Discurso durante a 54ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca das tragédias causadas pelas enchentes de Santa Catarina e do Rio de Janeiro, ressaltando que administradores públicos de estados e municípios não aplicaram integralmente os recursos públicos destinados a evitar tais problemas. Críticas à exploração demasiada pelos meios de comunicação das tragédias ocorridas em razão de enchentes.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO. CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Considerações acerca das tragédias causadas pelas enchentes de Santa Catarina e do Rio de Janeiro, ressaltando que administradores públicos de estados e municípios não aplicaram integralmente os recursos públicos destinados a evitar tais problemas. Críticas à exploração demasiada pelos meios de comunicação das tragédias ocorridas em razão de enchentes.
Aparteantes
Arthur Virgílio.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2010 - Página 15110
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO. CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, TELEJORNAL, UTILIZAÇÃO, INDIGNIDADE, PERDA, VIDA HUMANA, AMPLIAÇÃO, INDICE, AUDIENCIA, RECEITA, PUBLICIDADE, APREENSÃO, FALTA, INCENTIVO, ATUAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, AVALIAÇÃO, EXCESSO, REPETIÇÃO, OBRA ARTISTICA, TELEVISÃO, EXPOSIÇÃO, VIOLENCIA, ERRO, CONDUTA, REVERSÃO, VALOR, ETICA.
  • REGISTRO, REPETIÇÃO, PAIS, OCORRENCIA, MORTE, CALAMIDADE PUBLICA, DESABAMENTO, REGIÃO, AREA, RISCOS, FALTA, ATUAÇÃO, PREVENÇÃO, DETALHAMENTO, INUNDAÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • REGISTRO, DADOS, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INFERIORIDADE, LIBERAÇÃO, RECURSOS, EMPENHO, AUXILIO, VITIMA, INUNDAÇÃO.
  • DENUNCIA, RESPONSABILIDADE, GOVERNO MUNICIPAL, AUTORIZAÇÃO, POPULAÇÃO, RESIDENCIA, SERRA (ES), AGRAVAÇÃO, NASCENTE, AMPLIAÇÃO, RISCOS, DESABAMENTO, EXISTENCIA, ATERRO, LIXO, NEGLIGENCIA, EFEITO, INDIGNIDADE, MORTE, ANTERIORIDADE, AVISO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), REGISTRO, BRAVURA, VOLUNTARIO, BOMBEIRO.
  • COMENTARIO, DADOS, RELATORIO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, EMPENHO, DEFESA CIVIL, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, AREA, RISCOS, CONCENTRAÇÃO, RECURSOS, ESTADO DA BAHIA (BA), LOCAL, NASCIMENTO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, CANDIDATO, GOVERNADOR.
  • GRAVIDADE, DESRESPEITO, POVO, ATUAÇÃO, CLASSE POLITICA, OMISSÃO, BEM ESTAR SOCIAL, COMPARAÇÃO, SUPERIORIDADE, RECURSOS, ATENDIMENTO, CRISE, BANCOS, REITERAÇÃO, DEFESA, RESTRIÇÃO, CANDIDATURA, REU, CORRUPÇÃO, QUESTIONAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, DEMORA, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, INICIATIVA, AÇÃO POPULAR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente e prezado amigo, querido Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil tem se movido, principalmente nos últimos tempos, por três sentidos e três sentimentos: a emoção, a comoção e a indignação, exatamente nessa ordem. Pena que falta...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Senador Pedro Simon, só para prorrogar por mais uma hora, para que todos os oradores inscritos possam usar da palavra. Regimentalmente, somos obrigados a isso.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Obrigado, Sr. Presidente.

