Discurso durante a 74ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Avaliação positiva do acordo nuclear celebrado entre Brasil, Irã e Turquia, obtido pelo Presidente Lula, em Teerã. Críticas à imprensa internacional pelo ceticismo ao resultado das conversações e a predisposição de reunir o Conselho de Segurança da ONU para adotar sanções mais rigorosas ao Irã.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Avaliação positiva do acordo nuclear celebrado entre Brasil, Irã e Turquia, obtido pelo Presidente Lula, em Teerã. Críticas à imprensa internacional pelo ceticismo ao resultado das conversações e a predisposição de reunir o Conselho de Segurança da ONU para adotar sanções mais rigorosas ao Irã.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2010 - Página 21570
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • RELEVANCIA, ACORDO INTERNACIONAL, ASSINATURA, PAIS ESTRANGEIRO, IRÃ, TURQUIA, INTERMEDIARIO, GOVERNO BRASILEIRO, ENRIQUECIMENTO, URANIO, CRITICA, IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, AUSENCIA, CONFIANÇA, REALIZAÇÃO, ACORDO.
  • REGISTRO, RESPONSABILIDADE, MUNDO, FISCALIZAÇÃO, GARANTIA, CUMPRIMENTO, ACORDO, ELOGIO, ATUAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROMOÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, COLABORAÇÃO, FOMENTO, PAZ.
  • EXPECTATIVA, DECLARAÇÃO, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APOIO, ACORDO, GOVERNO ESTRANGEIRO, IRÃ.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu não me lembro de outra ocasião em que o Brasil esteve tão presente nas manchetes do mundo do que ontem e hoje. A visita do Presidente Lula ao Irã e a reunião feita entre os Presidentes do Brasil, do Irã e o Primeiro-Ministro da Turquia estão sendo acompanhadas pelas manchetes dos jornais do mundo inteiro. Vêm manifestações de todos os lados com interrogações sobre a matéria.

            Primeiro, foi um lado surpreendente. Quem é o Brasil? Que força, que autoridade, que prestígio tem o Brasil para, de repente, querer falar em nível internacional, quando praticamente já havia uma predisposição de todas as grandes nações para reunir o Conselho de Segurança e determinar sanções ao Irã? E o Brasil pede prazo e intermedeia o diálogo com o Irã, buscando o entendimento.

            Até aqui no Brasil as manchetes foram altamente pessimistas com relação ao resultado que se poderia alcançar. Não que se desejasse que não acontecesse o acordo, mas se achava que era quase impossível que isso pudesse acontecer.

            E a reunião saiu.

            A declaração um pouco infeliz da Srª Clinton, Secretária de Estado dos Estados Unidos, dizendo, de certa forma, que o Brasil estava permitindo ao Irã que ele protelasse e ganhasse tempo para descumprir as determinações feitas pelas grandes potências.

            E a reunião foi feita.

            Primeiro a notícia de que o Primeiro-Ministro da Turquia na iria mais. Isso já foi uma notícia negativa. Se a Turquia, que era um país altamente interessado e que deveria assinar o entendimento não iria, pouco se poderia esperar. Surpreendentemente, quando inclusive a primeira reunião entre os Presidentes do Brasil e do Irã já havia sido realizada, chega o Primeiro-Ministro da Turquia. E durante, se não me engano, 18 horas, debateram, discutiram, a fim de buscar um entendimento.

            Qual é a discussão? A discussão é que há uma decisão de que país que tem bomba atômica tem bomba atômica; país que não tem não pode nunca mais ter. Esta é a solução. Isso é o que está acontecendo.

            A verdade é que desde que essa decisão foi tomada lá atrás - ela não é de hoje -, com um olho fechado dos americanos aqui, dos russos ali, algumas nações passaram a ter bomba atômica apesar da proibição. Israel, Índia, Paquistão e China são países que passaram a ter a bomba atômica apesar da proibição. Mas agora a questão está mais rígida, tão rígida que houve o que houve no Iraque, com a intervenção americana, bombardeio, morte do Presidente e, até hoje, uma convulsão que parece não ter fim. Agora, estávamos caminhando para uma situação mais ou menos semelhante no Irã.

