Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.

Autor
Roberto Cavalcanti (PRB - REPUBLICANOS/PB)
Nome completo: Roberto Cavalcanti Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2010 - Página 20241
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SESSÃO, SENADO, AUTORIDADE, DESCENDENTE, HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), DIPLOMATA, ESCRITOR, INTELECTUAL, ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, LEITURA, TRECHO, BIOGRAFIA, LIVRO, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, GARANTIA, LIBERDADE, NEGRO.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. ROBERTO CAVALCANTI (Bloco/PRB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal, Exmº Sr. Senador José Sarney; Terceiro Secretário da Mesa do Senado Federal, Exmº Sr. Senador Mão Santa; primeiro signatário do requerimento da presente sessão, Exmº Sr. Senador Cristovam Buarque, meu amigo, professor, pernambucano, autor do Projeto de Lei nº 561, que instituiu o Ano Nacional Joaquim Nabuco, em homenagem ao centenário da morte do abolicionista, em 2010; Exmº Sr. Senador Marco Maciel, também meu amigo e conterrâneo, pernambucano, é muito difícil suceder dois pernambucanos como Marco Maciel e Cristovam Buarque, numa homenagem a Nabuco.

            Bisnetos do homenageado, Sr. Pedro Nabuco e Srª Isabel Nabuco; trinetas do homenageado, Senhoritas Clara Nabuco e Ana Rosa Nabuco, há poucos minutos, eu me acostava às duas lindas jovens e dizia: “Quem é Clara?”. Aí uma delas levantou o braço e disse: “Sou eu”. “E quem é Ana Rosa?” A outra levantou o braço e disse: “Sou eu”. Aí está o DNA de Nabuco, presente nesta sessão. Essa é uma coisa linda, fantástica, e, talvez, os maiores homenageados devam ser os familiares de Nabuco.

            Exmº Sr. Ministro-Chefe da Secretaria Pública de Promoção da Igualdade Racial, Eloi Ferreira de Araújo; senhores membros do Corpo Diplomático; demais autoridades; minhas senhoras e meus senhores, hoje, falo de Nabuco com muita emoção. Nabuco fez parte da minha vida como pernambucano. Não existe pernambucano que não se emocione ao falar de Nabuco.

            Quando jovem, ir a um cinema em Recife significava ir à Praça Joaquim Nabuco, ao Cinema Moderno. Fazer uma roupa na melhor alfaiataria de Pernambuco significava também ir à Praça Joaquim Nabuco e fazer um terno na Alfaiataria Mônaco. Ainda hoje, o melhor restaurante, o mais tradicional restaurante do Nordeste, de Pernambuco, de Recife, é o Restaurante Leite, exatamente na Praça Joaquim Nabuco. Eu também, quando jovem, sentia a presença de Joaquim Nabuco, pois meu pai, que era antropólogo, trabalhava exatamente no Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. Então, Joaquim Nabuco está dentro da alma de todo pernambucano, e eu não poderia, como pernambucano, com essa cumplicidade com o nome Joaquim Nabuco, deixar de fazer uma homenagem aos que perpetuam a memória de Joaquim Nabuco.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aguardei, com ansiedade quase adolescente, a chegada desta sessão de homenagem ao brasileiro, nordestino e pernambucano Joaquim Nabuco. Cidadão pernambucano que sou, Senador eleito pela Paraíba, que represento com garra e com determinação, trazendo no nome o Cavalcanti herdado do primeiro Filipe que aqui aportou, trago na alma e no coração o apreço e a idolatria pela liberdade como um bem em si mesma. Na memória afetiva, tenho incólumes os feitos heroicos e nordestinos formidáveis que romperam grilhões e resistiram a bacamartes e a investidas de piratas de todos os mares, que sistematicamente ameaçaram nossa soberania, e vivo e viverei sempre de maneira apaixonada, inteira.

            Não à toa que Nabuco tenha nascido e forjado sua personalidade libertária no Estado de Pernambuco, onde floresciam casas-grandes e senzalas, agonia e êxtase, esplendor e miséria. Não por acaso também que ele tenha sido produto de um Estado cuja história é rica em movimentos insurreicionistas e libertários.

