Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão e lembrança sobre o transcurso, em 31 de março, de 46 anos desde que os quartéis se armaram para derrubar o governo regularmente constituído do Presidente João Goulart, e para conspirar contra a democracia.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • Reflexão e lembrança sobre o transcurso, em 31 de março, de 46 anos desde que os quartéis se armaram para derrubar o governo regularmente constituído do Presidente João Goulart, e para conspirar contra a democracia.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/2010 - Página 11190
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, GOLPE DE ESTADO, DEPOSIÇÃO, JOÃO GOULART, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, FATO, HISTORIA, IMPEDIMENTO, REPETIÇÃO, ERRO, NEGLIGENCIA, AMEAÇA, DEMOCRACIA, NECESSIDADE, RESGATE, VALOR, LIBERDADE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores...

            A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Srª Presidente.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Srª Presidente! Eu acho que a Senadora Serys fez a correção no devido momento, e, com todas as reverências, nós fazemos a retificação.

            Então, Srª Presidente, Srs. Senadores, há exatos 46 anos os quartéis se armaram para derrubar o governo legítimo do Presidente João Goulart e para conspirar contra a democracia.

            Os historiadores insistem em que as lições da História devem ser bem aprendidas e bem lembradas e advertem que o esquecimento de fatos relevantes que foram tragados pelo tempo podem conduzir à repetição de erros muitas vezes trágicos.

            Não é diferente a minha convicção, e, por isso, me proponho hoje a esta reflexão.

            Afinal, ali se inaugurava um período de trevas, ameaças e perseguições que marcaram profundamente a vida de todos os brasileiros. Eu mesmo pude sentir na própria pele a truculência do regime que me encarcerou no dia seguinte ao golpe e por outras duas ocasiões.

            Em todas as vezes, o refrão era o mesmo: “Vocês estão presos por ordens superiores. Não adianta perguntarem por quê. Não adianta chamarem advogados, dado que a investigação é de interesse da segurança nacional”.

            Muitos, como eu, tiveram a sorte de sofrer detenções passageiras, mas outros foram vítimas de prolongados constrangimentos e duras retaliações. Mais do que isso: presos foram torturados, vidas foram ceifadas, e há, ainda hoje, famílias que procuram os restos mortais de entes queridos.

            A verdade é que o arbítrio e a intolerância dos chamados “anos de chumbo” abriram feridas tão profundas que precisam ser lembradas em função do aprendizado que podem propiciar.

            Já transcorreram mais de 21 anos da promulgação da Constituição Cidadã, que ocorreu em outubro de 1988. Há, portanto, hoje, Srª Presidente, uma geração inteira de brasileiros nascida após a restauração da democracia em nosso País.

            Em benefício deles, em benefício desta nova geração, não podemos deixar cair no esquecimento a experiência de quem viveu sem liberdade, de quem perdeu a garantia da lei, dos que foram proibidos de se opor e compelidos a se calar.

            É fundamental que a História seja recordada em benefício dos jovens, em favor do futuro deste País, para que a tragédia nunca mais se repita.

            Quantos brasileiros não perderam o emprego e até o direito de exercer a profissão?

            Quantos patrícios não foram forçados a viver no exílio durante tantos anos, durante longos anos, como aconteceu, por exemplo, com o ex-Governador Miguel Arraes, de saudosa memória?

            Todavia, é preciso ir às causas do golpe. Nesse sentido, uma digressão da conjuntura internacional é muito importante para analisar a deflagração e a vigência do regime militar.

            É sabido que, em meados da década de 60, o mundo era perturbado pela chamada Guerra Fria.

            O antagonismo político que opunha o bloco ocidental, capitaneado pelos Estados Unidos, aos países comunistas, liderados pela então União Soviética, era o caldo de cultura para promover tensões e aventuras militares.

            Foi esse cenário que inspirou as forças mais reacionárias do Brasil a conspirar, mais uma vez, contra um governo regularmente constituído. Digo mais uma vez porque a nossa História é rica de golpes tentados, ameaçados e consolidados desde a própria proclamação da República.

            Quem não se lembra da insidiosa conspiração movida contra o Presidente Getúlio Vargas em 1954?

            Quem não se lembra de que golpistas de plantão tentaram abortar a posse do então Presidente Juscelino Kubitschek?

            Com o Presidente João Goulart, não foi diferente.

