Discurso durante a 35ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta sobre a necessidade da utilização adequada dos recursos do pré-sal, citando países que souberam investir positivamente e negativamente suas riquezas. Comentários sobre a água, recurso insubstituível para a humanidade.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA ENERGETICA.:
  • Alerta sobre a necessidade da utilização adequada dos recursos do pré-sal, citando países que souberam investir positivamente e negativamente suas riquezas. Comentários sobre a água, recurso insubstituível para a humanidade.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/2010 - Página 8770
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, DISCURSO, VALTER PEREIRA, SENADOR, ELOGIO, APOIO, GRUPO, REFUGIADO, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, COMENTARIO, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, PAIS, FALTA, APLICAÇÃO, RECURSOS, ORIGEM, CULTIVO, CANA DE AÇUCAR, EDUCAÇÃO, POPULAÇÃO.
  • APREENSÃO, POSSIBILIDADE, AUSENCIA, EFICIENCIA, BRASIL, APLICAÇÃO, RIQUEZAS, SEMELHANÇA, PAIS, AMERICA CENTRAL, ESPECIFICAÇÃO, ROYALTIES, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, RESERVATORIO, SAL, DEFESA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA.
  • RELEVANCIA, INICIATIVA, PAIS ESTRANGEIRO, NORUEGA, APLICAÇÃO, RECURSOS, EXPLORAÇÃO, PETROLEO, INVESTIMENTO, BOLSA DE VALORES, INDUSTRIA.
  • IMPORTANCIA, ROYALTIES, CRIAÇÃO, MANUTENÇÃO, INSTITUTO TECNOLOGICO DE AERONAUTICA (ITA), EMPRESA BRASILEIRA DE AERONAUTICA (EMBRAER), CENTRO TECNICO AEROESPACIAL (CTA), SUPERIORIDADE, INDICE, DESENVOLVIMENTO, MUNICIPIO, SÃO JOSE DOS CAMPOS (SP), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RELEVANCIA, REGIÃO, PRODUÇÃO, TECNOLOGIA.
  • DISCORDANCIA, POSSIBILIDADE, PERDA, ROYALTIES, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, SENADO, PROJETO, AUTORIA, ORADOR, TASSO JEREISSATI, SENADOR, CANALIZAÇÃO, RECURSOS, EDUCAÇÃO.
  • DEFESA, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PROPORCIONALIDADE, NUMERO, CRIANÇA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ESTADOS, MUNICIPIOS, ANUNCIO, INICIATIVA, ORADOR, APRESENTAÇÃO, SENADO, PROJETO, REFERENCIA, ASSUNTO.
  • RELEVANCIA, AGUA, VIDA HUMANA, CRITICA, POLUIÇÃO, AUSENCIA, RACIONALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ASSUNTO, DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, PROVIDENCIA, PROTEÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, FAIXA DE FRONTEIRA, ESTADO DO PARANA (PR), PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, REGIÃO AMAZONICA, APREENSÃO, REDUÇÃO, AGUA POTAVEL, MUNDO, POSSIBILIDADE, GUERRA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Sadi Cassol, Srªs e Srs. Senadores, escutei os últimos discursos. Agora, vou falar sobre quatro assuntos. Sei que em um discurso a gente deve falar sobre um único tema, mas vou ligá-los entre si. Vou falar sobre o Haiti, sobre água, sobre royalties e também sobre a Embraer, como V. Exª falou.

            Quero começar pelo Haiti, citando o meu apoio e o meu respeito à solidariedade do Senador Valter Pereira. Parabéns por essa solidariedade. Fico feliz de ver que há um Senador atento a essa situação.

