Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Celebração do Dia Nacional da Defensoria Pública.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Celebração do Dia Nacional da Defensoria Pública.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2010 - Página 23260
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, PRESENÇA, AUTORIDADE, HOMENAGEM, DIA NACIONAL, DEFENSORIA PUBLICA, SUPERIORIDADE, RELEVANCIA, FUNÇÃO, OBJETIVO, CIDADANIA, SAUDAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AUTONOMIA FINANCEIRA, INDEPENDENCIA, VALORIZAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, REGISTRO, DEMOCRACIA, DEBATE, AUDIENCIA PUBLICA, COMPLEMENTAÇÃO, COMPETENCIA, MINISTERIO PUBLICO, PROPOSIÇÃO, AÇÃO CIVIL PUBLICA, DEFESA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.
  • GRAVIDADE, PRECARIEDADE, FUNCIONAMENTO, DEFENSORIA PUBLICA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ATENDIMENTO, EXTENSÃO, TERRITORIO, INSUFICIENCIA, COMBATE, ARBITRARIEDADE, VIOLAÇÃO, DIREITOS, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, DESCONHECIMENTO, ORDEM JURIDICA, NECESSIDADE, AUMENTO, NUMERO, DEFENSOR PUBLICO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, JUSTIÇA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado. Agradeço à Senadora Rosalba, ao Senador Valdir Raupp.

           Sr. Presidente Mão Santa; Srªs e Srs. Senadores; senhores e senhores convidados; ilustre primeiro signatário do requerimento da presente sessão, prezado colega Senador Antonio Carlos Valadares; não estou vendo aqui o Presidente Mauro Benevides - já esteve -; Sr. Defensor Público-Geral da União e Presidente do Conselho Superior da Defensoria Pública, Dr. José Rômulo Plácido Sales; Sr. Vice-Governador do Estado de Sergipe e Defensor Público Estadual, Dr. Belivaldo Chagas; Srª Defensora Pública Geral do Estado da Bahia e Presidenta do Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais - Condege -, Srª Tereza Cristina Almeida Ferreira; Sr. Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos - Anadep -, Dr. André Luís Machado de Castro; Sr. Presidente da Associação dos Defensores Públicos da União, Dr. Luciano Borges; registro ainda a presença da Drª Mariana Lobo, que é Vice-Presidenta da Associação dos Defensores Públicos; senhores e senhores, de maneira bastante breve, mas procurando marcar o que é a minha posição e a posição do meu partido, que se deve ter feito representar por outros Senadores e Senadoras, não daria para não falar nesta sessão, porque considero a Defensoria Pública tão essencial para se confeccionar uma verdadeira cidadania no País que registro, com muito orgulho, ter sido um dos momentos mais brilhantes desta legislatura em todos os seus sete anos, quase oito anos de duração, a aprovação nesta Casa da nova Lei que rege os destinos da Defensoria: autonomia financeira, independência, critérios que garantem peso maior à Defensoria Pública e meios para exercer seu papel tão nobre, tão essencial, repito, à própria cidadania brasileira.

           Tivemos diversas sessões na Comissão de Justiça muito bonitas porque muito discutidas, com opiniões de diversos segmentos da sociedade brasileira. E certa vez alguém - não importa quem - disse a mim e a alguns Senadores: “Vocês estão querendo criar um novo Ministério Público?” Eu pensei e disse: “É, é isso mesmo. Eu estou precisamente querendo criar um novo Ministério Público”. Se se fala de independência, se se fala de distância em relação ao poder, se se fala de autonomia financeira, pensando bem, não tinha me ocorrido essa ideia, mas é o que eu estou querendo mesmo. É precisamente isso.

           Não estou nem um pouco arrependido de ver o Ministério Público como ele é. Tem equívocos? Tem. Eu tenho, todo mundo tem. Mas tem acertos inúmeros. Tem exageros? Tem. Mas não dá para desconhecer que o Ministério Público, desde que começou a viver essa sua nova fase, também adquiriu cabelos grisalhos. E o Ministério Público, hoje, é uma instituição, eu diria, sempre útil, sempre independente mas muito mais equilibrada do que num passado recente, num passado de dez anos atrás.

