Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem ao ex-Senador Rui Soares Palmeira. Registro da morte do motoboy Eduardo Luiz Pinheiro dos Santos, em São Paulo, após tortura por agentes da área de segurança pública, relembrando episódios da época da ditadura militar no Brasil. Referência à tramitação do projeto de iniciativa popular, denominado "ficha-limpa", em apreciação na Câmara dos Deputados e que deverá ser analisado pelo Senado.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA PENITENCIARIA. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Homenagem ao ex-Senador Rui Soares Palmeira. Registro da morte do motoboy Eduardo Luiz Pinheiro dos Santos, em São Paulo, após tortura por agentes da área de segurança pública, relembrando episódios da época da ditadura militar no Brasil. Referência à tramitação do projeto de iniciativa popular, denominado "ficha-limpa", em apreciação na Câmara dos Deputados e que deverá ser analisado pelo Senado.
Aparteantes
João Tenório.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2010 - Página 18782
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA PENITENCIARIA. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, GUILHERME PALMEIRA, EX-CONGRESSISTA, FILHO, RUI PALMEIRA, EX SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, COMENTARIO, HISTORIA, RECUSA, COMPOSIÇÃO, CHAPA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), DISPUTA, ELEIÇÕES, PRESIDENTE DA REPUBLICA, QUALIDADE, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • REPUDIO, MORTE, CIDADÃO, LOCAL, DELEGACIA DE POLICIA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), VITIMA, TORTURA, POLICIAL, COMPARAÇÃO, PERIODO, REGIME MILITAR, CRITICA, TRATAMENTO, POLICIA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, ESPECIFICAÇÃO, NEGRO, LEITURA, CARTA, AUTORIA, COMANDANTE, POLICIA MILITAR, MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, MÃE, COMPROMISSO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, QUESTIONAMENTO, ORADOR, DECLARAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, APREENSÃO, EXPLORAÇÃO, NATUREZA POLITICA, NOTICIARIO, FATO, PREJUIZO, CAMPANHA ELEITORAL.
  • LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, REPRESENTANTE, ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL, MAGISTRADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUMENTO, NUMERO, DETENTO, ATENDIMENTO, DEMANDA, POPULAÇÃO.
  • REPUDIO, SITUAÇÃO, PRESIDIO, BRASIL, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES SANITARIAS, SUPERIORIDADE, NUMERO, DETENTO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, POLITICA, SEGURANÇA PUBLICA, CONSCIENTIZAÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, DESEMPREGO, COBRANÇA, JUSTIÇA, COMBATE, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, ELOGIO, APRECIAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO, INICIATIVA, AÇÃO POPULAR, LEGISLAÇÃO, INELEGIBILIDADE, REU, EXPECTATIVA, ENTENDIMENTO, LIDERANÇA, CONGRESSISTA, COMPROMISSO, AUSENCIA, APRESENTAÇÃO, EMENDA, SENADO, AGILIZAÇÃO, TRAMITAÇÃO, GARANTIA, VALIDADE, ELEIÇÕES.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, quanto cheguei já havia terminado a sessão em homenagem ao companheiro Palmeira. E eu lamento muito. Fui e sou seu grande amigo. Tive a honra de conviver com S. Exª aqui no Senado. Votei em S. Exª para ir ao Tribunal de Contas, embora, na época, dissesse que não achava certo; achava que ele devia continuar no Senado, ficar no Senado. Admiro muito S. Exª, sua família, seus irmãos. Gosto muito de ver a diferença entre ele e o outro irmão, mais avançado, mais para o outro lado.

            Lembro muito a amizade do Palmeira com o Teotônio. Como o Teotônio gostava do Palmeira! “Esse é um homem bom”, ele dizia. Ele tinha um carinho muito especial, e a recíproca era verdadeira. Nós acompanhamos a vida, a luta do Palmeira e a luta do Teotônio nesse sentido.

            Eu acompanhei um fato interessante. O Palmeira foi escolhido pelo Fernando Henrique Cardoso para ser seu candidato a Vice-Presidente. E era o seu candidato a Vice-Presidente. De repente, naquela confusão de coisa pra lá e pra cá, aparece uma nota dizendo que o seu chefe de gabinete teria recebido um cheque. Foi a época do mensalão? Não lembro, não. Não lembro o que era. Coisa que não tinha... Nada ficou provado. Não havia nada, absolutamente, que ver. Mas é claro que a Oposição ia aproveitar aquilo para criticar a chapa composta pelo Palmeira e pelo Fernando Henrique.

            Eu fui um dos que falei com o Palmeira. Todos nós falamos com ele que não havia problema nenhum, mas ele não quis ouvir ninguém. Mandou um ofício ao Tribunal, retirando a sua candidatura. “Não, eu tenho que ajudar, eu tenho que colaborar. Se, antes de eu ser candidato, já estão falando...!” Mas não estão falando nada de ti, rapaz! Estão falando de um cara que não tem nada que ver contigo, teu chefe de gabinete, sei lá o quê. “Não, não, mas estão falando!” E não foi Vice-Presidente porque não quis.