            Quero falar do Haiti para que ele sirva de exemplo para nós. O Haiti já foi a mais rica das colônias nas Américas. O Haiti já foi considerado a Pérola das Antilhas. O Haiti já foi o país, na época que ainda era colônia, que gerava uma riqueza equivalente à brasileira - e nós com uma extensão muito maior - na época do açúcar. Assim, merece uma reflexão o porquê de o Haiti hoje, independentemente do último terremoto, ser um país tão pobre. Claro que uma razão é a exploração feita pela França, que exigiu, para que o Haiti fosse independente, o pagamento de uma dívida que aquele pobre país precisou de décadas e décadas e décadas, mais de cem anos para pagar. Certamente, essa dívida que o Haiti pagou à França é uma das causas da sua pobreza depois de ter sido a Pérola das Antilhas. Mas não foi só isso.

            O que fez o Haiti pobre é o mesmo que fez o Peru, o Brasil, países que tinham riquezas naturais fenomenais e que deixaram essas riquezas se esvaírem, deixaram essas riquezas saírem pelas veias abertas, como disse o escritor uruguaio, Eduardo Galeano no seu livro As Veias Abertas da América Latina. O Haiti é uma das provas mais fundamentais de um país com suas veias abertas.

            E essas veias abertas que deixaram o Haiti na pobreza que está hoje, como deixou a Bolívia, país riquíssimo na época da prata; como o Brasil, na época do ouro; como o Brasil, o Haiti e outros países, na época do açúcar, essas veias abertas têm uma explicação que, a meu ver, é mais afinada, Senador Valter Pereira: é o fato de que nós não usamos aqueles recursos de então para criarmos um capital permanente nesses países, que teria sido o investimento na massa cinzenta da sua população, como fizeram os Estados Unidos.

            Os Estados Unidos começaram a sua colonização criando universidades, mas colocando as suas crianças na educação de base. Santo Domingo fez uma universidade logo quando o país foi descoberto. O México fez uma universidade. A Guatemala tem uma universidade desde os anos de 1500. No entanto, nenhum desses investiu na educação das crianças de suas massas. Isso fez com que nós tivéssemos, como eu gosto de dizer, não as veias abertas, mas os neurônios tapados. O que realmente coloca a América Latina, hoje, numa posição tão atrasada em relação ao resto do mundo, depois de termos sido países tão ricos, é o fato de não termos desenvolvido, aqui, a ciência e a tecnologia que fez a riqueza dos hoje países desenvolvidos.

            O Haiti - é bom para começar esta fala - é a prova do erro de investimento da riqueza de que então dispunha. Agora vejam a diferença: é que aquela riqueza, a riqueza do açúcar, até poderia ser permanente. O preço oscilava, mas nunca se deixou de usar o açúcar. Cada ano você tem outra colheita de cana e você produz açúcar; outra colheita, e você produz; e assim sucessivamente.

            E aí que entra o segundo aspecto de que quero falar, ligando com o Haiti: o petróleo e os royalties. O petróleo, diferentemente da cana que se planta e da qual se produz o açúcar, a gente sabe que vai acabar. Ou seja, no caso do açúcar, foram circunstâncias e a falta de aplicação dos recursos. No caso do petróleo, além de tudo, é burrice se a gente não souber aplicar bem a renda que dele vem. Burrice, estupidez, porque se sabe que não vai durar 50 anos. E 50 anos são amanhã do ponto de vista da história de um país. É amanhã! Aqui neste Senado, a maioria já tem mais de 50 anos e nem nos consideramos velhos ainda. Nós não podemos desperdiçar essa riqueza como o Haiti desperdiço a dele, como o Nordeste desperdiçou a sua, como Minas Gerais desperdiçou a do ouro, como a Bolívia. Nós não podemos desperdiçar o petróleo como outros países desperdiçaram riquezas que eram renováveis. Imagine o petróleo, que é esgotável!

