Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-deputado federal e ex-prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas, Albérico Cordeiro, vítima de desastre numa rodovia.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-deputado federal e ex-prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas, Albérico Cordeiro, vítima de desastre numa rodovia.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/2010 - Página 16522
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORNALISTA, EX-DEPUTADO, EX PREFEITO, MUNICIPIO, PALMEIRA DOS INDIOS (AL), ESTADO DE ALAGOAS (AL).
  • HOMENAGEM, GRACILIANO RAMOS, ESCRITOR, EX PREFEITO, MUNICIPIO, PALMEIRA DOS INDIOS (AL), ESTADO DE ALAGOAS (AL), REGISTRO, BIOGRAFIA, LEITURA, TRECHO, RELATORIO, DOCUMENTO HISTORICO, PREFEITURA, PRESTAÇÃO DE CONTAS, GOVERNADOR, COMPROVAÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, SUGESTÃO, MODELO, CLASSE POLITICA.
  • HOMENAGEM, TEOTONIO VILELA (AL), GOVERNADOR, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ELOGIO, GESTÃO, ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL.

            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Encaminho à Mesa voto de pesar, visando à homenagem que julgo justa e devida a um cidadão simples, nascido em Alagoas, que depois optou por Brasília, onde exerceu o jornalismo por longos anos, primeiro, no Correio Braziliense, depois, no Jornal de Brasília. Eu me refiro a Albérico Cordeiro, que morreu na última sexta-feira, vítima de desastre numa rodovia do seu Estado. Todos lamentamos a morte desse ex-Deputado Federal em mais de um mandato, em bem mais do que um mandato.

            Na Câmara, muitos de nós o conhecemos. Agora, neste preito de homenagem e de reverência à sua alma, a evocação é a de um político que, depois de exercer seu mandatos populares no cenário Federal, resolveu voltar às origens, para disputar, no âmbito municipal, a Prefeitura de um pequeno, mas de reconhecida notoriedade no País: Palmeira dos Índios. Cordeiro elegeu-se Prefeito da cidade, sendo, ao cabo do mandato, a ele reconduzido em reeleição.

            Não bastassem seus méritos e seu forte apreço à política, Cordeiro seria merecedor da homenagem aqui proposta pela trajetória na qual demonstrou o imenso aconchego às Alagoas, sua terra natal. Ele nasceu em Pilar, pequeno Município da Grande Maceió.

         A cidade tornou-se conhecida porque ali houve, em abril de 1878, a última execução no Brasil. Amanhã, dia 28, completa 134 anos a execução na forca de um escravo de nome Francisco. O enforcamento foi autorizado pelo Imperador Dom Pedro II.

            Nome largamente conhecido e admirado em Alagoas, Albérico Cordeiro seguiu as sugestões de amigos e inimigos, candidatando-se à Prefeitura de uma outra pequena cidade, admirada, unanimemente, em todo o Brasil.

            Um motivo maior talvez explique o significado dessa veneração pela cidade: dela, como Cordeiro, também foi Prefeito o internacionalmente conhecido escritor Graciliano Ramos.

            Antes de se tornar o grande escritor que todos sabemos que foi, Graciliano foi comerciante em Palmeira dos Índios, para, em outubro de 1926, tornar-se seu Prefeito pelo voto, o mesmo voto com que seus moradores honraram Albérico Cordeiro, em suas eleições.

            Graciliano foi o terceiro Prefeito eleito em Palmeira dos Índios. Ele nasceu numa das cidades da microrregião de Palmeira, de nome extremamente simpático, até pela original semântica: Quebrangulo, com pronúncia tônica na sílaba “gu”.

            Graciliano, um dos 15 filhos de uma família de classe média do sertão nordestino, passou parte da infância em Buíque (PE) e outra em Viçosa, Alagoas. Fez estudos secundários em Maceió, mas não cursou faculdade. Em 1910, sua família se estabelece em Palmeira dos Índios, Alagoas.

            Em 1914, após breve estada no Rio de Janeiro, trabalhando como revisor, retorna à cidade natal, depois da morte de três irmãos, vitimados pela peste bubônica. Passa a fazer jornalismo e política em Palmeira dos Índios, chegando a ser Prefeito da cidade, de 1928 a 1930.

