O Brasil é um país que teve algumas epopeias, não tantas, mas teve algumas epopeias. A ocupação do nosso território é uma epopeia, uma epopeia graças a um período de império, de um imperador que ficou cinquenta anos e que conseguiu unificar um território tão grande como o brasileiro, um dos maiores de todo o Brasil, de cima abaixo, de leste a oeste, todos falando o mesmo idioma, todos com uma cultura muito homogênea. Essa foi uma epopeia.

            A industrialização de São Paulo, num período curto, ou seja, aquilo que a gente chamou de desenvolvimento brasileiro foi uma epopeia, com todas as desigualdades criadas, com toda a violência urbana que caracteriza o Brasil de hoje, com toda a corrupção que caracteriza a política brasileira, de norte a sul, de leste a oeste. Tudo isso, essa ocupação, essa industrialização, o desenvolvimento, isso foram epopeias.

            Mas entre as grandes epopeias do povo brasileiro está essa capacidade imensa, essa vontade política ferrenha, esse desejo de trabalhar tão forte que fez construir, em poucos anos, onde antes nada havia, uma capital do porte de Brasília. Isso é uma epopeia brasileira que o Brasil não pode esquecer, que o Brasil tem, sim, que comemorar ter feito ao longo desses cinquenta anos como nenhum outro país fez.

            Os países que criaram capitais levaram séculos, os países que tentaram transplantar a capital de um lugar para outro não conseguiram, Senador Augusto Botelho, Senador Paulo Duque, fazer cidades do tamanho que é a Capital do Brasil. É uma epopéia. E temos orgulho, como brasileiros - não falo agora como brasiliense por opção -, temos razões para ter orgulho da construção de Brasília, ainda que alguns achem que o Brasil seria melhor sem haver a Capital, e é um direito que cada um tem de pensar assim, independente até de que tenham razão, se for o caso de que o Brasil seria melhor se não tivesse transferido a Capital. Mesmo assim, a transposição da Capital, a construção da Capital, a realização desta cidade e de tudo o que há ao redor dela é motivo de orgulho para o povo brasileiro. Por isso, creio que há razões, sim, para comemorarmos os cinquenta anos da realização pelo Brasil de uma capital.

            É certo que, neste momento, neste exato momento, circunstâncias históricas fizeram com que este fosse um momento em que não podemos comemorar com alegria plena, sobretudo os que aqui moram, não os que moram fora daqui, porque os que moram fora daqui não têm culpa, e os que moram fora daqui têm direito de orgulhar-se de haver feito uma capital ao longo desses cinquenta anos, quando consideramos o povo brasileiro por inteiro.

            E nós daqui? Nós daqui queremos que olhem para nós, percebendo que há uma diferença entre um governo, um governador e o povo que aqui vive. Mesmo que o povo daqui assuma a responsabilidade de ter eleito este Governo e este Governador, mesmo assim há uma diferença.

            Que percebam que aqui há dois milhões de pessoas que trabalham, dois milhões de pessoas que vivem, dois milhões de pessoas que ainda são alguns sobreviventes e descendentes daqueles que vieram, Senador Augusto Botelho, de todas as partes do Brasil para realizar a epopeia de construir Brasília. São os que tiveram a coragem de deixar seus lares, suas cidades, o conforto que tinham e virem para cá. Porque aqui não era um lugar de conforto no começo; era um lugar de aventura no começo. Aqui havia barro! Aqui havia nada! Quem veio aqui veio para, do nada, construir uma cidade. E construíram!

            A memória desses homens e mulheres que aqui vieram - muitos trazendo seus filhos ainda pequenos - merece respeito, merece ser lembrada e, por isso, merece ser comemorada. Foram os brasileiros corajosos que vieram para cá. Foram os brasileiros trabalhadores que vieram para cá. Foram eles que fizeram isto aqui. A gente não pode esquecer essa história passada por causa dos erros de algumas pessoas que aqui vivem.

            E o resto do Brasil? Não comete esses erros? Não houve em nenhuma outra cidade ou Estado governos corruptos? Governadores que se comportaram de uma maneira que não deveriam? Não houve? Como se diz por aí, quem é que pode jogar a primeira pedra na realidade em que vivem, sofrida mente hoje, envergonhadamente hoje, nós, os habitantes de Brasília? Ninguém.

            Agora, tem uma coisa que a gente tem que lembrar: fomos nós, daqui, que fizemos manifestações em frente ao Congresso em defesa das Diretas, como em todas as cidades do Brasil, mas aqui foi o ponto final. Aqui se fez manifestações pelo impeachment de um Presidente, que não era brasiliense. E foram os estudantes de Brasília que foram para as ruas pedir que o Governo de Brasília, envolvido em suspeita de corrupção, naquele momento, fosse punido.

            Claro que o Governador de Brasília, que foi eleito pelos brasilienses, está preso. Claro que isso é fruto, sobretudo, de uma decisão da Justiça, mas os estudantes foram para as ruas pedir. As pessoas colocaram adesivos em seus carros, as pessoas fizeram buzinaços, as pessoas fizeram manifestações. E isso foi decisivo, num primeiro momento, para que tenham havido as punições.

            Foi o povo de Brasília. Esse povo não pode ser colocado na cesta de lixo, como se o povo todo tivesse cometido atos ilícitos, imorais. O povo de Brasília merece respeito e merece respeito, inclusive, a vergonha que, muitas vezes, nós hoje temos. Pena que outros Estados não sintam vergonha pelos erros que cometem. Muita pena. Nós sentimos, sim.

            Nós estamos chocados, traumatizados, mas não estamos achando que nós, os brasilienses... Eu até não posso dizer isso como político, porque tenho responsabilidade maior, sou mais culpado, mas o povo de Brasília e eu, como cidadão, não temos nenhuma responsabilidade sobre isso. Ao contrário, os estudantes lutaram, o povo foi para as ruas.