            Esse é o Palmeira, de quem eu sinto saudade aqui e não quer dizer nada, mas a sua terra também deve sentir. Era melhor aqui quando V. Exª estava. V. Exª fez falta, posso lhe garantir. O meu carinho - também, às dez e meia, a sessão já tinha terminado - e o meu abraço muito fraterno.

            Sr. Presidente e Srs. Senadores, o motobói Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, de trinta anos, foi morto nas dependências de uma delegacia de polícia na cidade de São Paulo. Foi torturado, mesmo que contra ele não houvesse qualquer prova de envolvimento em qualquer tipo de crime. Mesmo também que ele não tivesse qualquer outro fato que o desabonasse, nem o que os próprios policiais chamam de antecedentes. Não tinha nada contra ele, e foi torturado, nas dependências de uma delegacia de polícia em São Paulo.

            O caso do motobói Eduardo parece estar merecendo, depois da barbárie de acontecimentos, um encaminhamento especial. Foram expedidos mandados de prisão contra os doze acusados de participar daquela sessão macabra de tortura e assassinato por parte dos que devem defender a lei.

            Mais uma vez, esse caso despertou muita atenção das entidades e instituições públicas e por parte de toda a população porque as lentes da mídia passaram a enfrentá-la. Não fosse a TV Globo, certamente, o Eduardo seria mais um protagonista de uma história fictícia, com ares de benevolência, arquitetada nos boletins de ocorrência para curetar feridas provocadas, quem sabe, por uma briga de rua, com a qual a polícia não tinha nada a ver.

            Talvez não fosse necessário falar tanto aqui do motobói Eduardo, porque a TV Globo já cuidou desse caso. E que ele continue até o último capítulo dessa nova, mas repetitiva, novela da vida real, que é a condenação e o efetivo cumprimento da pena para os autores de tamanha barbárie.

            Mas eu decidi trazer essa história à tribuna do Senado muito mais para refletir outros fatos que estão acontecendo e que passam ao largo das câmaras e dos holofotes.

            O caso do motobói Eduardo é emblemático para que possamos pensar e agir sobre tantos outros, de nomes Pedro, José, Antônio, Maria ou Juliana, que passam, inclusive, longe das lentes de nossa retina.

            O motobói Eduardo era da periferia. Não só da periferia de um grande centro urbano, para onde vão, e onde morrem, tantos sonhos de tanta gente neste País. Ele era da periferia da nossa consciência, do lado de lá do muro que estabelecemos entre nós, que nos denominamos de “incluídos”, e os demais, que o mercado já teve a petulância de chamar de “lado escuro do mundo”. Não consomem. Não são nada, porque não têm nada.

            O meu pronunciamento, ao refletir o caso do motobói de São Paulo, tenta ser uma lente em direção a tantos outros Eduardos, em todos os cantos deste imenso País dividido pelo mesmo muro da vergonha a que venho me referindo, e em todas as masmorras da vida. Ou da morte.

            O caso de Eduardo Luís Pinheiro dos Santos foi confirmado pelo Secretário de Estado da Segurança Política de São Paulo, Antonio Ferreira Pinto. Isso quer dizer que o Estado brasileiro confirma que um cidadão sem culpa confirmada, sem suspeita de que tivesse praticado qualquer delito estava sob a proteção do Estado e foi morto e torturado pelos agentes do próprio Estado. Ou seja, agentes encarregados e pagos para assegurar a nossa integridade torturaram e mataram um cidadão algemado e indefeso.

            Dizem testemunhas que o Eduardo, negro - e como há negro nas nossas penitenciárias, torturados, e nas nossas favelas! -, clamava pela mãe, por Deus e pela vida, enquanto recebia pancadas de cassetete em todo o corpo já marcado pela vida pobre de uma periferia de nossa maior cidade.

            Uma testemunha disse também que, durante o espancamento, um dos PMs voltou dos fundos do quartel com um cassetete torto na mão, dizendo, então, sarcástico: “Chefe, quebrou seu cassetete”. Portanto, nesse caso, pelo menos o “chefe” não pode alegar ignorância. O chefe sabia. O cassetete era dele.

            O Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo escreveu carta, de próprio punho, à mãe do motobói Eduardo, Dona Elza. Pediu-lhe desculpas: “A senhora me desculpe”. Inicia o seu “lamento”, dizendo que se dirige a ela como comandante. Ou, portanto, como agente de Estado... Não! Ao contrário. Ele disse a ela que não se dirigia a ela como comandante, mas como “Álvaro Camilo”, “cidadão e pai”.

            Como cidadão e pai, o comandante escreveu à mãe do torturado. Invocou o nome e o ensinamento de Jesus Cristo, filho de Deus. O mesmo Deus a quem também suplicou o motobói Eduardo para, quem sabe, se pecado houver, ele seja redimido - ele, o comandante, porque o motobói, tudo indica, nada tinha do que se redimir ou se penitenciar; era inocente. Deus o tem, eu tenho fé.

