Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao pensador, escritor, diplomata, político e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, em reverência ao centenário de sua morte.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2010 - Página 20243
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SESSÃO, SENADO, AUTORIDADE, DESCENDENTE, HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, JOAQUIM NABUCO (PE), VULTO HISTORICO, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESCRITOR, IMPORTANCIA, LIVRO, BIOGRAFIA, PERIODO, IMPERIO, RECOMENDAÇÃO, LEITURA, DISCURSO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, LUTA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente Mão Santa; senhores signatários desta sessão, Senador Cristovam Buarque e Senador Marco Maciel; bisnetos do homenageado, Pedro Nabuco e Isabel Nabuco; trinetas do homenageado, Srtªs Clara Nabuco e Ana Rosa Nabuco; Sr. Ministro de Estado da Promoção de Igualdade Racial, Exmº Sr. Eloi Ferreira de Araújo; Vice-Reitor da Universidade do Legislativo, Sr. Carlos Fernando Mathias de Souza; Embaixadora da Colômbia Srª Maria Elvira Holguín; Sr. 1º Secretário da Embaixada da Noruega, Ian Eriksen; Secretário da Embaixada de Portugal, Manuel Fernandes; Conselheira da Embaixada da Namíbia, Mary Kaakunga; Sr. Conselheiro da Embaixada de Marrocos, Lkahya; Presidente do Conselho Federal de Músicos do Brasil, Sr. João Batista Viana; Pró-Reitora da Universidade Federal do Paraná, Srª Lúcia Montanhini; senhores diretores do Ministério das Relações Exteriores; Cardim, que é Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, do Ministério das Relações Exteriores e que também é grande historiador; minhas senhoras e meus senhores:

            Em primeiro lugar, Sr. Presidente, quero agradecer as palavras generosas e desproporcionais que aqui disse a meu respeito. Em segundo lugar, quero tranquilizar todo o auditório presente: nem vou ler os três volumes que aqui estão, nem, também, este discurso que aqui está. Tratando-se do Expediente de uma sessão e, também, porque muitos oradores já trataram sobre todos os aspectos da figura de Joaquim Nabuco, eu não iria mais ser tão repetitivo para falar sobre essa excepcional figura da História brasileira e do nosso País.

            Sinto-me muito feliz também, e devo dar aqui um dado pessoal, olhando os bisnetos de Nabuco: que eu fui amigo de José Nabuco, fui amigo de Maria do Carmo -- que, quando fui candidato à Academia Brasileira de Letras, me disse: “Vou ser sua madrinha.” E, desde então, eu só a cumprimentava: “Minha madrinha.” Era uma figura de mulher excepcional, casada com um filho de Joaquim Nabuco, que era José Nabuco.

            Também conheci outro filho de Joaquim Nabuco, que foi o Monsenhor Nabuco - tantas vezes jantamos juntos em Santa Teresa.

            Eu me aproximei da Família Nabuco através da Família Melo Franco: fui amigo de Virgílio de Melo Franco, amigo de Afonso Arinos de Melo Franco. Por sua vez, me aproximei dos Melo Franco através de outra figura excepcional, meu irmão e amigo Odylo Costa, filho, cujo filho ali se encontra, que também era grande amigo da Família Nabuco e dos Melo Franco, tanto que ele dizia: “Eu sou linha auxiliar da Família Melo Franco Nabuco.”

            Então, fico muito feliz de vê-los aqui e, em vocês - até na forma coloquial -, recordar essas figuras extraordinárias que também participaram da minha lembrança, das minhas recordações dos tempos de jovem.

            Falar de Nabuco é muito fácil, porque, na realidade, Nabuco é uma figura solar, não só da literatura brasileira, mas da política brasileira e da História brasileira, sobretudo. Ele se encontra no centro na História do Brasil.

            Também não vou dizer nenhuma novidade, porque todos, aqui, já falaram sobre todos os aspectos de Joaquim Nabuco. Marco Maciel foi extremamente erudito nas citações, nas recordações, na análise dos livros de Nabuco. O Senador Cristovam Buarque fez uma análise muito precisa sobre a atuação política de Nabuco, que era a grande marca de sua personalidade e, portanto, não tenho de acrescentar muita coisa que estaria aqui neste discurso, que não vou ler, até mesmo porque já tive a oportunidade de, na minha vida, fazer algumas conferências sobre Nabuco, a última delas na Academia Brasileira de Letras, e ser autor também de um ensaio sobre Joaquim Nabuco. Sou um leitor, desde a mocidade, de sua obra.