            Assim é, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, na tarde de hoje, participo desta homenagem com admiração genuína e que, ao falar dessa figura extraordinária que, quase dois séculos após seu nascimento, continua a povoar o imaginário coletivo como exemplo de grandeza, de paixão e de humanidade, posso ouvir, com os ouvidos da alma, os gritos das senzalas que o indignaram e os sussurros das reuniões abolicionistas, onde sua voz firme e sensível foi a bússola que norteou a travessia para a liberdade.

            Não falarei da pluralidade da sua atuação como diplomata, escritor ou intelectual e, sim, da sua luta intransigente pelo fim da escravidão, traço que o distingue de maneira clara em relação à sua geração. Ao contrário de outros políticos ou intelectuais tão brilhantes quanto ele, Nabuco se postou desde muito jovem contra a escravidão e percebeu, com muito mais clareza do que a maioria de seus contemporâneos, que o regime servil era o grande mal que impedia que o Brasil se transformasse em uma verdadeira nação.

            Nabuco, nas palavras do sociólogo Francisco Weffort, “foi, sem dúvida, um homem de extrema generosidade e coragem, que abraçou a mais relevante causa nacional e popular de seu tempo”.

            É preciso observar ainda que a coragem da postura de Nabuco assume maior dimensão quando observamos que importantes figuras públicas daquele tempo, tal como o Deputado e escritor José de Alencar, eram favoráveis à escravidão como instituição importante para o desenvolvimento brasileiro.

            É bastante conhecida, mas sempre merece atenção, a passagem de Minha Formação, autobiografia de Nabuco, em que ele descreve o momento em que, ainda criança, descobre como a escravidão envenenava os espíritos de nosso povo.

            Eis as palavras de Nabuco:

Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa [do engenho de minha madrinha], quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual se abraçou aos meus pés, suplicando, pelo amor de Deus, que o fizesse comprar por minha madrinha, para me servir.

Ele vinha [...] porque o senhor dele, o castigava [...] Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição, com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava.

            Essa impressão, gravada no espírito infantil, acompanha-o por toda a vida e o leva a concluir que “a escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional do Brasil”, haja vista que se entranhou no espírito de nosso povo de maneira duradoura, em que a maior das crueldades passou a ser vista de maneira natural.

            O combate à escravidão era o grande dilema nacional. A grande questão política brasileira não era república ou império. A grande questão, observava com extrema argúcia Nabuco, era o problema a ser enfrentado. E o combate à escravidão não significava apenas o fim do trabalho servil. Tratava-se também da criação de condições sociais que pudessem garantir uma nova sociedade brasileira.

            Segundo ele, em sua obra O abolicionismo, a liberdade dos escravos, para ser completa, implicava a “[reforma] de nós mesmos, do nosso caráter, do nosso patriotismo, do nosso sentimento de responsabilidade cívica”.

            Ainda de acordo com Nabuco, “a raça negra é um elemento de considerável importância nacional, estreitamente ligada por infinitas relações orgânicas à nossa constituição, parte integrante do povo brasileiro”.

            As palavras de Nabuco, distantes no tempo mais de cem anos, permanecem extremamente pertinentes, na medida em que a abolição encerrou o trabalho escravo, mas deixou de realizar a segunda parte de sua missão: inserir no seio da sociedade brasileira aqueles milhões de escravos e, depois, seus descendentes, já libertos, mas que foram mantidos, em boa parte, à margem do desenvolvimento econômico e social brasileiro. A grande obra da abolição ainda se encontra a ser feita. Essa enorme tarefa de transformação social, de inclusão de milhões de indivíduos marginalizados, é a que cabe ao Estado brasileiro de hoje.

            Lembremos Nabuco, referência sempre atual quando perseguimos o almejado caminho da inclusão e da justiça social. Suas lições e suas ações ainda se mostram válidas para compreender o Brasil e, mais importante, para transformar este País e incluí-lo, de maneira definitiva, no rol das nações civilizadas.

            Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)


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