Discurso durante a 108ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao Itamaraty para que intervenha no sentido de que o Presidente Lula receba, em sinal de apoio à sua causa, o médico congolês Dr. Denis Mukwege, em cruzada mundial com o objetivo de estancar a violência que há mais de uma década assola a República Democrática do Congo e Zaire. (como Líder)

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Apelo ao Itamaraty para que intervenha no sentido de que o Presidente Lula receba, em sinal de apoio à sua causa, o médico congolês Dr. Denis Mukwege, em cruzada mundial com o objetivo de estancar a violência que há mais de uma década assola a República Democrática do Congo e Zaire. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/2010 - Página 31692
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CONFERENCIA, PATROCINIO, EMPRESA, UNIVERSIDADE, PREFEITURA, DEBATE, DIREITOS HUMANOS, PRESENÇA, MEDICO, PAIS ESTRANGEIRO, CONGO, LUTA, COMBATE, VIOLENCIA, AFRICA, ESPECIFICAÇÃO, VITIMA, MULHER, ESTUPRO, MUTILAÇÃO, GUERRA CIVIL, QUADRILHA, OBJETIVO, MIGRAÇÃO, CONTROLE, AREA, MINERIO, CASSITERITA, MATERIA-PRIMA, INDUSTRIA, APARELHO ELETRONICO, TELEFONE CELULAR.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ZERO HORA, CORREIO DO POVO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DENUNCIA, INDIGNIDADE, VIOLENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, CONGO, NEGLIGENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), EXCLUSIVIDADE, OBSERVAÇÃO, PROBLEMA, CONCLAMAÇÃO, AUTORIA, MEDICO, MOBILIZAÇÃO, BRASILEIROS, INTERFERENCIA, GOVERNO BRASILEIRO.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RECEBIMENTO, MEDICO, AUDIENCIA, POSSIBILIDADE, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, LUTA, ERRADICAÇÃO, VIOLENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, CONGO, PEDIDO, ORADOR, ATENÇÃO, ITAMARATI (MRE).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, muito obrigado pelo espaço concedido para este pronunciamento, que entendo ser de interesse, acima de tudo, humanitário.

            Está acontecendo no Rio Grande do Sul, durante todo este ano e até o final do ano, um ciclo de palestras, de conferências, intitulado “Fronteiras do Pensamento”.

            Ontem à noite, nós contamos com mais uma presença importante: um destacado médico africano, congolês, que dedica a sua vida profissional a serviço dos direitos humanos não apenas do seu país, mas do mundo.

            Ele chegou sábado em Porto Alegre e pronunciou-se ontem à noite para centenas de pessoas. Hoje pela manhã esteve em mais uma palestra, dessa vez no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando falou sobre o compromisso social da Medicina. A entrada foi franca.

            Ele faz uma cruzada mundial, num verdadeiro clamor, com o objetivo de estancar a violência que há mais de uma década assola a República Democrática do Congo e Zaire, pela sensibilização da comunidade internacional, especialmente de países emergentes como o Brasil.

            Eu retiro essas informações das páginas dos jornais Zero Hora e Correio do Povo, que dão grandes espaços, em suas páginas, à presença desse premiado médico humanitário congolês, que permanece em Porto Alegre até amanhã e pode até estender, com o apoio dos patrocinadores desse importantíssimo evento.

            Os apoiadores do evento “Fronteiras do Pensamento” são Braskem, Grupo RBS, Unimed Porto Alegre, Gerdau, Instituto Claro, Refap, Anhanguera Educacional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Prefeitura de Porto Alegre.

            Nas suas palavras de ontem, Mukwege, que é ginecologista e obstetra em Bukavu, cidade do leste do seu país, falou do atendimento a mulheres vítimas de estupro e mutilação na guerra entre bandos armados pelo controle de áreas ricas em minérios.

