Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória do Senador Jefferson Péres, pelo segundo ano de seu falecimento, ocorrido em 23 de maio de 2008.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do Senador Jefferson Péres, pelo segundo ano de seu falecimento, ocorrido em 23 de maio de 2008.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/2010 - Página 23472
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, JEFFERSON PERES, SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, CONDUTA, COMPETENCIA, ATUAÇÃO, DEFESA, INTERESSE, DESENVOLVIMENTO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), COMENTARIO, AMIZADE.
  • ELOGIO, INICIATIVA, SENADO, LANÇAMENTO, LIVRO, DISCURSO, JEFFERSON PERES, SENADOR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Senador Mão Santa, meu Presidente.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores convidados, eu olhava de longe essa embalagem vermelha e não a liguei imediatamente à bela homenagem que a Mesa do Senado prestou ao Senador Jefferson Péres. São quatro volumes resumindo a sua atuação de quase dois mandatos parlamentares senatoriais inteiros e com muitas lições para, nesses livros, bebermos da sua sabedoria, do seu bom senso, cultura, humor fino e retidão de caráter, retidão de comportamento.

            O Senador Jefferson Praia, suplente do Senador Jefferson Péres e obviamente seu sucessor após o acontecimento tão infausto que tão prematuramente levou Jefferson de nossa companhia, porta-se muito bem nesta Casa e recebeu como herança um legado expressivo, que era precisamente substituir um dos grandes Senadores que este Senado já conheceu.

            Tenho prestado atenção crescente, Senador Alfredo Nascimento, Deputado Sabino Castelo Branco, aos discursos do Senador Jefferson Praia. Eu sabia que ele analisaria com percuciência a economia regional, até porque é especialista nisso. Mas percebo que há, sim, uma diferença muito clara entre as primeiras falas de Praia e as atuais: mais denso, muito mais seguro, muito mais senhor do mandato que legitimamente recebeu a partir do infortúnio de Jefferson Péres.

            Mas vamos falar de Jefferson Péres. Primeiro, o fato de que se tratava de um homem de expressiva cultura literária, histórica, uma cultura geral, sem dúvida alguma, variada, com conhecimentos profundos da ciência do direito e com uma orientação econômica bastante consolidada - ia na direção certa.

            Jefferson era um dos pilares da Comissão de Justiça desta Casa e era uma das vozes mais lúcidas da Comissão de Assuntos Econômicos. Afora isso, era uma figura sempre presente nos grandes debates de plenário. Quando se tratava da questão ética, quando se tratava da defesa das prerrogativas do Legislativo, quando se tratava da afirmação das suas próprias ideias, ele jamais as negava, sempre as afirmava, sempre as reafirmava.

            Disputei a minha primeira eleição em 1978 - e muito pouca gente sabe disto: Jefferson Péres era uma espécie de ghost-writer meu. Cansou de me oferecer a colaboração de material que eu transformava em artigos ou em panfletos. Com muito senso de oportunidade, ele saía daquela dicotomia entre ditadura e não ditadura - eu era não ditadura, obviamente - e me levava a buscar tocar no coração do consumidor, no coração do assalariado mal pago, afora o que eu tinha que dizer mesmo, que era a afirmação da necessidade brasileira de fazer o Brasil se reencontrar com a Constituição, com o regime de constitucionalidade.

            Jefferson Péres era amigo muito querido do meu pai. O meu pai, cassado em 1969 pelo Ato Institucional nº 5, na mesma lista de Mário Covas, próximo de Carlos Lacerda, na mesma lista de Marcelo Alencar, na mesma lista de Mário Martins, volta a Manaus para advogar no seu Estado, para fazer o que era seu dever, sobreviver dentro da sua profissão. Em não se tratando de política, ele era uma figura muito retraída, tímida, quando não estava falando com amigos íntimos - e ele era íntimo de Jefferson Péres. Então, Marlídice e Jefferson abriam suas portas, suas salas, seus salões para o Senador Arthur Virgílio Filho, que lá se sentia muito à vontade, almoçava, jantava, ficava até altas horas da noite, enfim. E meu pai falece muito prematuramente, aos 66 anos de idade apenas, em 31 de março de 1987. Ele foi cassado aos 48 anos apenas, o que foi uma violência muito grande.

            Eu me lembro de alguns fatos. No enterro, Manaus inteira presente. Eu estava muito dopado por todos aqueles calmantes que os médicos davam, a mesma coisa com os meus irmãos. E me lembro que tive a lucidez de proibir que fizessem comício no enterro do meu pai. Quando olhei, havia uma fila imensa, parecia comício mesmo. E eu disse: pelo amor de Deus, não vamos misturar a morte do meu pai com comício, não vou admitir mesmo! Falou o Presidente da Assembleia, onde o meu pai foi velado - e ele fora Presidente da Assembléia -, Deputado Átila Lins; falou o Deputado Arlindo Porto, amigo irmão do meu pai. Não sei se falou mais alguém, mas, com certeza, falou um funcionário da Sucam, Francisco Monteiro de Souza, um dos amigos mais queridos que o meu pai tinha. E eu disse: acaba aí, não tem mais o que discutir. Jefferson não quis falar. E não se tinha mesmo mais o que discutir.

