Discurso durante a 87ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da realização, neste fim de semana, no Rio de Janeiro, do III Fórum das Nações Unidas para o Diálogo entre as Civilizações, que contou com a participação de diversos chefes de Estado e autoridades.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Registro da realização, neste fim de semana, no Rio de Janeiro, do III Fórum das Nações Unidas para o Diálogo entre as Civilizações, que contou com a participação de diversos chefes de Estado e autoridades.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2010 - Página 24957
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PROMOÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), FORO, DIALOGO, CIVILIZAÇÃO, ENCONTRO, CULTURA, ELOGIO, DISCURSO, CHEFE DE ESTADO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, BOLIVIA, ANALISE, ORADOR, ALTERAÇÃO, DIVISÃO, MUNDO, AMBITO, DIFERENÇA, NATUREZA CULTURAL, PADRÃO, CONSUMO, CLASSE SOCIAL, DIVERSIDADE, MAIORIA, VITIMA, EXCLUSÃO, IMPORTANCIA, QUESTIONAMENTO, MODELO, DESENVOLVIMENTO, ESCOLHA, DEPREDAÇÃO, EQUILIBRIO ECOLOGICO, VALORIZAÇÃO, BEM ESTAR SOCIAL, OPOSIÇÃO, PRIORIDADE, CRESCIMENTO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB).
  • ANALISE, DIVISÃO, BRASIL, DESIGUALDADE SOCIAL, AMBITO, PROGRAMAÇÃO, TELEVISÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, ACESSO, SAUDE, HABITAÇÃO, DEFESA, DIALOGO, DIFERENÇA, CULTURA, CLASSE SOCIAL, OPINIÃO, APROVEITAMENTO, ESPAÇO, ESCOLA PUBLICA, ESCOLA PARTICULAR, DEBATE, CONCILIAÇÃO, UTILIZAÇÃO, ENSINO, BUSCA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, ESCOLHA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DIRETRIZ, FUTURO, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, DIRETOR, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), FORO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • GRAVIDADE, FALTA, MÃO DE OBRA ESPECIALIZADA, ATENDIMENTO, LEGISLAÇÃO, RESERVA, VAGA, BRASILEIROS, EMPRESA, OBSTACULO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS, AREA, INDUSTRIA, PETROLEO, CONSTRUÇÃO CIVIL, COMPROVAÇÃO, DEFICIENCIA, ENSINO FUNDAMENTAL, CONCLAMAÇÃO, PRIORIDADE, ATENÇÃO, EDUCAÇÃO, APREENSÃO, AUSENCIA, QUALIFICAÇÃO, PROFESSOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, neste fim de semana, quinta, sexta e sábado, foi realizado, no Rio de Janeiro, um evento do qual não se percebeu ainda a importância, Senador Paulo Paim. Um evento, promovido pelas Nações Unidas, chamado III Fórum do Encontro de Civilizações, ou do Diálogo de Civilizações, ou do Diálogo de Culturas.

            É um evento que se realiza pela terceira vez. É um processo novo, mas que conseguiu reunir duas mil pessoas, 150 representações do estrangeiro, entre as quais algumas representações dirigidas por chefes de estado, como o próprio Presidente Lula, obviamente, que fez um discurso que considero marcante; o Primeiro-Ministro de Portugal, Sócrates, que creio que fez um discurso ainda melhor; o Presidente Evo Morales, que fez um discurso, eu diria, o mais forte de todos, sobre a necessidade desse diálogo entre as civilizações; a Presidente da Argentina e muitos outros chefes de estado.

            Além disso, o Secretário-Geral das Nações Unidas esteve presente, bem como a Diretora-Geral da Unesco, e houve muitas mesas de debate sobre esse tema fundamental de como criar um diálogo entre as diferentes culturas do mundo. Isso porque, hoje, já não estamos tão divididos entre países. Estamos divididos entre civilizações diferentes, culturas diferentes, maneiras diferentes de ver o mundo.