            Ele, que já foi premiado com o Prêmio Olof Palme, instituído pela Suécia, de direitos humanos, que dá para se dizer que é uma prévia do Nobel da Paz, inclusive, no ano passado, esteve indicado ao Nobel da Paz, que foi recebido pelo Presidente Obama, dos Estados Unidos. Mas ele, mais uma vez, este ano, está entre os indicados por seu impressionante trabalho humanitário. Ele tenta chamar a atenção do mundo para o que seu país está vivendo. A sua palestra, ontem, emocionou centenas de pessoas que lá estavam, assim como esta manhã no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

            E, extraindo um pouco das informações que estão aqui nos jornais, Presidente Mão Santa, V. Exª, que é médico, pode entender um pouco a preocupação desse profissional da saúde, que começou a sua vida, jovem, filho de um pastor da Igreja Pentecostal, no seu país, na infância, acostumado a acompanhar o pai a hospitais, o pai, pastor, que rezava pelos pacientes vítimas da guerra. E ele se lembra de ter perguntado por que o pai não ajudava as vítimas, em vez de se limitar a rezar por elas. E ele ouviu a resposta do pai: “Rezo, porque não sou médico”.

            Ele, então, colocou na cabeça que deveria ser médico e formou-se em Medicina no Burundi, com especialização em Ginecologia e Obstetrícia na França. Mukwege viu o seu trabalho ganhar relevância internacional, em 2008, ao receber exatamente o prêmio Olof Palme, instituído em homenagem ao ex-Primeiro-Ministro da Suécia e considerado uma espécie de preliminar ao Premio Nobel da Paz. Ele também foi agraciado com a Legião de Honra da França, a mais alta condecoração concedida pelo Governo francês, e com o título de Africano do Ano, em 2008, pelo jornal nigeriano Daily Trusty.

            Ele, em sua palestra, falou de uma guerra que já dura mais de 10 anos em seu país. E ele diz que a guerra não é entre grupos que queiram controlar o território, não é uma guerra entre tribos, entre raças, entre religiões ou mesmo entre etnias. É uma guerra pelo controle das minas de coltan e de cassiterita, minérios utilizados na fabricação de telefones celulares e de laptops. Há multinacionais interessadas em obter esse minerais. Classifico-a - disse ele - como uma guerra inútil, porque é possível obter essas matérias primas - e aqui vem um detalhe - porque o seu clamor, porque os grupos que lá estão nessa guerra econômica assassinam e vitimizam as mulheres, Senador Mão Santa.

            É algo realmente impressionante o depoimento dele. Ele diz que as mulheres são as principais vítimas dessa guerra, porque a violação, a mutilação e a destruição do aparelho genital delas são utilizados como uma espécie de estratégia dessa guerra econômica.

É uma estratégia porque é utilizada de forma deliberada. Destruir o aparelho genital das mulheres, que são o pilar da família, sem matá-las, diante dos maridos, dos filhos e dos vizinhos é uma forma de destruí-las não apenas fisicamente, mas também psicologicamente, e [destruindo também assim a família] os seus maridos e os seus filhos. É uma maneira de destruir o tecido social, de destruir todos os valores, de desorganizar uma sociedade que já não era tão organizada.

            Ele, em seu depoimento, fala da maneira como a guerra ocorre, uma guerra que destrói a comunidade local e cria um espaço em que os grupos armados exploram o coltan e a cassiterita sem controle e os exportam para o mercado mundial.

            Ele denuncia que mais de cinco milhões de congoleses foram mortos, mulheres foram estupradas e mutiladas diante de seus maridos e filhos. Há mais de dois milhões de deslocados. E, aqui, há de se perguntar se não seria o caso de a Organização Mundial do Comércio e os governos reagirem diante de empresas que se utilizam desse material vindo dessas minas do Congo, sabendo da forma como esse material é obtido por esses grupos de terrorismo econômico, que provocam tamanho sofrimento, vergonha e humilhação àquelas comunidades.

