Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações com o choque causado pelas circunstâncias que envolveram o assassinato do cartunista Glauco Villas-Boas e seu filho Raoni, e reflexão sobre a expansão do Santo Daime e a legalização do chá alucinógeno.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Considerações com o choque causado pelas circunstâncias que envolveram o assassinato do cartunista Glauco Villas-Boas e seu filho Raoni, e reflexão sobre a expansão do Santo Daime e a legalização do chá alucinógeno.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2010 - Página 9680
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • GRAVIDADE, HOMICIDIO, DESENHISTA, FILHO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PRISÃO, CRIMINOSO, DEMONSTRAÇÃO, DOENÇA MENTAL, AGRAVAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, SEITA RELIGIOSA, UTILIZAÇÃO, PSICOTROPICO, CERIMONIA RELIGIOSA.
  • NECESSIDADE, ANALISE, AMPLIAÇÃO, NUMERO, IGREJA, LEGALIDADE, RESOLUÇÃO, CONSUMO, SUBSTANCIA, COMENTARIO, CARACTERISTICA, DROGA, RISCOS, SAUDE, TRANSFERENCIA, RESPONSABILIDADE, SEITA RELIGIOSA, CRITICA, FALTA, QUALIFICAÇÃO, MEMBROS, DECISÃO, DECLARAÇÃO, PSICANALISTA, APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, TRAFICO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil ficou chocado com as circunstâncias que envolveram o assassinato do cartunista Glauco Villas-Boas, aos 53 anos, e de seu filho Raoni, que morreu aos 25 anos, na madrugada de 12 de março, em Osasco, São Paulo. Como disse o presidente Lula, Glauco foi “um grande cronista da sociedade brasileira, entendia os usos e costumes da nossa gente e expressava isso com inteligência e humor”. De talento indiscutível, sua carreira foi interrompida precocemente, assim como a do filho, que desenvolvia pesquisas sobre comunidades indígenas isoladas.

            O assassino confesso, preso durante uma tentativa de fuga para o Paraguai, nasceu numa família da classe média alta, estudou em escolas conceituadas, mas nunca conseguiu dar um rumo à sua vida. Embora demonstrasse claros sinais de distúrbio mental e provavelmente sofra de esquizofrenia, nunca foi internado. Há 3 anos, freqüentava a igreja Céu de Maria, fundada por Glauco, integrante da seita do Santo Daime, que surgiu no Brasil e mistura elementos do cristianismo, umbanda e espiritismo, além de consumir um chá alucinógeno durante seus rituais.

            Passada a comoção causada pelas mortes, acredito ser hora de refletir sobre a expansão do Santo Daime, que hoje tem mais de 100 igrejas em todo o País, e a legalização do chá alucinógeno. Em 25 de janeiro, uma resolução publicada no Diário Oficial da União pelo governo brasileiro oficializou o uso do chá ayahuasca, como é conhecido. O texto, que não tem força de lei, é resultado de anos de debates e, além de definir as responsabilidades das religiões institucionalizadas, permite o consumo do alucinógeno por adultos, mulheres grávidas, adolescentes e até crianças durante os rituais. As únicas restrições são à comercialização e propaganda do chá, feito com um cipó denominado mariri e folhas da erva chacrona.

            Argumentos como o de que a liberação do chá abriria um precedente para a criação de religiões que utilizem drogas como maconha, cocaína e outras em seus rituais foram ignorados. Para legalizar a utilização do chá, o Conad, Conselho Nacional Antidrogas, encontrou amparo numa decisão da ONU, a Organização das Nações Unidas, segundo a qual a bebida e as espécies vegetais que a compõem não são objeto de controle internacional.

            O problema é que o princípio ativo presente no chá é a dimetiltriptamina, mais conhecida como DMT, proibida em praticamente todo o mundo. Na Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas da ONU, ela está incluída entre as drogas controladas, como LSD e mescalina. Paradoxalmente, a Convenção não proíbe plantas com concentrações da substância, como é o caso da chacrona, componente do chá do Santo Daime.

            A liberação da bebida “para fins religiosos” é contraditória, pois permite o consumo de uma droga ilícita, simplesmente por ser usada durante um ritual. Ora, uma droga é lícita ou ilícita. Não deixa de ser uma droga simplesmente porque muda o contexto em que é consumida.

            Os efeitos negativos da DMT sobre o cérebro de portadores de distúrbios psíquicos estão amplamente comprovados. Ela aumenta de maneira significativa a concentração de serotonina, noradrenalina e dopamina, 3 neurotransmissores.

