Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da passagem do Dia de Luta Antimanicomial, celebrado na data de hoje.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Registro da passagem do Dia de Luta Antimanicomial, celebrado na data de hoje.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2010 - Página 21888
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEBATE, DIA NACIONAL, COMBATE, INTERNAMENTO, SANATORIO, PACIENTE, DOENÇA MENTAL, ANALISE, DEFICIENCIA, TRATAMENTO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, SAUDAÇÃO, CRIAÇÃO, PREMIO, VALORIZAÇÃO, ENGAJAMENTO, LUTA, REFORMULAÇÃO, PSIQUIATRIA, BUSCA, INTEGRAÇÃO, MEDICO, COMUNIDADE, FAMILIA, USUARIO, RECEBIMENTO, ORADOR, ENTIDADE, CIDADÃO, HOMENAGEM, IMPORTANCIA, DENUNCIA, TORTURA, REGISTRO, TEXTO, DEPOIMENTO, VITIMA, AUTOR, LIVRO.
  • HOMENAGEM, PAULO DELGADO, DEPUTADO FEDERAL, LUTA, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, REGISTRO, CONTRIBUIÇÃO, JOSE PAULO BISOL, EX SENADOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Acir Gurgacz, Srªs e Srs. Senadores, “hoje é o dia reservado para comemorar a luta antimanicomial. Dia de levantar a questão: quais o princípios que devem nortear as políticas da saúde mental?”. Assim começam o artigo Jair Mari e Graham Thornicroft na Folha de S. Paulo de hoje. E prosseguem:

Os serviços de assistência à saúde mental em países em desenvolvimento não estão conseguindo atender às necessidades de tratamento dos pacientes, face à alta morbidade psiquiátrica na população.

Um princípio fundamental da disseminação da assistência mental à comunidade é a noção da igualdade de acesso das pessoas aos serviços em seu bairro ou região de moradia.

Outro princípio fundamental é a garantia dos direitos de autodeterminação e autonomia dos indivíduos com transtornos mentais como cidadãos. Esses princípios foram ratificados pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotados em 1991.

São textos que estabelecem três pontos importantes, em se tratando da pessoa com transtorno mental: o direito de ser tratada sem discriminação; o direito à presunção de capacidade legal, a menos que a incapacitação fique claramente demonstrada; e a necessidade de envolvimento dos usuários dos serviços e seus familiares no desenvolvimento de políticas que afetam diretamente suas vidas.

As mudanças nas políticas de saúde mental podem ser divididas em três fases: o estabelecimento dos asilos psiquiátricos, a partir de 1880 até 1955; o declínio do sistema de institucionalização e isolamento, pós-Segunda Guerra; e a reforma dos serviços de saúde mental de acordo com abordagem baseada em evidências, no equilíbrio e na integração de serviços comunitários e hospitalares.

A integração entre comunidade e serviços hospitalares é reconhecida como um “modelo de assistência equilibrado”, no qual a maioria dos serviços funciona na comunidade, em centros próximos à população atendida, onde a internação hospitalar é reduzida e, geralmente, efetivada nas enfermarias psiquiátricas dos hospitais gerais.

Os países em desenvolvimento devem estruturar cinco categorias de recurso para organizar o desenvolvimento dos serviços: clínicas ambulatoriais para atendimento de pacientes; equipes de saúde mental comunitária; serviços de atendimento ao paciente em crise; assistência domiciliar baseada na comunidade; e serviços de encaminhamento para emprego, ocupação e reabilitação.

A assistência orientada para a comunidade deve preencher, ainda, os seguintes requisitos: atender às necessidades de saúde pública, com prioridade para o tratamento dos doentes mais graves; desenvolver centros locais e acessíveis; mobilizar a participação dos usuários e seus familiares nas políticas de planejamento; e provisionamento dos serviços de saúde mental.

A Associação Mundial de Psiquiatria nomeou uma força-tarefa para produzir diretrizes sobre as etapas, os obstáculos e os erros a serem evitados na implementação de um sistema de saúde mental comunitário.

O conteúdo desse editorial estará no próximo número da Revista Brasileira de Psiquiatria e o relatório completo será divulgado na edição de junho do World Psychiatry.

