Discurso durante a 74ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da realização do Seminário "Proteção dos Direitos Autorais e do Conteúdo Nacional no Ambiente da Convergência Digital", promovido pelo Senado Federal.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Registro da realização do Seminário "Proteção dos Direitos Autorais e do Conteúdo Nacional no Ambiente da Convergência Digital", promovido pelo Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2010 - Página 21568
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, SEMINARIO, REALIZAÇÃO, SENADO, DEBATE, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, DIREITO AUTORAL, BRASIL, ADAPTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AMPLIAÇÃO, DIFUSÃO, OBRA ARTISTICA, PROTEÇÃO, CONTEUDO, CRESCIMENTO, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA DIGITAL, EXTENSÃO, NORMAS, EMISSORA, PROVEDOR, INTERNET, COMENTARIO, PRESENÇA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), ADVOGADO, COMPOSITOR.
  • ANALISE, HISTORIA, DIREITO AUTORAL, IMPORTANCIA, CONCILIAÇÃO, INTERESSE, INICIATIVA PRIVADA, GARANTIA, DIREITOS, CONSUMIDOR, LIBERDADE, ACESSO, OBRA ARTISTICA, INCENTIVO, CONCORRENCIA, FOMENTO, PRODUÇÃO, TECNOLOGIA, OBRA INTELECTUAL.
  • COMENTARIO, POLEMICA, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, NORMAS, TELEVISÃO VIA CABO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, SETOR, TELEFONIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Geraldo Mesquita Júnior, nobre Senador Pedro Simon, a quem agradeço o fato de me haver cedido o horário de que dispunha, para que eu pudesse fazer minha intervenção, Sr. Senador Roberto Cavalcanti, Sr. Senador Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores, venho trazer uma breve comunicação sobre tema que considero relevante, visto que, no dia 11 passado, foi realizado o seminário “Proteção dos Direitos Autorais e do Conteúdo Nacional no Ambiente de Convergência Digital”, promovido pelo Senado Federal, em parceria com a Associação Nacional de Jornais e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, numa demonstração de alerta em relação às questões que suscitam grande interesse de toda a sociedade brasileira.

           Em 1936, o filósofo e crítico literário judeu alemão Walter Benjamin escreveu uma obra-prima intitulada A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. O ensaio analisava a tensão entre arte e técnica, notadamente nos modelos de sua reprodução, em uma etapa do século XX, em que novos procedimentos tecnológicos abriam inéditas possibilidades à difusão das obras artísticas e seu respectivo consumo de massa.

           Assinalava Benjamin que “Em sua essência, a obra de arte sempre foi irreprodutível. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens”. Contudo, a emergência de ferramentas capazes de reproduzir massivamente as obras de arte resultou na aniquilação da “aura” desses objetos, destituindo-os de seu status individualizado e raro, por meio do espalhamento de inúmeras cópias.

           Por sua vez, a cientista política Hannah Arendt, em sua obra Condição Humana, diz: “A fonte imediata da obra de arte é a capacidade humana de pensar”.

           Srªs e Srs. Senadores, cabe notar que o grande inspirador da Escola de Frankfurt somente pôde analisar um modelo de reprodução que ainda estava em seus primórdios. Com base, sobretudo, na análise do cinema, suas investigações pioneiras assumiram, muitas vezes, o valor de prognósticos - valiosos, mas apenas prognósticos. É de se perguntar a que conclusões chegaria, hoje, o nosso filósofo, diante de um mundo em que as atividades culturais e de comunicação se encontram fortemente afetadas pela multiplicidade de tecnologias, processos, linguagens e mídias, numa escala nunca antes inimaginável.

           Pois bem, não é muito diferente a tarefa que se conforma diante de nós. Somos um País de rica e multifacetária tradição cultural e fazemos também parte substantiva de um conjunto de transformações técnico-culturais que vêm ocorrendo em todo o globo. Em tal contexto, vários desafios se interpõem, requerendo a contribuição de uma gama de especialistas, em setores como mídia, comunicação, tecnologias digitais, produção artística e cultural; em diversas áreas do Direito, como Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Internacional e Direitos Autorais, entre outros.

           A percepção geral é a de que é necessária uma reformulação legislativa, envolvendo a temática dos direitos autorais no Brasil. Em paralelo, na efervescência do debate sobre a produção de conteúdos no ambiente de convergência digital, diversos atores têm-se posicionado contra ou a favor de cotas de conteúdo nacional definidas em lei.

