Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a situação dos negros no Brasil por ocasião do transcurso hoje dos 122 anos de assinatura da Lei Áurea. Registro de ações positivas no combate ao racismo no País.

Autor
Marisa Serrano (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MS)
Nome completo: Marisa Joaquina Monteiro Serrano
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Reflexão sobre a situação dos negros no Brasil por ocasião do transcurso hoje dos 122 anos de assinatura da Lei Áurea. Registro de ações positivas no combate ao racismo no País.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2010 - Página 20454
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • POLEMICA, DATA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMEMORAÇÃO, PROTESTO, DISCUSSÃO, PROCESSO, LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, IMPERIO, AVALIAÇÃO, ATRASO, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, TRABALHO ESCRAVO, COMENTARIO, PESQUISA, ECONOMISTA, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), LEVANTAMENTO DE DADOS, CADASTRO, BOLSA FAMILIA, CONTINUAÇÃO, INDIGNIDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, MAIORIA, NEGRO.
  • APOIO, DECISÃO, MOVIMENTAÇÃO, NEGRO, CRIAÇÃO, DIA, CONSCIENTIZAÇÃO, ALTERNATIVA, COMEMORAÇÃO, DATA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, SOLIDARIEDADE, ORADOR, LUTA, INCLUSÃO, CIDADANIA.
  • ELOGIO, INICIATIVA, GRUPO, UNIVERSIDADE FEDERAL, CRIAÇÃO, CURSO DE FORMAÇÃO, GESTÃO, POLITICA, SETOR, AREA, FEMINISMO, RAÇA, PARCERIA, MINISTERIO, INICIATIVA PRIVADA.
  • ELOGIO, INICIATIVA, SECRETARIA ESPECIAL, POLITICA, PROMOÇÃO, IGUALDADE, RAÇA, PREMIO, PREFEITURA, GOVERNO ESTADUAL, INCLUSÃO, HISTORIA, CONTINENTE, AFRICA, CURRICULO MINIMO, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, CRIAÇÃO, PLANO NACIONAL, DIRETRIZ, EDUCAÇÃO, AMBITO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA.
  • ESPECIFICAÇÃO, LANÇAMENTO, PREFEITURA, MUNICIPIO, CAMPO GRANDE (MS), ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PREMIO, EDUCAÇÃO, IGUALDADE, RAÇA, ELOGIO, INICIATIVA, JUIZ, APOSENTADO, CRIAÇÃO, ENTIDADE, PREPARAÇÃO, JUVENTUDE, EXAME VESTIBULAR, INCLUSÃO, INFORMATICA, VALORIZAÇÃO, CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS, DEFESA, ORADOR, MOBILIZAÇÃO, ERRADICAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

            É realmente com honra que eu represento aqui o meu Estado, o Mato Grosso do Sul, como V. Exª faz com o seu querido Piauí. É bom que aqui estejam três Senadores representando cada Estado, porque podem dar uma visão para o País daquilo que representa, bem como dos problemas e das grandiosidade, cada Estado do Brasil.

            Hoje, Sr. Presidente, é o dia 13 de maio. Há 122 anos, após a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel - Dom Pedro II estava no exterior, portanto, ela quem assinou a Lei Áurea - ainda causa polêmica. Não se sabe se vamos comemorar, festejar, ou protestar e discutir e não aceitar esta data como símbolo da luta e libertação dos negros brasileiros. São sentimentos contraditórios.

            Joaquim Nabuco - que ontem foi homenageado nesta Casa pelo centenário da sua morte - e um dos grandes políticos do Império afirmavam que a escravidão era a causa de todos os vícios políticos e fraquezas sociais; um obstáculo invencível ao seu progresso; a ruína das suas finanças, a esterilização do seu território; a inutilização para o trabalho de milhões de braços livres; a manutenção do povo em estado de absoluta e servil dependência para com os poucos proprietários de homens que repartem entre si o solo produtivo”.

            É verdade que em várias regiões do País ainda hoje o trabalho escravo persiste e só foi abolido mesmo no início do século XX no papel, nas estatísticas. Mas ainda hoje, vira e mexe, vemos, na imprensa, a polícia eclodindo grupos de trabalhadores escravos neste País.

