Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do seu retorno ao Senado, após ter sofrido um acidente de barco no litoral do Amapá. Agradecimentos aos pescadores e vereadores do Amapá, pela solidariedade recebida durante o resgate.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Registro do seu retorno ao Senado, após ter sofrido um acidente de barco no litoral do Amapá. Agradecimentos aos pescadores e vereadores do Amapá, pela solidariedade recebida durante o resgate.
Publicação
Publicação no DSF de 19/05/2010 - Página 21895
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • DEPOIMENTO, NAUFRAGIO, ORADOR, GRUPO, ENGENHEIRO, OPERADOR CINEMATOGRAFICO, LITORAL, ESTADO DO AMAPA (AP), RISCOS, MORTE, AGRADECIMENTO, MOBILIZAÇÃO, AUTORIDADE, PRECE, CIDADÃO, SALVAMENTO.
  • COMENTARIO, NAUFRAGIO, FRUSTRAÇÃO, TENTATIVA, ACESSO, VILA, PESCADOR, ESTADO DO AMAPA (AP), BUSCA, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, TRANSPORTE DUTOVIARIO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ABASTECIMENTO DE AGUA, COMUNIDADE, AVALIAÇÃO, REFORÇO, MISSÃO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GILVAM BORGES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, caros telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, é com emoção que retorno a esta Casa. Agradeço a Deus por este momento tão importante na minha vida, depois de um episódio, um acidente de navegação na costa do Amapá.

            Desloquei-me do Aeroporto Internacional de Macapá, às 9 horas, em direção ao Município de Amapá, um dos Municípios mais antigos do nosso Estado, onde, no ano 1895, o nosso herói Cabralzinho, Francisco Xavier da Veiga Cabral, expulsou os franceses e ali garantiu toda a nossa brasilidade. Ao participar desse movimento, com uma delegação composta por dois engenheiros e um cinegrafista, seguimos o rio do Município de Amapá para a remota Vila do Sucuriju. Tínhamos uma missão especial, Sr. Presidente: levar àquela vila de pescadores, tão distante, um grande projeto do aqueduto, para que pudéssemos suprir uma necessidade básica do ser humano que seria a água. Dali, seguimos, de voadeira, pela costa do Amapá, no Oceano Atlântico, passando a Vila de Maracá, e começamos uma das aventuras que poderia ter sido uma tragédia. Por pouco, talvez não pudéssemos estar aqui neste momento em retorno a esta Casa.

            Às 16 horas, depois de quatro horas de navegação, encalhamos em uma praia. E ali, durante quatro horas, aguardamos a maré para poder seguir. Era noite, 19 horas, já não podíamos voltar. Teríamos de seguir, porque a pororoca - um fenômeno da natureza: o encontro da água doce com a salgada - já vinha estrondando do alto mar para dentro e, tínhamos de seguir em frente, porque tínhamos percorrido um bom percurso.

            Já era noite escura, e estávamos sem os equipamentos necessários para podermos saber a direção. Depois de mais duas horas, estávamos em pleno oceano, sem saber se estávamos indo ou voltando. E o desespero, então, começou a chegar, quando os nossos engenheiros e o cinegrafista diziam que não estávamos mais indo, mas estávamos voltando.

            O combustível, já contado, dava-nos conta de que talvez o nosso destino de chegar à Vila dos pescadores do Sucuriju não daria as condições necessárias. E aí, relâmpagos e uma grande trovoada das maresias e das pororocas, estávamos lá sujeitos a um alagamento.

            E, aí, por Deus, com a boa sorte, depois de tantas horas no rio, vimos a luz, uma pequena luz distante, e aquela luz foi a nossa salvação. Seguimos em direção à luz. Não conseguíamos ver nem um metro à frente, porque era muita chuva, muita maresia. Estávamos prestes ao naufrágio. E seguimos em busca da luz. E, ali, antes de chegar às margens do rio, uma grande onda de quase três metros nos jogou praia adentro. Então, naufragamos. Mas ainda bem que a abençoada pororoca nos jogou para a praia! E descemos na escuridão em busca da luz, e, nessa luz, ali estavam dois pescadores, em um local que chamamos de feitoria, que é o mesmo que um mutá de caçada. É como um jirau, uma pequena armação em que são colocadas as ripas, os galhos das árvores, em cima dos quais os pescadores ficam para se protegerem dos bichos ferozes. E chegamos ali muito machucados, muito avariados. Praticamente por doze horas tivemos de ficar ali. Foram doze horas noite toda adentro naquela feitoria. Perdemos toda a nossa bagagem, toda a nossa máquina. Estávamos muito distante e sem comunicação.

