Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2010 - Página 20230
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO, SENADO, HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESCRITOR, DIPLOMATA, FUNDADOR, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LEITURA, TRECHO, BIOGRAFIA, DIVERSIDADE, DECLARAÇÃO, DISCURSO, PERIODO, IMPERIO, MANIFESTAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, SUSPEIÇÃO, TENTATIVA, GOVERNO, IMPEDIMENTO, VOTAÇÃO, PROJETO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador Mão Santa, membro da Mesa do Senado Federal que preside a presente sessão do Senado Federal em memória aos 100 anos do falecimento de Joaquim Nabuco; Exmº Sr. Senador Cristovam Buarque, autor do requerimento que permitiu a realização desta sessão; minhas saudações aos bisnetos de Joaquim Nabuco aqui presentes, Sr. Pedro Nabuco e Srª Isabel Nabuco; às trinetas do homenageado, Srtas Clara Nabuco e Ana Rosa Nabuco; ao Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores, Exmº Sr. Embaixador Carlos Henrique Cardim; ao Exmº Sr. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Carlos Mathias; ao Exmº Sr. Primeiro-Secretário Ian Eriksen, que representa o Embaixador da Noruega creditado no nosso País; ao Primeiro-Secretário da Embaixada de Portugal, Sr. Jorge Manuel Fernandes; e ao caro Presidente do Conselho Federal dos Músicos do Brasil, João Batista Viana; minhas senhoras e meus senhores.

            Se a obra intelectual, de que certamente Minha Formação é fulgurante exemplo, ou se a ação do abolicionista, na maior das campanhas políticas que o Brasil conheceu. Entre o intelectual, o político, o parlamentar, o orador e o homem público, a quem reverenciar? Não se trata de um caso em que a obra a que dedicou boa parte de sua vida haja sido superior à própria vida, apesar de ela o haver consagrado para sempre e o tornado imortal, antes mesmo de, ao lado de Machado de Assis, fundar a academia dos imortais: Academia Brasileira de Letras.

            Também não é o caso de supor que a vida exemplar que viveu servindo a seu País com as ideias que defendeu, pôde ser maior que as atividades a que se entregou.

            Nabuco assim se definia no capítulo Atração do Mundo, da sua primorosa obra Minha Formação, um clássico, por sinal:

“...nunca fui, o que se chama verdadeiramente um político, um espírito capaz de viver na pequena política e de dar aí o que tem de melhor. Em minha vida vivi muito da política com “P” grande, isto é, da política que é História e ainda vivo, é certo que muito menos. Mas, para a política propriamente dita, que é a local, a do país, a dos partidos, tenho esta dupla incapacidade: não só um mundo de coisas me parece superior a ela, como também minha curiosidade, o meu interesse, vai sempre para o ponto onde a ação do drama contemporâneo universal é mais complicada ou mais intensa.”

Ainda em seu livro Minha Formação, ele se autoanalisa:

“No fim desta fase de lazzaronismo intelectual, quando sou pela primeira vez eleito para o Parlamento, eu tenha necessidade de outra provisão de sol interior; era-me preciso, não mais o diletantismo, mas a paixão humana, o interesse vivo, palpitante, absorvente, no destino e na condição alheia, na sorte dos infelizes; aproveitar a minha vida em qualquer obra de misericórdia nacional; ajudar o meu país, prestar os ombros à minha época, para algum nobre empreendimento”.

Referindo-se à luta sobre a escravidão e à queda do Império, em Minha Formação, ele confessa:

A abolição no Brasil me interessou mais que uma série de fatos de que fui contemporâneo; a expulsão do Imperador me abalou mais profundamente do que todas as quedas de tronos ou catástrofes nacionais que acompanhei de longe; por último, não experimentei nenhuma sensação tão cheia, tão prolongada, tão viva, durante meses interrompidos, como durante a última revolta, quando se ouvia o canhão da guerra civil no mar e o silêncio ainda pior do terror em terra. Em tudo isto, porém, há muito pouca coisa política; nesses três quadros, por exemplo, a política suspende-se; o que há é o drama humano universal de que falei; transportado para nossa terra”.