            Quero repetir aquilo que disse aqui certa vez. Eu cheguei a Joaquim Nabuco através de meu pai. Eu, mocinho, querendo começar a escrever, cheguei a meu pai e perguntei a ele como eu devia fazer, pedi que ele me desse uma orientação para eu aprender a escrever. E ele, então, disse-me: “Leia o Padre Vieira” - eu já contei esta história aqui. E eu disse: “E, depois, meu pai, o que eu vou fazer?” Ele disse-me: “Leia o Padre Vieira!” E, eu disse: “E depois?” Ele disse-me: “Leia o Padre Vieira! Se você conseguir ler três vezes o Padre Vieira, você vai aprender a escrever.” E eu disse: “Mas eu vou passar a vida lendo o Padre Vieira?” Ele disse-me: “Não. Quando você estiver mais amadurecido, você vai ler o livro melhor escrito em português, o melhor livro que eu já li, pela sua linguagem.” E eu: “Que livro é esse, meu pai?”. Ele disse-me: “Um estadista do Império, de Joaquim Nabuco.” E eu segui esse conselho. Até hoje, pego aqueles velhos sermões de Vieira e ainda os passo, em minha mesa de cabeceira, à noite, e releio alguns. É leitura da vida inteira. E, Um estadista do Império, o li, pela primeira vez, acho que tinha menos de 20 anos. E não tinha condições, ainda, de assimilar o livro. Li o livro diante daquela recomendação do meu pai, mas eu ainda não estava preparado para ler Um Estadista do Império. Depois, quando fui ler pela segunda vez Um Estadista do Império, lá pelo fim dos 20 anos, já tinha, então, uma cultura capaz de assimilar o que estava contido naquele livro, que não é apenas a biografia de José Thomás Nabuco de Araújo, o pai de Nabuco, mas é, sobretudo, a História do Segundo Império, a História do Brasil. Ali se encontram reunidas em suas páginas para quem quiser ler uma lição sobre a História do Brasil e, ao mesmo tempo, para quem quiser ler um grande escritor; sobretudo no primeiro volume, quando ele trata da época de seu pai. Ele descreve aquela época com tanta maestria que parecem desenhos representando as diversas figuras de que ele trata, e as trata sinteticamente. A descrição de Zacarias, que ele chama com “as mãos de mármore” estão ali. As descrições não só de Zacarias, mas de todos aqueles políticos do tempo; do Visconde do Rio Branco, e mesmo do seu pai.

            Como ele tinha amor pelo seu pai...Como ele tratou aquele arquivo que esteve na sua mão, com o qual ele escreveu Um estadista do Império, com quase santa dedicação aos papéis que lhe estavam entregues, e que ele transformou em páginas indeléveis da literatura e da História brasileira. No segundo volume, quando fala muito mais sobre a obra do seu pai, em que ele trabalhou sobre assuntos importantes... Então, a gente tem de se aproximar do tempo em que ele escreveu, do tempo em que os discursos tinham título, como ele coloca o discurso do pai do Uti Possidetis, como ele coloca o discurso o nome dos discursos, que hoje desapareceram, e que lá estão no livro sobre o velho conselheiro Nabuco de Araújo, seu pai. Ele, que era de uma família de Senadores - três Senadores eram de sua família -- faz o retrato perfeito do Senador por excelência, que foi seu pai.

            Acho que já se falou muita coisa aqui sobre o Nabuco, mas vamos falar alguma coisa nova sobre o Nabuco para este auditório tão atento. Nós vemos aqui a fotografia do Nabuco já velho, e, ao mesmo tempo, um velho com um ar de dignidade, com um bigode respeitável - um bigode é sempre boa coisa (risos) -, e um olhar penetrante, aquele olhar que todos os homens do seu tempo diziam que era um olhar fascinante, um olhar com um misticismo mágico e ao mesmo tempo um olhar iluminado. Nabuco era um homem extremamente... Vamos ver se a gente consegue colocar a figura do Nabuco aqui para que a gente pudesse vê-lo não como no tempo dessa foto, mas no tempo em que ele era a grande figura política brasileira.

            Era um homem muito alto, era um homem bonito. Todos o chamavam de “Quincas, o Belo”. Era um homem extremamente elegante, um homem que tinha uma capacidade de falar e de demonstrar simpatia, ao mesmo tempo um andar firme, um andar que demonstrava até certa arrogância, mas que no fundo era um andar de dignidade.