            Exatamente nesta ordem: emoção, comoção e indignação. Pena que falta uma quarta rima nessa sequência: a ação. Talvez seja porque - não por coincidência -, também sejam esses os sentimentos que movem os índices de audiência dos programas de televisão, meu querido Mão Santa, mais assistidos no Brasil: as novelas e os noticiários. Os primeiros no campo da ficção, as novelas; os segundos, no campo da realidade, os noticiários. Ainda existe uma discussão sobre se é a ficção que alimenta a realidade, ou o contrário. Ou, melhor dizendo, se é a novela que instiga o noticiário ou se é o noticiário que inspira o autor da novela.

            Nesses nossos tempos, eu não tenho sentido grandes diferenças no tratamento que se dá pela mídia para a ficção e para a realidade. Parece que todos nós estamos participando de uma grande novela, com capítulos cujo texto procura, cada vez mais, nos levar à emoção, à comoção, à indignação. Talvez não tanto à indignação. É impressionante como o noticiário tem se transformado em verdadeiros capítulos de novela. Histórias com começo, meio e fim, que se estendem ou se encurtam ao sabor dos índices de audiência. Só que, nos chamados casos de “vale à pena ver de novo”, não são as mesmas histórias que são repetidas, mas são outras histórias, repetitivas, que vêm uma após a outra.

            Eu não discuto os verdadeiros sentimentos dos protagonistas nos nossos dramas do dia a dia. Quem de nós já não foi um desses protagonistas? Quem de nós já não se viu asfixiado pela dor da perda de um amigo, de um vizinho, de um filho ou de alguém muito próximo da nossa família? O que discuto é a utilização da nossa emoção, da nossa comoção, da nossa indignação apenas para alavancar índices de audiência e, consequentemente, aumentar receitas de publicidade, sem que, depois disso, tenhamos oportunidade e, muitas vezes, vontade de transformar esses mesmos sentimentos em ação real e concreta.

            É impressionante como as novelas têm sido repetitivas. É impressionante também como o noticiário da televisão tem sido repetitivo. E mais impressionante ainda é como a novela tem se confundido com o noticiário! E vice-versa, obviamente. Em quase todos os campos, na violência, nos costumes, na barbárie. A ponto de dramaturgos de renome dizerem que invertem valores, porque a audiência assim o quer. Muitas vezes, surpreendentemente, a audiência aumenta mais na hora em que o homem mau sai vencendo.

            No início de 2007, o País parou para acompanhar o drama do menino João Hélio, arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro. Fizemos das lágrimas daqueles pais solitários as nossas próprias lágrimas. Lágrimas que continuam a escorrer por rostos hoje mais envelhecidos pelo tempo e pela dor.

            Em 2008, também no início, a menina Isabella. Horas de gravação, rios de tinta, outras lágrimas, as nossas, e, então, de outra mãe, o mesmo sofrimento, a mesma dor pela perda do mais belo projeto de vida.

            Quantas serão as outras mães com a mesma dor neste mundo de violência? Quantos terão sido os Joões Hélios e Isabellas, com outros nomes, com outros endereços, longe das câmeras e das tintas, com as mesmas lágrimas em outros tantos rostos envelhecidos pela mesma dor?

            As histórias se repetem sempre como tragédias, sempre com emoção, com comoção e com indignação. Mas se repetem porque também sempre sem a continuidade da rima da ação. Pela mídia, parece que se tratam todas de tragédias individuais, dramas familiares, com nome e sobrenome. Recentemente, Nardoni, o pai de Isabella. Dezenas, centenas de capítulos até chegar à cena final, a da esperada condenação. Mas, cá entre nós, poderia ser Silva, Sousa ou outra qualquer personagem da nossa triste vida real. Poderia ser, quem sabe, Ayala, Roytman, nomes de ficção.

            De repente, a repetição do noticiário nos leva à certeza de que se trata de drama coletivo, igualmente com todos os nomes e com todos os sobrenomes.

            No último dia do ano passado, o deslizamento de uma encosta em Angra dos Reis. De repente, parecia que todos os nossos amigos tinham um conhecido naquela pousada soterrada ou nas casas ao redor. Discussões intermináveis sobre a segurança dos moradores em áreas de risco. Mais uma vez, horas de gravação, novos e caudalosos rios de tinta.