            Além de que, no caso do petróleo, ainda há uma característica: talvez nem acabe o petróleo e ele ficar obsoleto, porque, com a crise ecológica que a gente vive, não será impossível que dentro de 10, 15, 20 anos fique proibido o uso de petróleo, no mundo, em grandes quantidades. Se a gente descobre como movimentar os carros por energia elétrica retirada das hidrelétricas e se o aquecimento global continuar aumentando, haverá a proibição do uso de petróleo como hoje existe sobre o de cocaína. E aí o preço se acaba, porque não dá para vender petróleo clandestinamente. Não dá para ter tráfico de petróleo como se tem de cocaína.

            É burrice não percebermos que o petróleo vai acabar e daí não tirarmos uma lição: precisamos usar o petróleo, os recursos que saem do petróleo de forma que esses recursos se perenizem. O petróleo jamais vai ser perene. Leva-se 200 milhões de anos para uma floresta se transformar em petróleo. Deve ter havido uma floresta debaixo do Atlântico. Duzentos milhões de anos! Então, não vamos esperar 200 milhões de anos. Ele se esgota. Não há como fazer o petróleo ficar perene, mas há como fazer o recurso que o petróleo gera ficar perene, não acabar nunca. E aí são duas formas. Uma é como a Noruega está fazendo: o dinheiro que o petróleo gera não é gasto. O dinheiro que o petróleo gera vai para um fundo, que é investido nas bolsas do mundo inteiro, com em investimentos em indústrias. E a rentabilidade desse fundo é que a gente pode gastar. Aí fica perene. Pode oscilar conforme as bolsas de valores, conforme a economia, mas não se esvai. Não é como uma veia aberta. Não; é um bem permanente.

            Essa é a única forma de nós não cometermos o crime de roubarmos as nossas crianças, de roubarmos o nosso futuro. Queimar petróleo é roubar petróleo que deveria pertencer às crianças, que deveria pertencer ao futuro. Esse petróleo não pertence só a nós. Guardá-lo para as crianças não serve, porque, além de se esgotar, ele vai ficar obsoleto. O petróleo tem dois problemas: ele se esgota e ele fica obsoleto dentro de alguns anos mais. Então, guardar o petróleo não se justifica. Vamos explorar o petróleo. Agora, vamos explorar transformando a lama que é o petróleo em uma riqueza que pode ser permanente se for colocada em um fundo e gastarmos o que esse fundo gera. Gastarmos a rentabilidade e não a soma total do dinheiro.

            É como alguém que recebe uma herança e tem duas alternativas: investir a herança para que ela fique permanente, usando apenas a rentabilidade, ou torrar tudo isso de uma vez. É como alguém que ganha na loteria e gasta tudo, ou como alguém que ganha na loteria e aplica o dinheiro. O Brasil tirou na loteria com a camada de pré-sal, se for verdade tudo que se imagina dali, porque talvez nem seja verdade. Tirou na loteria! Nós vamos torrar o dinheiro da loteria ou nós vamos colocar num investimento eficiente?

            E aí vem a outra forma de transformar essa riqueza em permanente e eficiente. É gastar apenas a rentabilidade do fundo, mas, mais do que isso, gastar essa rentabilidade na construção da maior de todas as energias que existem, que é a energia do cérebro humano, que é a energia que vem da ciência e da tecnologia. Gosto de lembrar sempre: o petróleo é uma lama e só se transforma em riqueza porque alguém inventou uma forma de descobrir onde está aquela lama; alguém inventou uma forma de buscar esse petróleo que está no fundo do mar; alguém inventou uma forma de puxar esse petróleo e levá-lo até uma refinaria; alguém inventou uma forma de refinar o petróleo - porque ele, em estado bruto, não serve para nada - e de transforme-lo em combustível. Isso é ciência e tecnologia.

            A gente pensa que o petróleo tem valor, mas não tem nenhum valor. O valor vem da aplicação do conhecimento humano para que o petróleo se transforme em riqueza. E isso só vem de um investimento radical em ciência e tecnologia.

            E aí eu entro no tema que o senhor falou. Falei do Haiti, falei do petróleo e do royalty e a agora eu falo da Embraer.

