Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca de pesquisa recentemente divulgada sobre o comportamento de profissionais da saúde e da necessidade de mais investimento em sua formação ética.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários acerca de pesquisa recentemente divulgada sobre o comportamento de profissionais da saúde e da necessidade de mais investimento em sua formação ética.
Aparteantes
Marco Maciel.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2010 - Página 25925
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ELOGIO, DISCURSO, MARCO MACIEL, SENADOR, REFERENCIA, ARBITRAGEM, LEGISLAÇÃO COMERCIAL, COMENTARIO, ORADOR, HISTORIA, BRASIL, NEGOCIAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, ANEXAÇÃO, TERRITORIO, ESTADO DO ACRE (AC).
  • COMENTARIO, PESQUISA, CONSELHO REGIONAL, MEDICINA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CONDUTA, SUPERIORIDADE, MAIORIA, MEDICO, RECEBIMENTO, VISITA, VALE BRINDE, BENEFICIO, REPRESENTANTE, LABORATORIO FARMACEUTICO, INDUSTRIA, MEDICAMENTOS, EQUIPAMENTOS, AMPLIAÇÃO, RECOMENDAÇÃO, PRODUTO, PACIENTE, COMPROMETIMENTO, RECURSOS, EMPRESA DE SEGUROS, SAUDE, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), NECESSIDADE, ATENÇÃO, CONSELHO FEDERAL, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • COMENTARIO, ENCONTRO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, DEBATE, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), POLITICA, FORNECIMENTO, MEDICAMENTOS, REGISTRO, SUPERIORIDADE, NUMERO, LIMINAR, JUDICIARIO, OBRIGAÇÃO, ATENDIMENTO, USUARIO, SAUDE PUBLICA, FALTA, RACIONALIZAÇÃO, GASTOS PUBLICOS.
  • LEITURA, ARTIGO, CODIGO, ETICA, MEDICO, PROIBIÇÃO, VINCULAÇÃO, DEPENDENCIA, RECEBIMENTO, VANTAGENS, INDUSTRIA FARMACEUTICA, INDUSTRIA, EQUIPAMENTOS, INTERESSE, NATUREZA COMERCIAL, NEGLIGENCIA, IMPARCIALIDADE, PESQUISA, PRESCRIÇÃO MEDICA, MAGISTERIO, PUBLICAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, IGUALDADE, NORMAS, RESOLUÇÃO, CONSELHO FEDERAL, MEDICINA, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA), APREENSÃO, CONDUTA, DESRESPEITO, PREJUIZO, PACIENTE.
  • QUALIDADE, PROFESSOR UNIVERSITARIO, CONCLAMAÇÃO, REVISÃO, CURSO SUPERIOR, MEDICINA, INCLUSÃO, FORMAÇÃO, ETICA, ESTUDANTE, PREPARAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, NECESSIDADE, CAMPANHA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ESCLARECIMENTOS, FALTA, RACIONALIZAÇÃO, CONSUMO, MEDICAMENTOS, VALORIZAÇÃO, VIDA HUMANA, REPUDIO, FACILITAÇÃO, LUCRO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Presidente Mão Santa.

            Srªs e Srs. Senadores, ouvindo as palavras do Senador Marco Maciel sobre a arbitragem, amanhã nós teremos a lembrança de um momento de insurreição quando as fronteiras não estavam demarcadas e a arbitragem não era o grande recurso, como ele muito bem citou, lembrando o Barão do Rio Branco. E José Carvalho, em 1899, desencadeou o processo de vontade de ter o Território do Acre, hoje Estado do Acre, como parte do Brasil. E, alguns anos após a Revolução de Plácido de Castro, o Barão do Rio Branco determinou os recursos de definição de fronteira, numa extraordinária e inusitada negociação com a Bolívia, considerando o Acre como parte do Brasil.

            O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Se V. Exª me permite um aparte...

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Com prazer.

            O Sr. Marco Maciel (DEM - PE. Com revisão do aparteante.) - Eu diria até que ele foi extremamente exitoso na solução dos conflitos, inclusive no caso do Acre. Também foi muito hábil na negociação política. Ganhamos praticamente todos os litígios com os países vizinhos. O único em que não tivemos êxito foi justamente com relação à Guiana Inglesa, Georgetown, causa, aliás, entregue a Joaquim Nabuco, que foi autor do laudo brasileiro. Infelizmente, nesse caso não fomos totalmente bem-sucedidos; mas, em todos os demais, o Brasil resolveu a questão de maneira pacífica.

