Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2010 - Página 20238
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SESSÃO, SENADO, AUTORIDADE, DESCENDENTE, HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), LEITURA, TRECHO, LIVRO, ORADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, COMPARAÇÃO, LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, PROJETO, CRIAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, GARANTIA, LIBERDADE, BRASILEIROS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente do Senado, Senador José Sarney; prezado 3º Secretário, Senador Mão Santa; primeiro signatário do requerimento da presente sessão - meus cumprimentos pela iniciativa -, Senador Cristovam Buarque; autor do Projeto de Lei nº 561, que instituiu 2010 o Ano Nacional Joaquim Nabuco, em homenagem ao centenário da morte do abolicionista, Senador Marco Maciel; bisnetos do homenageado, Pedro Nabuco e Srª Isabel Nabuco; trinetas do homenageado, Senhoritas Clara Nabuco e Ana Rosa Nabuco; Ministro-Chefe da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial, Elói Ferreira de Araújo; Vice-Reitor Acadêmico da Universidade do Legislativo Brasileiro, Carlos Fernando Mathias de Souza; Sr. 1º Secretário da Embaixada da Noruega, Ian Eriksen; 1º Secretário da Embaixada de Portugal, Jorge Manuel Fernandes; Srª Conselheira Mary Kaakunga, da Namíbia; Conselheiro da Embaixada de Marrocos, Abdollah Lkahya; Presidente do Conselho Federal dos Músicos, João Batista Viana; Pró-Reitora da Universidade Federal do Paraná, Lúcia Montaigne; Srªs e Srs. Diretores do Ministério de Relações Exteriores, quero muito cumprimentar o Senador Marco Maciel e o Senador Cristovam Buarque pelas excelentes apreciações que fizeram das qualidades e da vida de Joaquim Nabuco.

            Considero Joaquim Nabuco um dos precursores de uma ideia que tenho defendido aqui. O Presidente José Sarney e todos os Senadores sabem o quanto batalho pela proposição de uma renda básica de cidadania. Eu gostaria de lhes transmitir que sempre afirmo a minha concordância com o Filósofo Philippe Van Parijs, que virá ao Brasil nos dias 30 de junho, 1º e 2 de julho, por ocasião do 13º Congresso Internacional da Renda Básica, quando ele afirma em seus livros que o grande avanço da história da humanidade, no século XIX, foi a Abolição da Escravatura, no século XX, o sufrágio universal e, no século XXl, será a instituição do direito de toda e qualquer pessoa, não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica, de todos participarmos da riqueza da Nação, inclusive a centena de índios, Senador Cristovam Buarque, que, ainda hoje de manhã, nós ouvimos. Se já houvesse uma renda básica de cidadania, sua situação seria muito diferente. E é exatamente por essa percepção que, em meu livro, Renda de Cidadania. A Saída é pela Porta, eu escrevi um texto de sobre como Joaquim Nabuco foi um dos precursores dessa proposição. E aqui eu vou ler um trecho de meu livro, exatamente o dedicado à contribuição de Joaquim Nabuco.

Grande propagandista da abolição foi José do Patrocínio, ele mesmo filho de uma escrava de 13 anos com seu senhor, um padre católico que nunca o reconheceu. Patrocínio foi um lutador da causa abolicionista, à qual se dedicou, de 1880 a 1889, com rigor e obstinação. Essa luta deu significado a sua vida. Fazia comícios e escrevia nos jornais abolicionistas as mais inflamadas matérias contra os senhores e seus interesses econômicos, contra os que desejam indenização pela possível perda do patrimônio negro. Levou para as ruas as batalhas que se limitavam antes à esfera parlamentar. Patrocínio lutou contra seu próprio Partido, o Republicano, e também contra os Partidos Conservador e Liberal. Esses Partidos vieram, mais tarde, a aderir à causa. Seus correligionários acusavam Patrocínio de dar mais importância às reformas sociais que às reformas políticas.

Com ele lutaram homens como o Deputado Joaquim Nabuco, conforme depoimento de Patrocínio, o “nome mais prestigioso do abolicionismo, dentro e fora do País”, que travava campanha na Câmara; ou o extraordinário matemático, astrônomo, botânico, geólogo e poeta negro André Rebouças que, com Nabuco e Patrocínio, fundou a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Rebouças encarnava o espírito antiescravista do grupo, como atestam as palavras de Joaquim Nabuco em sua obra Minha Formação: “O espírito inteiro, sistemático, absoluto, sacrificando tudo, sem exceção, que lhe fosse contrário ou suspeito, não se contentando de tomar a questão por um só lado, olhando-a por todos, triangulando-a, por assim dizer - era uma de suas expressões favoritas -, socialmente, moralmente, economicamente. Ele não tinha, para o público, nem a palavra, nem o estilo, nem a ação; dir-se-ia assim que em um movimento dirigido por oradores, jornalistas, agitadores populares não lhe podia caber papel algum saliente. No entanto, ele teve o mais belo de todos, e calculado por medidas estritamente interiores, psicológicas, o maior, o papel primário, ainda que oculto, do motor, da inspiração que se repartia por todos.