            Até pouco tempo atrás, estávamos divididos entre o Primeiro Mundo, o Segundo Mundo e o Terceiro Mundo. O Segundo Mundo evaporou-se. Aquele bloco de países socialistas já não representa mais um tipo de projeto. Os países do Terceiro Mundo adquiriram uma riqueza tal, alguns, que já não dá para dizer que são um país pobre do Terceiro Mundo, como é o caso do Brasil, da Argentina, da Turquia, da China, que são países ricos, embora com a maioria de sua população ainda pobre. Mas o país como um todo não dá para se dizer que é pobre. E os paises ricos, já não dá mais para chamá-los de Primeiro Mundo, porque todos eles se dividiram, com uma população pobre dentro deles - claro que minoritária. É uma minoria que é pobre nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, mas tem uma minoria muito pobre, em geral de imigrantes, mas também já de alguns nacionais.

            O mundo, portanto, já não está mais dividido por países. Nós temos um Primeiro Mundo internacional dos ricos, que veem os mesmos filmes, leem os mesmos livros, usam as mesmas gravatas, calçam os mesmos sapatos, viajam nos mesmos meios de transporte. Quase que um bilhão de pessoas compõem esse mundo dos ricos, entre os quais nós que aqui estamos. A classe média e alta brasileira não tem diferença da classe alta e média do exterior, do ponto de vista do consumo. E nós temos uma quantidade imensa de populações pobres, cinco bilhões, provavelmente, que vivem em verdadeiros arquipélagos, porque eles não são unidos. Eles são diferentes. Um pobre da Praça da Sé, em São Paulo, é diferente de um pobre do sertão pernambucano. Agora, um brasileiro de classe média e alta, de qualquer cidade do Brasil, não é diferente de um das classes média e alta da Nigéria, dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Alemanha.

            O mundo, portanto, hoje, está dividido e existe um verdadeiro choque entre civilizações e culturas. Existe um choque na maneira como se olha para o futuro. Por exemplo, existe uma maneira de olhar para o futuro dizendo que a saída está num desenvolvimento equilibrado com a natureza, num desenvolvimento sustentável. Essa é uma maneira de ver. Essa é uma cultura. Existe uma outra que diz que o futuro está na produção mais rápida possível de bens e produtos que consumamos, mesmo que deprede a natureza.

            Faz parte desse lado daqui o vazamento de petróleo no Golfo do México, que já dura muitas semanas, poluindo completamente. E, lá de onde a gente estava, nesse Encontro das Civilizações, a gente olhava o mar e via plataformas petrolíferas brasileiras, que, amanhã - Deus queira que não -, podem trazer a mesma tragédia ao litoral das praias do Rio de Janeiro. Essa é uma maneira de ver o mundo, o desenvolvimento depredador; a outra é o desenvolvimento equilibrado.

            Existe uma maneira de ver o mundo que busca o Produto Interno Bruto. Existe outra que busca a felicidade, o bem-estar, que não é o mesmo que Produto Interno Bruto. Aquela cultura, Senador Mão Santa, que vê o Produto Interno Bruto como símbolo do progresso comemora os engarrafamentos de trânsito, porque os engarrafamentos de trânsito - o carro ligado, a gasolina queimando - aumentam o PIB. Tudo que é gasto aumenta o PIB. O outro diz que não: “O que eu quero é ir depressa de casa para o trabalho, de minha casa para a casa de outra pessoa”. É o tempo poupado que mede o bem-estar, não é o tamanho do carro no engarrafamento.

            Existe uma maneira de a gente ver o futuro nos bens coletivos. E outra maneira de ver - a outra cultura - é ver o futuro nos bens de consumo privado. Um é o transporte público de qualidade e o outro é o automóvel engarrafado. Um é a cultura, que é um bem, por definição, público. Cultura só para um não existe, a cultura só funciona quando é repartida, e quanto mais melhor.

            São visões diferentes da cultura.

            O mundo está dividido entre culturas diferentes. E aí é que a gente tem que reconhecer: o Brasil é um retrato da civilização, e aqui dentro nós temos um choque de cultura tão forte quanto lá fora. Obviamente, a gente fala o mesmo idioma. Então, não é como o árabe ou o inglês. Aqui, a gente tem basicamente uma religião, ou um conjunto de religiões em torno do catolicismo, com uma convivência muito boa com o mundo muçulmano daqui de dentro, com o mundo judaico daqui de dentro. Nós temos isso. Mas, em compensação, vamos olhar o resto e a gente vê como nós somos um País dividido em duas culturas.