            Diz o comandante: “É evidente que nada apaga a dor da ausência e nenhuma palavra trará seu filho de volta, porém é necessário que firmemos a convicção da fé em Deus e que busquemos a Justiça de toda forma”, continuou o comandante.

            O Sr. Comandante da Polícia Militar do Estado de São Paulo comete um deslize - involuntariamente, eu espero -, logo depois de jurar a sua profissão de fé, diz: “há de se buscar justiça de toda forma”.

            Não, Senhor Comandante, pois foi exatamente isso que fizeram os seus comandados: buscar a justiça “de toda forma”. A justiça, Senhor Comandante, se busca apenas, apenas e tão-somente, na forma da lei. Aliás, a justiça tem servido preferencialmente aos mais abastados. Para os pobres, principalmente os negros da periferia, como o motobói Eduardo, não é a justiça, é a polícia e a pancada.

            O rico conhece a justiça, quase sempre complacente, e paga por meio dos melhores advogados a sua soltura; o pobre conhece apenas a polícia. Para o rico, a justiça do mão no bolso; para o pobre, a polícia dos mãos e da pancada na cabeça.

            O Sr. Álvaro Batista Camilo, na segunda página, veste novamente a farda de comandante para afiançar “que a Corregedoria da Polícia Militar trabalhará permanentemente para descobrir e punir severamente os autores desse inescrupuloso crime, a fim de que outras famílias não passem o que a sua está passando”.

            A “sua”, nas palavras do Comandante Álvaro, é a da D. Elza, mas que poderia ser a sua, a minha, ou a de qualquer outro cidadão desde que se enquadre nos discutíveis critérios da suspeição.

            O Comandante fala de uma verdade inquestionável: “A Polícia Militar não se resume a esses malfeitores. O Eduardo foi desprezado pela consciência desumana e irracional de seres que talvez não sejam classificados como humanos”, ele acrescenta.

            Disso ninguém duvida. A Polícia Militar do Estado de São Paulo é digna dos maiores louvores pela bravura e pelo espírito público. Eu não sei o que realmente moveu o chefe maior da Polícia Militar de São Paulo e rogo a Deus, o mesmo Deus dele e do motobói Eduardo, para que seja a do mesmo Álvaro Batista Camilo, “cidadão e pai”, o que, aliás, deveria ser inseparável, não em uma página única, e outro noutra; não em um papel, ou noutro.

            Mas eu me preocupo quando vejo nos jornais o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, o mesmo que confirmou a tortura, dizer que o fato “irritou o Governador, Governador que teme a exploração eleitoral do episódio. Quer dizer: se o caso do motobói Eduardo passasse ao largo das lentes, dos olhos da imprensa, não o teria decepcionado, porque não haveria então temor da exploração eleitoral?

            O que é mais importante nesse caso, nesse e tantos outros casos semelhantes: o temor ou o horror? O horror do que aconteceu, ou o temor do prejuízo político-eleitoral com a publicação da notícia?

            Quantos serão os “Eduardos” anônimos cujas mães não receberão nem mesmo uma cartinha do “cidadão e pai” Álvaro Camilo?

            A população carcerária do Brasil dobrou em nove anos. Se as prisões já estão abarrotadas antes, sujas e malcheirosas, imaginem agora! Não há gravação de cena em qualquer cela neste País onde os presos não façam com os dedos sinal de lotado. Quem sabe, lotado e sem mais espaço, para quem conhece a justiça.

            Para quem só tem a polícia, sempre cabe mais um. Não se respeita nem mesmo a lei, nem mesmo a Lei da física; muitos corpos em pouco espaço. O número de presos é o reflexo de a quanto anda a nossa sociedade.

            A cadeia é uma espécie de hospital para onde se encaminham os doentes das nossas relações sociais. Então, pelo que se observa, pelos números, a nossa querida sociedade está comprovadamente muito doente. Eu diria que, em muitos casos, está em coma irreversível. Cenas impregnadas de infecção hospitalar, pior, hospitais-escola do crime.

            Mas não vou discutir aqui a falência múltipla de nosso sistema carcerário, com honrosas exceções, é verdade que se deve dizer. Não que o tema perca em necessidade. Ao contrário. Há cadeias que se denominam até pelos mesmos agentes de segurança como depósitos de presos. O que ressalto hoje é a situação dos presos potencialmente parecidos com o caso do motobói Eduardo, que pode estar morrendo pelas mãos e através dos cassetetes dos “malfeitores”, seres que talvez não sejam humanos, repetindo o comandante. Mas estão dentro das cadeias. Não imagino que o grito dolorido dos torturados não tenha alcançado os ouvidos dos demais agentes, os que são considerados por exclusão benfeitores ou que são seres humanos, na sua verdadeira concepção.

            Ora, os outros presos ouviram os gritos, os lamentos e as preces de Eduardo. Quem estava então cuidando dessas “testemunhas oculares e auriculares? “Coincidente também seres não-humanos? Malfeitores? Nada viram? Nada ouviram?

            Diz o noticiário: “a população carcerária do País dobrou nos últimos nove anos. O aumento foi impulsionado pelo crescimento do número de presos provisórios que aguardam julgamento. Esses provisórios já são quase a metade dos 473 mil detentos brasileiros.