            E o pretexto? O mesmo dos golpistas latino-americanos: os riscos do comunismo internacional.

            O proselitismo sobre tais perigos não se restringia, na verdade, às casernas, como muitos imaginam.

            Ao contrário, no mundo político, na imprensa, na sociedade civil, especialmente na própria igreja, era imenso o alarido sobre a possível “sovietização” do Brasil.

            Três dos mais importantes Governadores, Adhemar de Barros, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, maquinavam o tempo todo sob o mesmo refrão. Era a força de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais que articulava a intervenção militar, obviamente junto com os militares.

            As ruas dos grandes centros urbanos foram palco de manifestações de mulheres, de grandes manifestações que acabaram levando as protagonistas desses movimentos a ficarem conhecidas como as “marchadeiras”, porque o movimento delas tinha o nome de “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.

            No pano de fundo das contestações estavam as reformas de base anunciadas pelo Governo. Por seu turno, trabalhadores, estudantes, intelectuais e sobretudo religiosos progressistas também invadiam as ruas. Estavam na defesa das mudanças e entupiam auditórios em busca desses objetivos.

            Documentos da CIA - Central de Inteligência Americana - que foram divulgados nestes últimos anos reconhecem que não faltou o empurrão do Departamento de Estado americano para aquela lastimável empreitada.

            Ao invés de reformas democráticas, o que se acabou implantando foi um retrocesso institucional de longos e dolorosos anos. Com efeito, confiscou-se o direito de eleger o Presidente da República, os Governadores de Estado e os Prefeitos de capitais, de estâncias hidrominerais e das cidades mais importantes do nosso País. O Legislativo foi castrado por cassações de mandatos e por perda de funções destas duas Casas do Congresso. O Judiciário perdeu autonomia administrativa e independência dos magistrados para exercer a jurisdição. Até o direito de habeas corpus para os acusados de atividades políticas, que eram inconvenientes para o regime, foi suprimido. Os partidos políticos foram dissolvidos. A Confederação Geral dos Trabalhadores, a União Nacional dos Estudantes e tantas outras entidades representativas da sociedade civil foram colocadas na ilegalidade. Os meios de comunicação e as manifestações culturais passaram a ser censurados.

            Nesse contexto de opressão, Srª Presidente, os verdadeiros democratas juntaram-se em uma frente unida contra o regime ditatorial sob a bandeira do glorioso MDB. Ali se deu a luta democrática para alcançarmos a plena restauração do regime democrático em 1988, com a promulgação da nova Constituição do Brasil; uma luta marcada pelo idealismo e o desprendimento de figuras como o inesquecível Ulysses Guimarães, o “Prosador das Arcadas” do Largo de São Francisco, o “Senhor das Diretas”; uma luta liderada por homens da têmpera de Paulo Brossard e desse que remanesce aqui nesta Casa como uma das referências de todos nós, esse grande Senador Pedro Simon. Pedro Simon, que tive a oportunidade de conhecer quando esteve numa atividade como que missionária, junto com outros companheiros como Brossard, Odacir Klein, João Gilberto e tantos outros.

            Lembro-me da participação de Tancredo Neves, daquele que foi meu líder na Câmara dos Deputados, o saudoso Freitas Nobre, Lysâneas Maciel, Alencar Furtado, Chico Pinto, Jarbas Vasconcelos, Marcos Freire, Fernando Lyra, enfim a todos que homenageio e que foram os grandes soldados da democracia em nosso País.