           Primeiramente, a proteção dos direitos autorais tornou-se um imperativo em termos jurídicos com a ascensão das técnicas fonográficas e de cinema, a partir da segunda metade do Século XIX. A Convenção de Berna, de 1886, constitui um marco histórico na longa evolução legislativa a respeito dos direitos autorais, seja por seu pioneirismo, seja por seu alcance internacional.

           No Brasil, a história dos direitos autorais tem seu início remoto com a Lei de 11 de agosto de 1827 - aliás, de iniciativa de Visconde de São Leopoldo -, aquela que permitiu, inclusive, a criação das faculdades de Direito de Olinda e São Paulo. De acordo com o jurista Pedro Nicoletti Mizukiami, a lei determinou um privilégio exclusivo de dez anos sobre os compêndios preparados por professores, obedecidas algumas condições.

           Subsequentemente, a regulação dos direitos autorais em nosso País foi-se firmando pela via do Direito Penal, que resguardou esses direitos, indiretamente, ao estabelecer punições para crimes contra a propriedade, como no caso do art. 261 do Código Criminal do Império, de 1831. A tradição alcançou o Código Penal de 1890, o qual alargou a ideia de obra protegida e esmiuçou os objetos protegidos.

           Sob a influência da Convenção Pan-Americana de Direitos Autorais de Montevidéu, ocorrida em 1889, deu-se a primeira previsão constitucional para a defesa dos direitos autorais na Carta de 1891, aliás a primeira Carta republicana do País. No Título IV (“Dos cidadãos brasileiros”), Seção II (“Declaração de direitos”), art. 72, garantia-se aos autores de obras literárias e artísticas o direito exclusivo de reproduzi-las pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Além disso, os herdeiros dos autores também teriam direitos assegurados por um período de tempo designado por lei.

           Na área civil, a primeira legislação de que se tem notícia é a chamada Lei Medeiros e Albuquerque, de 1898, na qual já se podia notar a tensão entre a necessária defesa de direitos autorais versus a manutenção da liberdade de expressão ou os entraves suscitados à educação.

           O Código Civil de 1916, que nos foi legado pelo jurista Clovis Bevilaqua, ampliou e consolidou os dispositivos sobre os direitos de autoria constantes na Lei Medeiros e Albuquerque. Sob a designação “Propriedade literária, científica e artística”, foi assegurado ao autor o direito de reprodução pelo inteiro período de sua vida, acrescido de sessenta anos a herdeiros e cessionários, a contar do falecimento do autor.

           No âmbito internacional, o Brasil respeita acordos e tratados desde 1883, com a promulgação do Decreto nº 9.233, de 28 de junho de 1884, que ratifica a Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, além de ter ratificado, ao longo dos anos, outros 32 Protocolos e Acordos Internacionais na área de Direitos Autorais, Propriedade Industrial e Patentes. É bom lembrar que esse setor de propriedade industrial e de patentes é hoje um território extremamente sensível.

           Modernamente, a Constituição Cidadã, como assim a chamava Ulysses Guimarães, de 1988, consagra, em várias passagens, o direito do autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas de sua lavra. O direito de reprodução implica conteúdo econômico e se incorpora ao patrimônio do autor, assegurando-se uma duração limitada no tempo - redefinida pela Lei nº 9.610/98, em setenta anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao falecimento do autor.

           Srªs e Srs. Senadores, é esta mencionada Lei nº 9.610 que, em conjunto com a Lei nº 9.609/98 (Lei sobre Programas de Computador), contém as principais normas de direitos autorais atualmente em vigor. É esta, ainda, a legislação que já dá sinais evidentes de que carece de reformulações, a fim de dar conta da emergência de novas demandas decorrentes da complexa teia de relações estabelecida com o surgimento de mídias, tecnologias, processos, linguagens, bases materiais e novos atores em uma seara de intensa disputa.

           O desafio não é fácil, mas é urgente. Daí por que, a meu ver, o Congresso Nacional, especificamente o Senado Federal, não pode ficar indiferente a esta questão. Os inúmeros interesses em conflito podem, no limite, afastar a noção de bem comum, fazendo prevalecer estritos aspectos ecnômicos e mercadológicos, em detrimento da dimentsão social da cultura, da plena e livre oferta de serviços culturais ou de comunicação aos consumidores, da ampla concorrência ou, mesmo, dos interesses estratégicos superiores da Nação. 

