Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações a respeito da audiência pública da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, realizada na semana passada, com a presença do Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal. Críticas ao regime de cumprimento de penas no país.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. LEGISLAÇÃO PENAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações a respeito da audiência pública da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, realizada na semana passada, com a presença do Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal. Críticas ao regime de cumprimento de penas no país.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2010 - Página 15327
Assunto
Outros > JUDICIARIO. LEGISLAÇÃO PENAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO, MINISTRO, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), BALANÇO, GESTÃO, OPORTUNIDADE, PROXIMIDADE, CONCLUSÃO, MANDATO, RECONHECIMENTO, ORADOR, EMPENHO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, MAGISTRADO, INCENTIVO, PROGRESSO, JUSTIÇA, AUMENTO, INTEGRAÇÃO, JUDICIARIO, CONGRESSO NACIONAL, ESFORÇO, AMPLIAÇÃO, EFICIENCIA, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADOS, REDUÇÃO, ENCAMINHAMENTO, PROCESSO, TRIBUNAIS SUPERIORES.
  • CRITICA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CONCESSÃO, PROGRESSÃO, PENA, CRIME HEDIONDO, COMENTARIO, HOMICIDIO, ADOLESCENTE, MUNICIPIO, LUZIANIA (GO), ESTADO DE GOIAS (GO), AUTORIA, EX-DETENTO, RECONHECIMENTO, ESFORÇO, POLICIA CIVIL, SOLUÇÃO, CRIME, REGISTRO, DEFICIENCIA, ACOMPANHAMENTO, PSICOLOGO, CRIMINOSO, PREJUIZO, SEGURANÇA PUBLICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, o Ministro Gilmar Mendes participou de uma importante audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça desta Casa. Naquela ocasião, o ilustre magistrado promoveu uma espécie de prestação de contas de seu mandato de Presidente do Supremo Tribunal, que está por extinguir-se.

            Ao analisar, com frieza, a gestão que ele comandou e que está chegando ao fim, é preciso reconhecer uma riqueza de progressos. A prestação jurisdicional avançou significativamente, e os demônios que puseram em dúvida a força da lei e a autoridade da Suprema Corte foram exorcizados.

            Por seu turno, as importantes reformas introduzidas foram acompanhadas de mudanças também na legislação e, nesse sentido, é de se reconhecer uma saudável integração entre o Judiciário e o Congresso Nacional.

            Com efeito, houve uma redução de 40% nos processos enviados pelas outras instâncias à Suprema Corte. É um avanço que merece aplausos porque sinaliza que outras instâncias estão garantindo maior resolução.

            E todos sabemos que a morosidade do Judiciário tem sido fonte de injustiças e de muitas descrenças na instituição. No entanto, ainda existem ferrugens que precisam ser removidas: algumas nas decisões; outras, nas concepções. Estou falando de equívocos que afastam o Judiciário da compreensão do povo, da compreensão da sociedade.

            O instituto da progressão de pena, da progressão de regime, por exemplo, é um desses gargalos típicos. É difícil entrar na cabeça das pessoas que, depois de condenado pela prática de um crime hediondo, o criminoso vá cumprir parte de sua sentença em plena liberdade. A progressão de regime é isto: é dar liberdade a quem ainda tem dívidas com a Justiça.

            Onde vai parar o sentido da justiça quando a sociedade é compelida a conviver com facínoras que deixam os presídios para frequentar as ruas? Para que serve a pena se ela é decretada hoje para ser amputada amanhã?

            As críticas que faço, Sr. Presidente, não se destinam a condenados por crimes comuns. Entendo que a progressão de regime é uma importante ferramenta para a ressocialização, mas quem pratica crimes hediondos, quem age com requintes de crueldade exige cuidados mais rigorosos, exige tratamento diferenciado. Afinal, a perversidade é um dos fortes indicativos da periculosidade do indivíduo, e toda desconfiança com bandido perigoso é pouca!

            Portanto, não estou advogando a retomada de lei de talião; não estou defendendo o olho por olho, o dente por dente, mas a lei não pode ser branda com quem oferece perigo.

            Na semana passada, quando a Polícia de Goiás esclareceu os crimes contra os meninos de Luziânia, chocou não apenas aquele Estado, mas toda a população brasileira; não só pela covardia de ceifar a vida de menores indefesos, mas pela incapacidade do Estado de protegê-los.