            A televisão. Ela mostra uma divisão de cultura. A TV a cabo tem programas culturais de um tipo completamente diferente da televisão aberta. Mesmo dentro da televisão aberta, dependendo de o horário ser nobre ou não, você vê que é completamente diferente o tipo de programação, se é para um lado da cultura ou se é para o outro lado da cultura.

            E a escola? Claro que a escola brasileira é dividida entre duas, tão radicalmente diferentes que, talvez, a diferença seja maior do que entre uma escola em um país árabe e uma escola em um país europeu - olhe que eu coloco esses dois porque é onde se manifesta mais claramente o choque de civilizações! Mas quando a gente olha as nossas escolas, a gente vê que não são do mesmo país: escola de um tipo e escola de outro tipo. Em muitas escolas - muitas, do ponto de vista dentro da dimensão da pequena parcela da população rica - dos ricos, o menino começa a aprender inglês aos dois anos de idade.

            Há pouco, conversei aqui com um senhor que disse que deu de presente aos dois netos - um de três, outro de um ano - aprenderem chinês assim que começarem a frequentar a escola, porque, segundo ele, inglês eles vão aprender naturalmente. Então, ele vai dar o chinês, porque ele acha que é um idioma importante.

            Mas não é só o idioma, é o acesso ao computador. Em uma escola, é desde os primeiros anos; na outra escola, ao longo de todo o tempo não se consegue acesso ao computador.

            Nós temos um choque de culturas dentro da escola. Nós temos um choque de culturas dentro do sistema de saúde. O SUS nada tem a ver com os grandes hospitais, com os grandes sistemas de atendimento de saúde da parcela rica desta população. São dois países, são duas civilizações, são duas culturas diferentes.

            No Brasil, nós somos um retrato do planeta. E, como retrato do planeta - e na civilização inteira existe um choque -, aqui dentro, nós temos o mesmo choque, pelo menos, na dimensão da desigualdade.

            Nós temos um choque tremendo na maneira como manifestamos as artes no Brasil. Temos até o nome “arte popular” e “arte refinada”, como se não fosse um povo só. E, aliás, fica tão claro isso quando a gente chama “o povo” e “o povão”. E essa palavra, “povão”, eu não encontro em outros idiomas, Mão Santa. Você que entende mais de história do que eu, eu não conheço a palavra “povão” em inglês, em francês, em espanhol. Não existe. Povão é um conceito da sociedade brasileira, desse vocabulário perverso do Brasil, que foi capaz de ter dezenas de nomes para dizer uma coisa tão simples, que é: criança. Nos outros países do mundo, nos outros idiomas, quando você diz criança, é criança. Aqui, você pode dizer criança, pode dizer menino de rua, menino na rua, prostituta infantil, você pode dizer pivete. Uma vez, eu listei 26 nomes diferentes para dizer criança, não como sinônimo, cada uma com uma conotação diferente, cada uma com uma especificidade particular. Porque, para nós, nós somos tão divididos que criança não é criança, depende de onde ela está, depende da família, depende do que ela faz. É radicalmente diferente uma da outra.

            Nós temos duas culturas: uma, para definir o que é casa, para uns; e outra, casa, para outros. Não é a mesma cultura a definição de casa. Para uma pessoa pobre, a casa é uma coisa; para uma pessoa rica, a casa é outra coisa. São maneiras diferentes de ver...

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, permita-me. É só uma frase. Nessa história da casa, V. Exª está sendo brilhante. Nós tivemos uma audiência pública com ciganos, que disseram: “A casa para nós é a nossa barraca. Respeitem a nossa barraca”. Desculpe-me interromper o seu brilhante raciocínio.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem. No caso dos ciganos, é a barraca. No caso da população mais pobre, é o casebre que já a contenta. Nós temos duas culturas, cultura no sentido de duas maneiras de ver o mundo.

