Discurso durante a 29ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre o significado dos números que indicam queda do PIB brasileiro em 2009, assinalando o crescimento da violência, da desigualdade e da destruição do meio ambiente.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Análise sobre o significado dos números que indicam queda do PIB brasileiro em 2009, assinalando o crescimento da violência, da desigualdade e da destruição do meio ambiente.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/2010 - Página 7026
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, REDUÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), SUPERIORIDADE, PERDA, RENDA PER CAPITA, INEFICACIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, DETERIORAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • CRITICA, MODELO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, INCENTIVO, AUMENTO, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, ESPECIFICAÇÃO, CRESCIMENTO, PRODUÇÃO, AUTOMOVEL, OMISSÃO, MELHORIA, QUALIDADE, TRANSPORTE COLETIVO, QUESTIONAMENTO, FALTA, ACESSO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
  • QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, PRODUÇÃO, CONHECIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, ESPECIFICAÇÃO, PRODUÇÃO AGROPECUARIA, EXPORTAÇÃO, PESQUISA, ATIVIDADE AGRICOLA, DESENVOLVIMENTO, MEDICAMENTOS, PRODUTO VETERINARIO, FALTA, INVESTIMENTO, BRASIL, EDUCAÇÃO BASICA, ENSINO SUPERIOR.
  • NECESSIDADE, TRANSFORMAÇÃO, DIRETRIZ, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, RELEVANCIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, IMPORTANCIA, DEBATE, QUALIDADE, DESENVOLVIMENTO, OBJETIVO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, QUALIDADE DE VIDA, ANALOGIA, ASSUNTO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), SUGESTÃO, ORADOR, REFORMULAÇÃO, MODELO ECONOMICO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a principal manchete dos jornais de hoje diz respeito à queda do Produto Interno Brasileiro. Essa queda nem reflete a dimensão real, porque a verdadeira dimensão é calcular a queda da renda per capita, ou seja, houve uma diminuição do Produto Bruto mas, quando a gente divide pela população essa queda foi maior, porque a população cresceu de um ano para o outro. É claro que a parte grande dessa tragédia que se chama recessão é culpa de uma crise que não estava nas mãos do Brasil, é uma crise internacional que chegou aqui. Mesmo assim, a gente não pode deixar de dizer que chegou aqui não como uma pequena maré, uma marolinha - como se dizia -, chegou de fato como uma grande onda, não como um tsunami.

            Mas, eu não quero falar da crise, eu quero falar é da falta de perspectiva e percepção da população brasileira de que mesmo que o Produto tivesse crescido, a gente deveria comemorar com ressalvas. Porque o crescimento não distribui. Nós não estamos distribuindo resultados do desenvolvimento durante os cinquenta anos de crescimento bastante forte que o Brasil teve. É um crescimento para poucos. O PIB só deveria ser comemorado quando a gente pudesse, junto a ele, ver como se distribuem os produtos que ele tem, porque o PIB é nada mais do que a soma dos produtinhos de cada unidade produtiva: a pequena fazenda ou a fazenda grande; a pequena oficina ou uma oficina grande. Somam-se todos os produtos, somam-se todas as rendas das pessoas - salários, lucros -, e aí dá o que o País produziu. Isso não basta para saber se esse produto melhorou ou não o Brasil. O País pode crescer sem melhorar e o Brasil cresceu sem melhorar. Não melhorou porque aumentou a violência ao lado do crescimento, não melhorou porque aumentou a desigualdade ao lado do crescimento, não melhorou porque chegou a níveis absurdos a destruição ecológica por causa do desenvolvimento e do crescimento.

            Quero aqui chamar a atenção, porque, se há uma crise, e séria, no fato de o produto não crescer, há uma crise, e muito séria, no tipo de crescimento que ocorre geralmente no Brasil, porque ele não se distribui. Mas não é só esse problema que tem o crescimento. O crescimento que vemos se concentra na ideia da produção industrial e não na produção dos serviços de que a população precisa. O PIB cresceu assim, e a saúde cresceu assim. Não caiu, mas cresceu pouco. O PIB cresceu assim, e a educação cresceu assim. Não fizemos isso.

