Discurso durante a 39ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Sugestão de temas para discussão dos candidatos à Presidência da República. Apelo para solucionar o desaparecimento de meninos em Luziânia/GO.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Sugestão de temas para discussão dos candidatos à Presidência da República. Apelo para solucionar o desaparecimento de meninos em Luziânia/GO.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2010 - Página 9785
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, CAMPANHA ELEITORAL, INCLUSÃO, SITUAÇÃO, CRIANÇA, BRASIL, INEXISTENCIA, ORGÃO PUBLICO, RESPONSABILIDADE, SETOR, NEGLIGENCIA, EXECUTIVO, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, SECRETARIA ESPECIAL.
  • REGISTRO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SENADO, DEPOIMENTO, MÃE, POLICIA, POLICIA FEDERAL, DESAPARECIMENTO, MENOR, MUNICIPIO, LUZIANIA (GO), ESTADO DE GOIAS (GO), APREENSÃO, NEGLIGENCIA, ORGÃO PUBLICO, INVESTIGAÇÃO.
  • GRAVIDADE, SUPERIORIDADE, NUMERO, DESAPARECIMENTO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BRASIL, CADASTRO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).
  • DEFESA, HORARIO, TEMPO INTEGRAL, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, ESCOLA PUBLICA, RESTAURAÇÃO, FAMILIA, PREVENÇÃO, PROBLEMA, CRIANÇA, COMBATE, INJUSTIÇA, EXCLUSÃO, NATUREZA SOCIAL.
  • CONCLAMAÇÃO, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AMPLIAÇÃO, ATENÇÃO, CRIANÇA, REVERSÃO, ERRO, TRATAMENTO, BENEFICIO, FUTURO, PAIS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, eu escutei, com muita atenção, o discurso do Senador Marco Maciel e, no fim, o senhor também, Senador Acir, tocou na necessidade de usarmos essas eleições para debatermos e discutirmos os grandes temas da Nação.

            Eu quero sugerir um tema que eu sinto ausente da discussão dos nossos candidatos a Presidente. É um tema que tem tudo a ver com o futuro do País. Aliás, nenhum outro tema tem mais a ver com o futuro do País do que as crianças do Brasil. A gente não vê falar em criança. A gente vê falar em emprego, que é para os adultos. A gente vê falar em rodovias, em portos, em infraestrutura. Mas e as crianças, que são as portadoras do futuro? A gente não ouve falar.

            A gente não vê um programa claro, nítido, que resolva... por exemplo, ontem, o jornal falava que 1,1 milhão de crianças, no Rio de Janeiro apenas, não têm creche. Isso significa que não têm o atendimento nos primeiros anos da sua formação. A gente não vê, junto ao Presidente da República, uma seção, um setor específico para se preocupar com a situação das crianças.

            Nós temos uma Secretaria das Mulheres; nós temos uma Secretaria da Juventude; temos até agora uma PEC para cuidar da juventude; nós temos um Ministério inteiro para cuidar do trabalho. Não há a quem o Presidente recorrer no momento que quiser saber como estão das crianças do Brasil e o que fazer por elas. Não há. Se o Presidente hoje acorda e descobre que seis meninos sumiram, desapareceram, evaporaram, na cidade de Luziânia, aqui perto de Brasília, ele não tem a quem ligar para saber o que está por trás. No máximo, ele chama o Ministro da Justiça, que chama o Diretor da Polícia Federal para ir atrás disso, como estão fazendo depois de alguns meses do desaparecimento.

            Mas, quanto às outras coisas que dizem respeito às crianças, não tem, junto ao Presidente, nada, ninguém para cuidar. Existe uma Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, mas há algo mais do que os direitos. Direitos humanos da criança é quando elas já estão em situações dramáticas; mas e antes disso? Não tem.

            Existe um projeto para criação da Agência Nacional de Proteção da Criança e do Adolescente, que no lugar de Agência pode-se chamar de Secretaria de Proteção da Criança e do Adolescente, como tem a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a Secretaria da Igualdade Racial. Aquela secretaria está andando aqui no Congresso por falta de iniciativa do Poder Executivo, e, agora, diz-se que essa iniciativa do Congresso, num projeto meu, não pode ser aprovada porque só o Poder Executivo tem o direito de tomar a iniciativa de criar uma agência desse tipo. Mas nós temos 25 anos de democracia e essa agência não foi criada ainda.