Joaquim Nabuco foi um excelente tribuno e escritor. Deixou a carreira diplomática para se dedicar à política. No Parlamento, tornou-se o advogado dos escravos, perdendo, por esse motivo, o apoio de seu Partido. Junto a um grupo de cerca de dez parlamentares, tentava sempre manter os debates sobre o fim da escravidão. Nas eleições seguintes, todo o grupo de Nabuco ficou de fora, e o governo garantiu para si o apoio de uma legislatura solidamente contrária à emancipação.

Nabuco partiu para Londres, onde viveu uma espécie de exílio, mas não esqueceu sua causa, tanto que lá escreveu o livro Abolicionismo, que viria a ser um documento de extrema importância para a vitória dos abolicionistas. Quando retornou ao Brasil, Nabuco encontrou outra situação. As organizações de defesa dos escravos, que antes não passavam de sociedades beneficentes ou caridosas, haviam se transformado em instituições políticas fundidas numa Confederação e funcionavam como centro ativo de propaganda - “a escravidão é um roubo”, era o lema. A Confederação angariava recursos para a compra de alforria de escravos, dava cobertura aos fugitivos e até mesmo promovia a fuga de escravos. A campanha de Joaquim Nabuco, nas eleições seguintes, teve como tema o abolicionismo, quando ele fez os seus discursos mais veementes e mais entusiasmados. A escravidão - assim como nos parece hoje a pobreza no Brasil - era um sistema profundamente arraigado na nossa vida econômica, política, cultural e social. Parecia uma utopia querer acabar com os escravos, que garantiam a prosperidade de um país tão agrícola, que era um patrimônio de senhores, tanto quanto a terra. Disse Nabuco em um de seus discursos: 

Essas grandes verdades que tratei de passar para os vossos espíritos com a mesma força e evidência com que elas se impuseram ao meu, hão de ficar profundamente gravadas no patriotismo e na consciência de todos vós. A primeira foi de que há brasileiros ainda sem pátria e que a Nação brasileira, com o regime servil, está posta fora da lei no interior, abaixo da lei nas cidades. [...] A segunda foi que a propriedade não tem só direitos, tem também deveres e que tem faltado a todos os seus deveres, dos quais não chegou ainda a ter sequer consciência. A terceira foi que a solução do problema da miséria nas cidades, da ociosidade e da indiferença no interior só pode ser produzida por uma lei agrária que, por meio do imposto territorial ou da desapropriação, faça voltar para o domínio público toda a imensa extensão de terras que o monopólio escravista não cultiva nem deixa cultivar.

A quarta foi que nós precisamos de reformas sociais que tenham por centro esse único interesse nacional - o trabalho -: liberdade de trabalho, amor ao trabalho, instrução técnica e cívica do trabalhador, voto do operário, proteção ao trabalho, criação de indústrias etc. Precisamos desse grupo de reformas sociais de preferência a mudanças e reformas políticas que não afetam o nosso povo, mas tão-somente a oligarquia criada pela escravidão.

A luta contra as forças conservadoras foi violenta e, poucas vezes, os abolicionistas acreditaram ver ainda em vida o seu resultado. Quando a campanha foi iniciada, em 1879, havia quase dois milhões de escravos no Brasil, e suas crianças, embora libertadas pela Lei do Ventre Livre, viviam, de qualquer forma, sujeitas ao regime de cativeiro até a maioridade.

A campanha se fundamentava em alguns princípios de ação. Primeiro, a formação da opinião pública, por meio da palavra no Parlamento, na imprensa, nos meetings, nos púlpitos das igrejas, nas academias e instituições culturais, nos tribunais. Segundo, a ação coerciva que arrebatava os escravos aos senhores. Terceiro, a ação junto aos proprietários para convencê-los a libertar seus escravos. Quarto, a ação política dos estadistas, que concediam concessões por parte do Governo. E, quinto, a ação junto à dinastia.

Nesse sentido, Nabuco foi capaz de um gesto de grande sabedoria política: visitou o Papa, em Roma, e conseguiu que lhe desse um escrito contra a escravidão, o que deixou os proprietários - católicos em sua maioria - arrefecidos.

A própria Princesa Isabel teria sido influenciada pelas palavras do Papa, ao assinar a lei que passou a se chamar “Áurea”.