            Depois, houve aqueles artigos, aquelas coisas todas, que a gente guarda em um baú, guarda naquelas recordações que vão ficando empoeiradas. Mas eu me lembro de que o discurso mais expressivo entre tantos, o artigo mais bonito entre tantos, falando da vida, da obra, da luta de meu pai, foi o de Jefferson Péres. E eu já tive ocasiões de registrar isso algumas vezes. Um artigo muito bonito. Ele escrevia muito bem, escrevia esmeradamente, ele construía as suas crônicas, os seus artigos. Não cheguei a ler contos de Jefferson Péres, mas poderia muito bem ter sido um grande contista, se é que não tem guardado lá nas gavetas, que Marlídice Péres cuida com muito carinho, mulher apaixonada por ele que é até hoje. E fazia com muito esmero. Ele construía cada frase! Substituía a frase por uma melhor, substituía a palavra por uma mais bonita ou por uma mais precisa. Talvez ele preferisse até a precisão à própria beleza, embora ele escrevesse com beleza literária.

            Jefferson Péres marcou época aqui no Congresso e marcou época aqui no Senado. Respeitado, uma conversa ótima, uma conversa em que dava para perder horas, ou melhor, ganhar horas, investindo tempo na conversa com ele. Mais do que leitor, era um ledor, Senador Alfredo, obsessivo. Ledor! Lia tudo. E lia tudo que lhe passava à frente.

            E tinha uma marca no Jefferson: a paixão por Manaus. E que ele traduzia no seu sentimento pelo Centro Histórico da cidade. Passou isso para sua esposa, passou isso para seus filhos. E o sonho dele era ver o Centro Histórico de Manaus regenerado. Os prédios portugueses, com a marca dos azulejos característicos da cultura portuguesa refeitos. Ele saía pelo centro, olhava as coisas, via o que estava em decadência, escrevia sobre aquilo. Era uma figura apaixonada por sua cidade.

            Eu me lembro de um Jefferson que as possas podiam imaginar - tanto quanto meu pai o era - uma figura tímida - e era tímido até certo ponto -, mas muito solto quando estava à vontade entre amigos, dono de uma ironia muito fina, uma ironia cortante.

            Eu estava vendo um dos tomos dessa bela homenagem que o Senado prestou ao Senador Jefferson Péres. Num dos tomos nós tomos aqui muitas presenças minhas em discursos dele. E eu queria parabenizar mesmo a Mesa do Senado por ter tido essa ideia tão boa, tão feliz, tão construtiva, de, com tanta rapidez, ter conseguido compilar talvez o melhor extrato dos discursos de um Senador que deixou a sua marca.

            O Senador Jefferson Péres viajou comigo certa vez e nós passamos a viagem inteira conversando. Ele viajava sempre com sua esposa, inseparável companheira. Nesse dia ele estava só. Nós viajamos juntos e fomos conversando. E uma das preocupações que ele tinha, Deputado Sabino, era precisamente com a saúde do Senador Gilberto Mestrinho, que estava padecendo de um câncer que todo mundo dizia irreversível - e era irreversível mesmo. E Jefferson perguntava como estava, qual era a notícia, como é que ele estava. Enfim, perfeitamente bem de saúde ele próprio, Jefferson Péres. E eu dizia a ele que a informação que eu tinha - e hoje já dá para se revelar isso - de parentes e amigos de Mestrinho... Por sinal, ontem, sua primeira esposa, Dona Antonieta, faleceu. E faço um voto de pesar muito sentido pela perda dessa grande mulher do Amazonas. Mas Jefferson estava inteiro, perfeito, preocupado com a saúde do seu colega e amigo. E ágil, aquela figura de alimentação frugal, de hábitos morigerados. Andava rápido, andava muito lépido, rápido sempre. E saímos assim, até nos despedirmos no saguão do aeroporto. E eu fui acordado com a notícia de que o Jefferson Péres havia morrido. Eu disse a ele até, quando ele me perguntou sobre Mestrinho: “De Mestrinho, a notícia que eu tenho é que ele terá uma vida com boa qualidade até a nova investida do câncer”. Quando acontecesse a nova investida, ele não teria como se defender dela, na medida em que ele era transplantado de rim e não teria resistência para enfrentar uma nova carga de quimioterapia, de radioterapia, muito menos as duas coisas misturadas. Então, ele teria que ter um ano, dois, três ou quatro, não sei quantos anos - e ele viveu o máximo que podia -, com qualidade boa, mas todo mundo torcendo para que não acontecesse a recidiva. E acabou Jefferson falecendo naquele dia.

            O Brasil tomou um impacto e sentiu a perda. E obviamente que todos nós sentimos a perda. Eu pessoalmente senti, porque o que me veio à cabeça, assim que a minha mulher me acordou e disse: “O Jefferson morreu”, foi que eu não havia acordado. E depois me veio à cabeça, imediatamente, o fato de que ele estava preocupado com a saúde de um terceiro, que era o nosso amigo, Governador Gilberto Mestrinho, mas jamais que ele estivesse, ele próprio, correndo qualquer perigo. Qualquer um de nós pode, a qualquer momento, deixar esta vida se for esse o desígnio divino, se for esse o traçado do destino, enfim.