            Encontra-se muita coisa nas descrições dos seus contemporâneos. E ele mesmo, nas cartas e em alguns dos seus livros, fala algumas coisas de si, que nos dão condições de poder reconstruir essa figura fascinante que era Joaquim Nabuco: de intelectual, de político, de memorialista, de historiador, de homem de estado, enfim, de diplomata, o que marcou profundamente os últimos anos de sua vida. Vamos ver, assim, se a gente pode reconstituir e evocar a sua figura humana, que é marcante em toda a sua obra.

            Nabuco, como disse, deixou muitos relatos, muitos. Encontramos comentários sobre si mesmo, como disse, não somente em livros, mas também em cartas. Ele dá essas pistas sobre ele mesmo que ficaram.

            Não se pode falar em Joaquim Nabuco sem falar nesse aspecto humano, nesse aspecto do homem. Era, como disse, um homem alto, um homem tranquilo, tinha um ar de tranquilidade absoluta. Quem fala sobre a presença dele na Câmara fala sempre que ele inspirava aquela tranquilidade, que tinha esse aspecto de um homem muito tranquilo.

            Era um homem de voz pausada, que raramente alcançava tons mais altos, e os do seu tempo dizem que raras vezes esses tons altos eram tons metálicos.

            Era um homem sempre bem vestido. Bigodes fartos, como já disse, muito bem armados - diziam até, no seu tempo, que ele passava vaselina nos bigodes, para que eles ficassem muito bem armados e muito bem penteados -, que iam além do contorno da boca; desde novo ele tinha e prezava esse bigode. Os olhos castanhos; a cabeleira ondulada, que caía levemente. Ele sempre se vestia, no princípio, de uma casaca escura, com grande elegância, aquele grande homem, aquele grande porte. Depois, quando voltou da Inglaterra, mudou a sua vestimenta. Passou a usar roupas de casimira inglesa, ternos xadrez, e mudou, de certo modo, a indumentária tão grave que existia no tempo do Império e no seu tempo.

            Ele gostava das suas abotoaduras de ouro nas suas camisas, e até mesmo diziam que eram camisas de punhos de renda que costumava usar. Ele tinha uma pedra preciosa, que usava na gravata dura, naquele seu tipo extremamente elegante que ele gostava de usar. Seus adversários, inclusive, para lhe insinuar um toque feminino, diziam até que ele usava pulseiras.

            Tinha uma voz grave, como eu disse, forte. Sempre muito comandada por emoção. Quando ele falava, sempre colocava a emoção diante da palavra. Os depoimentos dos que o ouviram afirmam isso. Com essa voz, com a inteligência que tinha, com a cultura, tornou-se o orador brilhante que sempre foi, dos mais brilhantes que já teve este País.

            Gilberto Freyre, Senador Marco Maciel, foi até, certa vez, exagerado, quando disse que o Nabuco foi “escandalosamente belo”. Parecia até uma mulher falando de um homem daquele tempo. Com aquele exagero que às vezes tinha, aquela figura extraordinária que ele era, o Gilberto Freyre dizia que foi “escandalosamente belo”. Não satisfeito de dizer que ele era “escandalosamente belo”, o Gilberto Freyre dizia que ele era “crescentemente belo”.

            Essa beleza do Nabuco é completada pela harmonia do seu talento. Talento esse que era construído de uma certa magia que ele inspirava, do encanto pessoal que ele transmitia e de que aqui já se falou, de tal modo que Sousa Bandeira dizia que não sabia qual foi a fada que tinha feito Nabuco tão completo, porque nada faltava na sua personalidade.

            Isso não impediu que, durante toda a vida, ele tenha alternado instantes de felicidade, de profunda alegria, com alguns instantes de depressão. Há uma carta em que ele fala ao seu pai que tinha spleen e outra carta em que fala mesmo de suicídio. Então, seu pai teve a oportunidade de dizer: “Mas você, um homem com um destino pela frente, falando de suicídio?” Mas é que Joaquim Nabuco era um grande leitor de Chateaubriand, que considero também o homem que escreveu um dos dez maiores livros que a humanidade já produziu, Mémoires d'Outre-Tombe. Ele tinha lido muito Chateaubriand. Em algumas páginas de Minha Formação, a gente tem a impressão de que realmente foram um pouco colhidas das leituras que ele fez de Mémoires d'Outre-Tombe. Por exemplo, no livro de Chateaubriand, ele fala sobre os carneirinhos da Normandia, e a gente vê a descrição de Nabuco do engenho da Massangana e tem a impressão de que nós estamos ali diante de dois grandes homens que expressaram, pelas palavras, as coisas mais bonitas que a humanidade já pode escrever.