            Oliveira Viana, que o conheceu pela vida e pela obra, escreveu em seus Pequenos Estudos de Psicologia Social:

“No fundo do caráter de Nabuco vamos encontrar, em estratificações hereditárias, esse sentimento de integridade pessoal, tão fundamental para Emerson nos triunfos da vida, e que era um dos característicos dos estadistas do período imperial. Mesmo nas suas predileções mundanas, esse sentimento de integridade como que o moderava, impedindo-o de cair no exagero ridículo das vaidades elegantes. O amor das exterioridades galantes em Nabuco nunca chegou a amesquinhar no seu caráter esse nobre culto da personalidade, tão vivaz e difuso entre nossos homens do passado. Havia na sua elegância esse toque indefinível de respeitabilidade que, entre os ingleses, é o sinal mais indicativo dos aristocratas genuínos.”

        Do Visconde de Sinimbu, afirmou certa feita Machado de Assis que, “como orador, fisicamente não perdia a linha”.  De Nabuco, acrescenta Oliveira Viana, “pode-se dizer que não só física, mas moralmente não a perdia”.

        E continua:

“O esplendor de suas metáforas e a sonoridade de sua voz, ampla, cheia, de uma pureza de timbre incomparável, destacavam-no vivamente e o singularizavam entre os seus companheiros de Parlamento aqueles oradores lúcidos e fáceis, que dominaram os últimos decênios do Império. (...) O que, porém, mais nos encanta em Nabuco é o artista da palavra. Dá-nos a sua prosa uma suave impressão de repouso e de serenidade, com seus períodos fluidos e mansos, de um andamento quase imperceptível, como o das águas dos grandes rios na proximidade dos estuários. Sente-se ali a atenção vigilante do artista, moderando a correnteza da ideia, rallentando a fluência do estilo e a amplitude dos seus ritmos. Mas de tal maneira o faz, e com tal arte, que desses carinhos de fatura, mal se apercebe o leitor.”

            Oliveira Viana, que foi tão cáustico em sua obra quanto intransigente em suas convicções, parece superar o próprio estilo e, como uma reverência ao ídolo que tantos de seus companheiros admiraram, encerra seu depoimento com um misto de surpresa e nostalgia:

“Quando pela primeira e última vez o vimos foi por ocasião da visita de Elihu Root, o grande secretário americano. Ele já estava velho, com a sua radiosa cabeça de meridional completamente branca; mas, da sua figura guardamos uma recordação indelével.

 Foi no Palácio Monroe. Nós, os estudantes, passávamos, vibrantes, numa ruidosa marche aux flambeaux em homenagem ao estadista americano. No patamar da escadaria central, enfileiravam-se o corpo diplomático, os embaixadores do Pan Americano, as altas autoridades civis e militares. Embaixo, sobre a multidão sussurrante, milhares de balões venezianos, oscilando, aos boléos, nas pontas das bengalas, agitavam fantasticamente os seus globos policrômicos.

Houve um momento em que, lá em cima, acenderam um facho de fogos cambiantes; e, dentro do seu repentino e azulado clarão, no alto do primeiro lance da escada, Nabuco, de casaca, destacou, nitidamente, na noite iluminada, a sua silhueta imponente, alteando-se, sobranceiro, entre Root e Rio Branco. É bom lembrar que Root era o Secretário de Estado Americano e Rio Branco o Ministro de Relações Exteriores.

Sobre ele centralizaram-se, desde logo, todos os olhares. Nabuco parecia ter compreendido aquela admiração. Imobilizando-se ainda, mais deu então à sua atitude um ar impassível, de uma serenidade olímpica - como se naquele instante, colocado diante da objetiva da História, quisesse negar à posteridade o modelo ideal da sua própria estátua”.

            Era esse, na descrição do seu coetâneo, o intelectual e o orador. Sobre o político e o parlamentar, na introdução de 53 páginas, do volume 26 da série Perfis Parlamentares da Câmara dos Deputados, Gilberto Freyre, nosso festejado sociólogo e conterrâneo, também Deputado como Nabuco, escreveu:

“O confronto entre os discursos de Joaquim Nabuco podem acusar o seu cosmopolitismo impregnado de europeísmo, particularmente anglicismo, sem lhe ter faltado algum francesismo. Mas acusa também a pernambucanidade de sua origem, de sua formação e de sua tradição, do seu modo específico de ser brasileiro. Um modo desassombrado, diferente do desassombro mais espetacular do gaúcho, um desassombro contrastante, por mais que incisivo, com uma tendência baiana, mesmo em debates, para um trato com o que docemente macio de assuntos públicos ou políticos, por mais ásperos. Doçura por vezes impregnada de sabedoria política da melhor “.

