Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcrição nos Anais do Senado, do artigo do Ministro Samuel Pinheiro Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, intitulado "Catástrofes Ambientais, Energia Nuclear e Protocolo Adicional". (como Líder)

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA.:
  • Transcrição nos Anais do Senado, do artigo do Ministro Samuel Pinheiro Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, intitulado "Catástrofes Ambientais, Energia Nuclear e Protocolo Adicional". (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2010 - Página 19566
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, MINISTRO DE ESTADO, SECRETARIA, AREA ESTRATEGICA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ASSUNTO, CALAMIDADE PUBLICA, DESASTRE, MEIO AMBIENTE, VANTAGENS, ENERGIA NUCLEAR, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, ESTADO, SOCIEDADE, ESPECIALISTA, RISCOS, ALTERAÇÃO, CLIMA, REPUDIO, ASSINATURA, GOVERNO BRASILEIRO, PROTOCOLO, RESTRIÇÃO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, INTERNACIONALIZAÇÃO, ENRIQUECIMENTO, URANIO, PREJUIZO, SOBERANIA NACIONAL, ALEGAÇÕES, COMBATE, PRODUÇÃO, ARMA NUCLEAR, OBJETIVO, OLIGOPOLIO, PAIS INDUSTRIALIZADO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, caro Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, serei muito breve. Quero apenas que seja transcrito nos Anais do Senado - peço a V. Exª que o inclua nos Anais do Senado - um memorável artigo do Ministro Samuel Pinheiro Guimarães, que é o Ministro Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. É matéria que diz respeito ao interesse de todos os cidadãos brasileiros e dos cidadãos deste planeta e que trata de catástrofes ambientais, de energia nuclear e de protocolo adicional. É tema que exige reflexão por parte do Estado brasileiro, da sociedade, de todos os intelectuais que têm preocupação com este momento de dúvidas, de precauções e de medo em torno do que é a evolução do aquecimento global. Diz o seguinte o artigo, Sr. Presidente:

O acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera provoca o aquecimento global e suas catastróficas consequências. Cerca de 77% desses gases correspondem a CO2, dióxido de carbono, resultado inevitável da queima de combustíveis fósseis para gerar energia elétrica e para movimentar indústrias e veículos, desde automóveis a aviões e navios. Esta é base da economia industrial moderna, desde a construção de uma máquina a vapor, capaz de girar um roda, em 1781, por James Watt.

A redução das emissões de dióxido de carbono é essencial para impedir que a concentração de gases, que hoje alcança 391 partículas por milhão, ultrapasse 450 ppm. Este nível de concentração corresponderia a um aumento de 2ºC na temperatura, um limiar hoje considerado como máximo tolerável, devido ao degelo das calotas polares e ao aquecimento dos oceanos, o que, a ocorrer de forma gradual e combinada, levaria à inundação das zonas costeiras de muitos países, onde vivem cerca de 70% da população mundial.

Todavia, desde a assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997, que estabeleceu metas para 2008-2012 de redução dessas emissões a níveis 5% inferiores àqueles verificados em 1990, a emissão de gases de efeito estufa, ao invés de diminuir, aumentou.

Setenta por cento da energia elétrica nos Estados Unidos é gerada por termoelétricas a carvão e gás; 50% da energia elétrica produzida na Europa é gerada por termoelétricas a carvão e a gás; 80% da energia elétrica chinesa tem como origem termoelétricas a carvão, e situação semelhante ocorre na Índia.

Em grande medida, a solução da crise ambiental depende, assim, da transformação radical da matriz energética, em especial das usinas de geração de eletricidade, de modo a que estas venham a utilizar fontes renováveis de energia.

Muitos dos países que são importantes emissores de gases de efeito estufa e que teriam que transformar suas matrizes energéticas (responsáveis por 70% das emissões desses gases) não têm recursos hídricos suficientes (China, Índia, Europa etc) ou não têm capacidade para gerar energia eólica e solar economicamente, fontes que, por serem intermitentes (a usina eólica funciona, em média, 25% do tempo, e a solar, somente durante o período do dia), não asseguram continuidade de suprimento, nem sua energia pode ser armazenada. Mesmo a produção econômica de energia a partir da biomassa (etanol e biodiesel) se aplicaria mais à substituição de gasolina e diesel em veículos do que à própria produção de energia elétrica.

Resta, assim, a energia nuclear como solução viável para a geração de energia elétrica em grande escala, uma vez que boa parte dos problemas ambientais e de segurança estão superados. A energia nuclear, que hoje responde por 20% da energia elétrica produzida nos Estados Unidos; 75% na França; 25% no Japão e 20% na Alemanha, é produzida, como se sabe, a partir do urânio.