            Fico imaginando, aqui desta tribuna, o sofrimento de cada mãe, de cada pai, de cada irmão dessas indefesas criaturas. E as noites indormidas, as lágrimas derramadas a cada dia de procura em vão!

            Episódio como esse não causa apenas a dor da perda. Na verdade, a perda é precedida pela tortura da incerteza, da aflição, do medo. Até a esperança se mistura a essas inquietações.

            É frustrante saber que esses crimes seriam plenamente evitáveis se o Estado tivesse negado o temerário favor que concedeu ao perigoso bandido. Bastava o delinquente ter sido obrigado a cumprir a sua pena para poupar tanta gente da terrível dor. Até mesmo a vida do delinquente teria sido poupada! Como todos sabemos nesta Casa, ele acabou morrendo enforcado na prisão.

            É lastimável, Sr. Presidente, que hoje comecem até a levantar dúvidas sobre o procedimento da Polícia de Goiás. É preciso, na verdade, reconhecer que o bandido foi embora tarde; e, mais do que isso, a polícia tem que receber de todos nós aplausos, porque conseguiu interromper um serial killer.

            Todos nós sabemos que, se seu caminho não tivesse sido interrompido, outras vítimas poderiam estar sofrendo as mesmas torturas.

            O marginal que assassinou esses seis adolescentes, depois de violentá-los, estava condenado a quatorze anos de prisão pelo mesmo crime, por pedofilia. Mesmo assim, ele ganhou as ruas mediante o cumprimento de apenas quatro anos, graças à progressão do regime que lhe fora concedida.

            A resposta que ouvimos para justificar a concessão desse benefício: está prevista na lei, e o réu cumpriu os requisitos exigidos para recebê-lo.

            Quem escreve a lei? Quem escreve a lei é o Congresso, somos nós. Daí a infinidade de críticas a Deputados e Senadores, que, para esses críticos, estariam falando muito e agindo pouco.

            No entanto, o Congresso tinha feito o seu dever de casa. Basta exercitar um pouquinho a memória para se lembrar.

            Em 1990, o Congresso aprovou a Lei nº 8.072, cujo texto excluiu o benefício da progressão para os condenados especificamente por crimes hediondos. Todavia, o Supremo Tribunal Federal derrubou o §1º do art. 2º dessa lei, cujo texto obrigava o condenado a cumprir integralmente a pena.

            Ao decidir assim, a Suprema Corte rendeu-se a um paradigma do direito sem se aperceber de que o mundo de hoje é muito diferente daquele que deu origem às liberalidades ainda hoje sustentadas largamente em todo o mundo jurídico, paradigmas que beneficiam uns poucos malfeitores em prejuízo de toda a população de bem. E isso precisa ser revisto.

            Diante dessa interpretação liberalizante, o Congresso volta à carga e aprova outra lei, que recebeu o nº 11.464, de 2007. Aprovou essa lei para se adaptar à exigência do Supremo Tribunal Federal, mas essa mudança não foi capaz de impedir a concessão dos benefícios da antiga lei aos condenados pela norma revogada pelo Supremo. Daí a razão por que uma horda desses delinquentes foi liberada mediante o cumprimento de apenas 1/6 da sentença.

            Por conseguinte, a explicação do magistrado que prolatou a sentença, bem como a manifestação do ilustre representante do Ministério Público, não são destituídas totalmente de fundamento. No entanto, a decisão poderia ser tomada com maior rigor, isso é inegável.

            Nos termos do art. 102, § 1º, da Lei de Execução Penal , o magistrado não poderia ignorar a periculosidade do sentenciado, afinal a condenação se dera por pedofilia, modalidade de forte potencial de reincidência - isso demonstrado por vários estudos publicados por especialistas de vários pontos do País e do Planeta. E para a nossa legislação, a pedofilia é, sobretudo, considerada um crime hediondo. Além disso, havia - isso foi também noticiado pela imprensa - um laudo no processo informando que o delinquente não oferecia condições que tranquilizassem os psicólogos quanto à ausência de periculosidade. E mesmo que não houvesse essa opinião contrária, o magistrado poderia ter solicitado outros exames psicológicos, já que o condenado respondia por crime de tamanha gravidade.