            Quero agradecer ao Vereador Maranhão, que, na Operação Espadarte, desencadeou, junto com meus familiares e amigos, o resgate do Senador Gilvam Borges. Mobilizaram, então, toda a busca necessária. Quero agradecer ao Presidente Sarney e a todos que tiveram, naquele momento, a possibilidade de fazer um gesto de reconhecimento e de torcida. Muitas orações foram feitas no Amapá, e, às 11 horas da manhã, fomos resgatados.

            Imagine V. Exª, Sr. Presidente, que conhece a Amazônia, como homem também de Rondônia, que estávamos ali há praticamente doze horas, com a praga carapanã - assim chamamos os mosquitos. O sofrimento foi muito grande. O cinegrafista disse, quando nossa voadeira estava indo para o fundo, naquela escuridão, naquela chuva, naquele momento de desastre: “Não sei nadar, vou morrer”. Foi quando eu disse: “Segura-te, que vamos conseguir chegar”. E chegamos. Se não fosse aquela pequena luz, talvez tivéssemos nos distanciado oceano afora e tivéssemos sido tragados pelas ondas gigantes que ali se encrespavam, sopradas pelo vento. E, talvez, eu não pudesse estar de volta a esta augusta Casa novamente para compartilhar os trabalhos do Congresso Nacional.

            Quero deixar registrado meu agradecimento ao Vereador, a Áurea, ao Carlinhos, às autoridades, ao Prefeito Peba, a todos os Prefeitos que ali estiveram com solidariedade naquele momento tão difícil. Já passei por muitas dificuldades na minha vida com aeronaves, com acidentes, com minhas grandes caminhadas em Santiago, caminhando pela neve durante trinta dias, e em outras situações, Sr. Presidente, mas nunca estive tão próximo da morte como naquele momento.

            Confesso a V. Exª que minha preocupação era com a missão especial para a qual eu estava indo numa comunidade muito distante. A composição dos votos ali, talvez, não representaria uma solução de um resultado eleitoral em que pudéssemos ter garantido uma boa disputa num pleito eleitoral. Não se tratava dessa busca. Minha busca estava verdadeiramente na solução de um problema secular daquela vila. Como o nosso herói Cabralzinho, que expulsou os franceses, estavam ali os pescadores. Eles também eram os nossos guardiões; quando os franceses queriam entrar, eles já estavam lá.

            O interessante é que, um dia antes, eu tive uma reunião com mil pescadores, e foi nessa reunião que eles me pediram que eu fosse até essa Vila do Sucuriju, na costa do Amapá, no Oceano Atlântico, para implantar esse projeto do aqueduto, que é um desafio. Mas eles confiaram e me pediram: “Vá, Senador! Confiamos no senhor. Vá nos ajudar! Esse é nosso pleito”. Foram os outros companheiros que me pediram isso. E, por ironia do destino, na minha missão de ir até à vila dos pescadores, caí justamente em um mutá, em uma feitoria, em um jirau de pescadores, onde tive de ficar com eles por uma noite e uma metade de um dia, no frio, com muriçoca, com carapanãs. E não eram poucos, Sr. Presidente. Eram muitos! Não tivemos como dormir.

            Vi ali o quanto aqueles pescadores, gente humilde, sofrem na busca de ganhar o pão. E, depois desse encontro com a pororoca, com o naufrágio, com uma situação estressante, de vida ou de morte - estava numa linha tênue para que tudo acontecesse -, na minha mente, então, surgiram várias imaginações, onde busquei, em pensamento, meus familiares, minhas queridas e amadas pessoas. E tive a oportunidade de refletir naquele momento que eu estava ali. Em um metro quadrado, havia seis pessoas, no escuro, ao lado de dois pescadores, por uma condição especial.