            Jefferson, portanto, recebe hoje uma justa homenagem, que eu vejo, Senador Jefferson Praia, Senador Alfredo Nascimento, Senador Mozarildo Cavalcanti, Senador Osmar Dias, Senador Cristovam Buarque, que está vindo, está chegando... Eu, ainda há pouco dizia, no almoço, para amigos, que esta é a segunda homenagem. Muito menos gente do que na primeira. O Brasil tem essa característica, que não chega a ser perversa; é leviana. É um certo traço nosso leviano. Porque se cultua muito pouco os valores que a própria Nação constrói. Nesse ritmo, no décimo aniversário, ninguém se lembra. Basta nós não estarmos aqui, outra geração, enfim. Acabou.

            E o Senado fez muito bem em marcar para as bibliotecas públicas, para a Biblioteca do Senado, para a distribuição entre setores que estudem a Amazônia e que estudem o Brasil esse legado de Jefferson Péres, que foi um grande parlamentar. Um grande parlamentar como Vereador de Manaus, que conseguiu a proeza de se transplantar da vereança para o Senado, diretamente, com votação consagradora.

            Tive ocasião de participar muito ativamente de sua primeira eleição de Senador, como ele se elegeu Vereador, na coligação que me elegeu Prefeito de Manaus.

            Mas o fato é que essas pessoas que aqui estão, estão muito consciente de que há um valor a ser homenageado, um tributo a ser prestado.

            O Senador Jefferson Péres sempre vai ser uma lembrança, agora mais do que nunca: as frases, eu repito, a sua ironia cortante, a sua ironia fina, uma ironia que jamais era sarcasmo, sempre educada, sempre polida, mas uma ironia que nos fazia dela sorrir, sorrindo com ele, por bom tempo. Toda vez que alguém se lembrasse novamente sorriria com ele, da sua inteligência, da sua cultura, enfim.

            Uma figura que sempre tinha um livro recém-lido e que sempre o recomendava aos amigos: “Acabei de ler isso”. Eu me lembro de quando ele me disse do livro do Vargas Llosa, filho do Mario Vargas Llosa, o Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, que se enquadra às mil maravilhas em vários tiranetes que a América Latina tem hoje numa infelicidade geracional de poder. Sempre havia lido algo, sempre estava lendo algo, sempre estava cultivando sua alma com uma boa música, num entrosamento familiar admirável, poucas vezes visto, numa relação com sua esposa absolutamente bonita.

            Uma vez, nós fomos almoçar e procuramos um restaurante simples. Estávamos passeando: minha mulher, eu, Jefferson Péres, filhos dele e meus filhos. Fomos ao Clube dos Pescadores - não sei se ainda existe; e vejo o Senador Pedro Simon também aqui conosco -, e lá o Jefferson estava conosco conversando. Tomei um susto porque eu nunca imaginei que o Jefferson fosse dançarino. E toca aquela música Manhattan, que era uma espécie de música dele e de sua esposa. Ele imediatamente dançou por horas a partir daquela música. Era uma figura que tinha alegria de viver, embora vivesse com moderação. Tinha muita alegria no prazer, e o prazer era estar com seus amigos, com sua mulher, com seus filhos, no seu trabalho.

            Apenas registro, Senador Mão Santa, Presidente desta Sessão, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores convidados, que parece mesmo que o tempo andou em velocidade de Fórmula I. Dois anos já sem a figura do Jefferson Péres conosco! O Senador Jefferson Praia, atento, como sempre, e dono de uma lealdade que me faz nele confiar e admirá-lo, não se esqueceu, e aqui está a homenagem a Jefferson Peres - homenagem que, repito, foi muito bem corroborada por essa ação rápida, absolutamente correta, digna, da Mesa do Senado, de ter, para a homenagem, a tempo dela, trazido à tona os discursos que os analistas da obra julgaram os mais oportunos, os melhores do Senador Jefferson Péres.

            Vou lê-los, relê-los, talvez, aos poucos, porque não é obra para se ler de enfiada até pela falta de sequência - é um assunto e outro, enfim -, mas vou lê-los aos pouquinhos, consultá-los, como gosto de ler Roberto Campos e sua Lanterna na Popa. Não é para ler de uma vez. É para ler aos poucos, até para sorver aos poucos, até para me deliciar aos poucos.

            Portanto, aqui a minha homenagem e a do meu partido a essa figura que se imortaliza pela obra que deixou; que abriu um buraco enorme, pela capacidade que tinha de analisar a vida pública do País, pela sinceridade com que se jogava às suas causas. Ele, Senador Jefferson Péres, uma figura de bem, do bem, correta, que merece que o Amazonas cultue a sua lembrança com muito respeito, com muito acatamento, oferecendo a sua vida como exemplo às gerações que estão surgindo, para que possamos pensar em hábitos políticos cada vez melhores, mais justos, mais decentes.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/2010 - Página 23472