            Na verdade, o que aconteceu há aproximadamente 50 anos é que o Brasil pagou royalty a São José dos Campos em troca de nada, porque ali não havia petróleo. Mas o Brasil pagou royalty todos os anos para manter o Ita funcionando, pagou royalty para manter o Centro Tecnológico da Aeronáutica funcionando, pagou royalty para criar a Embraer estatal, que no começo só dava prejuízo, mas nós brasileiros bancamos. Qual foi o resultado desse royalty? Hoje São José dos Campos, o senhor viu e nós vimos juntos, é uma cidade com um dos melhores IDHs do Brasil, é uma cidade onde parte importante da população é de cientistas, de engenheiros.

            É uma cidade onde a produção não é apenas de bens primários, como em tantos dos nossos Estados; a produção é de bens de ciência e tecnologia. São José dos Campos, graças aos royalties que o Brasil pagou, usando a palavra royalty no sentido livre, graças a isso, hoje é uma cidade cujo futuro está garantido porque o futuro está nos produtos de alta tecnologia. É dali que vão sair os grandes produtos. O futuro não é o ABC produzindo automóveis. O futuro é em São José dos Campos produzindo chips, que vão chegar a fazer, produzindo foguetes, que vão fazer, os satélites, os aviões. É aí que está o futuro: o bom uso do royalty que foi feito ali porque o Estado brasileiro determinou o que São José dos Campos faria com o dinheiro. Se o Governo brasileiro tivesse doado esse dinheiro a São José dos Campos e dissesse “façam o que querem com esse dinheiro”, provavelmente nós, políticos, ali, iríamos gastar o dinheiro para ganhar a próxima eleição e não para construir um parque científico e tecnológico a serviço das próximas gerações. Certamente, teriam sido projetinhos ligados ao presente e não um projetão ligado ao futuro, como foi feito ali.

            É preciso tirar lição da Embraer, do ITA, do CTA - Centro Tecnológica da Aeronáutica, para percebermos que o dinheiro que a gente aplica realmente dá resultado para o futuro se soubermos aplicar sintonizados com o futuro, e não gastarmos com o presente.

            Eu me assusto quando vejo em que é gasto hoje o dinheiro dos royalties do petróleo nas cidades e nos Estados onde há petróleo. Basta comparar o IDH das cidades que recebem os royalties do petróleo com o mesmo índice de São José dos Campos. Basta comparar o IDH! E o tempo é quase igual ao dos royalties: um tem 50 anos, São José; os outros, têm 30 anos, 20 anos, 25 anos ou até mais.

            Por isso, eu não sou favorável a retirar nada do Rio de Janeiro, até porque não se tira, de repente, um recurso, mesmo que mal utilizado, porque se sabe que, se fizer isso, quebra. É como a pessoa dependente de uma droga: não se pode tirar essa droga de repente. Não falo das drogas proibidas, falo até mesmo dos remédios tolerados. Não podemos. Não podemos tirar também o dinheiro do Rio de Janeiro, porque é uma tradição recebê-lo. Não podemos tirar o dinheiro do Rio de Janeiro, porque o Brasil tem uma dívida com o Rio de Janeiro, porque, quando a capital foi transferida de lá para Brasília, não fizemos um programa, um plano de recuperação do Rio de Janeiro; abandonamos a cidade, que estava acostumada a ser a capital, com as vantagens de ser capital, e nós a abandonamos.

            Em compensação, Brasília recebe royalties do Governo Federal, simplesmente por ser a Capital do Brasil. Do jeito que alguns Estados recebem royalties porque lá têm petróleo, aqui recebemos porque a capital está aqui. Felizmente, o dinheiro que vem desses royalties para Brasília só pode ser usado pelo Governo local em educação, segurança e saúde. Felizmente! E mesmo assim eu acho que ainda há desperdício, porque aqui se fez fácil aumentar salários, porque o dinheiro vem do Governo Federal e não do esforço local.