            Eu quero dizer que, tendo, às vezes, ares de depressão, às vezes, ares de grande euforia, no fundo, Joaquim Nabuco era um grande romântico. Quando ele adere à causa da abolição, Senador Cristovam Buarque, não é uma posição política, é uma posição intelectual. O que o toca não é o sentimento político, mas sobretudo o sofrimento dos negros. Esse foi o primeiro gesto que o levou realmente à causa da abolição. Quer dizer, esse sentimento é humano, da própria humanidade, que faz parte daquilo que acho que era um pouco de seu aspecto romântico.

            Ele também era um místico. Talvez ele traga esse misticismo da infância, porque, quando, na Minha Formação, ele fala sobre aquele tempo, ele fala sobre a formação religiosa que tinha lhe sido transmitida pela sua madrinha. Uma grande carga religiosa que ela tinha lhe dado. Gilberto Freyre, inclusive, em Casa Grande e Senzala, tem oportunidade de falar sobre como era hábito, naquela época, guardar - não existia banco - moedas de ouro e que a madrinha do Joaquim Nabuco colocava sempre uma moeda de ouro para o seu afilhado. Ninguém sabe onde colocava, porque, naquele tempo, se escondia. E essas moedas de ouro do Nabuco, até hoje, estão dispersas -- porque ele era o próprio ouro que ela tinha guardado e preparado.

            Ao mesmo tempo, ele era um homem que gostava da vida. Ele era um mundano. Ele era um homem que hoje a gente poderia dizer - como se diz - que era um homem da noite. Ele gostava da noite. Gostava das mulheres. Gostava de conversar com as mulheres. E gostava de transmitir seu encanto para as mulheres. E quando ele já estava velho, dizia: “Eu já estou meio surdo. Já não posso sussurrar no ouvido delas.” E ele um pouco tinha ouvido isso do Barão de Penedo.

            O Barão de Penedo é outra figura também importante da História brasileira, porque foi, durante trinta anos, Embaixador em Londres, onde tinha um grande salão no qual recebia a sociedade inglesa. E Joaquim Nabuco foi ser Secretário da Embaixada, junto com Penedo. Lá, ele teve a oportunidade desse mundo deslumbrante ser aberto para ele. Inclusive, ele encontrou uma inglesa, que se chamava Fanny, a qual descreve como uma mulher belíssima e da qual jamais se esqueceu, tanto que citava Fanny como referencia da beleza das mulheres inglesas. Mas é um pouco difícil dizer que há uma mulher inglesa tão bonita, conhecendo as mulheres brasileiras.

            Ele tinha o fascínio pelas viagens. Quando podia, saía pela Europa viajando, percorrendo os caminhos de que gostava, com suas grandes noitadas, aquelas noitadas faustosas e talvez não tão inocentes.

            Essa era a figura do Nabuco. Aqui se tem falado do intelectual, do político, e eu estou querendo traçar alguma coisa que as pessoas não tenham ouvido tantas vezes e que não se gosta de repetir.

            Havia também os homens que ele admirava. Quando ele vai à Europa, o que é que ele faz? Ele leva uma lista dos grandes homens daquele tempo, para visitá-los. Aí vai a Thiers, conversa com ele, troca correspondência. Vai a George Sand e ela também se encanta pelo encanto do Nabuco -- tanto que, quando ele se vai, ela tem oportunidade de dizer: “Você aqui deixa lembranças, e lembranças que vão ser difíceis de ser esquecidas, tão forte foi a impressão causada em todos nós pela sua personalidade.” As palavras talvez não sejam essas mesmas, mas o sentimento é este, que George Sand teve oportunidade de expressar. Naquele tempo era moda a gente ler mais. A juventude acadêmica de Olinda, a juventude acadêmica de São Paulo lia Renan, e muito, e ele também foi um grande leitor e discípulo. E ele vai à Europa e procura-o também, da mesma maneira.

            Eu falei do Barão de Penedo e que Nabuco dizia que estava meio surdo e não podia mais sussurrar no ouvido das mulheres. Pois o velho Penedo, muito mais velho do que ele, uns vinte anos mais velho, dizia que não podia mais chegar junto aos ouvidos das mulheres, e dizer: “Olhe, você aproveite a última oportunidade da sua vida.” Era a expressão de Penedo, que Nabuco também pegou.