            Eu quero insistir: cultura significa a maneira de ver o mundo. Não é show, não é arte, não, mas maneiras de ver o mundo. O pobre brasileiro vê o mundo de um jeito; o rico brasileiro vê o mundo de outro jeito. Por isso, a gente precisa de um diálogo entre as civilizações brasileiras. Há muitos anos, havia uma revista chamada Civilização Brasileira. Hoje, eu chamaria de “as civilizações brasileiras” e a busca de um diálogo.

            Há uma diferença entre aqueles que procuram segurança e aqueles que querem a paz. É completamente diferente a visão. O que quer segurança quer construir muros mais altos, colocar arames farpados eletrificados, polícia por todas as partes. Essa é uma cultura, a cultura da segurança. A cultura da paz é fazer com que todo mundo tenha uma oportunidade na vida, para que não precise ser assaltante. A cultura da paz é você acabar com as cadeias; a cultura da segurança é construir mais cadeias. São duas culturas diferentes. E elas se manifestam todos os dias na sociedade brasileira.

            O que a gente precisa aqui é pensar como se pensou lá, nesses dois dias e meio, no Rio de Janeiro: a ideia de que a ponte entre as culturas, a encruzilhada em que a gente possa propiciar o diálogo de civilizações é a escola. É na escola que a gente pode fazer com que surja o diálogo das civilizações. Primeiro, porque, na medida em que todos forem à escola, a gente vai conseguir com que todos tenham uma escada social por onde subir, desde que tenha talento, desde que tenha vocação, desde que tenha persistência. E não desde que tenha sorte, Senador Paim, como é hoje. É a escola que propicia igualdade de oportunidades, não igualdade de conta bancária, não igualdade do tamanho do carro. Não, isso é outra discussão. Mas igualdade de oportunidades. 

            Além disso, é na escola que a gente pode ter uma revolução no conteúdo para fazer com que o desenvolvimento seja sustentável para todos e não apenas para alguns que querem o desenvolvimento sustentável. É na escola que a gente pode vender a ideia de buscar a paz, e não apenas a segurança. É na escola que a gente pode vender a ideia de que nem é preciso essas casas mirabolantes de uma minoria de alta renda, nem tolerar no Brasil as casas desajustadas às necessidades de conforto e de higiene que são necessárias. É na escola que a gente pode construir não apenas a possibilidade de que todos saibam cuidar da própria saúde, mas também de que, juntos, possamos cuidar da saúde coletiva de toda a população.

            É na escola, inclusive, Senador Paim - tocando naquilo que mais lhe interessa e que o senhor simboliza nesta Casa -, que a gente pode cuidar bem para que, no futuro, os aposentados não sofram tanto para conseguir 7,7% de aumento, porque é na escola que a gente pode fazer uma base de trabalhadores que vão poder contribuir de tal forma que ninguém possa um dia dizer que o sistema previdenciário está desequilibrado.

            É na escola que a gente pode construir a ponte entre as culturas, que a gente pode construir a esquina onde as culturas se encontram. E esse foi o resultado que eu diria o mais importante desse encontro, o terceiro fórum das Nações Unidas para o diálogo entre as civilizações, em que a Diretora Irina Bokova, da Unesco, levantou a ideia de que o mundo precisa de um novo humanismo, uma maneira nova de ver o mundo, em que o Produto Interno Bruto seja substituído por um novo conceito que indique bem-estar, civilização, felicidade até; em que a maneira como a gente vê o processo de desenvolvimento inclua a garantia do equilíbrio ecológico para manter a sobrevivência de todas as espécies, inclusive a espécie humana. E daí sai a ideia de que o que o mundo precisa é de um grande programa para resolver a tragédia educacional do mundo inteiro.

            O mundo, hoje, é rico, embora em crise, por causa das decisões tomadas depois da 2ª Guerra, em que foram criados o Fundo Monetário, o Banco Interamericano, o Banco Mundial; em cada continente, um banco, um sistema financeiro que jogou dinheiro e propiciou o crescimento das indústrias em todos os países, mas dividindo cada país em duas culturas - porque o que eu disse do Brasil vale para a África, onde os países são divididos em duas culturas; vale para a Europa, onde estão divididos em duas culturas cada um deles.