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Da maior importância o pronunciamento do Senador Marco Maciel, Sr. Presidente.

            Senador Mão Santa, Presidente da sessão, eu trago aqui um assunto de ordem médica que diz respeito a todos nós. V. Exª é um médico também. Trata-se de uma pesquisa inédita do Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) que traz dados de grande preocupação e relevância para todos os profissionais de saúde, sobretudo para os usuários do serviço de saúde, no que diz respeito à conduta médica ou atendimento médico. Veja que é uma pesquisa que envolveu um índice de confiabilidade capaz de considerar os 100 mil médicos que atuam no Estado de São Paulo, com um índice de confiança de 95%. Foram ouvidos profissionais de saúde, 600 médicos. Quem promoveu a pesquisa foi o Instituto Datafolha. E olhem o que diz o documento do Cremesp: “Pesquisa Inédita do Cremesp: 93% dos médicos recebem brindes e benefícios das empresas farmacêuticas e de equipamentos; 80% recebem visitas de representantes da indústria de medicamentos.

            Isso não tem maior significado aparente, mas veja o que a pesquisa diz mais adiante: 48% dos médicos admitem que receitam medicamentos após a visita dos propagandistas das fábricas”. De acordo com a pesquisa, 8 em cada 10 recebem essas visitas.

            No caso dos equipamentos médico-hospitalares, hoje nós vivemos um ambiente das órteses, próteses; os stents estão na moda, sendo consumidos em preços que estão quebrando as seguradoras de saúde, quebrando os planos de saúde, comprometendo os recursos do Sistema Único de Saúde.

            Olhem o que se diz aqui: no caso dos equipamentos médico-hospitalares, a eficiência dos representantes é a maior de todas, pois 71% dos médicos recomendaram os produtos após a visita das empresas.

            Então, se 48% dos médicos disseram que prescreveram o medicamento após a visita do propagandista, e 71% dos médicos visitados que tratam de órteses e próteses prescreveram esses insumos após a visita das empresas, isso traz uma preocupação grande ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo e, tenho certeza, a todos os Conselhos Regionais de Medicina do Brasil e ao Conselho Federal de Medicina, ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Educação.

            Ontem mesmo, eu estava numa audiência com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, ao lado do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, do Advogado-Geral da União, Dr. Luís Adams, e nós tratamos ali da preocupação com a política de dispensação de medicamentos pelo SUS, sobre quando nós vamos adotar regras semelhantes, a exemplo do que é o Reino Unido, a exemplo do que tem ocorrido na Alemanha, do que tem ocorrido na Itália, em alguns países, pois o Brasil não tem uma definição legislativa.

            Eu fui o autor da primeira lei tratando dessa matéria, que foi substituída por uma matéria de entendimento com o Senador Flávio Arns, relatada pelo Senador Tasso Jereissati, no Senado, aprovada na Casa, encaminhada à Câmara dos Deputados, e que se envolve com esse também, porque existe uma onda de centenas e centenas de milhões de reais que são obrigados a serem comprados pelos órgãos que atendem aos usuários do Sistema Único de Saúde, e essas decisões são dadas por liminares de juízes que nunca estudaram as bases científicas para o atendimento de uma recomendação médica de um insumo ou de um medicamento, mas, por força de um recurso constitucional de direito à saúde e um dever do Estado para o cidadão, um juiz, sensibilizado por um primeiro argumento do atestado médico ou do drama de uma doença, é levado a determinar o atendimento.

            E, quando nós fazemos uma comparação com o que essa pesquisa está dizendo, aproximamo-nos de reconhecer quão perigosa é essa manifestação de atendimento sem critério de uso de recursos públicos, para o atendimento de necessidades básicas da população brasileira. Não é pouca coisa. São 71%, diz ele, que, após a visita do laboratório, prescrevem tais insumos.