            O retrato que Gilberto traça do político abolicionista e do parlamentar assíduo aos seus deveres é realista: 

“Feitio, maneira, estilo pernambucano ou recifense de expressão parlamentar, que, em Joaquim Nabuco, pode-se dizer ter culminado com a sua voz, a sua palavra, o seu próprio gesto, dando a um misto de estilização apolínea ou dionisíaca o máximo de fulgor artístico. Nada de diletante: um toque, por vezes, de paixão, de engajado numa causa: a causa abolicionista. Mas nunca ausente nem do apaixonado, aquele apolíneo pendor racionalizante, tão do intelectual e, até, do pensador político dentro do parlamentar.

Valiosa esta arguta e humilde autocrítica, a de recordar-se, já afastado da atividade política, por ter sido pela Câmara e pelas galerias tão aplaudido em sua eloqüência de deputado, enquanto os que ‘vieram antes de mim se retraíam quando eu me expandia: em muitos era a saciedade, o enjôo que começava; em alguns, a troca da aspiração por outra ordem de interesses mais utilitários; em outros, porém, era a consciência que chegava à madureza, o amor à perfeição desses discursos sem exceção que figuram em meu nome nos Anais de 1879 e 1880, eu não quisera saber nada senão a nota íntima, pessoal, a parte de mim mesmo que se encontra em alguns. Não assim como os que proferi na Câmara na semana de maio de 1888, nem com os que, do Recife, em 1880-1885, pronunciados no Teatro Santa Isabel, estes, são o melhor da minha vida’”.

            A atuação de Nabuco parlamentar, como Deputado, consta em 1879 sua primeira legislatura, de 12 pronunciamentos. Nas legislaturas que se seguiram, de 1880 a 1888, a penúltima do Império, foram 20. O brilho da campanha abolicionista que o absorveu e à qual se dedicou com empenho de seu total envolvimento suplanta sem dúvida toda a ação do político liberal e do parlamentar atuante. Mas nem por isso deixa de ser um momento empolgante de sua vida pública.

            Contudo, mais do que testemunhos alheios dos muitos que a ele foram dedicados, são as suas próprias razões e os sentimentos que, externados, no mais expressivo de seus livros, Minha Formação. No prefácio, que é datado de 8 de abril de 1900, 10 anos, portanto, antes de sua morte, é possível apreciar a síntese do orador com a do intelectual e a do político com o parlamentar.

            Ele começa explicando que a maior parte da obra “apareceu, primeiro, no jornal Comércio de São Paulo, em 1895; depois foi recolhido pela Revista Brasileira, cujo agasalho nunca me faltou (...). A data do livro para a leitura deve ser assim 1893-1899, havendo neles idéias, modos de ver, estados de espírito de cada um desses anos”.

            E confessa:

“Agora que elas estão diante de mim em forma de livro e que as releio, pergunto a mim mesmo qual será a impressão delas... Está aí muito de minha vida. Será uma impressão de volubilidade, de flutuação, de diletantismo, seguida de desalento que elas comunicarão? Ou antes de consagração por um voto perpétuo, a uma tarefa de saciar a sede do trabalho, do esforço e de dedicação da mocidade, e somente realizada a tarefa da vida, saciada aquela sede - ainda mais transformada por um terremoto em face da época, criado um novo meio social, em que se tornam necessárias outras qualidades de ação, outras faculdades de cálculos para lutas de diverso caráter - renúncia política, depois de dez anos de retraimento forçado e diante de uma sedução intelectual mais forte, de a perspectiva final do mundo, mais bela e mais radiante..”.

            Muitos são os depoimentos sobre Nabuco, mas nem tantos os testemunhos. O de Rodrigo Octavio, na série “Minhas memórias dos outros”, abrange algumas etapas da vida de Nabuco, no Brasil e no exterior. Ilustrativo, porém nenhum mais atraente do que o de sua volta ao Recife, depois de sua primeira eleição como Deputado geral - no período imperial, o Deputado era assim denominado -, vencido o insucesso de tentativa anterior. É da primeira das três séries de sua obra, em que escreveu... 