            Imagine se se pudesse gastar em qualquer coisa. Haveria viadutos e pontes até onde não são necessários viadutos e pontes. Mesmo assim a gente não usa tanto quanto deveria. Imagine se esse dinheiro viesse solto. Felizmente, não vem.

            O Rio de Janeiro não pode perder aquilo que vem do passado, inclusive porque é uma ruptura com o marco legal que nós temos. Agora, daqui para a frente, é preciso que o Rio de Janeiro entenda, que São Paulo entenda, que Pernambuco entenda, que cada Estado deste País entenda, os que têm e os que não têm petróleo, que não temos o direito de queimar esse petróleo levianamente. Nós não temos o direito de queimar os recursos que saem do petróleo levianamente. Nós não temos o direito de consumir - nós, que estamos vivos hoje - essa riqueza que é do Brasil de hoje e do futuro. Temos de saber como gastar isso.

            A maneira que eu e o Senador Tasso Jereissati encontramos - e já demos entrada em um projeto na Casa a respeito do assunto - é definir que o Rio continue recebendo o que já recebe, mas que as novas reservas só sejam gastas com educação. Assim estaremos transformando um recurso esgotável em um recurso permanente. Estaremos transformando uma energia que não tem futuro, a energia fóssil, em uma energia permanente, a mãe de todas as energias, a inteligência humana, o conhecimento, a ciência, a tecnologia, que vem da educação de base. Esse é o projeto que nós demos entrada.

            E, recentemente, dei entrada em outro, que define como distribuir esse dinheiro. A minha proposta é que esses recursos sejam distribuídos não com base neste debate equivocado de qual Município, de qual Estado, mas no debate correto de qual geração. Esse é o debate.

            Estamos discutindo se é o Rio, ou São Paulo, ou Espírito Santo, ou o Brasil inteiro, ao invés de discutirmos se somos nós de hoje ou os brasileiros do futuro. Esse é o debate! E a maneira de colocarmos esse dinheiro nos brasileiros do futuro é distribuirmos para todos os brasileiros que estão na escola; é pegarmos os recursos dos royalties e distribuirmos proporcionalmente ao número de crianças que aquele Estado, que aquele Município tem na escola. Com isso, a gente resolve o problema, primeiro de transformar um bem que se esgota em um bem permanente; segundo, de distribuir para todos os brasileiros, que são os donos; terceiro, de distribuir, permanentemente, para os brasileiros do futuro, que se renovarão a cada geração com a educação que a geração anterior recebeu, porque uma geração educada faz todas as outras educadas também. Uma geração rica não faz as outras ricas, não. E a prova, eu volto ao começo: houve uma geração de haitianos ricos e, hoje, a geração de haitianos é de pobres. A riqueza se vai; o conhecimento fica, se renova a cada geração.

            E aí, para concluir, Senador, falo do último item de que eu disse que iria falar, que é a água. Estamos discutindo, há semanas, o que fazer com o petróleo. Há meses, só ouvimos o Governo Federal dizer que o Brasil nunca antes, na sua história, foi capaz de ter a riqueza que tem por causa do pré-sal. E nós não estamos discutindo o recurso mais importante que existe para a humanidade, para a natureza, que é a água.

            Fala em petróleo, todo mundo corre para prestar atenção. Fala em água, todo mundo corre para não prestar atenção.