            Se um esquizofrênico ingerir o chá, o excesso de dopamina fará com que ele comece a ter alucinações, e estas persistirão por um bom tempo, mesmo depois que a droga tiver sido eliminada do organismo. Ou seja, o chá agrava os sintomas da doença, e também os de quem sofre de transtorno bipolar. Remédios antipsicóticos têm seu efeito atenuado ou anulado. Pesquisas já mostraram também que o chá do Santo Daime sobrecarrega o coração de cardíacos.

            Pelo menos 2 casos de mortes podem estar associados ao consumo da bebida. Há poucos meses, um jovem de 18 anos morreu afogado num lago em Ananindeua, no Pará, depois de ingerir o chá num culto. Ele se jogou na água apesar de não saber nadar. Outro adolescente, de 15 anos, que tentava se livrar do vício em drogas freqüentando uma seita na região metropolitana de Goiânia, sofria de uma enfermidade degenerativa do coração e morreu logo após consumir o chá, de um ataque fulminante do coração, com rompimento da artéria aorta.

            Glauco Villas-Boas era um idealista, que acreditava nos poderes da seita e no chá do Santo Daime para curar viciados em drogas e álcool. Mas o fato é que a legalização do consumo criou uma situação potencialmente perigosa. As normas oficiais determinam que as seitas cadastradas sejam responsáveis pelo que acontece aos adeptos durante os rituais. São elas que decidem quem pode ou não tomar o chá, e qual a dosagem que consumirá.

            No texto publicado no Diário Oficial, recomenda-se que os iniciantes sejam submetidos a uma entrevista, e que portadores de transtornos mentais e usuários de outras drogas não recebam o chá. Mas, quando ocorrem, as entrevistas não ficam a cargo de médicos ou outros especialistas, e sim por adeptos, que não dispõem de qualificações para fazer diagnósticos. Ora, se alguém que pretende iniciar um programa de exercícios físicos numa academia tem que passar por uma avaliação médica, como é possível pretender que leigos sejam capazes de decidir quem pode ou não consumir um alucinógeno poderoso?

            Na família do assassino de Glauco e de seu filho, a mãe e uma tia-avó foram diagnosticadas com esquizofrenia. Se o pai ou a mãe sofrem da doença, o risco de um filho desenvolvê-la aumenta de 1 por cento para 13 por cento. Ele rezava para plantas, que dizia serem reencarnações de santos, e julgava-se Jesus Cristo ou algum profeta reencarnado. Apesar de apresentar tais sintomas alarmantes, não era submetido a tratamento especializado.

            O psicanalista Contardo Calligaris, num artigo interessante a respeito do duplo assassinato, diz que nossa fé na redenção, ou seja, na possibilidade de que indivíduos possam sofrer transformações definitivas, livrando-se, por exemplo, de doenças mentais, faz com que deixemos em liberdade pessoas que, por sua periculosidade, deveriam permanecer segregadas, para proteger a sociedade.

            Calligaris lembra o caso ocorrido logo antes do Natal de 2009, em que um jovem de 21 anos foi golpeado com um taco de beisebol, numa livraria da capital paulista. Ele até hoje está em coma, devido à agressão. O autor do crime já tinha quebrado, meses antes, uma vitrina da mesma livraria, com o taco de beisebol. Sempre apresentou sinais indiscutíveis de desequilíbrio mental, mas jamais seus pais pensaram em interná-lo ou submetê-lo a tratamento. Vagava pela cidade como uma bomba-relógio ambulante, e acabou fazendo uma vítima cuja recuperação é incerta.

            Nunca houve comprovação científica de que o chá do Santo Daime contenha substâncias capazes de curar a esquizofrenia, ou de fazer com que viciados em cocaína ou heroína abandonem as drogas. Trata-se apenas da substituição de um vício pelo outro.

            Propagandeado por celebridades na década de 1980, quando chegou às metrópoles do Sudeste e do Sul, trazido da Amazônia, seu consumo ritual banalizou-se com a legalização. Basta digitar num site de busca da Internet “comprar ayahuasca”, e logo surgirão dezenas de ofertas do chá. O interessado pode pagar por boleto bancário e receber por Sedex, em casa, um litro ou mais do produto, geralmente “bem concentrado”, segundo os vendedores.

            Isto não é religião, é, em bom português, tráfico - o que é pior, legalizado. E quem temia a possibilidade de uso de outras drogas em supostos rituais religiosos deve ser informado de que ela se tornou real. Há pouco uma certa “Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos”, com sede na Bahia, entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal reivindicando a liberação da maconha para “uso terapêutico e religioso”. Falta pouco para que alguma seita solicite a liberação do crack, alegando que ele é indispensável à realização de seus rituais...


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2010 - Página 9680