            O Vice-Presidente do Conselho Penitenciário de São Paulo, Matheus Cury, diz que “tem gente cumprindo pena antecipadamente”. Pena de morte, eu digo, em alguns casos.

            A Defensora Pública, Drª Daniela de Albuquerque, que analisa diariamente vinte casos de prisão em flagrante diz: “a prisão provisória deveria ser exceção e não regra”.

            O que se dizer, então, de casos como o das investigações, em Brasília, à busca dos assassinos de um dos juristas mais famosos do Brasil, sua mulher e sua empregada? A Polícia Civil do Distrito Federal tinha de dar uma resposta à população, que já colocava em cheque a competência de seus investigadores. A casa transformada em cenário para os crimes houvera sido aberta, sem arrombamentos. De repente, um chaveiro, uma chave, um suspeito, uma prisão, tortura, confissão, falta de provas, soltura.

            Era evidente o paradoxo: Uma prova tão contundente e uma confissão não combinam com falta de provas e soltura! Descobriu-se, depois, que a chave encontrada com o “suspeito” é a mesma apreendida pela perícia, já na primeira vez que tomaram conhecimento da cena do crime.

            A suspeição, então, mudou de lado. A delegada entrou em férias. O alegado suspeito continua desempregado.

            Os casos do motobói em São Paulo e do desempregado de Brasília, ou tantos outros anônimos, fora das lentes da TV, são exemplos mais que concretos de que a suspeição, Deus sabe a que critério, faz do policial um agente de segurança, o promotor público, o corpo de jurados, o juiz. Em muitos casos, o carrasco, mesmo sem o instituto da pena de morte.

            Há muito, portanto, que fazer, além de construir novas celas ou de soltar presos, e presos de baixa periculosidade, como quer agora o Governo. Até porque, no caso, estaríamos tão somente tratando de conseqüências. Longe das causas.

            É preciso que se medite sobre as razões que levam tantos cidadãos para trás das grades.

            O Professor de Direito Criminal da PUC de Minas Gerais, Leonardo Isaac, diz que “muitas vezes o magistrado determina uma prisão apenas pela ordem pública, mesmo sem provas contra o suspeito”.

            O representante da Associação Paulista dos Magistrados, Paulo Dimas, diz que “o aumento da massa carcerária ocorre pela pressão popular para que seja reduzida a violência”.

            Quer dizer: a população quer ver, e com razão, reduzida a violência. Então, clama por mais detenções. Privações de liberdade. Daí, mais celas. Falta discutir, entretanto, com maior profundidade, quais são as verdadeiras razões da violência. As causas. Se bem definidas e atacadas, quem sabe poderíamos, ao contrário, diminuir o número de celas?

            São muitas as questões que podem ser trazidas ao debate: o desemprego, a falta de perspectivas profissionais para camadas significativas da população, a anomia social que toma conta da sociedade, que acredita cada vez menos nas suas instituições democráticas, a urbanização desenfreada e o inchaço das cidades, e muitas outras.

            Mas, talvez, tenhamos que procurar as verdadeiras causas de tantas prisões, exatamente no seu contraponto: as razões de tantas não prisões. E o seu efeito contaminador sobre a sociedade como um todo.

            Em outras palavras: tanta punição pode estar se originando, exatamente e, em princípio, contraditoriamente, na impunidade. A punição de uns e a impunidade de outros. A punição de muitos que não têm padrinho, que não têm proteção, e a impunidade dos verdadeiros corruptos, com os quais não acontece nada.

            Só que se pune uma grande massa e se permite livrar um grupo significativamente menor da população, mas que, embora diminuto, relativamente, são espelhos refletores da sociedade.

            A sociedade olha para cima e vê que, lá, o crime compensa. Não se pune. Não se prende. Não se devolve o ilícito roubado. Ao contrário, até mesmo se elege. E, se elegendo, mais impune fica ainda, porque se torna “imune”. Ganha foro especial. Consegue advogados de grife. Prisão, nunca.

            Só vê impunidade quem olha de baixo para cima. A impunidade não só tem irmãs gêmeas, ela é mãe da corrupção, da violência e de outras tantas mazelas. Quem olha de baixo para cima, vê a impunidade. Quem olha de cima para baixo, prefere fechar os olhos para a injustiça. A menos que chegue o repórter da televisão ,com câmaras e holofotes.

            A população quer ver a barbárie reduzida, através da prisão de quem pratica crimes, muitas vezes sem levar em conta o que levou a tamanha proliferação de crimes e delitos.

            Não há dúvida, repito eu, de que é importante a construção de um maior número de cadeias e de uma ampla revisão do nosso sistema de segurança pública, para evitar casos como o do motobói Eduardo. Mas a sociedade brasileira tem que exigir alterações de comportamento dos seus chamados patamares de cima, onde reina a impunidade, refletora, sem dúvida, dos desvios que se alastram em todos os demais níveis.