           Havia um suposto choque entre Defensoria Pública e Ministério Público. Também me convenci de que não havia. Ministério Público pode propor as ações civis públicas que lhe cabem, e à Defensoria Pública cabe propor as ações civis públicas em defesa dos hipossuficientes. Não vejo choque nenhum. Eu vejo interação e jamais choque de atribuições. Não vejo superposição de poderes jamais.

           O que eu tenho de real - e aí lá vem o velho Tolstoi: “Quando quero ser universal, eu termino mesmo cantando a minha aldeia” -, de verdadeiro é que, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores e convidados, no meu Estado, funcionam cinco, talvez não funcionem seis Defensorias Públicas em 1 milhão e 500 mil Km² e apenas 61 Municípios, mas 1 milhão e 500 mil km², praticamente o tamanho da Argentina, ou quase a Argentina. Dessas cinco ou seis, não sei bem - não sei se tem alguém do Amazonas aqui -, nós temos todas do interior funcionando de maneira precaríssima e temos a de Manaus, evidentemente que não em compensação, funcionando de maneira heroica, valente, mas precária também. Manaus, Senador Flávio Arns, está longe de oferecer um serviço de defensoria pública à altura do que o povo humilde requer. E no interior nem se fala.

           Quando votávamos aqui a matéria, eu fiz um relato - para mim é muito tocante - de determinado defensor público, filho de um Município, que retornou para umas férias, ou Natal - não sei o que foi -, mas retornou a sua terra. Terra pequena, muro baixíssimo. Ele soube que havia um preso condenado a alguma coisa perto de 1 ano de prisão e que já estava há 5 anos cumprindo pena. Ele já havia pago 5 vezes, pelo menos, pelo tal delito ou suposto delito cometido. Ele, que é advogado, disse: “Eu vou tirar você daqui.” E oficiou a um juiz, ao mesmo juiz que havia, por acaso - não sei bem, eu sou bacharel e entendo muito pouco disto - mas ao mesmo juiz que, não sei se acaso, havia condenado esse cidadão. Oficiou a esse juiz. E o defensor público disse: “Eu tenho certeza de que você estará livre dentro de momentos. É o tempo de chegar às mãos dele, e ele vai compreender que você está sendo vítima de uma iniqüidade, que o que estão fazendo com você se faz apenas porque você é pobre. Não fariam se você fosse rico”. E qual não foi a surpresa, a terrível surpresa, de ter vindo a negativa. Por quaisquer razões - e eu tenho horror quando uma autoridade se arvora em majestade, seja ela presidente da República ou diretor da sessão tal, eu tenho horror; aliás, eu sou republicano mesmo, daí eu não gostar tanto de majestades. Quando veio a negativa, o defensor público ficou perplexo - o advogado da parte. E a parte, desesperada, estava até acomodada com os 5 anos lá; estava naquela prisão, de vez em quando saía para ver o jogo fora, para visitar a esposa, enfim... A parte desesperada, falou: “Não, querem me manter aqui a vida toda”. Ou seja, o defensor público deu o gostinho de liberdade em potencial para aquele cidadão e, de repente, vem o juiz e diz: “Não, não, não. Ele tem que ficar preso”. Ficar preso por quê?

           Aí eu faço a indagação: num País em que não se prende ninguém; num País onde basta roubar muito para não ser preso; num País onde nós sabemos de todos os recursos à disposição de quem rouba muito, de repente, por um delito - não sei qual foi, mas qualquer que tenha sido - recebe-se pena de um ano de prisão, é transformado em cinco, e o juiz acha que não é para soltar o cidadão, não é para relaxar aquela prisão? Não é nem relaxar, é soltar mesmo, porque pagou cinco vezes e ele teria o direito de receber uma grossa indenização da União, ou do Estado do Amazonas, o que fosse. Fugiu. Aí o juiz manda então expedir uma ordem de prisão, porque, supostamente, a Justiça do meu Estado estaria diante de um fugitivo.

           E eu me ponho a pensar sobre como é fácil, no interior do Estado do Amazonas, tomar a terra de alguém, passar por cima do direito de uma pessoa se ela for pobre. Primeiro, ela não tem conhecimento, não tem ciência dos direitos da sua cidadania. Segundo, se ela tiver, pior para ela, porque ela fica até violentada duas vezes.

