Fala da Presidência durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do ex-Senador Rui Soares Palmeira.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do ex-Senador Rui Soares Palmeira.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2010 - Página 18774
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, CONGRESSISTA, MINISTRO, FILHO, HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, RUI PALMEIRA, ADVOGADO, JORNALISTA, EX SENADOR, EX-DEPUTADO, SERVIDOR, PREFEITURA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ELOGIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, FILIAÇÃO, PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), CARACTERISTICA, CONCILIAÇÃO, DIVERSIDADE, INTERESSE, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, REGIÃO NORDESTE, APOIO, OBRAS, COMBATE, PROBLEMA, SECA, IMPORTANCIA, REPUDIO, AUTORITARISMO, ESTADO NOVO, REGIME MILITAR, DESCRIÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE, DEFESA, EDUCAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, FUNCIONARIO PUBLICO, LEITURA, BIOGRAFIA, FUNDADOR, ASSOCIAÇÃO RURAL, PIONEIRO, COOPERATIVISMO, PRODUÇÃO, CANA DE AÇUCAR, AGRADECIMENTO, GUILHERME PALMEIRA, QUALIDADE, EX GOVERNADOR, EX-CONGRESSISTA, EX PREFEITO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU).

            O SR. PRESIDENTE (Fernando Collor. PTB - AL) - Sr. Deputado, Governador, Senador, Prefeito de Maceió e Ministro do Tribunal de Contas da União Guilherme Palmeira, Srªs e Srs. Senadores, Srs. Ministros de Tribunais Superiores, Srs. Deputados, minhas senhoras, meus senhores: “Na vida pública, a consideração não se prende nem ao nascimento nem à riqueza, mas unicamente ao mérito. E não são as distinções sociais, senão a competência e o talento, que abrem o caminho das honras. Uma igualdade, assim compreendida, em nada prejudica a liberdade”.

            A amplitude do pensamento e o significado de cada uma das frases de Péricles, líder máximo da democracia ateniense, expressam com precisa sintonia e solene afinidade não só o espírito deste momento de congratulação, mas principalmente a vida e a essência de nosso homenageado, o Senador Rui Palmeira.

            Nascido em Alagoas, no Engenho Prata, Município de São Miguel dos Campos, Rui Palmeira completaria cem anos no último dia 2 de março. A data,de significativa relevância para o cenário político nacional, e em especial para este Senado da República, justifica a presente homenagem, fruto de requerimento que apresentamos, os três Senadores de Alagoas, Senador Renan Calheiros, Senador João Tenório e eu próprio, a um dos mais honrados e destacados líderes de Alagoas.

            Filho do Deputado Miguel Soares Palmeira e de Dª Maria Tereza Ferro, Rui Palmeira teve sua educação escolar consolidada em Alagoas. O título de advogado deu-se com a diplomação, aos 23 anos, pela Faculdade de Direito do Recife. A excelência de sua intelectualidade e a formação humanista foram precocemente comprovadas pela primeira colocação nos concursos públicos para promotor público e para juiz de Direito, carreiras que, no entanto, abriu mão de exercer.

            Casou-se com Dª Maria Gaby Gracindo Soares Palmeira e teve com ela seis filhos, sendo primogênito o Senador e Ministro Guilherme Palmeira, que hoje nos dá a honra de retornar a este plenário.

            Em seguida, nasceram Nádia Palmeira, professora universitária com licenciatura em Letras; Moacir Palmeira, professor de Sociologia e pesquisador do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro; Vladimir Palmeira, economista e professor universitário, tendo sido Deputado Federal por duas vezes, dois mandatos, inclusive como Constituinte de 1988, e reconhecido líder estudantil à época do recrudescimento político dos anos 60; Miguel Palmeira, economista, já tendo exercido mandato de Deputado Estadual; e Godofredo Palmeira, empresário que já assumiu diversos postos no Governo de Alagoas, como o Gabinete Civil e as Secretarias do Trabalho e do Planejamento.

            E a sucessão da vocação política da família continua na atuação do neto e advogado Rui Soares Palmeira, hoje Deputado Estadual, com uma brilhante atuação na Assembleia Legislativa de Alagoas.