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Senador Marco Maciel, desculpe interrompê-lo.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Sim.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - É que chega o nosso Presidente Sarney. É um intelectual político homenageando outro intelectual político.

 

            O SR. PRESIDENTE (José Sarney. PMDB - AP) - Obrigado, Senador.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM -PE) - Presidente Sarney, então...

            O SR. PRESIDENTE (José Sarney. PMDB - AP) - Desculpe, Senador Marco, interrompê-lo.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não.

            Devo dizer que o Senador José Sarney, além de Presidente do Senado Federal é também um nabucólogo e grande conhecedor da obra de Joaquim Nabuco.

            Dizia, Sr. Presidente, que são muitos os depoimentos sobre Nabuco, mas nem tantos os testemunhos. Rodrigo Octavio, na obra citada, escreveu: 

“Conheci Joaquim Nabuco, ou melhor, contemplei-lhe pela primeira vez a figura graciosa e máscula num dia de apoteose. Cursava eu, em 1885, o terceiro ano da Faculdade de Direito do Recife, quando o grande tribuno abolicionista, eleito deputado em situação adversa, pelo 5º Distrito da antiga Província, numa vitória formidável, depois de haver sido depurado pela Câmara, em eleição anterior no 1º Distrito, chegou em visita de gratidão à sua terra natal. Era um triunfador e foi recebido...”

            O SR. PRESIDENTE (José Sarney. PMDB - AP) - Senador Marco Maciel, peço licença a V. Exª para interromper porque nosso colega Domício Proença acaba de entrar e teremos a grande honra de ele ter assento aqui no plenário. Grande poeta, grande crítico brasileiro, grande intelectual e membro da Academia Brasileira de Letras. Por favor.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Continua o testemunho:

“Era um triunfador e foi recebido como na Roma antiga se recebiam os heróis que chegavam dos campos de guerra.

Atravessei a cidade no alvoroço de seus dias de grande festa, e fui, com outros colegas, à casa de sobrado de nosso amigo dr. Souza Pitanga, em uma das ruas principais, para ver passar o préstito.

Tenho ainda bem viva na memória a lembrança do delírio das ovações, do frenesi do entusiasmo popular. Nabuco, bela figura expressiva de homem, bem formado, mais alto do que o comum dos homens, vinha de pé em uma carruagem aberta, na frente de uma enorme enfiada de carros, envolvidos na onda do povo que o acompanhava, cabeça descoberta, os braços para um e outro lado, a agradecer palmas e aclamações que estrondavam, flores e pétalas que, numa chuva incessante, caíam sobre ele. Fui, nos dias subseqüentes, ouvir-lhe as conferências no Teatro Santa Izabel e sua eloqüência me eletrizou.

Foi a primeira vez que tomei contacto com o poder da palavra e senti o arrepio que a força da dialética, inflamada pelo calor do gênio servido por uma inexcedível arte de dizer, filtra e insinua em meu organismo sensível.

Com ele, encontrei-me dois anos mais tarde. (...) Foi esse Joaquim Nabuco que, desde então, sempre vi, dominador, vitorioso, aclamado, numa impressão formidável que nem o trato diário que, depois, tive o privilégio de ter com ele, conseguiu sequer desbotar”.

            Hoje, estamos falando do centenário da morte do mais lúcido de nossos parlamentares, do mais sensível dos nossos políticos, do mais arguto dos intelectuais de sua época e do mais perspicaz dos nossos escritores, pelas causas a que se dedicou e pelas campanhas em que se empenhou. Antes de nós, porém, o Legislativo brasileiro, como hoje, celebrou em 1949, no curso da primeira Legislatura, depois da queda do Estado Novo e da reconstitucionalização do País, o centenário do seu nascimento por iniciativa de Gilberto Freyre que, então, exercia o mandato de Deputado Federal, eleito tão logo passamos a viver sob a égide da Constituição de 1946.