           E quando aqui votei, eu votei pensando que o meu Estado não é diferente de tantos outros da Região Norte, do Nordeste; não é tão diferente. Eu votei pensando que seria um absurdo se houvesse precariedade apenas no meu Estado. Não é. Tem muito mais do que nos limites do Amazonas. É algo que, talvez, atinja o Brasil na sua maior parte, na sua maioria. Essa coisa para mim traz até marcas familiares.

           Eu, certa vez - e foi naquele mesmo dia -, relatei aqui um episódio. O meu avô era juiz em determinada comarca, e era muito querido lá, até esse momento. Depois voltou a sê-lo, meses depois.

           Um cidadão estupra uma moça - o chamado estupro seguido de morte -, e a comunidade se dirige, pelos seus líderes, ao meu avô e diz: “Doutor, queremos a imediata condenação deste cidadão.” E meu avô disse que ele teria de ser julgado, que teria defesa. “Mas ele é monstro!” A isso ele respondeu: “Sim, é um monstro. Mas um monstro tem de ter defesa também. É um princípio geral do Direito e é assim que se constrói o próprio Direito”. Eles não compreenderam. Isso ocorreu lá no tempo do meu avô, lá atrás. E disseram: “Nós vamos invadir a cadeia pública e vamos matá-lo”. Meu avô então disse: “Vocês terão de me matar”. Ele, então, pegou o cidadão pelo braço - meu avô era um negro baixinho - e o levou para a casa dele, do meu avô. E ele fez um discurso para fora. Disse ele ao pessoal: “Olha, é bem simples. A minha porta está aberta. Eu não vou trancar. Vou começar a despachar daqui. Eu não vou mais sair daqui até chegar alguém que defenda esse cidadão. Não vou mais despachar fora. A porta está aberta. Só vou fechá-la por causa do vento. Mas, se quiserem abrir... Ninguém precisa arrombá-la, basta abri-la. E vocês, para fazerem alguma violência com esse cidadão, terão de fazê-la comigo primeiro”.

           Eles ficaram lá desesperados, e o desgaste para o meu avô foi muito grande. Ele não era candidato a nada, felizmente para ele, portanto, não tinha de temer desgaste algum. E fez o pedido - não sei se, na época, era telegrama, cabograma ou que tipo de “grama”.

           O fato é que ele se dirigiu à capital pedindo que mandassem alguém para defender aquele cidadão.

           Meses depois, aparece a pessoa. Meu avô avisou ao criminoso: olha, aqui eu tenho filhas e tenho meus filhos. Você vai dormir no quarto ali com os meus filhos. Se você se portar mal aqui, na minha casa, quem vai ser julgado serei eu, porque eu vou te matar e aí eu vou ser julgado por alguém. Você vai estar na minha casa aqui, com toda a responsabilidade. E minha avó, que não era de brincadeira, passou a dar ordem ao sujeito. Depois que eles almoçavam e jantavam, tinha de todo mundo lavar um pouco da louça. Ele também passou a se enquadrar, passou a limpar louça, passou a fazer o papel dele bonitinho. O meu avô disse: “Olha, se comporte. Se você quiser fugir, a porta está aberta, tanto para eles entrarem para te pegar, quanto está aberta para você sair. E se você sair, você vai ser linchado por eles ou não. É uma escolha sua, muito sua. Eu não vou fechar a porta da minha casa”.

           Meses depois, chega o tal advogado, ou rábula, sei lá o que mandaram na época, para defender o cidadão. Ele foi condenado, e o meu avô aplicou nele a pena máxima que cabia, por entender que ele tinha cometido um crime com toda a qualificação da perversidade, com todos os requintes de maldade, enfim. E foi um gesto que levou a uma grande politização daquela sociedade porque perceberam, na prática, que o juiz não estava acobertando um criminoso, o juiz se arriscou para cumprir a lei e para defender o Direito. E faltava a figura do defensor. Ou seja, para mim, é um descalabro que não tenha defensor público em cada Município do meu Estado. É um descalabro que não tenha defensoria pública bem equipada em cada Município do País. Significa dizer que tem brasileiros de primeiríssima classe, aqueles que podem pagar os melhores advogados, e tem brasileiros que não são de classe nenhuma, porque não podem sequer contar com a Defensoria Pública para defendê-los em seus mais comezinhos direitos.