            Srªs e Srs. Senadores, autoridades, excelências aqui presentes, uma das mais contundentes formas de definir o perfil e a atuação de Rui Palmeira é nominar sua extensa e variada relação de atividades públicas e profissionais a que se dedicou durante uma breve, mas intensa, muito intensa vida pública.

            Visionário e empreendedor, fundou a primeira usina de açúcar cooperada da América do Sul, revelando, assim, seu pioneirismo na ação coletiva como modelo de organização socioeconômica.

            Advogado por formação, Rui Palmeira desenvolveu por ofício o magistério e o jornalismo. Por vocação, entregou-se à política e à agropecuária. Campos tão diversificados e exigentes não o impediram, no entanto, que assumisse também cargos e mandatos públicos nos três níveis da Federação: municipal, estadual e federal. De Secretário da Prefeitura de Maceió até o cargo de Diretor do Departamento de Estatística e membro da Comissão Censitária de Alagoas, teve seu ápice público ao se eleger por duas vezes Deputado Federal e, por outras duas vezes, Senador da República.

            No Congresso, exerceu a 1ª Secretaria e a 2ª Vice-Presidência do Senado, depois de ter atuado como Deputado Constituinte na Assembleia Nacional de 1946. Ao todo, foram 22 anos de densa atuação parlamentar, entre meados da década de 40 até sua prematura morte em 1968.

            Militante da União Democrática Nacional, a legenda oposicionista formada para tomar parte da redemocratização do País decorrente do fim do Estado Novo, em 1945, Rui Palmeira demonstrou não só a sua fidelidade às ideias que defendeu, mas principalmente à militância política que abraçou com o devotamento e civismo em prol da causa pública. Foi consenso entre aqueles que o conheceram e que com ele trabalharam a retidão de sua conduta, a integridade de seu caráter e a presteza da alma.

            Essas características, sem dúvida, o ajudaram a conviver e a participar de maneira efetiva de toda a República liberal e,mais tarde, a combater e a suportar os mais agudos momentos vividos pelo País, com os primeiro anos de 1964 até a instituição do AI-5, em 1968, três dias antes de sua morte. Mesmo assim, ainda que doente, teve tempo de manifestar sua discordância em relação àquele ato ao Presidente Costa e Silva. Além disso, vivenciou, sempre com sua peculiar serenidade e reconhecida educação, a dramaticidade de fatos políticos de um período de extrema expectativa em torno da redemocratização do País.

            Na própria política estadual, especialmente à época de sua reorganização na década de 40 com o fim do primeiro período Vargas, Rui Palmeira já demonstrara sua repulsa aos métodos autoritários e antidemocráticos, como o cerco à Assembleia Legislativa protagonizado pelo Governador de Alagoas de então, Silvestre Péricles, em 1947, e que gerou, de sua parte, uma apurada análise e um forte protesto contra o lamentável episódio. No mesmo ano, alegara a violação do direito à liberdade de expressão ao condenar o atentado sofrido pelo jornalista e então suplente de Deputado Estadual Donizete Calheiros, diante da oposição feita pelo jornal Diário do Povo. A mesma atitude de veemente reprovação demonstrou, também em 1947, frente à prisão de Deputados do Partido Comunista no Município de São Luís do Quitunde, a mando do então Governador, fato esse repetido no ano seguinte em função da arbitrária prisão do Deputado Hilton Pimentel, que acarretou nova condenação por parte de Rui Palmeira. São exemplos se seu incansável combate contra toda forma de injustiça e contra os frequentes desmandos no plano político - seja ele regional ou nacional -, e que o levaram ao reconhecimento como líder a ponto de concorrer por duas oportunidades, em 1947 e em 1965, ao Governo de Alagoas.

            Antes disso, ainda universitário, vale destacar, Rui Palmeira iniciara a prática política de reforçar, junto a lideranças locais, a luta da Aliança Liberal na Revolução de 30 contra o continuísmo da chamada “política do café-com-leite”, em que prevalecia a alternância entre paulistas e mineiros na Presidência da República. Já como tenente da Polícia Militar de Alagoas, participa de lutas armadas na Revolução de 32, exatamente para defender os ideais de 1930.

