Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso hoje da data da Abolição da Escravatura. Reflexão sobre a colonização lusa na história do Brasil.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro do transcurso hoje da data da Abolição da Escravatura. Reflexão sobre a colonização lusa na história do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2010 - Página 20687
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, REGISTRO, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, OCORRENCIA, MISTURA, RAÇA, POPULAÇÃO, LUTA, NEGRO, LIBERDADE, SOLIDARIEDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, INTELECTUAL, ESCRITOR, LEITURA, TRECHO, OBRA ARTISTICA, CASTRO ALVES (BA), POETA.
  • HOMENAGEM, ZUMBI, VULTO HISTORICO, RESISTENCIA, NEGRO, IMPERIO, COMENTARIO, ATUALIDADE, SITUAÇÃO, POBREZA, CONTINENTE, AFRICA.
  • HOMENAGEM, NEGRO, BRASILEIROS, REITERAÇÃO, COMPROMISSO, CONGRESSO NACIONAL, ERRADICAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito bem, Sr. Presidente. Vamos fazer um pronunciamento muito breve para que outros companheiros possam também valer-se desta tribuna.

            Hoje é 13 de maio, Sr. Presidente, data que nos instiga a fazer uma reflexão acerca de uma fase triste da humanidade que teve profundas repercussões no Brasil.

            Todos nós sabemos que a escravatura não foi invenção dos portugueses, mas o resultado de uma iníqua forma de exploração da mão de obra humana que vem de remota antiguidade.

            Já no século IV a.C., Aristóteles pontificava a existência de dois tipos de escravos: um estabelecido por lei ou convenção e outro, pela própria natureza da pessoa. E pasmem: esse segundo tipo seria escravo por deficiência da própria razão, ou seja, por limitação da inteligência.

            No entanto, foi a colonização lusa que protagonizou os horrores da escravidão na história do nosso País. E, paradoxalmente, foi aí que se deu o início da miscigenação de um povo de extraordinária índole, que é o povo brasileiro.

            Nas adversidades do perverso regime abolido em 1888, os negros revelaram sua determinação e, sobretudo, a sua coragem. Foi a luta dos negros por sua liberdade uma verdadeira epopeia.

            Mas a solidariedade de brancos, minoritários, é verdade, durante muito tempo, teve relevante papel na campanha abolicionista.

            Quem não se lembra, por exemplo, Sr. Presidente, das dramáticas exaltações de Castro Alves?

            Nos seus poemas, o grito contra a iniquidade que começava na captura, se agravava na viagem e prosseguia na servidão.

            Para esta reflexão, compensa voltar à era do tráfico de escravos nas súplicas pinçadas do Navio Negreiro, desse que foi considerado o príncipe dos poetas. Pincei aqui, Sr. Presidente, umas poucas estrofes deste grande poema que fez história:

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas

Co’a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! Noites! Tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão. . .

Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d’amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

            Que lindas palavras! Que lindo poema deste que foi o príncipe dos poetas e que esteve na frente da luta contra a escravatura, daquele que mais denunciou o tráfego negreiro que tanta nódoa espalhou, não só pelo Brasil, mas por toda a humanidade.

            Ontem, Sr. Presidente - e V. Exª lembrou disto quando fez o seu pronunciamento nesta tarde -, este Plenário prestou uma extraordinária homenagem a outro grande soldado desta luta que foi Joaquim Nabuco.

            A verdade é que a Abolição da Escravatura não resultou de um ato de generosidade do Império, mas de uma luta incessante e destemida que revelou seus heróis.

            Poetas, escritores e militantes da Abolição como José do Patrocínio, Rui Barbosa, também invocado por V. Exª, André Rebouças, Teodoro Sampaio e tantos outros, negros e brancos, que se irmanaram e que foram os responsáveis maiores pela célebre Lei Áurea que imortalizou a princesa Isabel e que fez o Império pagar um grande passivo.

            No entanto, esta homenagem ficaria vazia se olvidássemos o ícone da resistência à exploração escravagista que foi, sem dúvida alguma, o Zumbi dos Palmares.

            Mais de 60 milhões de negros, Sr. Presidente, foram arrancados da África para se tornarem escravos em outros países.

            Calcula-se que o Brasil, só o Brasil, recebeu cerca de 3,5 milhões deles ao longo de 300 anos desta prática desumana. No entanto, o continente negro não aboliu o sofrimento, e a maioria dos africanos que ainda permanecem na África continuam escravos da pobreza, da prepotência e do descaso das nações desenvolvidas.

            No Brasil, a homenagear os negros nesta efeméride tão importante não só para eles, mas para toda a comunidade brasileira nós não podemos deixar de realçar a participação importante que eles têm em todos os segmentos da sociedade, no segmento público e no privado. No público, estão no Judiciário, no Ministério Público, no Executivo; aqui no Congresso Nacional, representados sobretudo pelo Senador Paulo Paim, e que esteve representado ontem pelo ex-Senador Abdias Nascimento; no Judiciário, com Joaquim Barbosa; no Executivo, por Orlando Silva. Na figura de cada um desses, eu quero homenagear todos os negros brasileiros que sempre têm contado com a participação, com o apoio do Congresso Nacional para ampliar as suas conquistas e exorcizar os resquícios que ainda existem daquela lastimável cultura que infelicitou o povo brasileiro.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Modelo1 5/19/244:53



Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2010 - Página 20687