            Mas ele é, assim, um homem do mundo. Ele foi um francês. Começou com seus livros, por exemplo, com suas poesias. Em primeiro lugar, ele começa a escrever em francês. Seu livro de poesias, Dieu, é escrito em francês. Depois ele se apaixona pela Inglaterra e se torna quase um inglês, como o nosso Gliberto Freyre também ficou apaixonado pela Inglaterra. Mas, na realidade, ele era um grande brasileiro.

            Ele chega ao Brasil e descobre o Brasil. Depois das suas viagens, ele chega e vai se apaixonando, pouco a pouco, pelo seu País. Ele é brasileiro. Ele começa a ser brasileiro pelo seu pai, com a estima que tem pelo pai, a emoção que transmite ao falar sobre seu pai, ao acompanhar a vida do seu pai. Então, ele começa a se mostrar um grande brasileiro.

            Ele volta a Pernambuco e vai visitar o engenho da sua infância. E ao visitar o engenho Massangana, aquelas páginas belíssimas que ele descreve em Minha Formação, nasce o Nabuco que vai dedicar sua vida toda à causa da abolição -- quando ele visita o cemitério dos escravos. A partir daquele momento, com a lembrança que ele tinha da sua infância, no cemitério desses escravos, ele jura a si mesmo - e diz isso em Minha Formação: “Vou dedicar minha vida à causa da abolição.”

            A abolição, a luta contra a escravatura, não era nenhuma novidade. José Bonifácio, quando chegou ao Brasil em 1819, pouco antes da Independência, trouxe as ideias da Europa e que conseguiu convencer Dom Pedro a fazer a Independência. Pois José Bonifácio já dizia que tínhamos que abolir a escravidão. E ele dizia que a Independência tinha dois defeitos: não tinha abolido a escravidão e não tinha resolvido a situação indígena, porque nós continuávamos com o confronto, com o extermínio do povo indígena.

            Depois, muitos outros: Eusébio de Queirós, que fez a lei que proibia o tráfico, Acaiaba de Montezuma, que também era contra a escravidão, e muitos e muitos outros. Qual é a contribuição de Nabuco a essa luta?

            É que Nabuco transforma esse ideal, que era o ideal humanitário -- a escravidão chocava a todo mundo, e choca até hoje, porque é uma mancha indelével na história brasileira, que não se apaga, e que permaneceu até os últimos anos do século XIX. É uma mancha que jamais se apagará.

            Pois bem, qual é a importância de Nabuco? É que Nabuco, então, o grande intelectual, o grande talento, o homem culto, coloca tudo isso a serviço de uma causa. E é ele quem cria, pela primeira vez, a unidade deste País em torno de uma consciência nacional contra a escravatura. É essa a grande importância, a extraordinária importância de Joaquim Nabuco.

            Foi ele que então transformou aquela causa, que existia como uma revolta de cada um, numa causa nacional, causa pela qual ele realmente dedicou sua vida e por que pregou, discursou, abriu jornais. Enfim, ele, como parlamentar eleito uma vez - depois perdeu seu mandato, e de novo o recupera e volta à Câmara -, empolga a causa, dedica-se à luta final, com alguns instantes de desalentos. E chega, então, aos estertores da escravidão.

            Quero correr um pouco porque já estou me estendendo até demais, pegando um aspecto pequeno, e não vou entrar no resto da vida do Nabuco.

            Ele diz uma coisa que também me toca muito. Ele era muito amigo de Joaquim Serra, que era um grande jornalista daquele tempo. E ele diz que “a abolição não teria sido feita se nós não tivéssemos também a presença ao meu lado, durante todo esse tempo, desse grande jornalista e pregador desta causa”, que foi Joaquim Serra, que, infelizmente, não viu o dia 13 de maio, porque morreu pouco antes disso.

            E vamos também encontrar o Nabuco que já tinha se convertido à monarquia, porque tudo dizia, quando era jovem, que ele seria um grande líder republicano. Até seu pai mesmo, quando ele atravessa - quando funda um clube liberal - o campo dos conservadores para o lado liberal, em que fala também em Um Estadista do Império, tudo dizia que seria republicano, mas ele se torna um conservador, depois de ter analisado e lido aquele Tratado de Bagehot, que ele diz que muito o influenciou e que consolidou nele a consciência da monarquia.

            Sou republicano, por isso posso falar com esta tranquilidade. Se eu estivesse naquele tempo, eu estaria contra Nabuco. Eu defenderia a república.