            É por isso que nesta semana nós fizemos aqui, na Comissão de Direitos Humanos, uma audiência pública para ouvir as mães, a polícia de Goiás e a Polícia Federal, para sabermos o que está acontecendo com esses meninos que desapareceram em Goiás.

            Eu anotei, durante a audiência, pensando em trazer para cá, o que disseram essas mães, para que a gente lembre que, quando uma criança desaparece, é um trauma profundo no íntimo de cada uma dessas mães, dos irmãos e irmãs, dos pais. Eu ouvi, por exemplo, da Srª Aldemira, que é mãe de Diego, ela dizer, com a simplicidade dela - porque todas são mulheres de famílias de baixa renda -: “Tudo começou quando ele foi a uma oficina e não voltou mais”. Imagine o que sente uma mãe quando diz isso: “Tudo começou quando ele, meu filho, foi a uma oficina e não voltou mais. Faz três meses, e ele não voltou até hoje. Onde estão nossos filhos? Com quem estão, que não sabemos? Estamos aqui na Comissão de Direitos Humanos pedindo que nos ajudem a encontrar nossos filhos. Agilizem e devolvam esses meninos para nós”.

            A mãe de George, Sirlene, disse: “A primeira coisa que quero perguntar ao delegado é onde estão nossos filhos. Toda noite, quando colocamos a cabeça no travesseiro, pensamos onde estão nossos filhos. No outro dia, quando tiramos a cabeça do travesseiro, queremos saber onde estão nossos filhos”. Essas mães estão sofrendo, e não há um envolvimento claro, nítido para que haja solução. Uma das mães não pôde vir, mandou a filha, e ela disse: “Somos uma família de baixa renda, pedimos a Interpol, é mais uma ajuda.” Começou com a Polícia de Goiás, não deu certo. Entrou a Polícia Federal, não está dando resultado. Agora, pede-se a Interpol. A Polícia de Goiás demorou a aceitar a Polícia Federal. Agora a Polícia Federal demora a pedir ajuda a Interpol.

            D. Marisa Pinto Lopes disse: “Estou aqui pedindo ajuda dos maiorais. Nossos filhos estão por aí. Levantamos e deitamos sem saber onde. Sua gente sabe: há mais de dois meses meu filho sumiu, e nenhuma informação, se está morto, onde estão os ossos; se estão vivos.” Nós sofremos tanto e lutamos tanto por aqueles desaparecidos por causa da repressão militar; aqueles merecem o nosso esforço para saber onde estão os ossos deles; foram heróis, optaram por ir à guerrilha. Esses meninos não optaram. E a gente não dá resposta.

            A D. Sônia diz: “Eu estou afastada do meu serviço porque não consigo trabalhar, vivo às custas de remédios, dos que me ajudam, não consigo [e começou a chorar] viver mais. Pensem como seriam se fossem filhos de vocês. Peça a vocês que ajudem, quero uma resposta. Todo dia volto para casa e meus outros filhos perguntam: ‘E aí, mãe, onde está o meu irmão? Que notícia nova tem?’ E a Polícia não passa nada. Entendo que não podem passar toda a informação, mas se tivessem começado a investigar logo talvez a situação estivesse melhor. Do jeito que está não dá, durante semanas ainda me controlo.Por que a Polícia demorou a entrar em campo? As pistas podem ter desaparecido por uma questão de minutos.”

            Se tivéssemos um Presidente que ao ler no jornal que desapareceu um menino e soubesse a quem ligar para entrar em campo, talvez a gente já soubesse onde estariam essas crianças.

            A D. Valdirene diz: “Hoje faz 2 meses e 10 dias. O dia amanhece, e a gente não vê os filhos. A gente acha que os filhos não estão mais no Brasil; por isso, queremos a Interpol. Tenho que trabalhar, mas a gente só trabalha 50%, não vamos conseguir trabalhar mais do que 50%, porque nossa cabeça está nos filhos desaparecidos”.

            Isso foi na Comissão de Direitos Humanos.