O relatório levantou vários erros-chave. Primeiramente, não há planejamento de saúde mental sem a participação de psiquiatras e usuários.

Em segundo lugar, o planejamento deve ser acompanhado por sucessão racional de eventos, de modo a evitar o fechamento de um hospital psiquiátrico antes que o serviço comunitário de assistência esteja solidamente estabelecido na mesma área.

Nenhum sistema de saúde mental pode funcionar sem a disponibilidade de leitos suficientes para acolher o paciente em crise. Outro erro comum é associar a reforma a um interesse ou grupo político particular, o que pode fazer com que qualquer mudança de governo comprometa as ações tomadas por predecessores.

Concluindo, os princípios fundamentais de orientação das políticas de saúde mental nos países em desenvolvimento preveem que estas devem se basear nas necessidades de saúde pública, levar em consideração a proteção dos direitos humanos e serem projetadas levando em conta sistemas de saúde mental baseados em evidência e custo-efetividade.

É o momento, portanto, de se buscar um consenso para a defesa da melhoria dos serviços de saúde mental de qualidade, capazes de atender milhões de pessoas sem recursos e completamente desassistidas, nos países em desenvolvimento [concluem o professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Jair Mari, e Graham Thornicroft, professor do Instituto de Psiquiatria do King’s College em Londres.].

            Eu gostaria aqui de cumprimentar o Edson Lima e todos aqueles responsáveis pelo II Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos.

Dia 27 de maio completa-se dois anos da morte de Austregésilo Carrano Bueno, dramaturgo, militante da luta antimanicomial e autor do livro “Canto dos Malditos”, que originou o filme “Bicho de sete cabeças”, que junto com o livro revolucionou a história da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Carrano se destacou como o principal militante pela Luta Antimanicomial em nosso país. Eleito em congresso na cidade de Xerém-RJ, atuou nos últimos anos como representante dos usuários na Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica do Ministério da Saúde, chegando a receber, em 2003, uma homenagem das mãos do presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva, por seu empenho na Reforma Psiquiátrica. Além das torturas sofridas nos “chiqueiros psiquiátricos” - como dizia - Carrano sofreu vários processos judiciais por sua militância, principalmente por parte dos familiares dos médicos responsáveis pelos “tratamentos” recebidos nas passagens pelos locais onde foi internado, confinado e torturado. Carrano continuou militando até seus últimos dias no Movimento da Luta Antimanicomial, mesmo com a saúde debilitada, no dia 18 de maio de 2008, participou do Dia Nacional de Luta Antimanicomial em Belo Horizonte.

O Prêmio - Para que a sua voz não se cale e seu nome continue vivo no Movimento de Luta Antimanicomial, criamos [o Sr. Edson Lima e outros], em 2009, o Prêmio CARRANO de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos. O Prêmio tem como objetivo dar continuidade à sua luta por uma mudança nas condições de tratamento de pessoas em sofrimento mental, fazendo valer a Lei nº 10.216/2001 [de iniciativa do Deputado Paulo Delgado], da Reforma Psiquiátrica no Brasil, da qual foi um dos defensores e críticos.

O prêmio será entregue anualmente a pessoas de ações e atitudes importantes nestas áreas, mas principalmente, denunciar quaisquer violações dos Direitos Humanos, especialmente no que se refere a pessoas nas condições de sofrimento mental. Fizemos [diz Edson Lima] em 2009, na Semana do Dia Nacional de Luta Antimanicomial, o lançamento do Prêmio, com uma entrega simbólica a Carlos Eduardo Ferreira, mais conhecido como Maicon, usuário e militante da Luta, que esteve em vários momentos ao lado de Carrano, também foi entregue um prêmio a família de Carrano.

A criação do prêmio foi uma iniciativa de alguns amigos de Carrano: Edson Lima, coordenador do projeto “O Autor na Praça”; Erton Moraes, escritor, compositor e músico do Movimento TrokaosLixo; Lobão, integrante do Movimento 1daSul e Sarau do Cooperifa; Adriano “Mogli” Vieira, da AEUSP - Associação dos Educadores da USP; Paloma Kliss, escritora, e contamos com o apoio do Movimento Nacional e Fórum Paulista de Luta Antimanicomial, Conselho Regional de Psicologia de São Paulo e militantes do movimento. “

            Foi nesse último sábado a entrega do II Prêmio Carrano.