            Na coleção editada pelo Serviço de Documentação do Ministério, na época ainda denominado de Educação e Cultura, Hermes Lima que tanto ilustrou a política brasileira, publicou em sua obra Idéias e Figuras o discurso que, em nome do seu Partido, pronunciou na sessão de homenagem a Nabuco. Nesse pronunciamento, destaco o trecho que diz:

“Estou, porém, que não é possível compreender nem Nabuco político, nem Nabuco escritor, sem considerarmos que Nabuco foi, organicamente, um esteta. Há uma frase de seu pequeno e admirável livro Minha Formação que projeta um raio de luz sobre a sua própria personalidade. É naquela em que ele confessa ter sido realmente sensível ‘à impressão aristocrática da vida’”.

      E prossegue:

“Talvez Nabuco dissesse melhor se houvesse escrito ‘à impressão estética da vida’. Ele tinha os olhos e os sentidos todos abertos para os aspectos e as revelações da beleza que se ofereciam à sua apreciação e à sua inteligência. Era o conhecimento sensitivo, um dos aspectos do conhecimento que mais tocavam sua alma e que mais diziam com o seu temperamento: o amor da ordem, da medida, da clareza, o horror ao excesso, o culto às belas artes, enfim, tudo aquilo em que os dados do conhecimento sensitivo favorecem o gozo da beleza”.

            Em sua bibliografia, não se pode esquecer o papel do historiador que, em sua memorável obra sobre o pai, Um Estadista do Império, valendo-se de mais de 30 mil documentos do acervo de José Tomaz Nabuco de Araújo, produziu o mais amplo, o mais documentado e o mais rico painel de que se tem notícia sobre o Segundo Reinado e a política brasileira daquele período.

            Hoje, a geração que homenageia o centenário de sua morte já não é a mesma que prestou o tributo ao transcurso do centésimo aniversário de seu nascimento. Hoje, como ontem, não é maior, mas também não é menor a admiração que sua vida, sua obra e sua atuação despertam para louvar o exemplo de quem, pelas idéias que expressou, pelas posições que defendeu, pela pregação que envolveu as mais nobres causas, continua a merecer o respeito, a estima, a reverência e o tributo do reconhecimento nacional a um dos mais respeitados homens públicos que o país já teve.

            Sr. Presidente, Senador José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, Senhores e Senhoras convidados para a presente sessão, a causa da emancipação dos escravos, pela qual ele, Joaquim Nabuco, tanto lutou e bateu-se, não veio pela decisão do Parlamento do Império, mas, com tem sido praxe em nossa história, por decisão do Executivo, então representado pela Regente, quando já não era mais possível protelar uma questão que havia conquistado a opinião pública do País.

            Seis décadas, exatos 61 anos, idade com que faleceu, separam as comemorações do centenário do seu nascimento e de sua morte, que agora relembramos. Sua campanha pela emancipação dos escravos, mais do que por sua libertação, não foi uma jornada tranqüila, sem percalços e incidentes. Quando não podiam mais contê-lo, tentaram circunscrever o debate a sessões secretas e a chicanas regimentais. Na sessão da Câmara, de 30 de agosto de 1880, respondendo aos que propunham a realização de uma sessão secreta para se discutir a questão servil por ele proposta, respondeu aos inimigos da causa com a majestade de um dignitário:

“É exato que várias vezes, em discussões públicas, tenho denunciado a escravidão. Mas não tenho de maior liberdade do que aquela que usou o Sr. Salles Torres Homem, Visconde de Inhomirim, no Senado, quando cobriu essa instituição com os maiores anátemas e quanto a profligou com a indignação de sua eloquência.”

            E, em seguida:

“Quando o grande José Bonifácio, o patriarca da independência, preparava-se para oferecer à consideração da Assembléia Constituinte um projeto que tinha por fim a emancipação gradual da escravidão, o patriarca da independência não usava de outra liberdade senão a que eu invoco. Quando, em 1817, nessa primeira tentativa organizada da independência, os revolucionários de Pernambuco referiam-se à questão da emancipação, como sendo uma das primeiras que se tivesse que resolver, os meus comprovincianos indicavam, por assim dizer, a todos os que, a qualquer tempo fossem contemporâneos da escravidão, o dever de abolir, e hoje no Parlamento brasileiro não seria permitido acompanhá-los nesse pensamento livremente exprimido no outro século.