            Como se já não soubéssemos, todos nós, há muito tempo, Presidente Mão Santa, que milhões de brasileiros moram nas encostas, em morros, em áreas de risco. Mas o caso em tela, literalmente em tela, naquele momento, era a pousada e as casas de Angra. O fim dos sonhos de uma menina, e o silêncio de um violão, o fim de tantos outros sonhos e de tantos outros acordes.

            O tempo passou, a audiência mixou e a discussão terminou. Mais uma vez, a emoção, a comoção e a indignação não se acompanharam da devida ação. Mas o tempo não significa apenas noções de presente, passado e futuro. Tempo também tem a ver com condições meteorológicas. E, nessa última definição, o tempo é implacável com a falta de ação.

            O que se diz quando de tragédias causadas por condições do tempo? É que se trata do imponderável. Acontecimentos que não se podem prever com a antecedência necessária para que se evitem as tragédias. Foi assim, por exemplo, nas explicações sobre as enchentes em Santa Catarina, no final de 2008. Por mais avançados que sejam os nossos serviços de meteorologia, com tantos olhos de satélites, mesmo assim, não foi possível evitar mais de uma centena de mortes e milhares de desabrigados.

            Nesse caso, não tenho conhecimento suficiente para discutir questões técnicas de meteorologia. Não sei se era possível prever e prevenir. E evitar tanta emoção, tanta comoção e tanta indignação.

            Mas não é preciso ter conhecimentos mais profundos em métodos quantitativos para se comparar meros números. Para se medir o tamanho e a intensidade da ação, pelo menos. Se não era possível evitar, pelo menos que se preocupasse, efetivamente, em diminuir a dor de quem perdeu tudo, se não os entes queridos que morreram, pelos menos condições dignas de vida para quem sofreu tamanhas sequelas.

            Pois bem, segundo a Folha de S.Paulo, dos R$108,6 milhões empenhados para o socorro às vítimas das tais enchentes, apenas R$2,5 milhões foram liberados. Repito: segundo a Folha de S.Paulo, dos R$108,6 milhões empenhados para socorro às vítimas das enchentes, apenas R$2,5 milhões foram liberados. Quer dizer, mais uma vez faltou a ação.

            A tragédia da vez é a do Rio de Janeiro. Niterói, principalmente. Ainda há quem culpe, mais uma vez, a meteorologia, quem compare essa mesma tragédia com o terremoto no Haiti, ou no Chile, ou até mesmo com o tsunami no Oceano Índico. Tem gente, inclusive, que chega a comparar tragédias, minimizando a nossa, dizendo que lá morreram muitos mais, “mil vezes mais”. E dizem que, “nem por isso, alguém culpou os governos locais!”.

            Aí não há indignação que segure!

            Em Niterói, um morro, vertentes. Só por isso, áreas de altíssimo risco para a população. Como o são as centenas de outros morros, com outras vertentes. No Rio de Janeiro e em tantos outros lugares deste País de tamanhos contrastes.

            Mas ali havia uma agravante ainda maior, Presidente. Inacreditável agravante! No lugar de maior número de perdas humanas, onde moravam centenas de pessoas, ali havia um enorme lixão. Quer dizer, além da encosta e das vertentes, as casas se alicerçavam no lixo. Isto é, no lixo! Sobre vertentes de chorume! E nós que nos indignávamos com tantos brasileiros que ainda vivem do lixo! Que ainda competem com os urubus pelos nossos restos, nos tantos lixões, principalmente das grandes cidades! De repente, tantos brasileiros que morrem do lixo. Ou no lixo. Mais uma vez: haja indignação!

