Discurso durante a 104ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários das ações do Governo Federal no apoio às pessoas atingidas pelas enchentes. Leitura de artigo do professor Philippe Van Parijs acerca do programa de renda básica, considerando que o país tem vencido, em parte, a luta contra a pobreza. (como Líder)

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários das ações do Governo Federal no apoio às pessoas atingidas pelas enchentes. Leitura de artigo do professor Philippe Van Parijs acerca do programa de renda básica, considerando que o país tem vencido, em parte, a luta contra a pobreza. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2010 - Página 30673
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, ATENDIMENTO, MUNICIPIOS, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), VITIMA, INUNDAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, RECONSTRUÇÃO, AREA, RESTABELECIMENTO, FORNECIMENTO, ENERGIA ELETRICA, AGUA POTAVEL, ALIMENTOS, REFORÇO, ATUAÇÃO, EXERCITO, DISTRIBUIÇÃO, DOAÇÃO, SERVIÇO MEDICO, AUXILIO, SEGURANÇA PUBLICA, COMENTARIO, ANTECIPAÇÃO, BOLSA FAMILIA, AUTORIZAÇÃO, SAQUE, FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS), EMISSÃO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), SEGUNDA VIA, CADASTRO DE PESSOA FISICA (CPF), FACILITAÇÃO, CREDITOS, PREVISÃO, ORADOR, URGENCIA, INICIO, PROCESSO, RECUPERAÇÃO, RODOVIA, PONTE, HABITAÇÃO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, EFICACIA, PROGRAMA, BOLSA FAMILIA, RENDA MINIMA, CIDADANIA.
  • ANUNCIO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, DEBATE, PROGRAMA, TRANSFERENCIA, RENDA, CUMPRIMENTO, PROFESSOR UNIVERSITARIO, PAIS ESTRANGEIRO, BELGICA, CONFIRMAÇÃO, PRESENÇA, AGRADECIMENTO, APOIO, DIRETOR, FACULDADE, ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, primeiro, em resposta às indagações de V. Exª, e antes de eu tratar aqui da Copa do Mundo e da Renda Básica de Cidadania - um artigo de excepcional qualidade hoje publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo, do professor Philippe Van Parijs -, eu quero falar das ações do Governo Federal no apoio às pessoas atingidas pelas enchentes, especialmente em Pernambuco e Alagoas.

            As enchentes causadas pelas chuvas que caem desde a semana passada nesses dois Estados já deixaram, pelo menos, 41 mortos e quase 100 mil desabrigados e desalojados de acordo com as informações do Governo de ambos os Estados. O número de desaparecidos passa de 1.500. Em Pernambuco, segundo levantamentos preliminares, 53 Municípios declararam situação de emergência. São 17.719 desabrigados, 24.301 desalojados e 13 mortos.

            O Governo Federal está tomando providências:

            Primeiro, liberação imediata, Senador Mão Santa, de 300 milhões de reais. Esses recursos foram anunciados para começar a reconstrução das áreas atingidas pelas enchentes.

            Em reunião com os Governadores de Pernambuco e Alagoas, na segunda-feira, o Presidente Lula disse que não faltarão recursos para socorrer a população.

            Nesta terça, o Gabinete de Crise do governo deve voltar a se reunir para discutir o montante a ser liberado, além de outras formas de ajuda. O Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que será avaliado com representantes da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional.

            O Presidente Lula orientou a mobilização dos recursos federais dos ministérios da Defesa, do Exército e da Integração Nacional para atendimento imediato a provisão de água, comida e energia elétrica. O governo quer garantir a provisão de comida, água e energia elétrica. A Secretária Nacional de Defesa Civil já liberou 12 mil cestas de alimentos para Pernambuco e 8 mil para Alagoas.

            O Presidente Lula pediu para as empresas de energia elétrica e de telefonia que montem esquemas emergenciais para que os serviços sejam restabelecidos nos municípios atingidos pelas enchentes.

            Também foram enviados para cada Estado 6 mil dos chamados “kits dormitório”, com colchões, cobertores, lençóis, travesseiros, fronhas e toalhas para a população desabrigada.

            O Ministro das Cidades, Márcio Fortes, e o Ministro da Integração Nacional, João Santana, sobrevoaram as áreas atingidas pelas chuvas no final de semana.