            Mas, se formos olhar, não são apenas esses meninos que estão desaparecidos. Quero mostrar aqui, porque se alguém vir algum desses meninos, por favor, avise, e aqui tem um número para onde avisar. Mas não foram apenas esses que desapareceram, esses desapareceram misteriosamente em um período de poucas semanas, todos de uma mesma pequena cidade, nenhum era amigo do outro, nenhum estava envolvido em tráfico, ninguém sabe para onde eles foram. Se alguém souber de qualquer um desses, avise. Mas, além desses, temos 1.247 casos cadastrados no Ministério da Justiça. Vejam bem, 1.247 crianças e adolescentes desapareceram. Esse não é um número irrisório, é um número dramático com que nós, no Brasil, temos que conviver. São 1.247 famílias que, hoje, sofrem por não saber onde estão os meninos, onde estão os filhos, uma dor maior do que qualquer outra.

            Nós não podemos continuar apenas com pequenas ações para encontrar aqueles que se perderam; nós precisamos ter ações fortes para impedir que meninos desapareçam. E meninos muito dificilmente desaparecem dentro da escola, eles desaparecem na rua, eles desaparecem brincando de tarde na frente da escola porque não há horário integral, porque se houvesse horário integral estariam na escola, não estariam na rua. Eles não desaparecem quando estão dentro de casa. E aí é preciso reconhecer que há um problema que o Estado brasileiro pode resolver, mas no longo prazo: é a reconstituição da família brasileira.

            Senador Acir, uma das coisas que mais me chocam, depois do próprio desaparecimento e da dor dessas mães, é um fato surpreendente. Eu estou acompanhando esse caso há meses, eu tenho uma pessoa minha permanente junto a essas mães, eu nunca encontrei um dos pais dessas crianças, só as mães. Os pais não existem; é como se essas crianças tivessem sido concebidas sem pais, pelo Espírito Santo, como se essas crianças tivessem surgido apenas das mães. Onde estão os pais neste País? Se visitarmos as casas das famílias brasileiras de todas as classes, mas sobretudo as classes mais pobres, nós vamos ver uma característica muito generalizada: a ausência da figura paterna junto às famílias. Isso colabora para o desaparecimento.

            Outra coisa que colabora é a escola sem qualidade: a criança, em vez de ficar na escola, vai para a rua, porque a escola é ruim. Ficam ali esperando a merenda, que é um programa federal que ainda funciona. Terminou a merenda, eles vão embora. E a gente esquece também o tipo de desaparecimento disfarçado, é o desaparecimento dos que não desapareceram, mas não tiveram a chance de estudar, não tiveram a chance de se preparar. Isso é uma forma de desaparecimento também.

            Num desses dias, vi um filme em que se sabe que vai haver uma grande inundação no planeta inteiro. Então, constroem-se imensas arcas de Noé, mas só podem ir poucos. Quem vai? Os ricos, que podem comprar, e os políticos de altas posições, porque foram os que tomaram as decisões de construir os barcos. Os ricos encontram solução porque, no fim, o filme termina com as balsas flutuando no oceano, que cobre quase todo o planeta. Os pobres tiveram de subir as montanhas, onde não vão encontrar comida.

            Não é isso o que se passa no Brasil? Os ricos compram lugar na balsa chamada escola de qualidade. A escola de qualidade é uma balsa em que as crianças se mantêm sobrevivendo, apesar do terremoto embaixo, como naquele filme. Os pobres ficam de fora das balsas, ficam de fora das arcas. Nas arcas de Noé da modernidade, o ingresso é comprado pela mensalidade escolar das boas escolas. E aqueles que não entram nessas arcas, nessas balsas, vão ser desaparecidos, ao lado dos pais, mas pela falta de oportunidade. É a falta de oportunidade levando à criminalidade, à ociosidade e à reprodução deste sistema com filhos também sem oportunidades na vida.

            Precisamos fazer uma revolução para acabar com essa crise dos desaparecidos, uma revolução na educação para que a educação segure as crianças - aí elas não vão desaparecer. A revolução de criar, com o Poder Executivo e o Presidente da República, uma pessoa responsável, um órgão central - como já existe para as mulheres, os jovens e os negros - para defender as crianças. Uma agência, uma secretaria; não é preciso um Ministério para dizer: o Brasil tem uma figura a quem a gente pode recorrer, criticar, denunciar, cobrar, porque as crianças do Brasil não estão sendo bem cuidadas.