Se não se tratasse de uma questão que interessa à liberdade parlamentar, que faz o mandato do deputado maior ou menor; se não se tratasse de uma questão que, sendo resolvida por uma forma, pode ser a iniciação do país em medidas de terror e de pânico, eu colocaria a reivindicação de meu direito nos termos em que tenho a honra de colocar neste momento. Desejo, pois, saber se o Governo pretende, pela primeira vez, talvez neste reinado, intervir para abafar a liberdade dos debates do Parlamento. Desejo saber se um governo liberal pretende proibir aquilo que era permitido às Câmaras conservadoras; pretendo saber se, quando a instituição monárquica é todos os dias atacada e a própria unidade do país discutida, se, quando nada se considera inviolável nas instituições, a escravidão somente terá esse direito que lhe querem dar de inviolável e sagrada, direito que hoje não tem a própria monarquia.

O nobre presidente da Câmara compreende que este Parlamento, onde se agitam as grandes questões, e se decide os destinos do país, não pode ser dirigido unicamente pela chicana; que no Parlamento nacional é preciso que todas as vozes, que todas as causas tenham a liberdade de manifestar-se claramente, e de cair ou morrer, conforme o voto da Câmara”.

            E acrescenta:

“Senhores, desejo saber qual é a opinião do Governo a este respeito, e desejo saber se o nobre presidente da Câmara está disposto a tomar o voto da mesma Câmara, concedendo-me urgência como definitivo e ainda válido.

Quando pedi à Câmara urgência para justificar o meu projeto designando o dia de sexta-feira, muitos dos meus amigos auguraram que, pelo fato de não ter eu acrescentado as palavras “ou na sessão imediata”, na sexta-feira a Câmara não se reuniria. Sempre supus, porém, que, mesmo não se reunindo a Câmara na sexta-feira, ela manteria o seu voto fazendo ficar na ordem do dia a urgência concedida.

Vejo-me peado a cada passo por essas tricas do regimento.

Senhores, peço à Câmara dos Deputados que ela, se ela não quis não se reunindo na sexta-feira, por uma decisão tomada fora do local das suas deliberações e fora da publicidade necessária a seus debates, anular e invalidar o voto que havia sido dado a favor da urgência por mim requerida, peço à Câmara dos Srs. Deputados queira renovar a mesma urgência ou para a sessão de hoje, ou para a sessão seguinte.

Todavia, declaro que me reservo o direito de retirar o meu pedido de urgência, se o Governo, fazendo do voto dessa urgênciua, questão de confiança, quiser por esta forma obrigar os emancipadores, aqueles que se manifestaram por ocasião da discussão do orçamento da Agricultura de um modo desagradável aos que sustentam a manutenção da escravidão... ou a abandonar a causa da emancipação, que conta com eles, ou a separar-se do Governo, ao qual querem ficar fiéis.

Não quero colocar os meus amigos em posição tão difícil. Quanto à minha, está naturalmente traçada.

Há muito que têm especulado com a ideia de que, tendo eu até hoje acompanhado o Governo, ainda que tivesse ocasião de divergir em pontos essenciais, dos quais o mesmo Governo havia feito questão de gabinete, como a reforma eleitoral, a minha propaganda e, favor da emancipação adquiria alguma força em virtude desta posição ministerialista que tive até hoje.

Senhores, é julgar a questão de um ponto de vista muito estreito. A força da emancipação não provém do fato de um acompanhar um deputado ao gabinete, assim como não pode ser diminuída pelo fato de estar um deputado em oposição ao ministério, em frente do qual se agita esta ideia.

A força da idéia emancipadora não provém, nem da posição relativa em que se coloca aquele que a defende, nem da força e do prestígio deste que lhe presta serviços”.

           Sr. Presidente, esse discurso, um dos mais ilustrativos de sua personalidade e de seu caráter, foi pronunciado, convém lembrar, no dia 30 de agosto de 1880. A questão servil durou ainda oito anos. O Império, nove. A memória de Nabuco é lembrada, celebrada e festejada ainda hoje. A dos inimigos da Abolição, que ele transformou no empenho de sua vida, jaz há muito esquecida nos desvãos da história.

           Parafraseando Barbosa Lima Sobrinho, encerro minhas palavras, dizendo:

“Nenhuma homenagem mais expressiva poderemos prestar a Joaquim Nabuco, do que esforçando-nos para nos elevarmos até a sua grandeza”.

            Muito obrigado. (Palmas.)


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