            O Ministério da Integração Nacional, por meio da Defesa Civil, está atendendo as demandas emergenciais da população. O Governo também deverá reforçar a presença do Exército na região para ajudar na distribuição de doações e na segurança da população, inclusive com hospitais de campanha, que estão sendo montados para o atendimento médico da população atingida pelas enchentes. Dois já foram instalados, em Jacuípe e Santana de Mundaú, em Alagoas. A Aeronáutica também montará um hospital de campanha em Palmares, Pernambuco, para prestar atendimento às pessoas que precisam do hospital da cidade, o qual foi alagado.

            O Governo vai liberar o saque do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para as vítimas das enchentes para Pernambuco e Alagoas. Segundo a Presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, a liberação do Fundo de Garantia para as vítimas deverá estar pronta em cinco dias. A liberação será voltada para as localidades que o Ministério da Integração Nacional declarar em estado de emergência e calamidade pública e o processo será feito nos mesmos moldes da concessão às vítimas das enchentes do Rio de Janeiro e do Estado de São Paulo.

            A Caixa também vai emitir um novo CPF para as vítimas das enchentes, sem cobrança de taxa, e oferecer condições diferenciadas de crédito para essas pessoas. Ela ressaltou que a situação de Alagoas é muito difícil e que é preciso esperar a água baixar para as agências começarem um atendimento.

            O Governo Federal deve antecipar o depósito Bolsa Família para os moradores das regiões atingidas para que os beneficiários do Programa possam ter recursos imediatos.

            O Presidente Lula disse que espera apenas o tempo melhorar para dar início ao trabalho de recuperação de casas, pontes, estradas e para limpar as cidades. Para tanto, serão disponibilizadas as verbas necessárias para fazer frente aos prejuízos das chuvas.

            Assim, Sr. Presidente, essas são as medidas que o Governo está tomando para enfrentar essas situações de calamidade.

            Mas eu quero cumprimentar o jornal O Estado de S. Paulo que, hoje, à página 2, no espaço aberto, publicou o artigo “Copa do Mundo e Renda Básica de Cidadania”, do professor Philippe Van Parijs, que passo a ler:

Aos olhos do mundo, o Brasil tem ido muito bem, nos últimos anos. Uma das áreas que atraíram a atenção foi sua luta contra a pobreza, em parte, pelo que já alcançou com o Bolsa-Família e, em parte, por causa da perspectiva ambiciosa que o governo brasileiro deu a todos os programas sociais, quando em janeiro de 2004, o Presidente Lula sancionou uma lei que estabeleceu o objetivo de uma renda básica de cidadania para todos os brasileiros.

Em todo o mundo, esse arrojado passo veio como uma surpresa. Quando o debate internacional sobre o ideal de uma renda básica universal se desencadeou, nos anos 80, era óbvio que essa era uma ideia restrita aos países mais ricos. Muitos desses países haviam introduzido programas de renda mínima pelos quais chefes de famílias pobres têm o direito a algum benefício porque são registrados como desempregados, ou porque sua renda declarada é menor que certo patamar. Mas, desde que achem um emprego, o benefício é cancelado ou reduzido, o esforço é punido com a retirada do benefício. Daí o desenvolvimento da armadilha do desemprego em que pessoas tendem a cair.

Na Europa Ocidental, na América do Norte, mais tarde, no Japão e na Coréia, acadêmicos e ativistas começaram a propor que esses benefícios focalizados não fossem cancelados, mas universalizados na forma de uma renda básica de cidadania paga a todas as pessoas. Se todos receberem o benefício, não apenas os pobres, estes não estarão mais presos numa armadilha da pobreza. Também não haverá nenhum estigma, porque os ricos e os pobres o receberão. Não é o objetivo dessa universalização fazer os ricos ainda mais ricos, pois o sistema de Imposto de Renda deveria ser ajustado para que os ricos financiem seus benefícios.

Tudo isso faz muito sentido, parece, nos países mais ricos que já experimentaram sistemas focalizados de transferências e descobriram seus efeitos perversos, mas não em países com um incipiente Estado de bem-estar. Entretanto, logo se ouviram vozes no Brasil, na África do Sul, no México, na Argentina e noutros países, afirmando o contrário. Os que acreditavam que uma Renda Básica de Cidadania se espalharia primeiro nos países mais ricos, dizem, estão tão errados quanto Karl Marx, quando ele afirmou que uma revolução socialista poderia ocorrer somente num país altamente industrializado. Por quê? A razão fundamental é que os sistemas de benefícios dependentes da renda das pessoas são particularmente difíceis de administrar quando uma alta proporção da população vive um pouco acima da linha da pobreza e trabalha na informalidade.