            Água é o grande recurso que a gente não tem como substituir. Hoje, há pesquisas em todo o mundo, já em andamento, para substituir o petróleo. Eu nunca ouvi falar de uma pesquisa para substituir a água. Nunca! Olhem que avançamos muito em ciência e tecnologia no mundo, mas eu não conheço nenhuma referência a um estudo que trabalhe com a possibilidade de não precisarmos de água para produzir alimentos, de não precisarmos de água para a vida humana, de não precisarmos de água para os animais. Não conheço. E corremos o risco de isso acontecer, porque o petróleo se esgota quando acaba o petróleo, mas a água se esgota mesmo quando ela não acaba, mas fica poluída. Essa diferença é fundamental. A água não se acaba quando ela acaba; a água se acaba quando ela não fica limpa. E nós, hoje, nos dedicamos a gastar água e a sujar a água. Com isso, o que vai acontecer é caminharmos, no futuro, para guerras pela água.

            Aí, vem o Brasil para a gente pensar. Compramos submarinos para proteger o pré-sal, mas não definimos estratégias para garantirmos a vida no pós-sal, depois que o petróleo acabar. Compramos submarinos para proteger a reserva de petróleo, mas qual é a nossa estratégia para protegermos as reservas de água que existem na fronteira entre o Paraguai e o Paraná? Qual a nossa estratégia para garantirmos a água que temos na Amazônia? Não se ouve falar. E não vai ser com submarino. Submarino é para o pré-sal, é para o alto-mar, não é para andar debaixo da água de um rio.

            Sr. Presidente, quero resumir esses quatro temas - que terminam virando cinco se a gente separar petróleo e royalties -, dizendo que, no fundo, no fundo, o que me parece é que nós estamos fazendo um debate equivocado, por uma razão: é que nós, na política, somos prisioneiros amarrados à próxima eleição. Nós não conseguimos nos amarrar com a próxima geração. Aí, a gente não consegue pensar no pós-água, a gente tem de pensar no pré-sal. A gente não consegue pensar no pós-petróleo, a gente tem de pensar no pré-sal. A gente não consegue, mesmo, pensar na pré-escola, porque a gente só pensa no pré-sal, porque o pré-sal dará a resposta amanhã, segundo se diz. A pré-escola leva pelo menos 20 anos para que esses meninos entrem na universidade, mais cinco ou dez para que se transformem em cientistas, mais dez para que produzam os grandes avanços que o Brasil precisa, ou seja, 40 anos. Ninguém ganha eleição pensando em 40 anos, Senador Cassol. Ninguém ganha eleição pensando nem em dez anos. Por isso, terminamos prisioneiros do presente, terminamos gastando o que o Brasil tem no presente, em vez de investirmos no futuro.

            O grande debate não é quanto vai para cada Estado; é quanto usamos para construir o Brasil inteiro. Esse seria o debate, mas esse é um debate difícil, basta ver quantos de nós estamos nesta sala, a esta hora da noite, discutindo.

            Esse é um assunto que não pega, porque não toca no imediato, porque não queima hoje, porque exige imaginação e nós não gostamos de imaginação. Nós gostamos de solução imediata, mesmo quando ela não existe ou, pior, quando ela, ao existir, compromete o futuro, que é o que a gente começa a fazer.

            Esta semana, para mim, foi muito importante, ao estar no ITA, no CTA, na Embraer, lendo os jornais sobre o debate em torno do petróleo, e se conclui ainda mais sendo hoje o Dia Internacional da Água.

            Cinco temas que gente tem de procurar juntar: água, Haiti, Embraer, royalties e petróleo. Se a gente conseguisse juntar isso, fazendo um pensamento muito mais complexo do que o pensamento simplista ao qual estamos acostumados, talvez a gente pudesse até inventar caminhos novos para o Brasil, preocuparmo-nos menos com como distribuir entre nós, de hoje, esse dinheiro que nem existe ainda, do pré-sal, e nos preocuparmos em como vamos usar os recursos que já temos para construir um Brasil melhor, que resista ao fim do petróleo e que não deixe chegar ao fim da água, porque depois disso não haverá mais nenhuma solução.

            Era isso, Sr. Presidente, o que eu tinha a falar, agradecendo ao senhor e aos Senadores anteriores, que me deram os motes para fazer esta fala.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/2010 - Página 8770