            Em 1925, começa a escrever seu primeiro romance, Caetés, que viria a ser publicado em 1933. Muda-se para Maceió em 1930 e dirige a Imprensa e Instrução do Estado. Logo viriam São Bernardo, em 1934; Angústia, em 1936, ano em que foi preso pelo regime Vargas, ditatorial, sob a acusação de subversão. Memórias do Cárcere (1953) é um contundente relato de sua experiência na prisão. Após ser solto em 1937, Graciliano transfere-se para o Rio de Janeiro, onde continua a publica não só romances, mas contos e livros infantis. Vidas Secas, obra-prima, é de 1938.

            Em 1945, ingressa no Partido Comunista Brasileiro. Sua viagem para a Rússia e outros países do bloco socialista é relatada em Viagem, livro publicado em 1953, ano de sua morte.

            Ao homenagear nosso ex-colega na Câmara dos Deputados, nossa homenagem estende-se também ao grande escritor. Cordeiro conduziu a mesma Palmeira dos Índios, que marcou, para Graciliano, uma fase capaz de comprovar que a luta política pode, sim, e deve ser exercida com todo o rigor, sem jamais distanciar-se da lei.

            Em cumprimento à lei, Graciliano não se importava se agradava ou não. Importava-lhe que seus atos se baseassem no estrito cumprimento das normas legais. Ele queria fazer uma administração que merecesse aplauso dos homens de bem.

            No início da administração de Prefeito, Graciliano desentendeu-se com seu Vice, que assim se viu compelido a renunciar, o Sr. José Alcides de Morais. Aparentemente, Graciliano Ramos era duro, intransigente e até “desumano”. Entretanto, não o era. Não admitia interferência de terceiros que tivessem o intuito de travar o bom andamento dos serviços por ele iniciados.

            No ano de 1929, vários fatos importantes aconteceram em Palmeira dos Índios. Foi inaugurada a primeira escola de datilografia, de propriedade da professora Camila de Lelis Calheiros Paes. À época, foram construídas três novas escolas no Município.

            Exemplo de austeridade, Graciliano redigiu os famosos relatórios que encaminhava ao Governador do Estado. Já houve quem indagasse se os relatórios de Graciliano não serviriam, ainda hoje, de leitura obrigatória aos nossos governantes.

            Nos relatórios de Graciliano, Prefeito de Palmeira dos Índios (AL), no final da década de 20, o escritor dava lições de austeridade e de transparência nos gastos, muito antes de restrições como as da contemporânea Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo primeiro decênio vamos comemorar neste Plenário, na próxima semana.

            É de um desses relatórios o trecho que passo a ler:

Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam poucos. Saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas.

            Os relatórios foram redigidos já no final da gestão de Graciliano, no final da década dos anos 20 do século passado.

            O conjunto dos relatórios de Graciliano destaca a transparência nos gastos públicos - e nos gestos públicos também. À época, não existia Tribunal de Contas, mas Graciliano fazia questão de prestar contas, dirigindo-se ao Governador do Estado.

            Srªs e Srs. Senadores, encerro a justificativa do voto de pesar pelo falecimento do ex-Deputado Federal e ex-Prefeito de Palmeira dos Índios, com a leitura de um dos relatórios de Graciliano Ramos.

            Dizia Graciliano:

Ao Governo do Estado de Alagoas.

Exmº Sr. Governador:

Trago a V. Exª um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeira dos Índios em 1928.

Não foram muitos, que os nossos recursos são exíguos. Assim, minguados, entretanto, quase insensíveis ao observador afastado, que desconheça as condições em que o Município se achava, muito me custaram.

COMEÇOS

O principal, o que sem demora iniciei, o de que dependiam todos os outros, segundo creio, foi estabelecer alguma ordem na Administração.

Havia em Palmeira inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejavam administrar. Cada pedaço do Município tinha um administrador particular, com Prefeitos Coronéis e Prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam.

Para que semelhante anomalia desaparecesse lutei com tenacidade e encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela - dentro, uma resistência mole, suave, de algodão em rama; fora, uma campanha sorna, oblíqua, carregada de bílis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos de Nosso Senhor, que administrava melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro.

Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restaram poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem ou não são necessários, cumprem com suas obrigações e, sobretudo, não se enganam nas contas. Devo muito a eles.

Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse ser pior.

RECEITA E DESPESA

A receita, orçada em 50:000$000 [a moeda da época, réis, talvez] subiu, apesar de o ano ter sido péssimo, a 71:649$290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos: porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.

(...)

ILUMINAÇÃO

A iluminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha; é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.

(...)

CEMITÉRIO

No cemitério enterrei 189$000 - pagamento ao coveiro e conservação.