            Em outro campo de combate, mas com o mesmo espírito liberal e estoica conduta, Rui Palmeira teve papel decisivo nas relações da produção canavieira do Nordeste. Melhor referência encontramos nas palavras do professor e advogado João Azevedo em seu livro Rui Palmeira: um histórico liberal, que assim descreveu sua atuação frente às dificuldades e aos conflitos do setor:

No resumo histórico (...), estão descritas as origens do Sindicato e da Cooperativa Agrícola dos Banguezeiros e Fornecedores de Cana de Alagoas - posteriormente, Banco Cooperativo dos Plantadores de Cana de Alagoas -, criada em 24 de fevereiro de 1939, fruto de reuniões congregando gerações mais velhas e novas, sob inspiração de Rui Palmeira, seu fundador e um dos dirigentes.

Estas e outras iniciativas, como a Associação dos Lavradores de Cana-de-Açúcar de Alagoas, da qual foi presidente, e a Fundação dos Plantadores de Cana do Brasil - fundador e diretor -, além de organização de congressos e encontros, vieram a salvar do naufrágio total aqueles sobreviventes banguezeiros.

A Asplana - Associação dos Plantadores de Cana de Alagoas, criada em 11 de setembro de 1942, teve no novel líder não só seu inspirador, como um dos responsáveis pela estruturação inicial.

            Esse breve resumo demonstra, ao mesmo tempo, o empenho e a visão de Rui Palmeira sobre as condições e as relações de trabalho no setor canavieiro, numa época, cabe frisar, em que o reconhecimento dos direitos e das leis trabalhistas ainda se encontrava em processo de maturação no País.

            Contudo, Srªs e Srs. Senadores, autoridades aqui presentes, foi no equilibrado mas firme exercício da política que o líder alagoano Rui Palmeira demonstrou toda sua capacidade de articulação, com civilidade e devoção pública, em consonância com uma época cuja geração era marcada, predominantemente, pela lealdade e nobreza de caráter. A placidez, a ponderação e o compromisso público foram as maiores marcas do seu modo de fazer política. São características amplamente comprovadas pelo testemunho de muitos de seus correligionários e companheiros de Parlamento.

            E aqui permito-me reproduzir alguns exemplos, a começar pelas palavras de meu pai, Arnon de Mello, com o qual dividiu a Bancada alagoana nesta Casa. Ao se referir aos seus traços mais marcantes, afirmou que Rui Palmeira “sentia-se à vontade tanto para refazer relações pessoais quanto para conversar e entender-se com adversários, desde que as circunstâncias e o interesse público o aconselhassem”. E acrescentou: “Aliada ao silêncio, a virtude cristã da paciência era talvez o segredo do êxito da sua carreira política. De aspecto aparentemente frio, era, no entanto, extremamente humano” e extremamente caloroso. E tanto o era que, para o líder gaúcho Senador Daniel Krieger, Rui Palmeira “pertencia, indiscutivelmente, a essa comunidade espiritual de que nos fala Stefan Zweig, para o qual o ódio é uma modalidade insensata de sentir”.

            Sentimento e razão conseguiam, frente ao mesmo fato, conviver em Rui Palmeira. Diante da situação do seu filho Vladimir - que nos honra com sua presença nesta solenidade -, à época estudante, líder estudantil, preso político pela repressão, reconheceu nobremente não haver sentido um tratamento diferenciado a ele por ser filho de Senador. Apenas lamentou-se Rui: “Se o pai sofre, preocupa-se o homem público”.