            Pois bem, mas ele se dedica com uma lealdade, com aquela sua característica romântica, vamos dizer, ele se apaixona pela própria monarquia. E uma vez a escravidão extinta, ele permanece com sua dedicação e com sua admiração pela monarquia. E é sua aquela palavra: “Cumpri dez anos de viuvez”, quando se afastou de tudo e ficou isolado dos grandes homens do seu tempo, vendo o esplendor de Rui Barbosa, vendo crescer Rio Branco, e ele, então, totalmente isolado.

            A convite de Rio Branco, ele expressa que quebrou seus dez anos de viuvez da monarquia, leal, até o fim, à causa da monarquia, e uma lealdade que não era uma lealdade política, mas que era aquele sentimento do intelectual, que quero caracterizar uma vez mais, do intelectual romântico.

            E esse tempo passa a ser para ele também um grande tempo de construção do estadista. Ele já está terminando de escrever Um Estadista do Império. Em sua grande obra literária, se destaca também O Abolicionismo, que escreveu ainda novo, e que reescreveu algumas vezes. É um livro da sua juventude que hoje se tornou um livro clássico. Quando lemos O Abolicionismo, vemos um livro bastante profundo e bastante estudado.

            Ele, então, deixa para todos nós uma obra extraordinária.

            Quando resolve escrever sobre Balmaceda, aquele Presidente do Chile que havia se suicidado... É do fim do século sua dedicação a Minha Formação, que ele publica em 1900.

            E uma coisa boa que nós Parlamentares temos, se tiverem algum tempo, qualquer um dos senhores, leiam os Discursos Parlamentares de Nabuco. São discursos primorosos. Há um deles em que ele se sente, então, muito leal a João Alfredo, que tinha sido Presidente do Gabinete que fez a abolição. Ele acha que deve ser leal a João Alfredo. João Alfredo começa, então, a dar umas concessões chamadas “concessões dos engenhos centrais”, o que, naquele tempo, foi tido como um grande escândalo, porque ele as estava dando, em grande parte, aos membros do seu partido. Aí vem Nabuco e faz o famoso discurso dos negócios loyos, no qual vai defender João Alfredo como sendo perseguido, porque tinha presidido o Gabinete da Abolição. Aí ele fala, nas longas páginas que constitui esse discurso, sobre o hábito de manchar os adversários com a corrupção. E ele então fala sobre aqueles momentos de que participou na história parlamentar brasileira, inclusive na história do Senado, quando o velho Caxias, acusado de ter trazido duas bestas da Guerra do Paraguai, no plenário do Senado - não era este plenário aqui, mas o plenário do velho Senado -, tenta sacar a sua espada, para ferir Zacarias no seu sarcasmo. Então, faz um histórico sobre justamente o que é o problema da corrupção na política, sobre quanto ela tem manchado ao longo do tempo e sobre a luta dos homens para acabar com ela. É um discurso extremamente importante esse, que está lá nos Discursos Parlamentares do Nabuco.

            Depois, ele escreve Minha Fé. Minha Fé é um pouco ao modo dos Pensées, de Blaise Pascal. Ele começou, também muito jovem, a escrever muitas outras coisas, como Camões e Os Lusíadas. Depois, passou a ser conferencista, e quando é Embaixador nos Estados Unidos - não é, Cardim? - faz, em várias cidades, esta conferência sobre Camões e os Lusíadas, como um grande intelectual.

            Minhas senhoras, meus senhores, já falei bastante, aqui, sobre um pequenino aspecto do Nabuco, porque ele é um mundo, um universo. Ele foi um dos grandes homens, como eu disse, deste País, porque reuniu, pela primeira vez, a consciência nacional em torno de uma grande causa, a causa extraordinária que foi a da libertação dos negros no Brasil, esses negros que deram ao Brasil a identidade nacional.

            Essa identidade que temos até hoje foi dada pela raça negra, que nos veio da África. Foi-nos dada por eles a cultura da alegria; a cultura do futebol; a cultura do carnaval; a cultura da praia; como eu estava dizendo ontem, a cultura do botequim. Essa cultura que se pode resumir na cultura da alegria nos veio da África e nos foi dada pelos que aqui transformavam seu sofrimento no canto que até hoje a música brasileira herdou e que se dissemina no mundo inteiro como uma marca do Brasil.

            Portanto, o Senado Federal, hoje, está lembrando o centenário da morte de um grande homem. E temos a felicidade de ter a nos ouvirem seus descendentes, o DNA dele ainda espalhado nessa gente que hoje representa um dos homens maiores deste País.

            Muito obrigado.


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