            Por isso, a gente tem de separar uma coisa da outra: governo, governantes e o povo que vive na cidade, numa cidade construída pelo Brasil, uma epopeia. Não vou dizer que foi a maior que o Brasil teve - a industrialização foi um grande evento -, mas talvez uma das maiores.

            Além disso, o que a gente sente hoje nas ruas de Brasília, o que a gente sente hoje nas conversas, o que a gente sente hoje nas universidades, nas fábricas - que têm em Brasília e são muitas -, é uma sensação de que temos de transformar essa crise em um ponto de mutação para termos um governo que sirva de exemplo para todo o Brasil. Que aqui, a partir do trauma que estamos vivendo, possamos mostrar ao Brasil inteiro que, sim, é possível governar sem corrupção, governar com honestidade. É possível. Não digo ter governos honestos apenas, mas eu digo ter governos com uma estrutura tão firme contra a corrupção que um dia um governador, um prefeito que for eleito não consiga roubar estando no governo, porque não dá para se contentar com a boa vontade, com o caráter do governante. É preciso uma revolução que crie uma estrutura tal que nem os ladrões consigam roubar se, enganando ao eleitor, chegarem ao poder. Brasília tem esperança de ser esse exemplo.

            Brasília tem esperança de mostrar que a Capital que foi construída de fora para dentro - porque aqui nada existia -, com seu povo aqui hoje, servirá de exemplo ao resto inteiro do Brasil. A Brasília que foi inaugurada graças ao casamento entre os que aqui vieram e os que aqui estavam, os candangos, agora não mais entre os que vieram e os que aqui estão, só os que aqui estão, só os que assumem a sua posição de brasilienses, só nós mostraremos ao Brasil inteiro que é possível, sim, um governo sério, uma estrutura governamental blindada contra a corrupção. Esse é o desafio que nós temos.

            E se nós hoje sentimos que estamos prontos, que a cidade está completamente construída e demolida moralmente, essa cidade que foi inaugurada cinquenta anos atrás pode começar, a partir de agora, uma reinauguração, uma inauguração da moralidade, uma inauguração da parte não visível de como funciona o governo e a política. Esse é o desafio que nós de Brasília sentimos que temos hoje, esse é o desafio que temos nós que aqui viemos cedo ou que aqui nascemos e somos descendentes dos primeiros, esse é o sentimento que nós temos. Claro que é um sentimento de constrangimento, mas é um sentimento de esperança de que nós podemos, a partir daqui, servir de exemplo ao Brasil inteiro que nos fez. Os de fora que nos fizeram aprenderiam conosco e nós aprenderíamos com a tragédia que nós vivemos.

            Eu peço apenas a esse povo brasileiro inteiro que olha para nós hoje, de certa maneira, às vezes até com ironia, que olhe com uma certa gentileza e que nos dê um tempo para que encontremos o nosso caminho.

            Vocês, lá de fora, nos construíram. Aqui, de dentro, queremos servir de exemplo para vocês.

            Nós já servimos de exemplo recentemente. Aqui se inventou o Bolsa Escola, que virou um programa nacional e internacional. Aqui se respeita a faixa de pedestre, o que as outras cidades tentam copiar e nem sempre conseguem, porque isso exige uma grande educação da população inteira. E Brasília deu o exemplo de como se comportar educadamente no trânsito. Aqui, nós estamos prontos outra vez para servir de exemplo ao Brasil inteiro. Desta vez não na educação, não na saúde, como servimos de exemplo num certo momento, não na segurança como servimos de exemplo enquanto outros Estados e cidades estão se destruindo em guerra civil. Aqui não há guerra civil.

            Nós conseguimos, mas queremos agora ser exemplo para vocês do resto do Brasil de que é possível governar honestamente. Mais do que isso, de que é possível construir uma estrutura vacinada contra a corrupção. E, se isso for feito, será graças à criatividade, graças à força, graças à coragem do povo de Brasília, mas também graças ao que a gente está aprendendo com o sofrimento que nós temos, enquanto outros Estados, outras cidades passam por isso sem nem ao menos sofrer. Talvez porque não tenham a visibilidade de um governante preso, mas isso não engrandece quem não vê a corrupção quando o Governador está solto.

            Nós estamos aprendendo. Nós vamos sair disto e vamos ser um exemplo. Pode ser que dure algum tempo, pode ser que não seja em um ano, em dois anos, em três anos, pode se que não seja, mas Brasília vai servir de exemplo ao Brasil inteiro.

            Por isso, nós queremos comemorar, sim, os cinquenta anos, não com alegria, não com festa, mas como um doente que comemora o seu aniversário, cheio de esperança de que, no aniversário seguinte, vai estar cheio de força, cheio de alegria porque passou pelas dificuldades.

            Eu não estou olhando só mais um ano daqui a um. Estou olhando daqui a cinquenta anos, quando comemorarmos o centenário de Brasília. Nesse momento, os que nos substituírem aqui poderão dizer: Brasília valeu a pena para o Brasil inteiro. Nós brasilienses queremos dizer: muito obrigado ao Brasil, que nos fez; muito obrigado ao Rio, que ainda merece, um dia, ser reconhecido pelo que perdeu. O Brasil não pagou a dívida ainda com o Rio de Janeiro; tem que pagar. E nós de Brasília reconhecemos que essa é uma dívida que existe do Brasil para com o Rio de Janeiro. Mas nós queremos que lembrem que nós somos símbolo de um Brasil do futuro. Por isso, nós queremos ser parte do futuro do Brasil.

            Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha para dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/2010 - Página 6929