Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Exaltação à memória da escrava piauiense Esperança Garcia, que, em 1770, escreveu uma petição ao Governador da Capitania do Maranhão, denunciando os maus-tratos que sofria.

Autor
Mão Santa (PSC - Partido Social Cristão/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Exaltação à memória da escrava piauiense Esperança Garcia, que, em 1770, escreveu uma petição ao Governador da Capitania do Maranhão, denunciando os maus-tratos que sofria.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2010 - Página 20487
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, COMENTARIO, ATUAÇÃO, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, REGISTRO, HISTORIA, IMPERIO, CONTRABANDO, NEGRO, CONTINENTE, AFRICA, VIOLAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • LEITURA, TRECHO, ENTREVISTA, HISTORIADOR, IMPORTANCIA, CARTA, AUTORIA, ESCRAVO, MULHER, ESTADO DO PIAUI (PI), DENUNCIA, VIOLENCIA, TRATAMENTO, PETIÇÃO, GOVERNADOR, TRANSFERENCIA, UNIÃO, FAMILIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MÃO SANTA (PSC - PI. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Senador Augusto Botelho, parlamentares presentes, brasileiras e brasileiros, aqui, no plenário do Senado, e que nos acompanham pelo sistema de comunicação do Senado.

            José Nery, José Nery, 13 de maio. Em 1888, jogaram flores no Senado. A lei, boa e justa, depois de outras leis nascidas aqui - a do Sexagenário e a do Ventre Livre -, a Lei Áurea, redigida por Rui Barbosa, foi sancionada pela Princesa, na ausência de Pedro II. E o povo jogou flores.

            Aqui estamos. E eu queria dizer que, ontem, esta Casa reviveu um dos ícones, que foi Joaquim Nabuco. Aquela figura importante, porque era da elite. Ele era rico, era aristocrático, era intelectual, era culto. Era advogado, era jornalista. Então, ele abraçou... E aqui nos dá um grande ensinamento. Ele perdeu as eleições para Deputado Federal, porque se jogou contra os poderosos. Ele era advogado. Então, só tinha ao lado dele os negros, que não tinham dinheiro para pagar. E era jornalista, José Nery, e os jornais dos poderosos se fecharam. Então, ele teve o reconhecimento de sua grandeza na Europa e aqui na América do Sul. Na Europa, em Londres - onde ele escreveu o livro O Abolicionismo - ,em Paris, em Lisboa; e aqui no Chile. O Chile já havia acabado com a escravatura. O mundo se encantava com o novela A Cabana do Pai Tomás, de uma escritora mulher. A mulher é sempre mais sensível. Nessa mudança do mundo, a Inglaterra já vivia a sua liberdade democrática, monárquica. Repudiando isso, dominava os mares e impedia a comercialização dos negros.

            Atentai bem, José Nery, que bem ali, em Pernambuco, há Porto de Galinhas. Você sabe por quê? Porque o brasileiro, para camuflar os negros que contrabandeava, contra as leis internacionais, garantidas pela Marinha inglesa, chegava ao porto e dizia: “Vai haver galinha”. As galinhas eram os negros contrabandeados. Daí o nome do porto. Isso, no Nordeste. Mas o Nordeste teve suas páginas de grandeza. Mossoró, da nossa Rosalba Ciarlini, foi a primeira cidade, o primeiro Estado que libertou os escravos. O Ceará teve sua grandeza: eles vinham em navios grandes e precisavam de jangadas, pequenas embarcações, para buscar os negros nos grandes navios. Aí, um liderou, o Dragão do Mar - por isso se fala em Dragão do Mar. Capitaneou todas aquelas pequenas embarcações, as jangadas que eles tinham, e proibiu isso.

            Mas o Piauí não ia ficar atrás. Nós sabemos que houve Zumbi dos Palmares, nós sabemos que houve a Revolução Farroupilha, o sacrifício dos Lanceiros Negros. Mas o Piauí, como sempre, é como um negro, um negro que foi o nosso poeta Costa da Silva.

Piauí, terra querida,

Filha do sol do equador,

Pertencem-te a nossa vida,

Nosso sonho, nosso amor!

            Na luta, o teu filho é o primeiro que chega.

            Na luta para expulsar os portugueses, fomos nós, e aqui. E, na luta, o Piauí não ia ficar atrás. É essa a nossa grandeza. Nós somos a mais valorosa gente deste Brasil.

            Atentai bem! Olhem aqui o melhor livro: As Barbas do Imperador - D. Pedro II, um Monarca nos Trópicos. Como sempre, é de uma mulher. Foi uma mulher que escreveu, Lilia Moritz Schwarcz.

(Interrupção do som.)

            O SR. MÃO SANTA (PSC - PI) - É o melhor livro do tempo do Império. Isso daí, Adalberto Costa e Silva estava na Fundação Getúlio Vargas quando assinava um convênio para ela supervisionar o crescimento que eu dera à Universidade Estadual do Piauí (Uespi), a Universidade que mais crescera no Brasil, quando eu fui Governador do Estado. Então, o Adalberto me disse que esse era o melhor. Mas, atentai bem para o que está aqui. Ô Valter Pereira, esse o orgulho de ser piauiense.

            Olha, tem um pesquisador, Koster, o pesquisador Henry Koster, que era um inglês que veio no tempo de Dom João VI, no novo redescobrir do Brasil, em 1808. Então, olha o que está escrito aqui sobre a grandeza do Piauí. “Apesar de Koster zombar da “importância...

            (Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Augusto Botelho. Bloco/PT - RR. Fazendo soar a campainha.) - Senador Mão Santa, V. Exª é o Senador mais tolerante com todos nós e gosta que falemos. Então, eu gostaria de pedir a V. Exª que hoje desse uma chance para o Valter, o Nery e eu falarmos. Será preciso reduzir um pouquinho do seu tempo hoje, mas só cinco minutos. Combinado?