            Então, o crescimento não é em si um indicador de bondade e contém dados de perversidade, de maldade. Temos de lamentar, criticar e buscar saídas para a queda do crescimento, mas temos de buscar novos caminhos para o crescimento, um novo tipo de crescimento, um novo modelo de desenvolvimento da economia brasileira. Estamos fazendo um crescimento - quando fazemos - que não é sintonizado com o futuro, um crescimento baseado na produção de automóveis e não na melhoria do transporte. Veja a diferença: uma coisa é aumentar a produção de automóveis, outra coisa é melhorar o transporte. O crescimento com base na produção de mais carros não basta para trazer satisfação e alegria. A satisfação e alegria podem vir do aumento do transporte disponível na qualidade e na eficiência.

            O que se quer não é ter um carro; o que se quer é ir com rapidez de casa para o trabalho e do trabalho para casa, da casa para a diversão e da casa para visitar amigos, parentes e familiares. O que a gente quer é transporte - o carro é um meio.

            No Brasil de hoje, o aumento na produção de carros significa a piora do transporte, porque engarrafa tudo. E a gente não vê isso. A gente solta fogos quando há um aumento do produto sem pensar em que esse aumento de produto melhorou a qualidade de vida, além da riqueza em bens materiais, que eu tenho mas não posso usar. Até porque a gente perdeu a percepção de que direito de ter não é o mesmo que direito de usar. Para isso é que eu gostaria de chamar a atenção. Às vezes a gente tem mas não usa. A gente tem um carro e ele fica engarrafado, ou a gente deixa na garagem porque não está no dia daquele número de placa poder ir para a rua. O que a gente quer é o direito de uso, não é o direito de ter.

            O aumento do PIB aumenta o direito de ter. Para poucos. Primeira falha de que falei. Mas, além disso, o aumento de ter não tem necessariamente melhorado o direito de uso, de satisfazer-se.

            O que eu digo para carro serve para muitos outros aspectos. Nossa produção não está sintonizada com as exigências do futuro, porque não melhora o direito do uso. Segundo, porque depreda o meio ambiente. E ao depredar o meio ambiente, piora a nossa vida e inviabiliza a vida dos nossos netos. Se é que não vai inviabilizar a dos nossos filhos.

            Como é que a gente pode comemorar um aumento do PIB, do Produto Interno Bruto, quando isso é feito destruindo a Amazônia? Quando isso é feito poluindo e transformando nossa indústria em um instrumento de aquecimento global do planeta? Temos que reclamar, sim, lamentar, lutar para parar a queda do PIB, para que em 2010 o PIB cresça, mas que cresça diferente. Para que daqui a um ano a gente possa comemorar não só o aumento do PIB, mas a qualidade do PIB, o tipo do PIB.

            Mas a gente esquece que o PIB mede a produção material. Não existe um PIB da produção da inteligência brasileira. Não existe. A gente tem um PIB que é o Produto Interno Bruto das coisas materiais que são vendidas no mercado. A gente não tem um PIB da produção da inteligência brasileira. Mesmo que não seja vendida, mesmo que sirva para enriquecer uma pessoa e que ela não use essa inteligência para vender, essa inteligência não entra.

            Essa mercantilização dos objetivos nacionais, colocar os objetivos nacionais definidos apenas pelo mercado é uma inconsequência, não leva a um bom futuro. Outra forma de dizer, de mostrar que nós estamos crescendo sem sintonia com o futuro é que nós crescemos com base em produtos velhos, com base na indústria mecânica, em vez da indústria do conhecimento; com base na velha e antiga produção agropecuária, que aumenta a renda, mas não aumenta o bem-estar do País, não aumenta a soberania. É necessário e devemos comemorar o aumento da produção agropecuária para exportação, mas comemorar conscientes de que isso não é o verdadeiro salto para o futuro, que seria a produção dos bens com alto conteúdo de inteligência.

            Hoje, Senador Paim, uma parte da renda que vem da produção agropecuária vai para o exterior, para pagar as pesquisas de remédios para os animais, para pagar as pesquisas agrícolas, apesar de termos a Embrapa. Aí, não fica aqui o que é mais fundamental, que é o produto que sai da inteligência, que sai do conhecimento, que sai da ciência e da tecnologia, que só ocorre em um país que tenha uma boa universidade; que só ocorre em um país que tenha um bom ensino médio; que só ocorre em um país que tem uma boa educação de base; que só ocorre em um país que cuida bem das suas crianças logo depois do nascimento.