            A nossa história é rica em exemplos de como uma mudança de percepção e de atitudes alterou o quadro institucional e político do País. Exemplos correlatos, eu diria.

            Quem viveu o regime militar é testemunha de que parecia se tratar de uma noite sem o amanhecer, sem perspectiva, sem futuro, sem ter direito de esperar o amanhã. Prendia-se e matava-se, como se fez com o motobói Eduardo, sem culpa definida, sem julgamento, sem defesa, sem perdão.

            Recorria-se à tortura, como se fez com ele. Quantos teriam sido, naqueles tempos, os cassetetes tortos de tantas pancadas? Ou, em um jogo macabro de palavras, “tortos, de tanta tortura”? Os paus de arara, os “afogamentos”, os choques elétricos...

            Não havia, naquela época, “cartas às mães”, para pedir desculpas pelos atos dos “subordinados”. Aliás, havia sim, a Coluna do Henfil, o irmão do Betinho, chamada exatamente “Cartas à Mãe, em que ele disparava contra tudo e contra todos, principalmente contra quem cometia as barbaridades acima dos muros dos quartéis.

            Os comandantes de então julgavam-se acima do bem e do mal e jamais escreveriam como “pai e cidadão”. Para eles, os respectivos subalternos jamais seriam chamados de “pessoas insanas e desumanas”, 

            Para eles os respectivos subalternos jamais seriam chamados de “pessoas insanas ou desumanas”, nem de “seres que talvez não sejam classificados como humanos”, até porque eles cumpriam ordens superiores, de seres “iguais”, portanto.

            Não havia uma página para o “cidadão” e outra para o “comandante”, porque eram os mesmos os papéis, todos eles desempenhados de farda. No lugar da “corregedoria” ou da “correição”, a “promoção”, com mais divisas e estrelas para aqueles que, como os soldados que torturaram o motobói Eduardo, dizimavam os que eles chamavam de “inimigos da Pátria”.

            De comum - quem sabe? -, lá e cá, as invocações a Deus. Mas eu desconfio que mesmo assim eram deuses diferentes, o do torturador e o do torturado. O Deus do comandante daquela época e o Deus do comandante de agora. Aí eu não quero confundir, nem comparar. Eu confio muito mais plenamente no sentimento de fé do comandante de agora. Temos, acredito, o mesmo Deus.

            Poucos naquele tempo imaginavam alterar procedimentos. A população sentia-se, toda ela, torturada. Diretamente, nos calabouços ou por meio da censura de toda ordem. Até mesmo um Senador que viesse aqui e denunciasse a morte por tortura, ou o desaparecimento de um cidadão, como eu faço agora, como o caso do motobói, podia no mínimo ser cassado. Até que apareceram o Vladimir Herzog e o Manuel Fiel Filho; o primeiro, professor, jornalista e dramaturgo, o segundo, operário. Ambos assassinados por tortura com “suicídios” simulados.

            Na caserna, o que podia ser mais duro no regime militar; um general na Presidência da República; um general no Ministério do Exército, Sílvio Frota; um general no comando do II Exército, Ednardo D’Ávila Mello.

            É voz comum, para quem viveu naqueles anos de chumbo, que esses fatos, embora dolorosos, foram o estopim das mudanças que devolveram à nação brasileira a luz da liberdade e da democracia. O General Presidente destituiu o General Ministro e o General comandante.

            O “Vlado” e o “Fiel Filho”, verdadeiros mártires, instigaram movimentos sociais, culturais e políticos, sementes da abertura, da Lei da Anistia, do movimento diretas Já e de tantos outros que vieram depois, com certeza, a mudança mais importante da recente história brasileira.

            O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Senador, V. Exª me concederia um aparte?

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não.

            O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Senador, é uma coincidência feliz que hoje o Senado volte a esse assunto, digamos assim, tão triste para a sociedade brasileira, para a vida brasileira, que foram os anos de chumbo

            De que V. Exª tão bem trata. Hoje nós prestamos aqui uma homenagem - daí a coincidência a que me referi - ao Senador Rui Palmeira, que foi um dos lutadores, que foi um daqueles que, digamos assim, se dedicaram às teses da democracia e da liberdade. Eu fiz um pronunciamento e preferi me reduzir às palavras que o Senador Teotônio Vilela usou para falar do seu amigo Rui Palmeira, um ano após a morte dele, outro homem que se dedicou à causa da liberdade e da democracia. E V. Exª, por graça do divino, se encontra conosco para testemunhar aquele momento tão dramático da sociedade brasileira. Os outros dois se foram ,infelizmente, mas é muita felicidade para nós que V. Exª se mantenha aqui para ser a consciência, como tem sido em toda a sua história no Senado, de que aqueles tempos não devem voltar, deve permanecer essa democracia que nós conseguimos, depois de tanta dificuldade, de tanta angústia, implantar no nosso País. Parabéns a V. Exª por esse pronunciamento tão oportuno .