            Porém, em que pese a virtude da conciliação pacífica, Rui Palmeira era dotado de uma autêntica coragem que fazia questão de não ostentar, muito menos desperdiçar. Sabia agir na hora precisa, sempre de maneira decidida e afirmativa. Por isso mesmo, o historiador e Deputado Medeiros Netto já havia certificado que Rui Palmeira, “por quase não falar, era o prócer mais sujeito ao exame frio e calculado dos seus adversários e dos seus próprios correligionários”. Era mais uma característica que se somava às virtudes que lhe garantiam o verdadeiro respeito de todos. Adversários políticos o admiravam e reconheciam o seu porte do homem público, como o Senador Ruy Carneiro, que o considerava “indiscutivelmente, uma das maiores figuras do Senado e da política brasileira; homem de talento, de cultura e profundamente forte”.

            A preocupação atenta com a seca do sertão nordestino foi, da mesma forma, latente na carreira política de Rui Palmeira, refletida nas palavras de um dos mais sérios discursos que proferiu, e que traduz com precisão sua luta e comoção sobre a questão climática da região: “Sempre que os olhos se deparam com a paisagem sertaneja nordestina, a gente se comove, sente a extensão daquele drama a que a sensibilidade humana não pode ser indiferente”.

            Do discurso à prática, ele apresentou em 1956 o Projeto de Lei do Senado nº 28, estabelecendo medidas para o desenvolvimento econômico da região árida de Alagoas. Uma década antes, já havia apoiado a inserção do art. 29 nas Disposições Transitórias da Constituição de 1946, para destinar 1% da receita da União na recuperação do Vale do São Francisco, o que gerou, dois anos mais tarde, por meio de lei, a comissão específica para administrar aqueles recursos. Mas a principal e duradoura solução para a seca já era por ele vislumbrada e defendida à época com o aproveitamento das águas do rio São Francisco, tema que ainda hoje está na pauta do debate parlamentar e dos programas de obras do Governo.

            Ainda na seara regional e estadual, Rui Palmeira dedicou sua atividade parlamentar a inúmeras iniciativas e ações que redundaram na criação de órgãos como o Departamento Nacional de Endemias Rurais, o Centro de Pesquisas da Esquistossomose, a Escola de Pesca e Previdência em Maceió, assim como em importantes obras para o Estado, como trechos da rodovia BR-101, o aeroporto de Maceió, a usina da Cooperativa de Laticínios do Município de Jacaré dos Homens e a maternidade de São Miguel dos Campos, que hoje leva o seu nome.

            Contudo, preocupações com questões nacionais também fizeram parte das atividades de Rui Palmeira. Na Constituinte de 1946, atuou em temas relacionados ao cooperativismo, à previdência social, à educação e aos servidores públicos. Da mesma forma, a intensa defesa das prerrogativas do Congresso Nacional, da autonomia dos Estados, das liberdades democráticas e das relações exteriores foi uma constante em seus discursos, nas suas iniciativas e nos seus pleitos.

            Enfim, Rui Palmeira incorporou, acima de tudo, a imagem e a essência do parlamentar completo na atuação, exemplar na postura e dedicado às suas convicções. Contudo, o melhor exemplo da magnitude de sua personalidade conciliadora e de seu pensamento, pode ser explicitado pelas próprias palavras proferidas diante da instabilidade política e em função do movimento estudantil, no auge do recrudescimento do governo militar. Disse ele:

Para evitar que se estabeleça um impasse, temos nós políticos, tem o Governo, têm todos, o dever de procurar a solução que ponha termo ao radicalismo. A solução política que ajude o Governo, que ajude as Forças Armadas, que ajude os estudantes, que convenha à Nação desejosa de paz para que se operem as transformações sem sacrifício das liberdades e da autoridade.

Para os que andam, os que agem, os que sentem possam levar adiante os planos, os projetos, tudo o que a hora sugere para tornar possível o desenvolvimento em condições de servir ao homem brasileiro.

            E termina ele dizendo: “Uma providência? Uma reformulação? Uma mágica? O que seja, contanto que seja.”

            Era o que tinha a dizer, Srªs e Srs. Senadores, autoridades aqui presentes, convidados e familiares, aos quais, na pessoa do Deputado, Governador, Senador, Secretário de Estado, Prefeito e Ministro do Tribunal de Contas da União Guilherme Palmeira, rendo aqui as minhas maiores e melhores homenagens, agradecendo a todos pela atenção.

            Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2010 - Página 18774