(...) Foram indicadas 13 pessoas e instituições:

Casa do Saci [espaço criado e administrado por usuários da rede substitutiva aos manicômios]

Grife Dasdoida (criada pela psiquiatra Julia Catunda e usuários do CAPS Itapeva);

Grupo Tortura Nunca Mais [a Presidente Rose Nogueira foi quem recebeu o prêmio]

Luciano Santos, advogado e integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral;

Magrão, amigo de Carrano;

Marcelo Rubens Paiva, escritor e dramaturgo;

Marcos Abranches, Coreógrafo;

Paulo Amarante, Psiquiatra e escritor;

Revista Ocas - Organização Civil de Ação Social (Maria Alice Vassimon);

Sebastião Nicomedes, escritor e coordenador de oficina na Casa Restaura-me de apoio a pessoas em situação de rua;

Toninho Rodrigues, diretor e ator de teatro;

Xico Sá, jornalista e escritor.

            Eu tive também a honra de ter sido um dos agraciados e aqui agradeço aos responsáveis pelo II Prêmio Carrano em função da defesa dos direitos à cidadania em nosso País. Infelizmente, não pude estar presente para receber esse prêmio pessoalmente, mas solicitei à minha assessora, a Assistente Parlamentar Flávia Rolim, que ali me representasse, e ela o fez neste sábado, lá na Praça Benedito Calixto.

            Gostaria aqui de registrar que também foram homenageadas outras pessoas, personalidades como: Antonin Artaud, Arthur Bispo do Rosário, João Cândido, Itamar Assumção, Lima Barreto, Machado de Assis, Maria Conceição Aciolly, Nise da Silveira, Nivaldo Santana, Paulo Leminski, Plínio Marcos, Roberto Freire, Sérgio Sampaio, que tanto colaboraram nessa luta.

            O Sr. Austregésilo Carrano escreveu textos muito significativos sobre sua luta, e aqui gostaria de concluir com algumas de suas palavras: “Querem o calar custe o que custar”.

Foi, sem dúvida, um artista revolucionário, guerreiro dos direitos humanos, e dos mais polêmicos do Brasil.

Conseguiu, bancando sozinho o trabalho de seu advogado, a liberação do seu livro “Canto dos Malditos” depois de dois anos e meio cassado e retirado de todas as livrarias brasileiras, não contou com nenhum apoio da editora da época. “Canto dos Malditos” foi dos poucos livros proibidos depois do fim da Ditadura Militar. Voltou às livrarias em setembro de 2004, com um posfácio mais picante, denunciando os crimes psiquiátricos e também as fortunas psiquiátricas ilícitas. Cobrando, exigindo “indenizações” imediatas às Vítimas do Holocausto Psiquiátrico Brasileiro... A Luta pelos Direitos Sociais de nós “Vítimas Psiquiátricas”, está apenas começando, agora que a cobra vai fumar!... Afirmava Carrano.

Sequelas....e...Sequelas [eis as palavras de Carrano].

Sequelas não acabam com o tempo. Amenizam. Quando passam em minha mente as horas de espera, sinceramente, tenho dó de mim. Nó na garganta, choro estagnado, revolta acompanhada de longo suspiro.

Ainda hoje, anos depois, a espera é por demais agonizante. Horas, minutos, segundos são eternidade martirizantes. Não começam hoje, adormeceram há muito tempo, a muito custo... comigo. Esta espera, oh Deus! É como nunca pagar o pecado original. É ser condenado à morte várias vezes.

Quem disse que só se morre uma vez?

Sentidos se misturam, batidas cardíacas invadem a audição. Aspirada a respiração não é... é introchada. Os nervos já não tremem... dão solavancos. A espera está acabando. Ouço barulho de rodinhas. A todo custo, quero entrar na parede. Esconder-me, fazer parte do cimento do quarto. Olhos na abertura da porta, rodam a fechadura. Já não sei quem e o que sou. Acuado, tento fuga alucinante. Agarrado, imobilizado... escuto parte de meu gemido.

Quem disse que só se morre uma vez?