            O SR. MÃO SANTA (PSC - PI) - Então, nesse livro, no capítulo “O império das festas e as festas do Império” - olhai o grandeza do Piauí! - são contadas as festas daquele tempo.

A ‘orquestra dos pretos de São Cristovão’ representa apenas um dos muitos exemplos da participação negra em bandas idealizadas para o prazer dos senhores brancos. Koster comenta admirado a organização peculiar existente na fazenda do Coronel Simplício Dias da Silva, subgovernador da Parnaíba [terra em que nasci]: ‘Tem ele casa magnífica, banda de música composta por seus escravos, alguns dos quais educados em Lisboa e Rio de Janeiro.

            Valter Pereira, uma das poucas bandas, na época da nossa independência, existia em cidade do Piauí. Foi esse coronel que fez essa banda de música, José Nery, que comandou, com recursos econômicos, a Batalha do Jenipapo, em que nós, piauienses, com aliados cearenses, expulsamos os portugueses do Brasil. O Brasil ia ser dividido em dois: “Filho, fica com o Sul e eu fico com o Norte”. Seria o país Maranhão. Se ele é grandão, deve a nós, piauienses. E, lá, o líder Simplício Dias da Silva já fizera uma orquestra.

            Mas não só de homens. Há a bravura da mulher. A mais brava mulher na história da liberdade é do Piauí.

            Como seria Esperança Garcia, a escrava rebelde?

            Atentai bem, Valter Pereira! V. Exª, que é um homem culto, sabe quase tudo, curve-se à grandeza da mulher piauiense e escrava.

Em 1770, muito antes da Princesa Isabel, uma escrava chamada Esperança Garcia destacou-se pela sua coragem ao redigir uma petição dirigida ao governador da Capitania do Maranhão [o Piauí foi dependente de Pernambuco, se liberou e depois passamos a ser dependentes do Maranhão], Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, os maus-tratos sofridos nas mãos de Antônio Vieira de Couto, inspetor de Nazaré, localidade que hoje é o Município de Nazaré do Piauí (PI). Na mais antiga petição escrita por um escravo no Brasil, ela denuncia os maus-tratos sofridos a partir do confisco das fazendas dos jesuítas pela Coroa Portuguesa. Pediu ainda que fosse devolvida à Fazenda Algodões e que sua filha fosse batizada.

Quem foi Esperança Garcia?

O professor Luiz Mott, em memorável entrevista concedida [é importante] [...] revela:

‘Esperança Garcia foi uma escrava moradora numa das dezenas de fazendas que, com a expulsão dos Jesuítas, passaram para a administração governamental, e que em 1770 escreveu uma carta ao Governador do Piauí denunciando os maus-tratos de que era vítima por parte do feitor da fazenda. Salvo erro, é a segunda carta mais antiga até agora conhecida no Brasil manuscrita e assinada por uma escrava negra, e que revela não só os sofrimentos a que estavam condenados os cativos, como o fato de já nos meados do Século XVIII haver mulheres negras alfabetizadas e suficientemente ‘politizadas’ para reivindicar seus direitos e denunciar às autoridades os desmandos de prepostos mais violentos. Além da felicidade de ter descoberto documento tão importante e raro, minha alegria foi maior ainda quando, anos depois, esta negra até então desconhecida passou a simbolizar o ideal de liberdade dos negros do Piauí: foi dado o nome de Esperança Garcia a um hospital em Nazaré do Piauí, em Teresina há o Coletivo de Mulheres Negras ‘Esperança Garcia’ e o dia em que ela datou sua carta, 6 de setembro, passou, por lei, a ser comemorado o Dia Estadual da Consciência Negra. Para um historiador é a glória ter um seu ‘personagem’ ressuscitado e elevado a tantas homenagens dois séculos depois de sua morte.

            Aqui tem a carta dela, escrita por ela. Isso é porque havia umas fazendas dos jesuítas no Brasil. E, quando o Marquês de Pombal expulsou os jesuítas do mundo Portugal/Brasil, essas fazendas passaram ao Estado. Então, ela foi tirada pelo feitor de uma fazenda sua, próxima de Floriano, e foi colocada em uma fazenda em Nazaré, separando-a do esposo e dos filhos. Lá, ela sofreu maus-tratos. E ela diz aqui... Atentai bem, isto é importante. Dê mais um minuto para a mulher negra brasileira, a primeira a reagir contra a escravatura:

Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar, q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de sua caza, onde nella passom to mal.

A primeira He q. há grandes trovoadas de pancadas enhum filho sem sendo uhã criança q. lhe fez [ela escrevendo naquela época] estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas, tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds. esCapei.

A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar.

Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a fazda. aonde elle me tirou pa eu viver com meu marido e batizar minha filha q.De V.Sa. sua escrava EsPeranÇa garcia.

         Quer dizer, foi o primeiro documento escrito por uma mulher negra piauiense, reivindicando ao Governador, com um português com dificuldade. É o documento mais velho, mostrando a grandeza da mulher...

(Interrupção do som.)

            O SR. MÃO SANTA (PSC - PI) - ...e a bravura da rebelde escrava Esperança Garcia. No século XVIII, mais de um século antes do ato da Princesa Isabel, essa brava piauiense tinha coragem primeiramente de ser alfabetizada, porque havia trabalhado como cozinheira de jesuítas. Foi incorporada e reivindicou ao Governador do Piauí sua liberdade para que voltasse a viver com seu esposo e seus filhos.

            Então, foi no Piauí, que sempre esteve à frente de toda a grandeza histórica deste Brasil, e que orgulhosamente representamos nesta Casa.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2010 - Página 20487