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - V. Exª me emociona com o seu pronunciamento. A sua terra realmente teve um grande Senador que foi o Senador Palmeira. Eu votei nele para Ministro do Tribunal, mas votei à revelia; eu achava que ele tinha que continuar aqui, porque ele era um grande homem. Eu me lembro do carinho e do afeto que o Teotônio tinha por ele. E V. Exª lembra muito bem a figura de Teotônio, que, com quatro cânceres e duas bengalas, se arrastando, visitava todas as prisões até que o último preso político fosse solto e que a Lei da Anistia fosse votada. Tem razão V. Exª.

             O Sr. João Tenório (PSDB - AL) - Senador, só mais uma lembrança: anistia que foi confirmada ontem (Fora do microfone) pelo Supremo Tribunal Federal, que realmente solidifica o trabalho que ele, o Senador Rui Palmeira, V. Exª e tantos outros desempenharam naquele momento.

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço a gentileza de V. Exª.

            Eu dizia que o “Vlado”, o “Fiel Filho”, verdadeiros mártires investigaram movimentos sociais, culturais e políticos como a emenda da abertura política, da Lei da Anistia, do movimento das diretas já, de tantos outros que vieram depois.

            Quem sabe, então - e é a razão de eu estar na tribuna, Senador -, a morte do motobói Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, tão dolorosa quanto tantas outras em todos os tempos possa provocar um movimento de mudanças significativas nas nossas relações sociais e políticas.

            Quem sabe o “cidadão e pai” converse mais com o “comandante”.

            Quem sabe a divulgação da tortura não cause apenas temor pela “exploração eleitoral do episódio”, ao contrário, que mude corações e mentes para os planos do novo governo a ser eleito em outubro, independentemente de quem seja.

            Quem sabe casos como o de Eduardo, o motobói, deixem de ser apenas, como tantos outros, meros álibis para alavancar a audiência na televisão.

            Quem sabe a Justiça e a Polícia sejam efetivamente iguais no tratamento dos deslizes comprovados de quem quer que seja, independentemente de raça, credo, condições econômicas, políticas, culturais, sociais, e cor de pele.

            Quem sabe, portanto, a impunidade deixe de ser a semente da corrupção, da violência e da barbárie.

            Quem sabe não tenhamos mais outros casos sem a necessidade de outros “Vlados”, de “Fiel” e “Eduardo”, para que a lei seja cumprida na sua plenitude e não arranhada pelos cassetetes tortos dos “ chefes”.

            Quem sabe possamos discutir um projeto de país sem o muro da vergonha que nos divide, além do qual não alcança a nossa visão periférica. Que se altere a nossa visão do mundo, cada vez mais excludente, porque somos avaliados pelo ter e não pelo ser.

            Quem sabe a população se conscientize de sua força nas ruas para a construção do país com que verdadeiramente sonhamos.

            Creio, Sr. Presidente, que nós, dentro desse contexto, estamos vivendo um momento muito importante.

            Na terça-feira, a Câmara dos Deputados encerra a votação do projeto de origem popular, com 1,5 milhão de assinaturas, envolvendo os chamados fichas sujas.

            Aquilo que parecia impossível, em que ninguém acreditava está acontecendo. Está havendo um entendimento na Câmara dos Deputados. Eu realço e elogio a atitude do Presidente Michel Temer, recebendo os representantes do movimento, tendo à frente a OAB e a CNBB. Ele procurou se comprometer em fazer o máximo para que o projeto fosse votado. E fez.

            Nós sabemos que na Câmara, como aqui, tudo depende do entendimento dos Líderes. Nós, Senadores que nem eu, soldados rasos, temos que seguir de acordo com a determinação dos Líderes. E o Presidente Michel Temer conseguiu - e eu respeito a decisão dos Líderes - fazer o entendimento.

            Eu repito o que disse: não é o ideal. Absolutamente não é o ideal. Mas é um grande passo, porque o projeto não passa, como imaginávamos, 1 milhão e 500 mil assinaturas, indo direto para o Arquivo. Não. Ele vai ser votado.

            Se não houver modificações de última hora, o que vai ser votado é que o cidadão, condenado em primeira instância, se for à segunda, e condenado nessa segunda, é inelegível.

            Determina - isto é muito importante - que, se ele for candidato, o seu caso deve ir urgente para o Tribunal, e a Justiça deve julgar em primeiro caso, trazendo, inclusive, punições a quem não der prioridade absoluta para que alguém que tenha ficha suja não seja julgado antes da eleição ou, pelo menos, antes da posse.

            Para mim, Pedro Simon, o ideal é o meu projeto nesta Casa: ficha suja, não pode ser candidato. Mas ficha suja, a Justiça tem que julgar até a eleição; não pode ficar na gaveta do jornal, da revista, do delegado, da Polícia Federal, do promotor, do procurador, do juiz, do Tribunal, do Superior Tribunal. Não pode ficar na gaveta, tem que ser julgado. E digo mais: tem que ser julgado até a eleição. Aí, digamos que são 10 mil casos, 5 mil casos de ficha suja; apurada a eleição, vão ser julgados, vão ser eleitos 40, 50, 60. Se esses 60 que foram eleitos não tiverem sido julgados até a eleição, têm que ser julgados até a posse. Aí são 50, 60. E, cá entre nós, a Justiça tem uma grande parte da responsabilidade nessa impunidade. Grande parte da responsabilidade da impunidade são os processos que ficam na gaveta de juiz, de promotor, de delegado, de tribunal, e nada acontece.