(Austregésilo Carrano Bueno - Poema das quatro horas de espera para ser eletrocutado - aplicação da eletroconvulsoterapia). Veja vídeo do Carrano declamando o poema.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Suplicy, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - RS) - Pois não. Com muita honra e satisfação, Senador Paulo Paim. V. Exª, nesses últimos dias, tem se dedicado de tal forma às causas nas quais tanto acredita que merece um cumprimento. Eu tiraria o chapéu, se aqui um tivesse, para V. Exª, porque V. Exª não descansa. V. Exª está sempre atento e chamando a atenção de todos nós para votações importantes que acontecerão nesta semana, desde a causa dos aposentados aos demais temas, como a votação do Projeto Ficha Limpa, que amanhã votaremos, assim como os demais projetos, que são importantes para o Brasil, relacionados ao pré-sal.

            Ouço, com muita honra, o aparte de V. Exª, Senador Paulo Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Eduardo Suplicy, lá no meu Rio Grande há um ditado popular que diz: “O tempo é o senhor da verdade, e ela avança com a velocidade dos ventos”. Eu acho que essa frase tem toda uma simbologia dessa luta e do prêmio que V. Exª recebeu, pela sua postura, pela sua forma de agir em relação às pessoas que têm algum tipo de doença mental. Tenho um irmão que é psiquiatra, e ele me fala muito desta situação, da luta de homens e mulheres para permitir a integração do doente mental com a família. Quero, neste momento, fazer uma homenagem a V. Exª e ao meu grande amigo e Deputado Federal Paulo Delgado. Eu acompanhei a luta dele, quando éramos Deputados, para aprovar a lei cujo número V. Exª citou, inclusive. Depois de muita, muita luta, ele conseguiu aprová-la e recebeu prêmios em diversas partes do mundo. Alguns não entendiam, no início, a grandeza da posição que o nosso querido amigo Paulo Delgado defendia, e defende até hoje. Mas fico com esta frase com que comecei: “O tempo é o senhor da verdade, e ela avança com a velocidade dos ventos”. É essa velocidade dos ventos que vai garantir com que as pessoas com algum tipo de doença mental possam ser reintegradas e tratadas com humanidade, na linha dos direitos humanos. Parabéns pelo prêmio que V. Exª recebeu!

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

            As pessoas aqui talvez não estejam vendo a imagem, de autoria de Carrano, na capa da 1ª Edição do livro Canto dos Malditos, produzida por ele de forma artesanal, datilografada, xerocada, com acabamento em espiral, algo muito bonito, referente ao II Prêmio Carrano da Luta Antimanicomial e Direitos Humanos.

            Mas V. Exª aqui recorda a luta do Deputado Paulo Delgado. Hoje, o seu irmão - acho que é Delgado também - trabalha no Ministério da Saúde e ali colabora com o nosso Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que justamente tem se dedicado muito ao avanço desta interação dos médicos psiquiatras com a comunidade, com os usuários, conforme está escrito no artigo de Jair Mari e Graham Thornicroft.

            E eu me lembro, em 2001, quando aqui tramitou o projeto. Eu até com muito carinho e respeito guardo na memória as palavras do Senador José Paulo Bisol, porque, certo dia, ele ficou um pouco preocupado comigo por defender o projeto do Deputado Paulo Delgado. Eis que ele tinha um outro ponto de vista, também depois de muito estudo e ouvindo os responsáveis pelos hospitais psiquiátricos. Mas o que eu noto aqui no artigo que li de Jair Mari e Graham Thornicroft é que se encontrou uma espécie de equilíbrio onde aquelas preocupações muito sérias do Senador José Paulo Bisol, de alguma forma, estão contempladas, assim como também o propósito do Deputado Paulo Delgado, que foi o autor desse projeto.

            Aqui, faço também uma homenagem ao nosso querido José Paulo Bisol, que, tendo proferido um parecer diferente do projeto do Paulo Delgado, acabou, de alguma maneira, contribuindo para que depois houvesse um equilíbrio, como explicitado neste artigo que li hoje e que foi publicado no Folha de S.Paulo,

            Muito obrigado, Senador Paulo Paim. Muito obrigado, Presidente Acir Gurgacz.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2010 - Página 21888