            Portanto, quero dizer aqui que vários estudos são feitos no País a respeito da vida dos negros no Brasil, no que diz respeito ao trabalho escravo. Vários estudos estão aí, é direito de todos, para que todos possam usufruir deles.

            O economista Marcelo Paixão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez a pesquisa a partir de um cadastro que retirou do Bolsa Família, com incluídos no programa, após ações de fiscalização que flagraram trabalhadores em situações que, para a ONU, são consideradas formas contemporâneas de escravidão. Então, usando o cadastro do Bolsa Família, ele levantou que tipo de famílias participam do programa e como estão os negros e pardos nessa questão.

            Para ele, são pessoas trabalhando em situações degradantes. Três em cada quatro trabalhadores libertados em situação análoga à da escravidão, hoje, são pretos ou pardos, com jornada exaustiva, dívidas com o empregador, que os impede de largar o trabalho, principalmente correndo risco de vida.

            Segundo o economista, “a cor do escravo de ontem se reproduz nos dias de hoje. Os negros e índios, escravos do passado, continuam sendo alvo de situações em que são obrigados a trabalhar sem direito ao próprio salário. É como se a escravidão se mantivesse como memória”. Essa afirmação nos faz refletir e pensar que, nos grotões do nosso País, mesmo em metrópoles, como São Paulo e outras grandes cidades brasileiras, vemos ainda grupos incrustados, pensando justamente em como fazer para se libertar, para ter autonomia, para ser cidadãos livres neste País.

            Nós sabemos que os pretos e pardos são maioria entre a população pobre. Segundo o IBGE, entre os brasileiros que se encontravam entre os 10% mais pobres, 74% se diziam pretos ou pardos. Para este economista, Marcelo Paixão, embora a cor não seja o único fator a determinar que um trabalhador esteja numa condição análoga à da escravidão, o dado sugere que ser preto ou pardo eleva consideravelmente a probabilidade de estar incluído entre aqueles que estão em situação análoga à escravidão.

            O movimento negro brasileiro resolveu, por tudo isso, abolir a data de 13 de maio e comemorar a negritude no dia 20 de novembro, denominado Dia da Consciência Negra. Razão mais do que justa, pois de fato a lei assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888 deixou o povo negro recém-liberto sem nenhuma segurança, sem perspectivas imediatas, sem acolhimentos. Deixou, como se diz, ao deus-dará.

            Hoje nós temos o amadurecimento de uma consciência afirmativa, de orientação social e de origem africana no País. Estamos avançando. Não com a rapidez desejada, mas os 45% da população brasileira negra estão lutando para o ingresso nas universidades, para a inclusão no mundo digital, para a inclusão no mundo do trabalho, e essa luta se vê em todos os lugares, principalmente entre os jovens. E os jovens, nas últimas décadas, principalmente nessa última, tiveram acesso à escola com mais facilidade. E, tendo acesso à escola, a juventude de hoje tem mais consciência, tem mais conhecimento e, portanto, tem mais perspectivas de apresentar uma luta, de ir para luta, abrindo seu espaço, garantindo a sua consciência e garantindo a sua cidadania.

            Quero falar aqui de algumas ações positivas no combate ao racismo no País - e esse combate tem que ser permanente; ações de todos os lados, por todos os meios, são fundamentais para que a gente acabe com isso no País, mas quero lembrar apenas de algumas ações. Uma delas é a de formar 6,7 mil gestores e gestoras para a condução de políticas públicas de gênero e raça. Esse é um dos objetivos de um curso gratuito de formação em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, que será desenvolvido por 18 universidades federais de cinco Regiões do País, principalmente para pessoas de nível médio e superior. A iniciativa é resultado de parceria das universidades federais com inúmeros órgãos do País - Ministérios, órgãos da iniciativa privada e assim por diante.