            É nesse momento que vem à Câmara... Não é o ideal. Se o projeto viesse para cá e fosse dentro de um ambiente de normalidade, eu seria o primeiro a querer fazer emenda e faria essa emenda. Mas o apelo que estamos fazendo é que o Senado não apresente emenda porque, se nós apresentarmos emenda, volta para a Câmara e, se voltar para a Câmara, não é aprovado até o dia 05 de junho, e, para poder vigorar nessa eleição, tem que ser aprovado até o dia 05 de junho.

            Vejo com muita emoção: primeiro, foi o Senador Líder do PSDB. Interpelado por mim em um aparte daqui do plenário, o ilustre Líder foi muito claro: a bancada do PSDB não vai apresentar nenhuma emenda e vai concordar que o projeto seja votado com urgência urgentíssima para, daqui, ir direto às mãos do Presidente Lula para que ele possa sancionar a tempo de valer para a próxima eleição.

            Ontem, fizemos a mesma pergunta para o Líder do PMDB, o Senador Renan. E o Senador Renan foi muito claro e preciso ao dizer que o PMDB concorda plenamente e, se depender dele, PMDB, o projeto será imediatamente votado e irá à sanção do Presidente.

            O ilustre Líder do PSOL comunicou à Casa que falou pessoalmente com o Presidente José Sarney, e o Presidente José Sarney deixou muito claro que, aprovado o projeto na Câmara, será imediatamente feita a distribuição e, se houver esse entendimento que está havendo entre os Líderes, ele poderá ser votado imediatamente neste plenário.

            A última votação na Câmara dos Deputados foi sensacional. Uma emenda que tinha o efeito de acabar com o projeto, nos finalmentes, foi rejeitada por 380 votos a 40. Houve praticamente uma unanimidade.

            Com essa decisão do Senado comunicada à Mesa da Câmara, tenho a convicção absoluta de que, terça-feira, a Câmara vota, e, na semana que vem - sim, na semana que vem -, votamos aqui nesta Casa por unanimidade, sem emenda. Não quer dizer que somos a favor do projeto como vem. Ele vem muito aquém do que a gente desejaria. Mas sem emenda para que seja sancionado e já entre em vigor nesta eleição. Depois, vamos discutir.

            Acho este um momento muito importante na política brasileira. Há muito tempo nós vimos discutindo algo que se chama impunidade.

            Olha, meu Senador, estou completando 32 anos aqui e, quando cheguei a esta Casa, o primeiro projeto que apresentei foi com relação a algo que me machucava lá no Rio Grande do Sul: o Deputado ou Senador podia até matar, para ele ser julgado, o Supremo tinha que pedir licença para o Senado ou para a Câmara. E se não desse, não era julgado. E o que acontecia? Nenhuma vez o Senado deu licença e nenhuma vez a Câmara deu licença. Vinha um pedido de licença para processar o Senador fulano de tal que matou alguém, ficava na gaveta do Presidente do Senado.

            Não colocavam em votação porque não queriam aprovar, não queriam dar licença para processar o Parlamentar e não tinham coragem de negar, porque, se negassem, ia ficar muito ruim perante a opinião pública: “Mas como? Aconteceu aquele escândalo, e não estão permitindo que ele seja processado?!”. Não tinham coragem de negar, mas também não queriam dar.

            Foi uma luta muito grande. Hoje não é mais assim. Hoje, qualquer denúncia contra Deputado ou Senador, o Procurador entra direto no Supremo, e o Supremo processa imediatamente.

            Então, não dá mais para culpar - é importante a sociedade saber disso - nem o Senado nem a Câmara pela impunidade com relação à classe parlamentar; é lá, no Judiciário.

            Quando nós aprovamos essa Lei, durante oito anos do Governo Fernando Henrique, o Procurador-Geral ficou conhecido com o “Engavetador-Geral”, porque os pedidos para processar Parlamentares ele botava na gaveta. Justiça seja feita no atual Governo: os três Procuradores do atual Governo imediatamente estão cumprindo a Lei. Está aí o mensalão, e está aí uma série de Parlamentares que estão sendo processados, mas os casos ficam lá, no Supremo; agora estão engavetados lá, no Supremo. Por isso que esse projeto da Câmara já é muito importante, é o início do fim da impunidade, nós sabemos.

            O Pedro Simon rouba, o Pedro Simon pratica uma vigarice, então o Pedro Simon é processado, aí ele é condenado pelo juiz, aí ele recorre. O Pedro Simon, quando é condenado, vai pegar um advogado, não é um advogado competente, capaz, para me absolver, para dizer que eu não tenho culpa - isso é o que menos importa -, é um advogado para empurrar, para recorrer - e recorre, recorre. Aí eu perdi, fui condenado, aí recorro para o tribunal; aí fui condenado, aí vai para o pleno; aí fui condenado, vai para outro tribunal; aí sou condenado, vem para Brasília, tribunal superior; aí é condenado, vai para o eleitoral; aí é condenado, vai para o Supremo. Isso leva dez anos. Ao cara o que acontece? A pena prescreveu. Ninguém é condenado e ninguém é absolvido.