            Nós conseguimos, a partir de 1945, no mundo, esse empurrão na produção, esse desenvolvimento da economia, e entramos num impasse; o impasse em relação à natureza, o impasse em relação à divisão da sociedade em duas e o impasse da crise que a gente viu nos Estados Unidos, em 2008, agora na Europa e, aos poucos, no mundo inteiro. Só há uma maneira de sair desse impasse: por meio de uma revolução na consciência da população, casando as duas culturas, para que delas surja o respeito a cada uma, e a solução dos problemas de base daqueles que são excluídos. Isso é educação.

            Senador Mão Santa, lendo os jornais do fim de semana, revistas e jornais de hoje, e ouvindo um programa, à 1 hora da tarde, na CBN, descobre-se, de repente, que o Brasil hoje tem um gargalo no seu avanço: na falta de mão de obra qualificada.

            Senador Paim, Senador Eurípedes, existe uma lei que reserva 30% de vagas para trabalhadores brasileiros em grandes empresas, como se diz hoje, offshore, por exemplo, grandes empresas de petróleo. Não se consegue preencher os 30% com brasileiros e não se encontra mão de obra qualificada para atividades tão refinadas como explorar o petróleo no fundo do mar. Não se consegue.

            Hoje, no programa do Sardenberg na CBN, ele entrevistava um senhor da construção civil que dizia que não há mão de obra qualificada atualmente para atender às necessidades e, mais, não há engenheiros em número suficiente. Mais interessante, no sentido negativo, é alguém entrar em contato e dizer: “Mas existem engenheiros desempregados!” E, esse senhor da empresa responder: “Mas despreparados. A gente não quer diploma. A gente quer competência!”

            É trágico isto: não há competência suficiente. E aí se fala de um plano para formar 50 mil, 60 mil pessoas no Brasil. Mas essas 60 mil pessoas vão ter uma dificuldade muito grande, porque não tiveram um ensino fundamental de qualidade. Até alguns anos atrás, na geração do Paim, na geração do Lula, que é a minha geração, na do Eurípedes também, bastava saber ler, e você conseguia virar um torneiro mecânico, um soldador, um fresador. Não precisava muito mais do que saber ler. Hoje você precisa não ter medo de computador, decifrar palavras em inglês, [saber] um pouco de aritmética.

            Recentemente, em Santa Maria, uma cidade do Distrito Federal, uma empresa procurou trabalhadores para uma construção que seria feita com estruturas metálicas. Não conseguiu o número de operários porque os que se inscreveram - milhares quiseram - não sabiam o que era ângulo reto, e não é possível trabalhar em uma montagem de estrutura metálica se não souber o que é ângulo reto, se não souber o que é um ângulo com trinta graus, se não souber como se medem os ângulos.

            Estamos em uma encruzilhada e vamos começar a parar, porque não vamos ter o recurso mais fundamental de que a gente precisa que é a mão de obra qualificada. De repente, está-se descobrindo isso, mas se está tentando resolver, mais uma vez, de uma maneira superficial, querendo resolver o andar de cima, que é o da mão de obra qualificada, sem resolver o andar de baixo, que é o do ensino fundamental, preparando hoje as crianças que daqui a apenas dez anos já vão entrar no mercado de mão de obra qualificada.

            Esse encontro que tivemos no Rio de Janeiro, do qual tive a felicidade de participar - tanto indicado pelo próprio Senado para representá-lo no Encontro da União Internacional de Parlamentares na quinta-feira, como convidado pelo Itamaraty e pela Unesco para apresentar um trabalho - me permitiu perceber que o Brasil é um retrato da civilização, que a civilização é divida em culturas, que precisamos criar uma ponte entre essas culturas brasileiras e que essa ponte chama-se escola. É uma missão que a gente tem hoje em dia e que rompe com a visão tradicional de que o desenvolvimento era basicamente econômico e vinha da indústria.

            Percebemos agora que o desenvolvimento é basicamente intelectual na economia do conhecimento; que o capital conhecimento é mais importante hoje que o capital financeiro, que o capital máquina e que vem da fábrica de conhecimento, que é a escola.