Patrick Moore, fundador do Greenpeace, foi enfático ao declarar: ‘A energia nuclear é a única grande fonte de energia que pode substituir os combustíveis fósseis’. Para gerar 1kW de energia elétrica, uma usina a carvão gera 955 gramas de CO2; uma usina a óleo, 818g; uma usina a gás gera 446g; e a usina nuclear, 4g (quatro!) de CO2.

Oitenta e um por cento das reservas de urânio conhecidas se encontram em seis países. O Brasil tem a 6ª maior reserva de urânio do mundo, tendo ainda a prospectar mais de 80% do seu território, e a estimativa é de que o Brasil pode vir a deter a terceira maior reserva de urânio do mundo. Cinco companhias no mundo produzem 71% do urânio.

O urânio na natureza se encontra em um grau de concentração de 0,7%. Para ser usado como combustível, esse urânio tem de ser minerado, beneficiado, convertido em gás, enriquecido a cerca de 4%, reconvertido em pó e transformado em pastilhas, que é a forma do combustível utilizado nos reatores.

O processo industrial do urânio é extremamente complexo, e apenas oito países do mundo detêm o conhecimento tecnológico do ciclo completo e a capacidade industrial para produzir todas as etapas do ciclo. Um deles é o Brasil.

O Brasil combina, assim, a posse de reservas substanciais, e potencialmente muito maiores, com o conhecimento tecnológico e a capacidade industrial, além de deter a capacidade industrial que permitiria produzir reatores.

Apesar de a Agência Internacional de Energia prever um crescimento moderado da demanda por urânio enriquecido, o fato é que países como a China e a Índia, com grandes populações em situação de extrema pobreza, terão de instalar capacidades extraordinárias de usinas não poluentes para aumentar a oferta de energia elétrica sem aumentar de forma extraordinária suas emissões de CO2. A China planeja aumentar sua capacidade instalada total de geração de energia elétrica em 100.000 MW por ano, o que equivale a toda a atual capacidade brasileira [veja, Sr. Presidente, 100.000 MW por ano como demanda reprimida na China, o que é toda a capacidade de geração do Brasil!].

Caso os países desenvolvidos não aumentassem sua produção industrial e pudessem, assim, ser mantidos os atuais níveis de geração de eletricidade e, portanto, de emissão de gases, e os grandes países emergentes também não aumentassem suas emissões atuais de gases (e, portanto, mantivessem sua produção atual, com crescimento econômico zero), o nível de limiar do aumento de temperatura, 2ºC, seria atingido muito antes do previsto, e até ultrapassado.

Assim, é urgentíssimo diminuir a emissão de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, manter o crescimento econômico/social elevado para retirar centenas de milhões de seres humanos da pobreza abjeta em que vivem. Isto só é possível através da geração de energia elétrica a partir do urânio.

Portanto, os países grandes produtores de energia terão de mudar sua matriz energética, cuja base hoje são combustíveis fósseis, para utilizar combustíveis renováveis e não-fósseis como a energia nuclear, que é a única que atende aos requisitos de regularidade, de suprimento, de economia e de localização flexível.

Todavia, os extraordinários interesses das grandes empresas produtoras de petróleo, de gás e de carvão dos países que detêm as principais jazidas desses combustíveis fósseis: carvão (Estados Unidos e China); gás (Rússia e EUA); e petróleo (Arábia Saudita, etc.), e os elevados custos de transformação de suas matrizes energéticas e de seus hábitos de consumo influenciam as considerações dos técnicos que elaboram estimativas conservadoras da Agência Internacional de Energia - AIE, que prevêem o contínuo uso de combustíveis fósseis e um pequeno aumento de demanda por energia nuclear nos próximos anos.

Apesar de tudo, a deterioração das condições climáticas e fenômenos naturais extremos farão com que a urgência de medidas de reorganização econômica se imponha, inclusive pela pressão dos cidadãos sobre os governos apesar da contrapressão dos interesses das mega-empresas. Assim, apesar daquelas estimativas modestas, o mercado internacional para urânio enriquecido será extremamente importante nas próximas décadas, caso se queira evitar catástrofes climáticas irreversíveis.

Certas propostas dos países nucleares, sob o pretexto de enfrentar ameaças terroristas, podem afetar profundamente as possibilidades de participação do Brasil nesse mercado.

Essas propostas se caracterizam por procurar concentrar nos países altamente desenvolvidos a produção de urânio enriquecido e de impedir sua produção em outros países, em especial naqueles países que detêm reservas de urânio e a tecnologia de enriquecimento. Na maioria dos países, que não tem reservas nem tecnologia, essas propostas não têm importância e servem apenas para criar meios de pressão sobre os primeiros como o Brasil, que é afetado direta e profundamente do ponto de vista econômico e de vulnerabilidade política.