            A Agência Internacional de Energia Atômica fez, em dezembro, a proposta de que o Irã entregasse um percentual do combustível - 1,5 milhão toneladas de urânio - a um terceiro país, que faria a transformação do urânio e entregaria ao Irã a quantidade “x” que só poderia ser usada para fins pacíficos e não para a fabricação de armas.

            À época, o Irã não aceitou, porque tinha de ter um controle, uma fiscalização. E teria dito que não abriria mão da sua disposição de, se quisesse, fazer armas nucleares, até porque, dizia, de um lado estava Israel e de outro lado havia vários países, todos com armas atômicas. E ele defendia o seu direito de também ter armas nucleares. Em meio a uma decisão praticamente final, quando os grandes países decidiram convocar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para tomar as medidas, o Brasil, que, coincidentemente, neste momento, faz parte do Conselho de Segurança, não como membro nato, mas como membro eventual, entrou no jogo para tentar uma última expectativa em busca do diálogo. Ninguém levou a sério. Mas quem é o Brasil, quem é esse tal de Lula para querer fazer isso?

            Na verdade, já havia uma predisposição. É verdade que o Presidente do Irã é uma pessoa muito complicada, muito controversa. Radicaliza nas suas posições quando fala; a contraprestração do outro lado foi a criação de um ambiente muito pesado. O próprio Obama, cuja vitória nós todos saudamos com emoção e com alegria, está dentro do contexto de que são inevitáveis medidas radicais do Conselho de Segurança com relação ao Irã.

            Mas o Brasil avançou: tentaram colocar no opróbrio a figura do Ministro das Relações Exteriores do Brasil, mas o Brasil continuou. E, ontem, ocorreu a reunião. Foram cerca de dezessete horas de reunião contínua, primeiro entre Brasil e Irã, e, depois, entre Brasil, Irã e Turquia.

            E o acordo foi assinado; um acordo em que o Irã fornece urânio, a Turquia faz as operações e entrega ao Irã o que ele só pode usar, porque não tem outra condição, para fins pacíficos.

            O acordo foi assinado. O Presidente do Irã já não diz que ele exige que também possa falar em fabricar armas atômicas. O acordo foi assinado.

            Diz a imprensa que há uma interrogação generalizada, desde aqueles que acham que o Irã está se aproveitando da ingenuidade do Lula para ganhar tempo, até outros que dizem tantas e tantas coisas. Mas a verdade é que o que a gente menos imaginava aconteceu: o acordo foi assinado. A verdade é que o que a gente menos imaginava aconteceu: o Presidente do Irã assinou o acordo e não fala na determinação de não abrir mão da fabricação de armas atômicas. Eu acho um grande resultado.

            Essas manchetes que eu tenho aqui: “Mídia internacional noticia acordo nuclear com ceticismo” e ”Esboço de sanções contra o Irã na ONU continuam, diz Reino Unido”, com todo o respeito, não são felizes; não são felizes essas declarações. Eu acho que o mundo deve ter grandeza, cobrar do Irã o cumprimento do acordo feito. Concordo que a fiscalização deve ser feita desde a saída do urânio do Irã para a Turquia e a volta dele ao Irã, mas deve-se aceitar que o acordo foi feito e que vale a pena apostar nele.

            Acho que foi realmente um momento de paz para a humanidade, um momento em que, talvez, estejamos a evitar uma catástrofe maior. Nós sabemos o que aconteceu no Iraque. O americano dizia, dizia e dizia que o Iraque fabricava armas atômicas e armas químicas de destruição em massa. O Iraque dizia que não. O americano dizia que sim; o Iraque dizia que não. O embaixador Bustani, hoje embaixador do Brasil na França, era presidente da entidade responsável pela fiscalização e controle de armas atômicas e armas químicas. Bustani, na presidência dessa entidade - que antes era de fachada -, deu força à entidade, que passou a ter credibilidade. Muitas nações se integraram a ela, e a Agência passou a fazer a fiscalização, mundo afora, de armas atômicas e armas químicas. Bustani teve um prestígio extraordinário e foi reeleito, por unanimidade, presidente da entidade.