            Acho que a vida é assim. Tive o pressentimento de que eu tinha uma missão especial ali, que foi consequência daquele meu encontro com aqueles mil pescadores em Macapá. E, pela pororoca, pelo sofrimento, chegamos ali e fomos jogados, depois do naufrágio, num tapiri, numa feitoria de dois pescadores. Aquela luzinha consegui vê-la num momento fatal, em que eu poderia ter sido levado pela grande correnteza do Oceano Atlântico. Eu já estava com pouco combustível e castigado pela tempestade e por aquelas águas, e aquela luz surgiu lá, bem distante. Eu disse aos meus companheiros que deveríamos seguir no rumo daquela luz, porque ali poderíamos ter uma esperança. E a esperança veio justamente por causa dessa luz. Talvez, pelas condições em que estávamos, não tivéssemos como chegar à Vila do Sucuriju. Não conseguíamos ver absolutamente nada, era uma noite escura. E aí estou de volta a esta augusta Casa.

            Quero agradecer a todos que lá fizeram aquelas orações por nós. Quero agradecer a todos os meus colegas Deputados Federais, que estiveram também apreensivos, como o Senador Papaléo e o Presidente Sarney, que seguiu para os Estados Unidos.

            A experiência nos leva a travar uma luta ainda maior pelos mais humildes. Amanhã mesmo, estarei com o Ministro da Pesca, para tratar de questões importantes da reunião que tive com os mil pescadores. A experiência que tive foi grandiosa e me trouxe ainda mais humildade e compreensão do desvendamento dos sinais. Fui jogado naquele matapi, Senador, pela pororoca, após o naufrágio. Perdi minha câmara, minha filmadora. Perdemos tudo, mas saímos com o essencial: a experiência e a própria vida ainda.

            Meus companheiros, quando cheguei, perguntaram-me: “E aí, Gilvam, como é que foi?”. Eu disse que foi muito difícil, porque ali poderia ter havido uma fatalidade. Mas, já em tom de brincadeira, Senador, eu disse para eles que eu tinha visto o velho Ulisses Guimarães surgindo do mar com uma túnica verde, com uma bandeira do PMDB, abanando e dizendo “venha soldado da democracia”. Eu disse: “Não, Presidente, ainda não é hora, estamos próximos da eleição. Quem sabe em nosso próximo encontro!”. Meus companheiros sorriram e entenderam que o chamado existe, mas nem sempre é atendido. O chamado verdadeiro é aquele que está no planejamento divino. Todos nós temos a hora certa da chegada e também temos a hora certa da partida. Somos como as folhas verdes que secam, que caem no momento certo e que são sopradas em campo aberto, mata adentro. Cumprimos as nossas funções e seguimos o ciclo da própria natureza. Então, quando é chegado o momento, a compreensão tem de ser grande.

            Quero deixar registrado meu agradecimento ao Vereador Maranhão, que chegou ali com um grupo de salvamento, com o Corpo de Bombeiros. Mas eu já estava na Vila de Sucuriju. Voltamos juntos, falando já dos grandes projetos.

            Quero agradecer aos dois engenheiros, ao cinegrafista e a todos aqueles que, verdadeiramente, estiveram comigo em oração e em pensamento, esperando-me, quem sabe, para mais um período de boa convivência.

            Portanto, deixo registrado esse 15 de maio de 1895 como o dia em que Cabralzinho, nosso herói, conseguiu derrotar o Capitão Lunier, que chegou com a fragata para poder fincar a bandeira francesa em território brasileiro, e ali já estávamos nós, os amapaenses, com a fibra de sempre, com a boa têmpora, para prosseguir na luta pelos interesses maiores do nosso Estado. Então, nosso herói Cabralzinho foi comemorado lá, com o Prefeito Peba.

            Quero agradecer ao Governador Pedro Paulo, aos meus irmãos, às minhas famílias. Ressalto ainda a comemoração dos nossos amigos que nos servem aqui um bom cafezinho, nossos garçons e amigos, profissionais que fizeram uma grande roda no Cafezinho: “Senador, seja bem-vindo!”. E rimos um bocado. Não foi dessa vez.

            Portanto, ao Brasil meus agradecimentos. Estamos firmes e fortes para mais uma nova experiência. Que Deus nos proteja e nos abençoe! Vamos tocar os grandes projetos de interesse do Amapá e do Brasil.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Meu muito obrigado a todos aqueles que estão nos assistindo pela TV Senado e nos ouvindo pela Rádio Senado. Que Deus nos abençoe sempre!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/05/2010 - Página 21895