Os países nucleares procuram restringir por todos os meios a transferência de tecnologia, procuram impedir o desenvolvimento autônomo de tecnologia e procuram conhecer o que os demais países estão fazendo, sem revelar o que eles mesmos fazem. O Protocolo Adicional aos Acordos de Salvaguarda com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), previstos pelo Tratado de Não Proliferação (TNP) é um instrumento poderoso, em especial contra aqueles países onde há capacidade de desenvolvimento tecnológico, como é o caso do Brasil. Onde não há esta capacidade, não tem o Protocolo nenhuma importância, nem para os que dele se beneficiam (os Estados nucleares) nem para aqueles que a suas obrigações se submetem (os Estados não-nucleares que não detêm urânio, nem tecnologia, nem capacidade industrial e que são a maioria esmagadora dos Estados do mundo).

A concordância do Brasil em assinar um Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas, que é instrumento do TNP, permitiria que inspetores da AIEA, sem aviso prévio, inspecionassem qualquer instalação industrial brasileira que considerassem de interesse além das instalações nucleares (inclusive as fábricas de ultracentrífugas) e o submarino nuclear, e tivessem acesso a qualquer máquina, a suas partes e aos métodos de sua fabricação, ou seja, a qualquer lugar do território brasileiro, quer seja civil ou militar, para inspecioná-lo, inclusive instituições de pesquisa civis e militares. Ora, os inspetores são formalmente funcionários da AIEA, mas, em realidade, técnicos altamente qualificados, em geral nacionais de países desenvolvidos, naturalmente imbuídos da “justiça” da existência de um oligopólio nuclear não só militar, mas também civil, e sempre prontos a colaborar não só com a AIEA, o que fazem por dever profissional, mas também com as autoridades dos países de que são nacionais.

O Protocolo Adicional e as propostas de centralização, em instalações “internacionais”, da produção de urânio enriquecido são instrumentos disfarçados de revisão do TNP no seu pilar mais importante para o Brasil, que é o direito de desenvolver tecnologia para o uso pacífico da energia nuclear. Esta foi uma das condições para o Brasil aderir ao TNP, sendo a outra o desarmamento geral, tanto nuclear como convencional, dos Estados nucleares (Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra), como dispõe o Decreto Legislativo nº 65, de 2 de julho de 1998: ‘A adesão do Brasil ao presente Tratado está vinculada ao entendimento de que, nos termos do artigo VI, serão tomadas medidas efetivas visando à cessação, em data próxima, da corrida armamentista nuclear, com a completa eliminação das armas atômicas’.

Todavia, desde 1968, quando foi assinado o TNP, os Estados nucleares, sob variados pretextos, aumentaram suas despesas militares e incrementaram de forma extraordinária a letalidade de suas armas, não só nucleares como convencionais, e, assim, portanto, descumpriram as obrigações que assumiram solenemente ao subscrever o TNP. E agora desejam rever o Tratado para tornar sua situação ainda mais privilegiada, seu poder de arbítrio ainda maior e a situação econômica e política dos países não nucleares ainda mais vulneráveis diante do exercício deste arbítrio.

Ao contrário da maior parte dos países que assinaram o Protocolo Adicional, o Brasil conquistou o domínio da tecnologia de todo o ciclo de enriquecimento do urânio e tem importantes reservas de urânio. Só três países - Brasil, Estados Unidos e Rússia - têm tal situação privilegiada em um mundo em que a energia nuclear terá de ser a base da nova economia livre de carbono, indispensável à sobrevivência da humanidade.

            Sr. Presidente, veja o que diz Samuel Pinheiro Guimarães, ex-Secretário Executivo do Ministério das Relações Exteriores, Professor de Direito Internacional da Universidade de Brasília, grande acadêmico, grande intelectual, escritor de livros e, hoje, Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Ele encerra seu memorável artigo, dizendo o seguinte: “Aceitar o Protocolo Adicional e a internacionalização do enriquecimento de urânio seria um crime de lesa-pátria”.

            É um artigo memorável que leva a uma profunda reflexão sobre essa crise ambiental que vive o planeta, sob a perspectiva de darmos suporte ao crescimento econômico-social e à redução da miséria na Terra.

            Sr. Presidente, peço a V. Exª que esse artigo seja inserido nos Anais do Senado.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR TIÃO VIANA EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Catástrofes ambientais, energia nuclear e protocolo adicional”, do Ministro Samuel Pinheiro Guimarães.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2010 - Página 19566