            Honra-me, Senador Pedro Simon.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Meus cumprimentos a V. Exª pelo seu oportuno, importante e brilhante pronunciamento. Repare, é verdade que é uma quarta-feira da Semana Santa, plenário vazio, e o 31 de março, a rigor, passaria despercebido. Todos os partidos estão preocupados com os últimos dias de renúncia de mandato de Ministros, Governadores que querem se candidatar a cargos eletivos. E hoje é o primeiro pronunciamento, a primeira manifestação que estou vendo falando no dia 31 de março. Meus cumprimentos a V. Exª. Meus cumprimentos a V. Exª que fez parte e à equipe que V. Exª recorda dos ilustres companheiros na Câmara dos Deputados. V. Exª era um deles, que lutou bravamente para chegarmos aonde chegamos. E considero um dos grandes fatos da humanidade, meu querido líder, a nossa derrota da ditadura, a vitória que o povo teve no Brasil contra a ditadura. Não tenha dúvida de que um dos fatos mais melancólicos e mais tristes foi o 31 de março. Momento duro. Até a nossa Igreja Católica esteve nas ruas, andou na rua - não digo e nem passa na minha cabeça que foi deliberadamente a serviço do golpe - e foi usada para isso. As caminhadas com Deus, com a Pátria, com a família, foram usadas para isso. O que se fez no sentido de destronar a democracia neste País foi uma coisa fantástica, foi uma coisa fantástica. Olha, foi aqui neste plenário que o Presidente do Senado decretou vaga a Presidência da República quando as lideranças apresentaram ofício ao Presidente. Mas o Dr. João Goulart se encontrava em Porto Alegre a serviço do seu cargo; estávamos nós em Porto Alegre, o Presidente da República em Porto Alegre, o Comandante do Terceiro Exército debatendo e discutindo; e aqui no Senado o Presidente decreta vaga a Presidência da República. Foi um golpe triste, foi um golpe duro, foi um golpe difícil que nós sofremos e que o Brasil sofreu. Mas foi uma caminhada muito bonita a que o povo brasileiro fez para retornar à democracia. Foi uma jornada realmente muito importante essa e os nomes a que V. Exª está se referindo: o velho Ulysses, o velho Tancredo, o bravo Teotônio e tantos, tantos outros, Montoro, Mário Covas, pessoas que se destacaram nessa longa caminhada. Felicito V. Exª. Sinto-me emocionado neste dia. É verdade que, no Rio Grande do Sul, costumamos dizer que a Revolução não foi em 31 de março, mas em 1º de abril. No entanto, o dia em que é destacada e chamada é o dia 31 de março. Destaco o pronunciamento de V. Exª. E esta Casa, felizmente, tem a TV Senado, porque durante muito tempo, muitas vezes, falávamos aqui e nada saía daqui, porque a imprensa silencia o que quer e diz o que quer. Mas agora a elite, a intelectualidade, os líderes, desde os mais simples aos mais importantes, acompanham esta sessão e estão acompanhando o pronunciamento de V. Exª, estão lembrando, por intermédio do importante pronunciamento de V. Exª, do que foi, em 1964, a noite escura que se abateu no Brasil - e se sofreu muito! Hoje, muitos dos que estão no poder - e ficam no Poder e merecem estar no poder, porque o povo os elegeu - esquecem-se dessa caminhada que foi longa, que foi difícil e que restabeleceu a democracia neste País. Meus cumprimentos a V. Exª. Com muita emoção e com muita alegria eu o felicito, porque hoje é um dia negro, mas a partir do dia seguinte começou a resistência, que foi longa, mas permanente, e o Brasil, pela sua gente e pelo seu povo, restabeleceu a democracia neste País. Meu abraço muito carinhoso. Com muito orgulho felicito V. Exª.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. Tem razão V. Exª de se emocionar, afinal de contas é um dos apóstolos da resistência democrática que remanesce nesta Casa, conservando a mesma verve, conservando os mesmos princípios que o levaram às ruas para defender a democracia, a ética e a decência. Minhas homenagens a todos aqueles bravos companheiros na pessoa do Senador Pedro Simon.

            Eu não poderia deixar aqui de relembrar um fato relevante desse momento histórico que vivemos quando o regime militar já começava a mostrar algumas fraquezas. Naquele instante, o velho Ulysses, no ouvido de um conterrâneo meu, Deputado Dante de Oliveira, sugeria que se apresentasse a emenda das Diretas Já, que foi, na verdade, o fato que começou a virar a página dessa fase triste da ditadura.

            O Golpe Militar de 1964 lançou este País num longo período de obscurantismo, mas a resistência que se criou a ele, uma resistência que fez os bravos soldados, os bravos missionários da democracia, que lançou sobre eles até mesmo cães e canhões, além das prisões, acabou vencendo a ditadura e o Brasil restabeleceu a plenitude da sua democracia.

            Não podemos desperdiçar a oportunidade de comentar sobre esse evento para espantar aquelas figuras exóticas que vez por outra aparecem questionando as virtudes da democracia, os excessos que ela permite e apontando como solução a volta a esse passado obscuro.

            Era esse o nosso pronunciamento, Srª Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/2010 - Página 11190