            Mas será que seriam necessários satélites de última geração para que se soubesse que esses brasileiros poderiam se tornar vítimas do tempo no sentido meteorológico? Ou será que, mais dia, menos dia, tempo no sentido de futuro, ainda que próximo, aquelas mesmas casas seriam tragadas, mesmo que sem o tempo no sentido meteorológico?

            O jornal Folha de S.Paulo, edição do último dia 9, parece dar a melhor resposta: “Alerta sobre a tragédia foi dado em 2004”. Diz a notícia:

Em 2004, o Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense fez um estudo, a pedido do Ministério das Cidades, e constatou que a área tinha alto risco de acidentes e exigia monitoramento constante.

Entre 1970 e 1985, o morro foi depósito de lixo de Niterói e São Gonçalo. Nos 25 anos seguintes, a área foi ocupada por mais de 100 casas, segundo os moradores. Cerca de 50 delas foram soterradas.

            Não se trata, Sr. Presidente, de uma constatação de que, há milhares de anos, há milhares de anos, ali havia, por exemplo, um vulcão que se imaginava extinto e que agora voltou a ser ativo sem que ninguém pudesse prevenir e nem prever. Nesse caso, há apenas 25 anos, caminhões de lixo transitavam por aquela área, despejando o que se transformou logo depois, e há tão pouco tempo, num alicerce de mais 100 casas. São os pés de dezenas de brasileiros, hoje sepultos pelo próprio lixo, ante as lágrimas de dezenas de outros brasileiros, amigos e familiares emocionados, comovidos, indignados.

            Aliás, ante todos nós, que a tudo assistimos pela janela que a televisão abre em nossas casas. E que nos traz mais um capítulo dessa novela da vida real. Uma cenários com vilões e heróis. Vilões, como os que nada fizeram para preservar tantas vidas. Heróis, como os tantos voluntários e os bombeiros que tudo fazem para salvar outras vidas. 

            Ou para entregar às famílias os corpos, a fim de que se promova pelo menos a dignidade do sepulcro. Uma novela impossível de ter final feliz. Uma novela que, mais uma vez, se continuar restrita à emoção, à comoção e à indignação, mas sem ação, mesmo que não queiramos, há que se ver de novo logo ali na esquina da história. E, convenhamos, uma novela que não vale a pena ver de novo, mesmo que com outros personagens, mesmo com outros cenários, porque terá o mesmo triste enredo e doloroso fim.

            Mas quem financia essa repetitiva novela da vida real? Nas televisões, os mesmos patrocinadores que transformaram as outras tragédias individuais ou coletivas em outras novelas, para se ver e para se consumir de novo. As televisões estão obviamente no seu dever de informar e sabem que, quanto maior a audiência, maior o faturamento, que serão maiores as audiências e consequente faturamento, tanto mais emocionante e comovente for o capítulo.

            Entretanto, o que mais interessa aqui não é quem patrocina, mas quem é responsável e principalmente quem não financia. Não financiar significa negar recursos para evitar catástrofes, como a do Rio de Janeiro ou a de Santa Catarina ou a de Angra dos Reis ou a de qualquer outro lugar, mesmo que não mereça tamanho destaque da mídia, mas que a gente sabe que acontece todas as vezes.

            Conhecido quem não financia, embora tenha poderes e deveres além de recursos para tanto, fica mais fácil identificar quem são os principais e verdadeiros responsáveis por tamanha tragédia.

            Mais uma vez não é necessário ter profundos conhecimentos estatísticos para se traduzir os números. Recorro ao noticiário do Tribunal de Contas da União...

            O Sr. Arthur Virgíliio (PSDB - AM) - Senador Simon, quando puder, poderia me conceder um aparte?

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Já lhe darei.

            Que mostra o desequilíbrio na distribuição da verba de prevenção de desastre. De acordo com o relatório, a distribuição de valores não seguiria nenhuma tendência razoável, com base em critérios de risco histórico dos eventos. Entre 2004 e 2009, foram empenhados recursos para ações da Defesa Civil que somam R$993,7 milhões. Desse total, foram efetivamente usados em todos os Estados e Municípios R$357,8 milhões. Quer dizer, parte - apenas um terço - do que se empenhou.