            Não seria o caso de se fazer um boicote às empresas que fabricam telefones celulares e laptops, de não se permitir a importação ao fabrico de tais produtos com materiais adquiridos dessas minas do Congo, enquanto a ONU não agir de forma mais efetiva, e não apenas colocando, como agora, 15 mil ou 20 mil soldados e permanecer lá simplesmente como observadora, sem uma intervenção direta na proteção às pessoas, às famílias, às mulheres, às crianças e aos homens que lá vivem?

            Ele disse:

Estive no Parlamento Europeu e lhes informei do que se passa na República Democrática do Congo. Dei informações ao Senado americano. Hillary Clinton (Secretária de Estado dos EUA) esteve no ano passado na República Democrática do Congo, viu a realidade com seus olhos e ouviu relatos. O que acontece lá é conhecido. Temos a força mais importante da ONU: 16 mil homens. Mas, infelizmente, é na região onde estão esses 16 mil homens que ocorrem os piores abusos. Há dois anos, um relatório foi emitido, mas não houve reação, a não ser da Holanda, da Dinamarca e da Suécia. Estados Unidos e China não fizeram nada. Creio que, se não há reação, é porque há grandes interesses de manter a exploração ilegal dos grandes recursos do país.

            A gente fica pensando, Presidente Mão Santa: estamos em 2010 e, ouvindo um depoimento deste, arremete-nos aos primórdios dos tempos. É algo realmente impressionante.

            E aqui fico também questionando: por que será que não repercute?

            Lembro da guerra da Bósnia. Mas a guerra da Bósnia estava ali, no quintal da Europa. E o mundo inteiro reagiu. A Europa inteira reagiu contra o verdadeiro genocídio que lá estava sendo provocado.

            Estava sob os olhos da França, da Alemanha, da Inglaterra, da Itália. Então, houve uma reação forte em relação ao genocídio na Bósnia. Agora, este é um país que está lá dividido entre a Tanzânia, Zâmbia, Angola, Uganda, Sudão, Congo. E há uma voz que se levanta.

            Mas tudo isso, Senador Mão Santa, porque ele faz um apelo ao Brasil, o Dr. Denis Mukwege, que se coloque em seu lugar, sobre a guerra que mutila as mulheres em seu país, para espantar as famílias, para retirar, para mandar embora, para provocar migrações, humilhando, mutilando as mulheres, humilhando maridos e filhos, destruindo famílias. Ele fez um apelo candente na noite passada, em Porto Alegre, e, nesta manhã, na Universidade Federal.

            E quero reproduzir suas palavras:

“Minha presença aqui é para conquistar a voz dos brasileiros. Se minha conferência for assistida por mil brasileiros, se a base do Brasil pedir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será sensibilizado pela situação. Se a voz dos brasileiros disser ao presidente que está escandalizada com a situação e que a violência tem de cessar, isso contará muito. Hoje, sentimos a indiferença total do mundo [a essa guerra]. O peso do Brasil pode fazer a diferença”.

            Ele está em Porto Alegre, e, se houver um pequeno espaço na agenda presidencial, seguramente, os patrocinadores do evento, as entidades, as universidades - a Universidade Anhanguera, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul -, o grupo RBS, a Prefeitura de Porto Alegre, Gerdau, Claro, Unimed Porto Alegre, Braskem, com certeza, providenciarão seu transporte a Brasília para que ele possa entregar ao Presidente Lula esse clamor, esse apelo para que o Brasil se some a esse movimento mundial e tenhamos uma parcela de participação contra essa verdadeira barbárie que se instala naquele país e que é denunciada na capital do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, por esse médico humanitário e ativista dos direitos humanos.

            Em respeito ao seu trabalho é que me pronuncio da tribuna desta Casa do Senado e faço um apelo ao Itamaraty para que possa intervir, quem sabe hoje ainda, e que, através do Itamaraty, tenhamos a possibilidade de colocarmos esse médico africano, congolês, diante do Presidente Lula, nem que seja nos próximos dois ou três minutos, e que, com isso, ele também some forças para que sua luta, em seu país, seja vitoriosa.