            O Iraque se negava a que representantes do Conselho fossem fiscalizá-lo, sob o argumento de que ali quem mandava era o americano e que o americano já estava predisposto a dizer... Não aceitou o Iraque a intervenção com a presença dos americanos. Mas Bustani e sua entidade conseguiram, e o Iraque concordou que a entidade, presidida por Bustani, fosse fazer a fiscalização. Concordou. Aí, aconteceu um dos atos mais indecentes na ONU de que eu me lembro: o americano, em um período de férias, pagou, inclusive, passagem e estadia para vários representantes das Nações que integravam o Conselho para irem lá; e destituíram o Bustani. Demitiram o Bustani sob argumentação nenhuma. O homem, que tinha terminado de ser reeleito, por unanimidade, foi destituído. E, aí, o Conselho determinou a invasão do Iraque. E invadiram o Iraque! E destruíram o Iraque! E mataram o Presidente do Iraque! Depois, aparece a notícia de que a própria CIA reconhecia que não havia armas atômicas ou químicas no Iraque, que era mentirosa, que era falsa, que não era verdadeira a informação que fora dada e com base na qual os Estados Unidos intervieram no Iraque.

            Não podemos nos esquecer desse fato! Não podemos nos esquecer desse fato e de que quem noticiou que a informação era mentirosa, era falsa, foi a imprensa americana, a própria CIA, o próprio governo americano. E o governo até lastima o quão doloroso é o fato. Isso aconteceu lá no Iraque.

            Eu acho que, agora, no Irã, não se deve querer insistir no sentido de copiar o Iraque e levar adiante intervenções radicais do Conselho de Segurança, para acabar não sei como.

            Vale muito mais a pena acreditar nesse acordo que foi assinado, proposto pela ONU em dezembro, não aceito pelo Irã, porque o Irã disse que não assinava um acordo no qual ele ficava proibido de fabricar armamentos atômicos. Agora, ele mudou; agora ele concorda. “Ah, mas ele concorda de mentirinha, não dá para acreditar nele”. Esperem aí um pouquinho! É um acordo internacional que foi feito e que o mundo vai fiscalizar. É muito melhor o mundo acreditar num acordo e fiscalizar o cumprimento do acordo, dar força ao acordo do que boicotar o acordo.

            Eu acho que hoje é uma data muito importante. Eu me emociono por ver o Brasil numa empreitada dessa natureza. Nunca na nossa história tivemos a petulância de ir tão longe. Mas aconteceu e chegamos lá.

            Havia uma espécie de ridículo na expectativa da reunião do Brasil com o Irã. “Não, o Presidente do Irã está fazendo Lula de bobo. O Lula vai chegar lá, ele não vai dar bola, não sei o quê”. Não aconteceu.

            De repente, o Primeiro-Ministro da Turquia não foi na reunião, não apareceu. A reunião estava morta. Uma reunião sem a Turquia dizendo que concordava não resolvia. Pois, na última hora, o Primeiro-Ministro da Turquia, embora atrasado, chega a tempo de participar da reunião e assinar o acordo.

            Por amor de Deus, o próprio Presidente Obama diz, até para tranquilizar o mundo, que não passa pela cabeça dos Estados Unidos fazer uma intervenção no Irã como fez no Iraque. Os Estados Unidos já têm o Iraque, já têm o Afeganistão. Os Estados Unidos, diz Obama, não tem nem condições morais, nem condições financeiras, nem gente para morrer para fazer uma operação semelhante. Ele tem razão. Ele está certo.

            Aceitar o acordo que foi feito, cobrar o acordo que foi feito, levar lá para a ONU, debater na ONU, chamar o Presidente do Irã, com a Turquia, e repetir na ONU, confirmar, tudo bem; agora, não querer aceitar?! Duvidar das palavras do Presidente do Irã porque antes ele dizia que não abriria mão? Vamos acreditar na palavra de quem? Na palavra americana, que dizia que o Iraque fabricava armas, quando a própria CIA diz que não fabricava, que não tem prova nenhuma?

            Ora, sabemos que, no mundo, até do lado de cá, muitas vezes, mentiras são lançadas para facilitar uma causa numa guerra mundial. Sabemos dos manifestos que os aviões aliados lançavam nas tropas alemãs durante a guerra, com uma série de notícias, com vistas a tumultuar o ambiente a seu favor.