            Assim, prossegue o Professor Philippe Van Parijs:

Compreendi esse ponto quando o Senador Eduardo Suplicy me levou para visitar uma repartição em São Paulo na qual os administradores públicos verificavam se as pessoas que se inscreviam no Programa Bolsa-Família se qualificavam para receber o benefício.

Um homem com os óculos quebrados tinha de se lembrar quanto ganhou no ano passado, ora trabalhando, ora não, num posto de gasolina e quanto sua esposa havia ganho como arrumadeira de diversas casas e, esporadicamente, ao vender mercadorias na feira local. Para muitas pessoas vivendo em dificuldades, é compreensivelmente difícil lembrar essas coisas com grande precisão. O risco de haver arbitrariedade, injustiça, clientelismo e corrupção está em toda esquina.

A única solução estrutural, com uma economia em grande parte informal, consiste em fazer o sistema de benefícios universal, financiá-lo com recursos públicos e que não use a renda pessoal como a base da taxação.

O Programa Bolsa-Família é um esquema baseado na renda familiar por pessoa. Como é dependente da renda, é vulnerável por todos os argumentos mencionados, mas representa um progresso. Esses obstáculos fazem com que possamos olhar para além do Bolsa-Família em direção à Renda Básica de Cidadania.

Para caminhar em direção a esse destino, é necessário fazê-lo gradualmente com uma reforma tributária. Pode ser combinado com a obrigação da frequência à escola, na medida em que essa obrigação realmente venha a prover um benefício adicional de educação, para quem de outra forma ficaria sem ela, em vez de se retirar a segurança de renda das famílias mais frágeis. Qualquer condição imposta além do requisito da renda precisa ser avaliada em termos de quais desses dois tipos de efeitos vão prevalecer. Por exemplo, quanto mais exigente for a condicionalidade em termos do desempenho educacional, o mais provável é que as famílias em pior situação sejam penalizadas.

É desnecessário dizer que a Renda Básica de Cidadania, assim como o Programa Bolsa-Família, não são panaceias. Eles precisam ser parte de uma política social mais ampla, que também abranja o acesso universal à água e à energia elétrica, a um nível decente de educação básica e aos cuidados com a saúde para todos. Mas a Renda Básica de Cidadania é parte central de qualquer conjunto de políticas que podem ser seriamente colocadas para combinar os objetivos de “fome zero” e de “emprego para todos” em circunstâncias contemporâneas.

A experiência brasileira é notável, mas ainda está longe de chegar ao fim da estrada. Será comparada com as experiências de outros países e submetida a um escrutínio simpático, porém crítico, de um grande número de acadêmicos de muitos países por ocasião do 13º Congresso Internacional da Basic Income Earth Network (Bien), ou Rede Mundial da Renda Básica, que se realizará na Universidade de São Paulo em 30 de junho, 1º e 2 de julho próximos (ver em www.bien2010brasil.com).

Pode o Brasil mostrar o caminho a outros países indo ainda mais longe do que o fez em direção a uma genuína Renda Básica de Cidadania? Sem dúvida, será mais difícil do que vencer a Copa do Mundo mais uma vez. Mas para muitas pessoas neste país e em todo mundo, é muito mais importante.

            Assina o Professor Philippe Van Parijs, da Universidade Católica de Louvain e da Universidade de Harvard e Chairman e fundador do Conselho Internacional da Basic Income Earth Network.

            Quero cumprimentar o Professor Philippe Van Parijs, que, na próxima semana, aqui terá oportunidade de falar a respeito desses temas perante mais de duzentas pessoas que participarão e apresentarão trabalhos na XIII Conferência Internacional da Basic Income Earth Network.

            Quero cumprimentar todos que estão empenhados nisso, inclusive o Professor Carlos Alberto Azzoni, Diretor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, que está cedendo a Faculdade de Economia para que possamos abrigar esse extraordinário evento.

            Quero aqui convidar todos os interessados em programas de transferência de renda. Será o maior conjunto de trabalhos sobre programas como o Bolsa-Família, inclusive no Brasil e em todos os países dos cinco continentes, já apresentado nos diversos países das Américas e dos demais continentes.

            Assim, agradeço a atenção, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2010 - Página 30673