           Acho que este Senado poucas vezes votou com tanto gosto uma matéria, porque ficou muito claro para todo o mundo, ficou muito claro, muito nítido que nós estávamos, sim, esboçando o desenho de uma estrutura que haveria de ser muito boa para as pessoas mais humildes do País. E foi muito bem debatido tudo, foi muito bem estudado tudo. E, naquele dia, eu percebi a felicidade dos defensores e dos meus colegas, enfim, todos nós votando com muita consciência algo que foi muito bem debatido.

           Portanto, eu não me alongo, Presidente Mão Santa. Tem ainda a Senadora Rosalba, o Senador Valdir Raupp. Eu não me alongo. Apenas registro que, no Dia Nacional da Defensoria Pública, eu quero louvar o gesto do Senador Valadares de ter sido, como sempre, atento e ter se lembrado desse episódio, dessa data tão significativo - repito - para os mais humildes deste País. Eu gostaria de marcar aqui minha posição pessoal.

           A democracia brasileira não se completa sem ter um Ministério Público forte, como ele é. Os exageros, Senador Agripino, para mim, são cada vez menores no Ministério Público. Cada vez mais o Ministério Público está mostrando amadurecimento. Eu sempre disse que preferia até o exagero do Ministério Público que a Justiça pode corrigir, a não ter Ministério Público nenhum. É sempre melhor o exagero do que não ter nada. Depois o tempo vai amadurecendo as pessoas e a própria instituição vai criando uma cultura de amadurecimento, de responsabilidade, assim como a Defensoria Pública, pujante, independente, esta do futuro próximo que eu espero seja futuro próximo, essa que acaba com a história de virar uma dependência a mais dos governos estaduais, virar um anexo. Ao contrário, tem que ser independente, tem que ter autonomia, começando pela autonomia financeira, sem a qual as outras não se realizam, e terminando na autonomia profissional, operacional. Tem que fazer aquilo que é para fazer mesmo. Eu percebo que não se completa a democracia sem que o Ministério Público aponte os desvios em relação à lei. Ela não se completa se nós não dermos aos brasileiros mais pobres, menos afortunados financeiramente, aos menos afortunados, se não lhe dermos o direito de se defenderem, porque considero a suprema manifestação de injustiça da sociedade a existência de milhões e milhões de brasileiros que não podem peticionar, que não podem requerer, que não podem demandar direitos, que não têm os seus direitos reconhecidos, até porque não têm a ciência e a possibilidade de peticionar. São brasileiros de mãos calosas, brasileiros de lordoses pelo que carregam nas costas no seu trabalho braçal, são brasileiros que não dispõem de perspectiva de aposentadorias decentes, são brasileiros sofridos. Portanto, como nós sabemos que pouca atividade pode ser mais nobre do que defender esses cidadãos, eu saúdo, em meu nome e, embora saiba que pessoas do PSDB aqui falaram, em nome de toda a minha Bancada, o Dia Nacional da Defensoria Pública e, sobretudo, da luz que se abriu, porque eu não gostaria de comemorar outro e outro e outro ano do Dia Nacional da Defensoria Pública, nos próximos anos, sem ter a certeza de que aquilo que a gente votou aqui virou realidade e passaram as senhoras e os senhores a serem dotados de instrumentos para enfrentar a injustiça e para defender os injustiçados.

           A Defensoria se sente impotente, na medida em que ela não pode agir. E, se ela se sente impotente, eu diria que isso é um verdadeiro estupro cívico que se comete contra o cidadão mais pobre não ter ele quem o defenda. Isso leva à frustração ambas as partes: o defensor que quer defender e não pode; e o cidadão que não consegue ver o seu direito minimamente reconhecido.

           Portanto, parabéns às senhoras e aos senhores defensores públicos, ao Presidente Mão Santa, ao meu prezado Senador Valadares! Parabéns a todos!

           Que nós saibamos mesmo construir no Brasil essa expressiva luz de cidadania, de liberdade e de justiça para os cidadãos despossuídos deste País que falam em juízo, se tiverem Defensoria Pública hábil e pronta, e que não falam, que se calam, são calados, são silenciados, se não tiverem a Defensoria Pública a defendê-los.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.

           Era o que eu tinha a dizer. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2010 - Página 23260