ADMINISTRAÇÃO

A administração municipal absorveu 11:457$497 - vencimentos do Prefeito, de dois secretários (um efetivo, outro aposentado), de dois fiscais, de um servente; impressão de recibos, publicações, assinatura de jornais, livros, objetos necessários à secretaria, telegramas.

Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos, forçados pelos inspetores, que a prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi deita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governador do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha - um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua - um telegrama; porque o Deputado F. esticou a canela - um telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós choramos e que em 1559 D. Pedro Sardinha foi comido pelos Caetés.

ARRECADAÇÃO

As despesas com a cobrança dos impostos montaram a 5:602$244. Foram altas porque os devedores são cabeçudos. Eu disse ao Conselho, em relatório, que aqui os contribuintes pagam ao Município se querem, quando querem e como querem. Chamei um advogado e tenho seis agentes encarregados de arrecadação, muito penosa. (...)

LIMPEZA PÚBLICA

(...)

Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram. (...)

Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas praças.

(...)

TERRAPLENO DA LAGOA

O espaço que separa a cidade do bairro de Lagoa era uma coelheira imensa, um vasto acampamento de tatus, qualquer coisa deste gênero.

(...)

Durante meses mataram-me o bicho de ouvido com reclamações de toda ordem contra o abandono em que deixava a melhor estrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros - outras reclamações surgiram, porque as obras irão custar um horror aos de contos de réis, dizem.

Custarão alguns, provavelmente. Não tanto quanto as pirâmides do Egito, contudo. O que a Prefeitura arrecada basta para que não nos resignemos às modestas tarefas de varrer as ruas e matar cachorros.

Até agora as despesas com o serviço da lagoa sobem a 14:418$627.

Convenho em que o dinheiro do povo poderia ser mais útil se estivesse nas mãos, ou nos bolsos, de outro menos incompetente que eu; em todo caso, transformando-o em pedra, cal, cimento, etc., sempre procedo melhor que se distribui-se com os meus parentes, que necessitam, coitados.

DINHEIRO EXISTENTE

Deduzindo-se da receita a despesa e acrescentando-se 105$865 [contos de réis] que a administração passada me deixou, verifica-se um saldo de 11:044$ 947.

40$897 estão em caixa e 11:044$050 depositados no Banco Popular e Agrícola de Palmeira. O Conselho autorizou-me a fazer o depósito.

Devo dizer que não pertenço ao banco nem tenho lá interesse de nenhuma espécie.

A prefeitura ganhou: livrou-se de um tesoureiro, que apenas servia para assinar as folhas e embolsar o ordenado, pois no interior os tesoureiros não fazem outra coisa, e teve 615$050 de juros. (...)

LEIS MUNICIPAIS

Em janeiro do ano passado não achei no Município nada que se parecesse com lei, fora as que havia na tradição oral, anacrônicas, do tempo das candeias de azeite.

Constava a existência de um código municipal, coisa inatingível e obscura. Procurei, rebusquei, esquadrinhei, estive quase a recorrer ao espiritismo., convenci-me de que o código era uma espécie de lobisomem.

Afinal, em fevereiro, o secretário descobriu-o entre papéis do Império (...). Encontrei no folheto algumas leis, aliás, muito bem redigidas, e muito sebo. Com elas e com outras que nos dá a Divina Providência consegui aguentar-me, até que o Conselho, em agosto, votou o código atual.

CONCLUSÃO

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.

Evitei emaranhar-me em teias de aranha.

Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem os impostos.

Não me entendi com esses.

Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem com assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal, há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.

Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.

Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.

Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.

Não me fizeram falta.

Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.

Graciliano Ramos.

            Sr. Presidente, com esse texto de Graciliano Ramos, eu encaminho à Mesa a homenagem ao falecido ex-Deputado e Prefeito de Palmeira dos Índios, Albérico Cordeiro. E faço uma homenagem ao meu prezado colega, nosso colega e companheiro meu de partido, o Governador Teotônio Vilela, que vai fazendo uma administração com esse mesmo sentido, do cuidado com a coisa pública, do cuidado com os gastos.

            E aí eu faço uma tríplice homenagem: ao Governador que está sentido, que me pede para homenagear Albérico Cordeiro; a Alagoas que está em pranto; e lembrando do imortal escritor de tantas obras-primas que nos fazem credores da admiração internacional quando essas obras de Graciliano são traduzidas para qualquer língua deste Planeta.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Encaminho à Mesa, portanto.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/2010 - Página 16522