            Vem-se promovendo já há quatro anos uma ampla discussão a respeito da reforma da lei. Em busca de um balanceamento entre o interesse privado, móvel de toda empreitada criativa, e o interesse público pelo livre acesso ao conhecimento, o anteprojeto de reforma da lei diz que “a proteção dos direitos autorais deve ser aplicada em harmonia com os princípios e normas relativos à livre iniciativa, à defesa da concorrência e à defesa do consumidor”.

           Em relação à proteção de conteúdos nacionais no ambiente da convergência digital, o debate também é acirrado. O PL nº 29/07, que “dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado e dá outras providências”, vem provocando intensa controvérsia. Ocorre que ao criar novas regras para o setor de TV por assinatura, o PL também acaba mexendo com a dinâmica de outros setores, como as concessionárias de telefonia fixa local, as emissoras de televisão e o setor de telefonia móvel.

           Pode-se, Sr. Presidente, classificar que o projeto em si é um avanço. Por óbvio, em meio a pressões de todos os setores envolvidos, deverá prevalecer o diálogo, a transigência e o equilíbrio. Organizar o marco normativo nessa área é fundamental para dotá-la de alguma racionalidade, impedir conformações oligopólicas do mercado, defender os consumidores e estimular a concorrência e a produção tecnológica e intelectual. Uma legislação democrática, nacionalista ou se quiserem brasileira (sem ser xenófoba) e verdadeiramente cidadã é o que se pretende alcançar para o setor.

           Dizem os especialistas que a reserva de canais ou de conteúdos destinados a recepcionar produções nacionais pode vir a fomentar o florescimento de uma indústria de audiovisual capaz de disputar o mercado mundial. Mas, talvez, o mais relevante seja mesmo estimular a irrequieta alma criativa do artista e do produtor cultural brasileiro, nas mais diversas áreas, robustecendo nossa cultura.

           Quero, portanto, em face dessas considerações, me congratular com os autores e organizadores do Seminário, aliás, que teve a iniciativa através do Presidente José Sarney. O primeiro painel do referido seminário a que estou aludindo tratou da Proteção do Conteúdo Nacional, Produção Cultural, Soberania e Identidade Nacional na Era de Convergência Digital. Participaram desse painel o Presidente José Sarney, que fez uma excelente exposição, o Advogado Alexandre Kruel Jobim, que atuou como mediador, e o Advogado, especialista no ramo, Luís Roberto Barroso, Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

           Participaram também do painel seguinte o Deputado Aldo Rebelo e o Acadêmico Domício Proença Filho. Do terceiro painel, que analisou a Proteção do Direito Autoral no Ambiente Digital, ouvimos o Professor Carlos Fernando Mathias, que o mediou, o Advogado e Ministro Sydney Sanches, o Advogado especialista no assunto João Carlos Muller e o compositor Fernando Brant.

           Dentre os assuntos que foram tratados no Seminário, destaco as pressões que existem contra os direitos autorais, e foi defendido que as regras que existem para emissoras jornalísticas também devem ser estendidas para os provedores da Internet.

           Encerro, Sr. Presidente, fazendo uma observação final.

           É certo que a globalização impôs uma natureza mais permeável e complacente às miríades de culturas em todos os quadrantes da Terra. Porém, é igualmente correto como que uma cultura somente se erige e fortalece aos distinguir-se de outra e conformar-se como única, como assinalaram, cada um ao seu modo, Antonio Cândido e João Guimarães Rosa.

           Para Cândido, metonimicamente falando, “A nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas (...)mas é ela, e não outra, que nos representa”. Para o mestre Guimarães Rosa, simplesmente, “o sertão é o mundo”.

           Era o que eu tinha a dizer. E agradeço, mais uma vez, ao Senador Pedro Simon pela oportunidade que me conferiu de falar, nesta ocasião, por considerar que não poderia deixar de trazer uma palavra ao Simpósio que se realizou dia 11 passado, sobre a questão dos direitos autorais e a importância que essa questão tem, a meu ver, sob o ponto de vista da presença de novos atores, inclusive no campo digital.

           Muito obrigado a V. Exª.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2010 - Página 21568