            Sr. Presidente, era isso que eu tinha para falar, mas vejo o Senador Paim pedindo um aparte. É claro que o discurso fica incompleto sem o aparte dele.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam, agradeço as palavras de V. Exª, mas quando V. Exª entra nessa área da falta de profissionais preparados para o mercado de trabalho, eu não poderia deixar de falar para concordar. Olha, é impressionante, vou dar outro exemplo: fui a Santa Maria, V. Exª conhece, é no Rio Grande do Sul, cidade universitária. Depois da minha palestra, um grupo de empresários estava me esperando porque queria fazer uma solicitação - estavam o Deputado Fabiano, o Deputado Pimenta, enfim, o ex-Prefeito Valdeci. Eu digo, deve ser alguma coisa aí no campo de renúncia fiscal, reforma tributária, enfim, subsídio para a indústria. Sabe o que eles me disseram? “Paim, nunca estivemos tão bem, estamos muito bem, o nosso problema é falta de trabalhadores para tocar o nosso negócio”. O que ele me disse: “A gente está começando agora a formar as pessoas no local de trabalho, só que a concorrência é desleal, a gente forma, daí vem outra empresa que não está formando e leva embora o cidadão e nós continuamos sem profissionais para a nossa atividade. Eu falei antes da tribuna que um empresário em Canoas me pediu 500 trabalhadores. “Consiga-me, por amor de Deus - pela relação que a gente tem com as fábricas -, consiga-me 500 e mande para este endereço”. Ali, em Canoas mesmo, não era para Porto Alegre, não era para o interior. Então há uma dificuldade enorme de encontrar profissionais. Outro dado que V. Exª deu, eu tinha recebido: se tivéssemos hoje 400 mil técnicos, mas preparados, como V. Exª coloca, atualizados, estariam colocados. V. Exª falou de 50 mil a 60 mil engenheiros. É quase, eu diria, o pleno emprego, mas em outros tempos. É preciso saber operar as máquinas. Esta é a grande demanda que recebi nessa minha cruzada pelo Rio Grande nesse fim de semana: precisamos de mais profissionais para que não aconteça - e vou terminar com a palavra que usaram - o chamado apagão por falta de mão de obra.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É isso mesmo, Senador. Como eu disse, o seu aparte certamente incorporaria novas ideias e abrilhantaria a minha fala e, não tenho a menor dúvida, me inspira também a lembrar: por que uma empresa rouba o trabalhador da outra? Porque o total de trabalhadores formados é pequeno; se houvesse trabalhador em grande quantidade não estaria um roubando o outro. Mas a gente prefere trabalhar roubando o trabalhador de uma para a outra a resolver o problema de todos. A mesma coisa os jornais: os jornais brasileiros disputam leitores entre eles, distribuem CDs, distribuem enciclopédia, em vez de lutarem para que todo mundo saiba ler e se aumente o número de leitores para todos os jornais. Não entra na cabeça de alguém querer que todos saibam ler em benefício próprio do jornal, prefere roubar o leitor do outro jornal. A mesma coisa os trabalhadores: isso não vai levar a um resultado positivo, até porque essa formação é rápida, não é plena, não é completa, é insuficiente.

            E aí quero concluir dizendo o mais grave de tudo. Não há quinhentos trabalhadores, digamos, para a construção de uma cidade, mas o pior é que não há quinhentos professores preparados para ensinar crianças.

            A gente fala no apagão intelectual dos profissionais qualificados e se esquece do apagão mais grave de todos, que é o apagão de quem faz a luz, que é o professor. Hoje, se quiséssemos fazer uma revolução educacional, jogar o salário dos professores lá para cima e dizer aos jovens brasileiros que venham ser professores, com um bom salário, a gente não ia conseguir gente qualificada suficiente para preencher dois milhões de vagas de professores, que é o número de professores que nós temos. Ou os 400 mil professores que precisamos de Física, Química, Matemática e Biologia. Não teremos. E vamos precisar de muito tempo para formá-los. Só que cada ano que a gente adia para começar a formá-los é um ano a mais na espere para encontrar a saída.

            Vamos lutar para provocar esse diálogo entre as culturas brasileiras. E o caminho desse diálogo, a esquina onde essas culturas se encontram, a ponte que as une, é a escola, boa, para todos.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2010 - Página 24957