            Esse item traz muita preocupação, Sr. Presidente, principalmente porque o nosso Código de Ética Médica, aprovado e em vigor desde 13 de abril deste ano, do ano de 2010, entre outros artigos, o que ele diz? Todos os artigos a seguir são de vedação ao médico.

            É vedado ao médico:

Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza”.

Art. 69. Exercer simultaneamente a Medicina e a Farmácia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra da influência direta em virtude de sua atividade profissional.

            Olhem o que diz o art.104, também:

Art. 104. Deixar de manter independência profissional e científica em relação a financiadores de pesquisa médica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais.

            E o que diz o art.109:

Art. 109. Deixar de zelar, quando docente ou autor de publicações científicas, pela veracidade, clareza e imparcialidade das informações apresentadas, bem como deixar de declarar relações com a indústria de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos, implantes de qualquer natureza e outras que possam configurar conflitos de interesses, ainda que em potencial.

            Sr. Presidente, temos ainda as resoluções do Conselho Federal de Medicina. A Resolução nº 1.939/2010; a 1.701/2003; a 1.595/2000, tratando do mesmo tema, e a da Anvisa, de nº 96.

            Então, existe uma situação de normatização estabelecida contra esse tipo de envolvimento, de captura da independência médica, da vinculação de condutas profissionais a atividades científicas e uma substituição para o atendimento do interesse comercial das empresas.

            Quem paga essa conta? O doente, que não vê o critério de racionalidade e obediência científica para o tratamento da sua doença. Mas existe por trás o interesse do lucro e da venda de um produto a ser consumido, um médico que, na sua fragilidade, às vezes, é submetido a uma conduta que não tem na matriz dela a base científica para a tomada de decisão do encaminhamento médico.

            Portanto, há uma violação dos valores fundamentais da prática médica, que prejudica também o Sistema Único de Saúde, que paga os serviços e espera uma conduta científica para os serviços, e as empresas e seguradoras, que estão subordinadas a condutas de consumo de produtos de mercado e não vinculadas ao melhor a ser feito pela vida humana. Isso tem uma causa que vem anterior a tudo, que é exatamente a formação médica.

            Eu, na condição de professor universitário afastado em função do exercício do mandato, entendo que os cursos de Medicina do Brasil devem fazer uma profunda revisão do valor da formação ética, do valor da formação filosófica, científica, como bases fundamentais para que esse profissional possa enfrentar uma sociedade de mercado, um mundo globalizado, onde o que importa parece ser o consumo, e que possam trocar a influência negativa desses valores contrários à qualidade científica, à vida profissional, ao bem-estar, pela busca do melhor pelos doentes e a favor da prevenção da doença, dizendo “não” à influência que possam ter os representantes de laboratórios na vida, na independência e na dignidade da formação médica e científica brasileira.

            Esse é um fenômeno mundial. Temos um grande contingente de profissionais médicos que dizem “não” a esse tipo de prática, mas essa luta tem de ser planejada, precisa ter uma forte articulação intersetorial. O Ministério da Saúde tem de aproximar de uma ampla campanha nacional de combate ao consumo pelo consumo dos produtos que dizem respeito à saúde humana.

            O Ministério da Saúde e o Ministério da Educação têm de criar uma interface definitiva para consolidar a formação filosófica e ética dos profissionais médicos, e a sociedade, através do seu Sistema Único de Saúde, das seguradoras, das empresas de plano de saúde, têm que dizer “não” a essa presença forte e dominante das empresas que querem vender o produto a qualquer preço.

            Penso que, assim, Sr. Presidente, se agirmos rompendo as práticas de consumo e de mercado que envolvem e tornam refém o médico hoje, nós faríamos mais pela vida humana, nós faríamos mais pela dignidade e pelo bem-estar dos profissionais de saúde brasileiros.

            Esse é um caminho que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo adotou. Tenho certeza de que o Conselho Regional de Medicina do meu Estado também adota esse caminho, como também outros Conselhos do Brasil. Agora, a resposta é de médio e de longo prazo, que envolve sobretudo a influência afirmativa, ética e filosófica que deve ter a formação de cada estudante de Medicina do Brasil.

            Esse alerta tem de ser distribuído como informação e como indignação por parte dos grandes e verdadeiros profissionais de saúde do Brasil.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2010 - Página 25925