            E o nosso PIB não mostra a maldade, a perversidade como tratamos as nossas crianças. Não entra no PIB como é que as crianças brasileiras estão. Entra no PIB como é que estão as contas bancárias dos adultos, como é que estão as garagens dos adultos, mas não medem como é que está o bem-estar de cada criança brasileira.

            Então, ao mesmo tempo em que a gente fala que é triste ver a pior situação de crescimento em 17 anos, é preciso alertar que não basta crescer, é preciso mudar o tipo de crescimento.

            E aí é que chamo a atenção para esse livrinho, Senador Paim, publicado pela CNBB, cuja Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema economia e vida e que tem capítulos como este: A vida, na atual economia, é forçada a servir à economia.

            A vida serve à economia e não a economia servindo à vida. O título do capítulo é A economia para a morte - veja que força! -, como se a economia fosse um instrumento de suicídio do País, porque a economia, em vez de produzir bem-estar, consome a vida das pessoas insanamente, seja no próprio trabalho, seja nos engarrafamentos, seja nas filas, que é um tempo perdido, que é uma forma de morte.

            Outro título é a idéia de promover a vida, libertando o modelo econômico que destrói a vida, para inventar um novo modelo econômico. Há outros capítulos que recomendo que sejam lidos.

            Agora, o que acho importante disso aqui é que, lamentavelmente, estamos em um ano de eleição e o debate entre os candidatos e as candidatas, podem ficar certos - tirando, talvez, a nossa companheira Marina Silva - vai ser em como retomar o crescimento, e não como mudar o crescimento. Vai se discutir como crescer mais, e não se discutir para onde crescer. Vai se discutir como crescer mais, e não quais serão os beneficiários desse crescimento. Vai se discutir comparando um ano com o outro, e não olhando os próximos 20 anos, aonde vamos estar, mesmo crescendo, se for um crescimento velho, arcaico, superado, que é esse crescimento que não leva em conta a vida, como diz a CNBB, que não leva em conta a distribuição, que não leva em conta o meio ambiente, que não leva em conta a felicidade das pessoas, que não leva em conta como o tempo é usado pelas pessoas.

            Lamento que a gente tenha tido uma redução do PIB, Senador Paim. Mas lamento ainda mais que, quando o PIB crescer, todo mundo solte fogos e esqueça de perguntar se vale a pena esse crescimento antigo, superado, anti-humano que caracteriza o crescimento do sistema capitalista atual. Porque acho que, para mudar tudo isso, não precisa mudar e nem destruir o capitalismo. Eu acho que a saída não é inventar outra vez o socialismo, é mudar a maneira como a gente produz.

            As bases fundamentais da economia: propriedade privada, direito ao lucro, abertura comercial, isso vai ter que continuar. Não há como mudar isso.

            Eu imagino que daqui a 50, 100 anos a inteligência humana permita inventar um sistema econômico que acabe com patrão e trabalhador, que acabe com lucro, que acabe com juros. O homem já foi à lua, como não é capaz de eliminar essa aberração que é o juro, que é o lucro, que é o trabalho de um capitalista desesperado para que sua empresa sobreviva na competição com os outros? Eu tenho pena desses patrões que sofrem, ou de um trabalhador que sabe que no outro dia o poder de um pode demiti-lo e deixar sua família na miséria.

            Um dia a gente vai ter uma sociedade diferente, mas não é o que está em jogo hoje. O que está em jogo hoje não são essas bases. É como, dentro dessas bases, propriedade privada dos meios de produção, abertura comercial, liberdade de mercado, responsabilidade fiscal, como a gente vai poder reorientar o produto, o produto? É aí que está a chave do futuro: inventar um novo conteúdo do PIB. Aí, um dia, a gente vai poder comemorar não apenas que o PIB volte a crescer, mas que cresça com a cara diferente. É a cara do PIB que tem de mudar, e não só o tamanho do seu crescimento, até porque, com a cara ruim, o crescimento é inchaço. O que a gente tem visto é um inchaço, que agora nem cresceu mais. Vamos transformar o inchaço em um mito qualitativo, bonito, do produto da economia brasileira. E, para isso, esse livrinho da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), nesse ano em que escolheu Economia e Vida como base da reflexão dos cristãos e dos não cristãos no Brasil, esse livrinho pode ajudar muito.

            Era isso, Sr. Presidente, o que tinha a dizer, agradecendo ao senhor e aos outros que esperam falar o tempo longo dessa minha fala.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/2010 - Página 7026