            Outra ação afirmativa importante é o selo que certificará Municípios e Estados que incluem a história africana nos currículos escolares. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) vai lançar, no final de maio, um selo, para destacar as prefeituras e os governos estaduais que incluírem história africana nos currículos das escolas, como estabelece a Lei nº 10.639. A ideia é fazer um ranking dos governos mais avançados na inclusão da temática africana na escola e divulgar iniciativas eficientes para lecionar o conteúdo. “O selo vai prestigiar o Município ou Estado que implementar a lei e vai ranquear estudo com diversidade”, afirma o Ministro da Seppir, Eloi Ferreira de Araújo.

            A inclusão de história e cultura africana na escola é estabelecida pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, de autoria do ex-Deputado Federal Ben-Hur Ferreira, militante de Mato Grosso do Sul que continua extremamente ativo e é uma referência para todos, brancos e negros. Essa lei prevê “incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira”. Para incentivar o cumprimento da medida, a Seppir fez um acordo com universidades públicas para viabilizar a criação de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, que preparam professores para lecionar a história africana.

            Outra ação afirmativa é a criação do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Essa é uma medida da Seppir também. Para incentivar a implantação dessa lei, foi criado, em junho de 2009, esse plano nacional, cuja publicação - e é sua função - é voltada para a distribuição em escolas, secretarias de educação e universidades, para divulgar sugestões de como “colaborar para que todo sistema de ensino e instituições educacionais cumpram as determinações legais, com vistas a enfrentar todas as formas de preconceito, racismo e discriminação”.

            Esse plano nacional abrange todos os níveis de ensino, desde a educação infantil até a universidade, incluindo Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Profissionalizante e Educação em Áreas de Quilombo. Entre as ações previstas por esse plano estão ampliar o atendimento a crianças e jovens negros em escolas e universidades, assegurar a formação de professores, incentivar pesquisas, incluir materiais didáticos sobre o tema, abordar a temática com pais e incluir questões sobre história africana no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

            Duas outras ações afirmativas que eu quero aqui registrar dizem respeito estritamente ao meu Estado, o Mato Grosso do Sul. Uma delas se reporta à Semed (Secretaria Municipal de Educação) do Município de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, que lançou, no último dia 28, a 5ª Edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial. Logo após o lançamento, um grupo de estudantes africanos, matriculados em curso de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, fez uma apresentação cultural, dançando ritmos contemporâneos de seus respectivos países (Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, África do Sul).

            A professora Rosangela Malachias falou do prêmio salientando a importância do registro detalhado dos projetos. E a professora Lucimar Rosa Dias, também da Universidade Federal de Mato Grosso, relatou experiências bem sucedidas do prêmio.

            O meu Estado já teve quatro experiências premiadas em diferentes edições do Prêmio Educar para a Igualdade Racial.

            Quero, por último, falar de uma grande iniciativa instituída em Mato Grosso do Sul - principalmente no meio das pessoas menos favorecidas -, cuja sede fica em Campo Grande: a criação do Instituto Martin Luther King, que prepara para o vestibular jovens brancos e negros, oferecendo cursinho gratuito de inclusão digital e a metodologia toda focada na cidadania e nos direitos humanos.

            O mentor, criador desse instituto, é o juiz aposentado Aleixo Paraguassu Filho; é o nosso Mandela pantaneiro. É uma pessoa generosa, uma pessoa conciliadora, um ser humano a favor do ser humano. E por isso ele luta sem radicalismos.

            Quero aqui deixar esse libelo e, principalmente, a certeza absoluta de que pessoas como o Dr. Aleixo Paraguassu, que criou o instituto para atrair pessoas que precisam garantir o estudo, a abertura para uma cidadania mais eficiente e mais justa, tenham um espaço de liberdade, um espaço de democracia, um espaço de inclusão. O Dr. Aleixo Paraguassu Filho é o grande ícone, em meu Estado, em Mato Grosso do Sul, do sentimento de liberdade dos negros, de afirmação dos negros, da certeza de que temos no Brasil de garantir espaço a todos aqueles - brancos e negros, mas principalmente os negros - que ainda hoje sentem na pele as diferenças ainda existentes no País.

            Quando dizem que não temos racismo, eu digo sempre que não é um racismo explícito, mas é racismo sim, e vale para todos nós brasileiros, de qualquer cor, de qualquer raça, nos unirmos em torno dessa questão.