            A propósito, no final do ano passado, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou o restabelecimento do exame criminológico como condição obrigatória para a progressão de regime. Vejam que isso já existia na nossa legislação, mas foi mudado alguns anos atrás, abrindo-se mão dessa exigência do exame criminológico, que foi suprido por uma simples declaração do diretor do presídio.

            É uma exigência que passará a valer tão somente para crimes hediondos ou mediante violência ou grave ameaça.

            No crime dos meninos de Luziânia, outro fato que me chamou a atenção foi a deficiência na busca de informações.

            Noticiou-se que o meliante havia cometido outro crime ou outros crimes e que estava sendo procurado pelas autoridades do Estado da Bahia. Em momento de tantos avanços como estes que estamos vivendo, com sistemas de informações e de processamento de dados tão avançados, não é crível o fracasso de buscas sobre o réu.

            Se tivesse havido uma pesquisa criteriosa, não tenho dúvida de que os antecedentes do criminoso teriam sido descobertos.

            O uso de duas identidades teria causado dificuldades para a localização do réu segundo alguns informes publicados pela imprensa do nosso País. Na primeira grafia: Adimar Jesus da Silva; na segunda, Ademar de Jesus Silva.

            Ora, onde está a dificuldade? Pelo menos dois nomes dariam um belo cruzamento. A maioria dos sistemas de busca reconhece a pesquisa a partir de termos exatos e de termos aproximados também. Nomes semelhantes certamente apareceriam se essa última opção fosse manejada por quem teria que tomar a decisão.

            O fato é que a interligação dos bancos de dados dos tribunais estaduais ainda não atingiu o estágio desejável, e essa é uma dívida que a Justiça brasileira tem com a sociedade.

            O Infopen - Sistema Integrado de Informação Penitenciária, software gerido pelo Ministério da Justiça, foi criado com essa específica finalidade. Logo, seria importante averiguar se esse sistema de dados tem apresentado falhas na identificação de homônimos ou de pessoas com nome semelhantes.

            De qualquer modo, prefiro as explicações do ilustre Ministro Gilmar Mendes. Para ele, teria faltado estrutura de acompanhamento psicológico vez que se julgava, naquele momento, um autor de crimes sexuais; portanto, elemento de alta periculosidade. Julgava-se, naquele momento, crime de pedofilia, que é considerado crime hediondo por força da nossa legislação.

            Concordo com a solução que o Ministro apontou: em tais casos é preciso um monitoramento eletrônico do réu.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS) - Já estou concluindo, Sr. Presidente. Mais dois minutos e eu concluo.

            Essa é a nova orientação do CNJ, do Conselho Nacional de Justiça, para que se saiba onde se encontram os condenados, aqueles que estão em regime semiaberto, aqueles que estão desfrutando de liberdade vigiada.

            Vale lembrar que, em junho de 2007, o Senado Federal aprovou um excelente projeto que disciplina o monitoramento eletrônico. O objetivo foi exatamente o de auxiliar a execução penal, de auxiliar sobretudo identificando os passos daqueles que estão sob os olhos da Justiça, daqueles que muitos acreditam vivem processo de ressocialização.

            O PLS nº 165, de 2007, que foi aprovado na CCJ, de autoria do Senador Aloizio Mercadante, recebeu inúmeros questionamentos pela imprensa e até por magistrados, que ainda se mantêm apegados a esses paradigmas, especialmente focando a questão dos direitos humanos.

            O novo Código de Processo Penal, que estamos na iminência de aprovar nesta Casa, que foi exaustivamente discutido na Comissão Especial, da qual tive oportunidade de fazer parte, depois discutido na CCJ e que, agora, será deliberado pelo plenário desta Casa, também trata do tema.

            Por outro lado, é preciso admitir que o regime de cumprimento da pena está ultrapassado. E é esse regime que está transformando a pena em verdadeira ficção, em obra de ficção.

            Que sirva o esclarecimento do crime de Luziânia como um ponto a mais de partida para se discutir a questão do regime semiaberto, a questão da liberdade condicional, um maior rigor na execução da pena, isso porque não podemos deixar de ouvir a voz das ruas e levar em conta a percepção da sociedade brasileira que já deixou claro, por meio de pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado, que o que mais estimula o crime é a impunidade.

            Então, a nossa fala hoje, Senador Paulo Duque, é no sentido de concitarmos a todos para acabarmos com a impunidade no Brasil.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2010 - Página 15327