Criado no engenho, na zona do Cabo, no interior de Pernambuco, Nabuco experimentou uma relação de proximidade com os escravos. Os engenhos eram pequenas explorações industriais, que serviam apenas ao senhor e a sua família, uma aristocracia rural que tinha “um pudor, um resguardo em questões de lucro, próprio das classes que não traficam”. Deixou, em seu texto mais famoso, Massangana, um dos capítulos de seu clássico Minha Formação, uma impressão de ternura e gratidão por aqueles que deram seu sangue e seu suor para a formação das bases econômicas e culturais do Brasil.

            Quando Joaquim Nabuco tinha 7 anos de idade, um escravo que havia sido açoitado resolveu pedir-lhe que conseguisse sua liberdade. Graças ao menino Joaquim Nabuco, que ficou tão impressionado com aquele apelo e pediu a sua madrinha, aquele escravo foi libertado.

            É interessante como nós, crianças, meninos, na adolescência, vamos formando nossa convicção, nossa consciência sobre o que acontece em nosso País e passamos, então, a lutar por ideias e proposições. Exemplos como o Senador Cristovam Buarque, que tem essa paixão extraordinária pela educação; como o Senador Marco Maciel, que tem essa paixão pelo aperfeiçoamento da democracia no Brasil.

           Então, em Minha Formação, diz de maneira tão bela Joaquim Nabuco:

A escravidão permanecerá por muito tempo, como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país e foi a que ele guardou; ela povoou-o, como se fosse uma religião natural e viva, com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte... É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do Norte. Quanto a mim, absorvia-a no leite preto que me amamentou; ela envolveu-me como uma carícia muda toda a minha infância; aspirei-a da dedicação de velhos servidores que me reputavam o herdeiro presuntivo do pequeno domínio de que faziam parte...Entre mim e eles deve ter se dado uma troca contínua de simpatia, de que resultou a terna e reconhecida admiração que vim mais tarde a sentir pelo seu papel. Este pareceu-me, por contraste com o instinto mercenário de nossa época, sobrenatural à força da naturalidade humana, e, no dia em que a escravidão foi abolida, senti distintamente que um dos mais absolutos desinteresses de que o coração humano se tenha mostrado capaz não encontraria mais as condições que o tornaram possível.

            Esses homens, entre tantos outros, consolidaram em nosso País uma tradição de luta, entre os quais Zumbi de Palmares e tantos outros que, felizmente, colaboraram para que a escravidão não existisse mais na forma como existia, ainda que, infelizmente, em muitas ocasiões, ainda encontramos, em muitos lugares no Brasil, pessoas que estão próximas de viver quase em um sistema de escravidão.

            Certo dia, no início de meu mandato como Senador, o Padre Ricardo Rezende, do sul do Pará, pediu a diversos Parlamentares que fôssemos a Rio Maria verificar a condição de trabalhadores rurais. E, para lá, diversos de nós fomos, Deputados e Senadores. Eu estava, praticamente, iniciando o meu primeiro mandato de Senador, no início de 1992. O atual Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi, ainda que não estivesse mais entre os Constituintes. Era o seu primeiro ano após o seu mandato de Constituinte, mas ele estava conosco. Ali, observamos o relato de dezenas de trabalhadores que, em síntese, era o seguinte:

            “A gente vem aqui, diante do hotel, da rodoviária ou do restaurante. Vem o fazendeiro, ou o seu gerente, ou o capataz e nos diz: ‘Quem quiser entra aí no caminhão ou no ônibus e vamos lá para a fazenda a uns quatrocentos a quinhentos quilômetros daqui. Vocês vão trabalhar ali, vão cortar a floresta, preparar a terra, plantar e vão receber um tanto’. Passadas três a quatro semanas, nós perguntamos: ‘Eu preciso receber. Já trabalhei um bocado’. ‘Não, por enquanto, você não tem o que receber’. ‘Como não?’ ‘Ah, você está devendo, aqui na venda, mais do que tem o direito de receber’. ‘Se for assim, vou embora.’ ‘Se quiser embora, vai levar um tiro’. E muitos levaram tiros. Uma situação que, infelizmente, ainda faz lembrar a condição de escravo. Se houvesse, por exemplo, o direito de todos a uma renda como um direito à cidadania, essa pessoa poderia dizer: “Não! Daqui para frente, eu não preciso me submeter a isso, Presidente José Sarney. Eu e minhas crianças temos, pelo menos, o que é possível para nós sobrevivermos. Vou até fazer um curso ou algo assim”. Quem sabe não precise uma moça vender o seu corpo; poderá também dizer “não” e assim por diante.

            Dessa maneira, quero muito cumprimentar os netos, bisnetos de Joaquim Nabuco e todos aqueles que parabenizo pela iniciativa de estarmos aqui comemorando a memória desse extraordinário brasileiro.

            Muito obrigado. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2010 - Página 20238