            Ele denuncia que familiares dele, inclusive, já foram assassinados em função da sua batalha contra tamanha violência. Mas ele decidiu não desistir, na medida em que aprendeu com seu pai que ser médico era lutar pela vida.

            Aliás, ele traz alguns conceitos pronunciados esta manhã no Salão de Atos da Universidade Federal. Ele diz que “a violência contra a mulher é contra nossa humanidade”. Ele mesmo já tratou mais de 21 mil mulheres vítimas de violência sexual durante todo esse tempo. Ele diz que essa violação não é apenas uma relação sexual. A violação é uma destruição pela forma como ela é provocada por aqueles verdadeiros bandidos. “A medicina que não tem a vida como prioridade abdicou de sua vocação de medicina”, diz o Dr. Mukwege.

            O conferencista defendeu que a África siga um caminho baseado em valores próprios, mas sem negligenciar valores aportados por outras civilizações:

“Não há democracia sem direitos humanos. Na África, direitos humanos foram considerados um luxo. O respeito aos direitos humanos é proporcional ao nível de democracia de um país”. “Na democracia, o poder é submetido ao princípio da alternância. Na África, presidentes puderam se manter no poder até a morte”.

            Ele também comentou o papel da ONU na África:

“Penso que a política da ONU na África deve ser repensada. A ONU devia ter um papel muito mais forte. O papel de observador não leva a nada. No genocídio de Ruanda, com 1 milhão de mortos, a ONU estava lá e saiu.”

            Este é um resumo das históricas palestras pronunciadas pelo Dr. Denis Mukwege, ontem à noite e hoje pela manhã, em Porto Alegre.

“Nascido em 1955, Mukwege é um dos nove filhos de um pastor pentecostal que visitava hospitais para rezar com os pacientes. Quando pequeno, acompanhava o pai nessas jornadas e, desde então, descobriu que gostaria de ajudar essas pessoas, não apenas espiritualmente, mas também na prática. Estudou Medicina no Burundi e lá permaneceu no auxílio a mulheres grávidas. Muitas morriam porque demoravam a receber atendimento adequado ou eram transportadas em jumentos durante o trabalho de parto”.

            Mas agora o grau de violência é muito maior, infinitamente maior, na medida em que ele denuncia a prática das barbáries desses grupos armados, que não atuam para se apossar de uma região, mas para expulsar as famílias de lá para que grupos econômicos possam escravizar os que restam, em função da brutal humilhação a que submetem as mulheres, que sofrem essa brutalidade, essa humilhação, essa violência; e seus maridos passam a ser escravizados a partir da humilhação provocada contra as mulheres diante deles.

            Para completar, Senador Mão Santa, e para não provocar ou atiçar ainda mais a indignação, ele denuncia que esses grupos de bandidos “...atiram na genitália, inserem baionetas, pedaços de paus, deixando suas marcas. Querem traumatizar ao máximo e não há distinção de idade: atingem de crianças a idosas”.

            Ele comentou, em sua palestra, que as mulheres tentam esconder as agressões e a sua primeira reação, depois de agredidas, é proteger sua dignidade. Mas, diz ele, não há como esconder.

            As vítimas chegam ao hospital sozinhas ou encaminhadas por associações. Mas, segundo Mukwege, os voluntários que atuam na proteção dessas mulheres não têm capacidade de atender todas as vítimas que chegam diariamente aos hospitais. E os casos vêm aumentando. Ano passado, foram 5.500 casos.

            Mais uma vez deixo aqui, da tribuna do Senado, este apelo, esperando que a assessoria de agenda do Presidente Lula ou o Itamaraty possam manifestar-se, quem sabe amanhã, ou quinta-feira, ainda, para acolher e ouvir o clamor desse homem que o mundo reconhece como uma das grandes bandeiras universais na luta pelos direitos humanos no mundo.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/2010 - Página 31692