            Eu digo tudo isso hoje porque essa audiência foi na quarta-feira passada, mas também porque a gente está passando, nesses dias, por um trauma imenso neste País diante do julgamento do pai e da madrasta de uma menina que foi assassinada dentro de casa. Este trauma tomou conta do Brasil: uma criança foi assassinada dentro de casa e os suspeitos são seus familiares, o pai e a madrasta - ainda em julgamento, é preciso dizer.

            Não podemos esquecer os 1.247 mil casos de meninos e meninas desaparecidos, que podem não ter julgamento, podem não ter júri para saber quem os matou, mas que provocam sofrimento não menor sobre as famílias, que não sabem onde eles estão.

            Além de estarmos julgando hoje a morte de uma menina por seus familiares, precisamos julgar os governos, que fazem desaparecer milhões de crianças pela falta de escolaridade. Não desaparecem fisicamente da frente da gente, mas desaparecem socialmente, economicamente, desaparecem do ponto de vista de não terem uma oportunidade na vida para ascenderem e, sobretudo, não terem condições de cuidar de seus filhos de uma forma que eles possam sair da pobreza e ingressar no mundo da modernidade e de uma renda digna para eles.

            Eu, aproveitando o trauma de hoje desse julgamento, aproveitando a audiência traumática que tivemos na Comissão de Direitos Humanos, ouvindo aquelas mães, quero fazer um apelo aos candidatos a Presidente da República: descubram que, neste País, existe uma coisa chamada criança e que essa coisa chamada criança é a base que carrega o futuro do nosso País. Descubram isso!

            Por favor, descubram isso e tragam para o debate nacional a pergunta, em primeiro lugar, de onde é que nós erramos, que tratamos tão mal as crianças do Brasil? Onde é que nós erramos para deixar que o Brasil seja um País perverso em relação às crianças?

            E, segundo: o que é que nós precisamos fazer para corrigir esse pecado gravíssimo da sociedade brasileira, esse pecado brutal da sociedade brasileira de abandono das suas crianças?

            Tragam esse debate para que a gente, ao eleger um Presidente ou uma Presidenta - porque temos duas candidatas desta vez mulheres - possa saber que está votando pelas crianças que não votam e, com isso, estamos votando pelo futuro do Brasil, um País sem desaparecidos, sejam fisicamente, porque tiraram essas crianças de suas famílias, sejam desaparecidos socialmente, porque ficam invisíveis, diante da exclusão a que eles são condenados por falta de educação.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu gostaria manifestar, nesta sexta-feira: esse apelo aos candidatos a Presidente, àqueles que são candidatos a líder deste País. Que digam o que vão fazer para que o Brasil não seja um País perverso com as crianças, como hoje nós somos!

            O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT - RO) - Meus cumprimentos, Senador Cristovam Buarque.

            V. Exª traz um tema realmente muito importante para todos nós, que são as nossas crianças. O Brasil, que quer chegar ao Primeiro Mundo, precisa investir nas nossas crianças, principalmente no ensino integral nas escolas. É importantíssimo. As crianças precisam estar sob os cuidados do Estado.

            Em certos momentos, as famílias, os pais, as mães estão trabalhando. Antigamente, em um família, o pai trabalhava e a mãe ficava em casa cuidando dos filhos. Hoje em dia, não. O pai precisa trabalhar, a mãe precisa trabalhar para sustentar os seu filhos, para sustentar a sua família.

            É nesse momento que o Estado precisa atuar, precisa estar junto com as famílias, tendo essas crianças na escola, dando assistência médica, dando assistência à cultura, ensinando o esporte. Assim é que vamos melhorar as gerações futuras, principalmente no desvio dos nossos jovens com relação às drogas.

            Vimos nos noticiários hoje o avanço do craque no Brasil. De maneira que o Brasil precisa atuar no combate a esse mal, cuidando dos nossos jovens e das nossas crianças.

            Meus cumprimentos pelas suas colocações.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, o senhor me traz a tentação de dizer uma coisa esclarecedora.

            O senhor disse que, antes, os homens trabalhavam e as mulheres cuidavam dos filhos; hoje, as mulheres cuidam dos filhos, trabalham e os homens somem. Essa é uma realidade de grande parte das famílias brasileiras: as mulheres sozinhas têm de trabalhar e cuidar dos filhos.


Modelo1 7/17/2410:40



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2010 - Página 9785