            E hoje, no 13 de maio, fiz questão de abordar o problema do negro brasileiro, do negro e do pardo, dizendo, como fiz agora há pouco, que muito já se construiu, mas precisamos muito mais garantir o espaço do negro na vida de todos os brasileiros.

            Com a palavra ao Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezada Senadora, quero, primeiro, transmitir o cumprimento por V. Exª, neste 13 de maio, aqui trazer essa preocupação, porque ainda estamos muito longe de fazer do Brasil a nação onde todos tenham iguais direitos, não importa a origem, a raça, o sexo, a condição civil ou socioeconômica de quem quer que seja. E V. Exª muito bem coloca que são tantos os casos ainda. E os próprios dados do IBGE, por exemplo, têm mostrado que as pessoas de origem negra têm ainda um grau de remuneração muito mais baixo, em média, do que o dos brancos. Por exemplo, a taxa de desemprego entre os negros é bem mais alta. Temos uma dificuldade bastante grande no sentido de, por exemplo, os responsáveis pela segurança pública em quase todo o Brasil muitas vezes veem as pessoas de ascendência negra, africana, como suspeitos. Ainda na última segunda-feira, fiz um pronunciamento aqui estranhando, lamentando e me solidarizando com as famílias de dois motoboys, ambos negros, que foram mortos pela violência da polícia militar, na cidade de São Paulo. Inclusive o caso do rapaz Alexandre, de 25 anos, um motoboy que saiu do seu trabalho às 2 horas da manhã, na cidade de São Paulo, para ir à cidade Ademar, sua residência, quando foi abordado por quatro policiais. Ele já estava próximo de sua casa, a duzentos metros, quando pediram que ele parasse. Ele resolveu andar com a sua moto. É fato que ela estava sem placa, mas ele quis justamente mostrar que ele residia ali, a duzentos metros. Quando chegou à porta de sua residência, ele explicou que estava sem a placa porque já tinha solicitado a licença e que estaria no dia seguinte ali colocada. Só que os quatro policiais militares deram uma surra nele. Jogaram-no no chão. Com o barulho, sua mãe, a Srª Maria Aparecida Menezes, saiu de casa e pediu desesperadamente que parassem de bater no rapaz. Ela viu que o rapaz já estava desacordado. Ainda que fizesse um apelo, pelo amor de Deus, que não batessem no seu filho, bateram na cabeça dele e o estrangularam. E ele veio a falecer. Daí se verificou que era uma pessoa inocente, e, entretanto, ainda que inocente, era de ascendência negra. Então, as palavras de V. Exª no dia de hoje têm muita razão de serem explicitadas, e eu a cumprimento porque se trata de um apelo que faz muito sentido para todos nós, brasileiros: os brancos, os amarelos, os negros, os indígenas, os vermelhos, qualquer que seja a nossa cor. Meus parabéns.

            A SRª MARISA SERRANO (PSDB - MS) - Obrigada, Senador Suplicy. Por tudo aquilo que V. Exª colocou aqui é que nós não podemos compactuar com as injustiças, não podemos aceitá-las e, principalmente, se nós queremos um País digno, nós precisamos ser mais justos e fazer com que a população brasileira seja mais igual, não termos esses desvãos tão grandes entre irmãos do mesmo país. É inadmissível que haja um fosso tão grande entre os mais ricos e os mais pobres deste País.

            Quero terminar dizendo, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que não é só no 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, que temos que parar para refletir sobre essas causas. Todo dia é dia. São dias em que devemos parar, perceber, discutir e rememorar essas questões, e que não aceitemos, não compactuemos com nenhuma ação que possa acrescentar, o mínimo que seja, a uma questão de desigualdade, principalmente racial, em nosso País, não só porque a Constituição proíbe, mas porque o povo brasileiro não pode compactuar e aceitar casos como esse que o Senador Suplicy colocou ou qualquer outro que venha a acontecer neste País.

            Sr. Presidente, muito obrigada pelo tempo discorrido.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Meus parabéns, Senadora Marisa Serrano.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2010 - Página 20454