            Prescreve, passa o tempo e ninguém é julgado. Isso tem que acabar! Isso tem que acabar! Esse projeto, lá na Câmara, é o início. É o início de um procedimento que termina com a impunidade.

            Eu tenho repetido nesta tribuna que o grande mal deste País se chama impunidade. A impunidade é o que leva essas coisas a acontecer, porque nada acontece com quem rouba, com quem mata, desde que ele seja importante. E, se vocês repararem, gente pobre e gente miúda também não são condenadas, porque ela apanha é lá na polícia. O pobre, muito dificilmente, conhece o juiz... Conhece é delegado! É inspetor! É policial! Apanha, morre e depois vai ver o que acontece. Tudo isso por causa da impunidade. Tu não podes estabelecer um regime que acabe com a impunidade, começando-se por um ladrão de galinha. Tem-se que começar com o Presidente, com o Deputado, com o Senador, com o Ministro, com o banqueiro... Com homem importante! É manchete no jornal: “Senador Pedro Simon, ladrão, foi para a cadeia”; “O banqueiro, fulano de tal, ladrão, foi para a cadeia”. Aí, começa-se a olhar... Poxa, se o fulano foi, eu também posso ir.

            A coisa é séria. É isso que tem que ser feito. É isso que acontece nos outros países.

            Vocês não calculam quanto eu recebo, eu não digo que sou recordista, mas é difícil receber mais cartas, mais correspondência do que venho recebendo. Até peço desculpas, pois nem sempre tenho condições de responder, mas eu respondo aqui da tribuna. O Brasil não tem mais corrupto do que o resto do mundo. O Brasil não é um País corrupto. A Inglaterra é um país sério; os Estados Unidos são sérios; o Japão é sério; a China é séria. Isso não é verdade. A diferença é que lá pega cadeia. Ministro, primeiro-ministro, rei, marido da rainha, dono da grande empresa pega cadeia e perde dinheiro porque a justiça funciona. No Brasil, não funciona. No Brasil, não funciona!

            Eu fico pensando... eu fico pensando por que o Supremo Tribunal não para pensar sobre isso. Os Ministros do Supremo são pessoas notáveis, por quem eu tenho o maior respeito. São pessoas sérias, inatacáveis, dignas, corretas. Eu tenho muito respeito por eles, mas eles não conseguem se impregnar em fazer alguma coisa nessa bandeira.

            Eu tenho repetido, tenho falado com eles. O Brasil, por exemplo, é o único País, praticamente, que tem Justiça Eleitoral. Os Estados Unidos não têm justiça eleitoral. Na Europa não tem justiça eleitoral, uma justiça com toda essa pompa, uns prédios espetaculares, com tudo isso que nós temos. Os Estados Unidos criam um partido político num cartório comum. A justiça comum é que faz isso. Nós temos a pompa de uma Justiça Eleitoral.

            Por que não criar uma fórmula, uma determinação para julgar detentores de cargos políticos à reeleição e detentores de cargos importantes nos escalões superiores? Por que não dar prioridade para esses casos? Porque, na verdade, na verdade, se nós analisarmos isso que está aí, a justiça tem parte de responsabilidade. E eu não vejo, por parte da justiça, uma preocupação maior nessa rapidez. Por isso, a euforia para a reunião de terça-feira. Eu tenho dito e tenho insistido em que eu não acredito em mudanças profundas feitas no Congresso Nacional, nem por origem nossa, muito menos do Presidente da República e também não da Justiça; mas ela será de fora para dentro, como foi esse projeto que estamos votando agora, com 1 milhão e 500 mil assinaturas, em que a mocidade veio aqui, os jovens vieram aqui e lavaram as escadas e as calçadas do Congresso Nacional, numa demonstração de que estão nos olhando. Eu acredito nisso. Estou rezando muito a Deus para que inspire o Congresso Nacional, de modo muito especial a Câmara dos Deputados. Lá estive eu e assisti a toda reunião, e foi com emoção que vi a participação efetiva dos Parlamentares. Para nós, que estamos acostumados aqui nessa nossa tranquilidade, você fica meio tonto numa reunião da Câmara dos Deputados. Porque é uma agitação, mas eles se conduziram firmemente. E vi lá no resultado praticamente 400, a menos de 50, numa disposição positiva nesse sentido. Por isso eu estou vivendo um momento de muita emoção.

            Não estou indo a Porto Alegre. Estou ficando aqui, conversando, discutindo, debatendo, fazendo um esforço muito grande, porque acho que essa é uma hora imperdível de a Câmara votar e de nós referendarmos. Se Deus quiser, quarta-feira marca o fim da impunidade e o começo de uma nova realidade na política brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Modelo1 5/19/242:20



Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2010 - Página 18782