            A questão é muito simples. O acordo foi feito, o Presidente do Irã disse que vai entregar 1.500 quilos de urânio, recebendo da Turquia de uma forma tal que só pode ser usado para fins pacíficos. A Turquia concorda. O Irã diz que não fala mais em armas atômicas. Vamos aceitar. Se der errado, vamos ver depois. Se agora dissermos “não”, é porque vai dar errado mesmo! Por que não apostarmos na perspectiva de que pode dar certo?

            Grande momento este na história mundial! Barack Obama ainda não falou. Esta Casa é testemunha da minha emoção com relação à figura do Presidente Obama, do respeito que tenho por S. Exª, pela sua biografia, pela fórmula da sua vitória.

            Reconheço que, no exercício da Presidência, as coisas não são como na campanha. Tem sido muito difícil para S. Exª, que tem lutado. O esforço dramático que fez com relação ao projeto da saúde, em que arriscou todo o seu prestígio e praticamente a maioria no seu governo - e ganhou-, é uma demonstração de que S. Exª luta.

            Dificuldades... O ano já passou, e ele ainda não fechou a trágica penitenciária em Cuba, mas ele está deixando claro, claríssimo...

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - (...) inclusive construindo penitenciárias especiais para fechar a de Cuba. S. Exª já fez.

            Obama tem uma grande responsabilidade, de acordo com sua trajetória, com sua biografia, de acordo com a sua campanha. E olhem que ele já foi obrigado, infelizmente, a retroceder quando ele mandou não sei quantos milhares de soldados a mais para o Iraque - ele mandou -, quando ele mandou tropas a mais para o Afeganistão - ele mandou. Isso foi muito triste, porque, durante a campanha, ele disse que só iria retirá-los. Mas foi obrigado.

            Agora, há um momento que depende dele. Não há estrategista, não há forças militares...

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - (...) não há nada que possa interferir na decisão do Presidente, porque é dele. Não depende nem do congresso americano, porque um acordo feito entre o Irã e a Turquia com a presença do Brasil não vai para o congresso americano. O congresso americano não tem nada a ver com isso! É ele, Obama, quem pode dizer: “Eu confio, leve adiante” ou “eu não confio, vamos reunir o Conselho de Segurança”.

            Posição firme a do Brasil. Todo mundo dizia que o Lula tinha tudo para fazer o Brasil chegar ao Conselho de Segurança como membro permanente. Quando o Fernando Henrique lançou essa bandeira, e o Lula continuou com ela, havia uma simpatia praticamente total à entrada do Brasil.

            E as notícias diziam: “O Brasil está botando fora”.

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - “O Lula não tem nenhuma chance de ganhar o Prêmio Nobel. O Lula não tem nenhuma chance de ser futuramente Secretário-Geral da ONU. O Brasil não tem chance de fazer parte, como membro permanente, do Conselho de Segurança, porque vejam a atitude que ele está tomando”.

            Pois foi uma atitude de coragem! Foi uma atitude de coragem!

            Eu sou sincero. Rezava - e disse desta tribuna -, mas não tinha muita esperança, principalmente não tinha nenhuma esperança de chegar como se chegou, normalmente, e já se sair com o tratado feito. O máximo que eu imaginava era se marcar uma nova reunião, com mais presenças, com mais alguma coisa para discutir a matéria. Mas já sair com o tratado pronto, assinado e acabado? Que bom!

            O pior que pode acontecer é o Presidente do Irã não cumprir e se ter que se tomar decisões futuras. Mas, para isso, temos a vida inteira. Agora, por que não dar uma chance? Se o acordo foi assinado, se está feito, tentar executá-lo, por que não? Fazer as fiscalizações necessárias? Sim. Fazer as fiscalizações para determinar que o acordo seja cumprido como deve ser? Sim. Mas impedir? Não entendo.

            Por isso, trago aqui minha palavra, Sr. Presidente, de fé, de otimismo e de convicção de que, se Deus quiser... E confio muito, estou numa expectativa tremenda para ouvir a palavra do Presidente Obama. Alguma coisa me diz que ele vai surpreender e ele vai aceitar o voto de confiança...

(Interrupção do som.)

            O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - (...) com algumas restrições, com algumas cobranças, mas ele não vai rejeitar.

            Queira Deus que isso aconteça!

            Obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2010 - Página 21570