            Mas essa ainda não é a questão principal. A tragédia de nossos dias aconteceu no Rio de Janeiro. Culpa-se a meteorologia: choveu demais! Mais do que se esperava. Pois bem, dos R$357,8 milhões, pouco mais de um terço do prometido, apenas R$2,3 milhões foram para os cariocas. Repito: dos R$357,8 milhões - pouco mais de um terço do que devia ser -, apenas R$2,3 milhões foram para os cariocas, ou seja, 0,6% da verba em seis anos. Quer dizer, em se falar de recursos, choveu muito menos do que o prometido.

            E onde “choveu” mais recursos? Longe de mim dizer que a Bahia não merece tanto dinheiro público, inclusive agora que o Estado também sofre um verdadeiro dilúvio. Mas, naqueles dias, dos R$357,8 milhões, nada menos do que 37% - R$133 milhões - foram para os baianos. Baianos conterrâneos do ex-Ministro de Integração Nacional, que deixou o cargo recentemente para se candidatar exatamente a Governador da Bahia.

            Quer dizer, parece que o serviço de previsão meteorológica do Ministro está também necessitando de mais recursos, ou o que se queria nesse caso era uma previsão política verdadeira, ou, quem sabe, terá sido mera coincidência.

            Dou o aparte a V. Exª Senador.

            O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - O pronunciamento de V. Exª é bastante denso, e essa é a sua marca. De fato, se lançarmos os olhos só para as colinas do curto prazo, nós vamos terminar mesmo culpando as chuvas, culpando os fenômenos da natureza, e essa é a fórmula mais fácil de políticos relapsos, governantes ineptos e agentes públicos corruptos se escafederem dos problemas que deveriam ter enfrentado. O fato é que trocaram mesmo, em diversos lugares do País - e, no Rio de Janeiro, isso ficou muito evidente -, barracos por votos, liberação para construção nas encostas por votos, autorização para construção em áreas de lixão por votos, inclusive pondo em risco a saúde pública visivelmente. Temos que fazer uma análise profunda e ver o quanto de populismo temos enraizado nas práticas brasileiras e como que, aos olhos e aos ouvidos de um governante que pretenda as vezes usar mão de ferro e dizer não... E o não é necessário, o não faz parte da administração pública. O não bem explicado para mim é muito melhor que essa coisa horrível que é o sim mentiroso, que é o sim que vai agravar o futuro. Mas o não precisa ser dito, ainda que contrarie, ainda que o governante perca pontos em pesquisa. Não gosto muito desse gênero de governante que quer ser a Xuxa da política, que quer ter 250% de aprovação popular e depois tem um lugar pequeno na história. Prefiro o governante que diz: “olha, encosta, não; área de lixão, não; quer votar no outro, vota no outro. O outro me ganha, me ganha. O outro assume e vai fazer o que vocês quiserem, se o outro for o irresponsável que vocês imaginam que ele seja, mas eu não faço.” Assim teríamos evitado tudo isso. É uma sequência de culpas, é uma sequência de governos desastrosos, uma sequência de governos populistas, que, no caso específico do Rio de Janeiro, para não citar os demais - V. Exª falou muito bem do desvio de recursos -, essa sequência de equívocos, de atitudes mal intencionadas levou a termos, ainda hoje, algumas dezenas de milhares de pessoas morando em situação de absoluto risco. E eu, que sou uma pessoa emotiva, quando tenho de chorar eu choro, eu me emociono e choro, eu não choraria tomando decisões, não. Quando fui Prefeito da cidade de Manaus, tomei decisões muito duras, muito antipáticas. A OMS dizia: “Vão morrer dez mil manauaras com cólera”. E eu disse para mim mesmo: não vai morrer nenhum! Agora, foi preciso retirar uma porção de feiras e ganhar a antipatia de uma porção de feirantes. Caía a arrecadação do Governo do Estado e a arrecadação da Prefeitura que eu dirigia, porque eu saía da hiperinflação de Sarney, caía na recessão de Collor. Era o pior dos mundos governar ali. E os comerciantes ou iam à falência, ou colocavam os camelôs nas ruas para venderem sem nota e a arrecadação caindo, e eu tendo a obrigação de investir, de governar para as maiorias, enfim. Eu não hesitei, eu retirei das ruas - e isso foi uma coisa muito traumática - todos os camelôs que estavam ocupando o centro da cidade. Contra eles? Nada! Contra o método que usavam para usá-los sem lhes dar assistência previdenciária, sem lhes dar direito à aposentadoria. Aquilo era revoltante e, sobretudo, eu tinha que proteger a arrecadação do meu Município. Depois, adversários demonizaram isso, tentando colocar em mim a pecha de inimigo dos pobres. Eu estou aqui, no Senado, estou na minha luta, mas tomei as atitudes todas. Resultado do cólera. Trabalhei junto com o Governador Mestrinho, que foi muito ativo. Devo reconhecer que o Ministro do Presidente Collor, Alceni Guerra, foi muito efetivo, foi mais de dez vezes a Manaus e ao Amazonas, durante o período do cólera. O cólera vinha descendo o rio Solimões. Eu fiz convênio em sentido inverso. Em vez de o Estado me dar dinheiro, eu dei dinheiro para o Estado enfrentar o cólera, porque eu queria retardar o cólera o máximo possível, queria que ele não chegasse me pegando de causa curta. Aí, treinamos os primeiros agente comunitários do Amazonas. Resultado: desmentimos a OMS. Não morreu ninguém, não morreu nenhum manauara! E eu não ganhei talvez os votos das 10 mil vidas que nós poupamos, mas, com certeza, perdi em algumas eleições os votos dos feirantes que eu tive de desalojar. Hoje, a grande maioria deles é muito bem reconciliada comigo. Prosperaram depois do que aconteceu, porque as feiras passaram a ser construídas com cuidados de higiene. Mas se eu fosse governar pensando na próxima eleição, eu não teria dado a minha cidade o meu coração. E faltou coração para as pessoas que fizeram com o Rio de Janeiro o que fizeram. Uma sequência de governantes populistas, de governantes de caráter fraco, de governantes de atitudes frágeis, de atitudes flébeis, que optaram sempre por pensar na próxima eleição, na reeleição não sei de quem, na eleição do seu sucessor, e não pensaram em enfrentar os problemas. Governar é, muitas vezes, optar entre o desastroso e o desagradável. Quando eu tive de optar entre o desastroso e o desagradável, fiquei sempre com o desagradável para evitar o desastroso.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço a V. Exª o importante aparte. Creio que tem profunda razão. O exemplo que V. Exª cita é mais um nos tantos quantos a gente conhece, em que não se faz política buscando o bem comum. E é tão simples! É tão singelo e é tão fácil! O problema é colocá-lo numa posição: tenho que fazer aquilo que é o bem da minha sociedade, tenho que aplicar o dinheiro que tenho naquilo que é necessário para o bem da minha sociedade. Lamentavelmente, isso não dá voto, Sr. Presidente. E alguns não têm a grandeza de fazer aquilo que não dá voto.

            O articulista do Correio Braziliense Alon Feuerwerker - peço desculpas se não citei o nome correto - dá uma pista. Diz ele:

Qual é o curso mais adequado para quem deseja seguir a carreira política? Administração Pública? Direito? Ciências Sociais com pós-graduação em ciência política? Economia? Jornalismo? Talvez Engenharia Civil?

Pensando bem, certo seria tascar “nenhuma das anteriores”. A formação mais útil para o político é [especializar-se em] artes cênicas ou artes dramáticas.

            Pois, então, nada mais completo: as televisões precisam de cenas, de preferência dramáticas, porque dão maiores índices de audiência. O político precisa representar, e bem, porque, representando bem, pode conseguir mais votos. O povo e a tragédia compõem o cenário mais que perfeito, porque dá emoção e comoção. Luz, câmera... Falta ação. Mas o que muita gente ainda não se deu conta é do tamanho da indignação e da sua importância para as necessárias mudanças de atores, neste momento, no drama da vida real.

            Tudo indica que não é a falta de recursos o grande empecilho para impedir tragédias como a do Rio de Janeiro. Quando dezenas de pessoas morrem, como em Niterói ou em Santa Catarina, não se fala em “risco sistêmico”. Ao primeiro sinal de quebra de um agente financeiro, por exemplo, a chuva é de dinheiro, de recursos disponíveis. A hora e a tempo. Nem se precisa de grandes catástrofes financeiras para que jorre dinheiro público, o mesmo que falta para barrar as enxurradas que levam casas, sonhos e vidas.

            Lá nos Estados Unidos, foram trilhões de dólares para evitar a crise financeira.

            O critério para alocação de recursos não tem sido o coletivo, mas o interesse individual ou de determinados grupos, critério que não tem passado pelo crivo dos tribunais de contas e, felizmente, nos últimos tempos, do Ministério Público e da Polícia Federal - que estão agindo como devem agir.

            Parece, entretanto, que o Congresso Nacional teima em manter critérios que, ao contrário do clamor popular, consolida e solidifica o individual ao invés do coletivo. Voz rouca das ruas. Ouvidos moucos no Congresso.

            O eleitor tem que saber em quem está votando. Preocupou-se muito em saber quem é o eleitor, através da mais sofisticada tecnologia do Planeta. Pouca ou nenhuma identificação de quem se propõe a ser eleito. Muito menos de quem é nomeado para decidir sobre recursos públicos e, mais do que isso, decidir sobre vidas humanas. Nem que ele tenha uma ficha suja, no conteúdo e na poeira das prateleiras do Judiciário ou escamoteado nas teias dos recursos judiciais protelatórios.

            Os tribunais eleitorais já conhecem, e muito bem, quem são eleitores. É preciso que os eleitores conheçam também muito bem quem são os candidatos a representá-los, que decidirão sobre suas vidas.

            Mais de 1,5 milhão de assinaturas parece não ser suficiente para que se coloque em votação, imediatamente, o projeto que proíbe a candidatura de quem tem compromisso com a Justiça.

            Nesse caso, portanto, do ponto de vista da população, completou-se a rima: emoção, comoção, indignação, ação. Ação que, parece, pelo menos até aqui, não emocionou nem comoveu nem indignou o Congresso Nacional, muito menos o levou à ação.

            Tudo indica que as promessas de colocar em pauta, imediatamente, o projeto que pode alterar para melhor a nossa representação política não passou de arte cênica; mais um capítulo de uma novela que se arrasta, certamente, por várias eleições atrás e talvez muitas à frente.

            Quantas outras catástrofes ainda acontecerão e se transformarão, apenas, em outros capítulos de novelas que se arrastarão até que se esgotem os níveis de audiência? Catástrofes mais do que anunciadas.

            A tragédia do Rio de Janeiro é o exemplo mais que real de que é o momento de uma ampla revisão de prioridades. É preciso saber que país queremos, de fato, e não na mera ficção. As casas, os sonhos e as vidas enterradas sob um lixão são o sinal mais evidente de que está na hora de discutirmos um novo enredo. Não só o que emociona, não só o que comove, não só o que alavanca a audiência, mas, principalmente, o que instiga a indignação e que provoca a ação. Só assim essas tragédias serão cenas que não veremos de novo, mas serão cenas que haverão de nos fazer modificar a realidade deste País.

            Obrigado, querido Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2010 - Página 15110