Discurso durante a 109ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas aos valores altos das multas ambientais, destacando que a política de maior rigidez na aplicação de multas não seria a maneira apropriada de lidar com as diversidades imanentes à questão ambiental.

Autor
Jefferson Praia (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: Jefferson Praia Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Críticas aos valores altos das multas ambientais, destacando que a política de maior rigidez na aplicação de multas não seria a maneira apropriada de lidar com as diversidades imanentes à questão ambiental.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2010 - Página 32109
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, AUTO DE INFRAÇÃO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), CIDADÃO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), CRITICA, ORADOR, INEFICACIA, SUPERIORIDADE, MULTA, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, ANALISE, EFICACIA, LEGISLAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, EFETIVAÇÃO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE.

            O SR. JEFFERSON PRAIA (PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente José Sarney.

            Quero, nesta tarde, falar um pouco de um assunto no qual, em um breve aparte à Senadora Serys Slhessarenko, toquei há pouco, que é a questão relacionada a multas exorbitantes, principalmente no meu Estado do Amazonas.

            Tenho aqui, Sr. Presidente, um auto de infração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. Esta multa é de 14/09/2009. Agora eu trouxe, Sr. Presidente, a esta Casa uma cópia deste auto de infração para que nós possamos perceber essa questão relacionada à legislação ambiental e ao conhecimento por parte das pessoas, principalmente daqueles que por algum motivo não tiveram condições de perceber todas essas mudanças que estão acontecendo na atualidade com relação à questão ambiental e não têm, é claro, as informações necessárias quanto ao cumprimento dessa legislação.

            Eu tenho aqui, Sr. Presidente, um auto de infração. O nome do autuado é o Sr. Francisco Silva de Souza, que, infelizmente, ao ter conhecimento deste auto de infração, entrou em um processo depressivo, falecendo um pouco mais à frente. Ele foi multado por coletar 258 ovos de uma espécie de quelônio, de tracajá. Então, coletou 258 ovos, matou um quelônio, matou um tracajá.

            Eu trouxe isto a esta Casa para que todos nós tomássemos conhecimento, porque, às vezes, alguns destacam este ponto, mas não trazem a documentação necessária. Parece até um pouco assunto folclórico, um absurdo, porque é um absurdo, mas está aqui a multa. Por coletar 258 ovos de tracajá e matar um quelônio, o Sr. Francisco Silva de Souza recebeu uma multa de R$1.295.000,00 reais. Um milhão, 295 mil reais por coletar 258 ovos de quelônio e matar um tracajá!

            Alguns poderão concordar com esta multa tão alta. “Não, pegou 258 ovos de tracajá, tem de receber, realmente, uma multa elevada. Matou um quelônio.” Mas nós temos de perceber que estamos tratando da realidade de um povo que - é o povo de minha região, do meu Amazonas - é acostumado a comer ovos de tracajá, a matar um ou outro animal silvestre, a matar um tracajá e levar para a alimentação de sua família.

            Certamente, o Sr. Francisco, que, infelizmente, não está mais entre nós aqui neste plano, não imaginou que poderia receber uma multa tão alta como esta de 1 milhão, 295 mil reais pela coleta de ovos. Será que o Sr. Francisco recebeu alguma informação, alguma orientação? Acredito que não.

            Portanto, Sr. Presidente, esta multa que trago ao conhecimento do Senado serve para nós percebermos que não é apenas com uma legislação ambiental que estabelece multas exorbitantes, que não é apenas a rigidez da lei que vai fazer com que nós tenhamos um melhor respeito com relação ao meio ambiente, ou que nós vamos atingir o objetivo de termos as pessoas com boa qualidade de vida, além da preservação e a conservação ambiental sendo respeitadas.

            Quando ando pelo Estado do Amazonas, converso com muitos dos nossos irmãos, das nossas irmãs, com muita gente lá e, é claro, todos percebem a sua responsabilidade de cuidar da floresta e dos rios do nosso Estado. Todos percebem que temos o Estado mais verde do planeta, com 98% de área preservada e conservada, com apenas 2% de desmatamento.

            Agora, todos também ficam indignados quando percebem uma ação dessa natureza. E aí eu gostaria aqui de chamar a atenção dos órgãos ambientais, dos fiscais, das autoridades municipais e estaduais, de todos que tratam dessa questão.

            Nós precisamos, Sr. Presidente, trabalhar a questão ambiental de forma que as pessoas possam perceber a sua importância através das informações que chegam a todos, nas escolas para crianças, nas escolas para os jovens e até nas comunidades, e também aos mais velhos, inclusive aqueles que, na sua infância, na sua juventude, na sua formação como homem e mulher, foram acostumados a comer ovos de tartaruga, ovos de tracajá, a comer o tracajá, a comer o iaçá, a comer uma paca. Essas pessoas, muitas vezes, vão em busca desses alimentos por falta de opção e por terem que alimentar os seus filhos.

            É bom que tenhamos essa compreensão para que nós não pensemos aqui apenas em leis, leis que estabelecem multas elevadíssimas, como se a viabilização das leis fosse a solução para toda a questão com que hoje lidamos, que é a questão ambiental.

            Vimos aqui que o Sr. Francisco não suportou ter a percepção, o conhecimento da multa que recebeu. Ninguém suportaria, nem eu. Acredito que nenhum dos Srs. Senadores e Senadoras presentes suportaria receber uma multa de R$1.295.000,00 de reais por coletar 258 ovos de tracajá e por matar um tracajá. Ninguém iria gostar. Todos nós estaríamos reclamando bastante e de forma muito raivosa, de uma forma muito descontrolada até.

            O Sr. Francisco não teve oportunidade de reclamar. Guardou para si toda essa tristeza até. O cidadão, Senador Paulo Duque, sabe Deus o que tinha: um pequeno patrimônio, uma casa, não sei. Não tenho informações sobre a vida do Sr. Francisco, quantos filhos deixou, como está a sua esposa. Mas temos de perceber que não é porque a pessoa é pobre, está como ribeirinho e ribeirinha na Amazônia, que não tenha preocupação com relação ao seu nome, à importância do nome de cada um, ao zelo pelo seu nome, Senador Mão Santa.

            Então o Sr. Francisco, quando viu que essa multa veio em sua direção, não conseguiu aguentar e, infelizmente, pelas informações que temos, faleceu um tempo depois de desgosto, de depressão.

            E é com muita tristeza que trago este caso aqui para o Senado para que nós, ao fazermos as leis, possamos perceber como esse processo todo se dá na sociedade. E para que nós também possamos ser muito mais rápidos nessa questão relacionada à questão ambiental, levando conhecimento às crianças, aos jovens, à população de um modo geral, e não apenas cheguemos às instituições que tratam deste assunto com a cobrança, simplesmente com a multa.

            Soube, Sr. Presidente, que recentemente um prefeito foi multado. Um prefeito do Estado do Amazonas recebeu uma multa porque retirou alguns pedaços de madeira para proteger umas plantas que ele tinha plantado na praça da sua cidade. Para proteger essas plantas, colocou alguns pedaços de madeira. Como a madeira não era certificada, a prefeitura recebeu uma multa. Quer dizer, esse tipo de ação é vergonhosa.

            Acredito que não é por aí que vamos corrigir todos os problemas ambientais que temos.

            E temos muitos no meu Estado: igarapés sendo poluídos nos Municípios, um ou outro comportamento quanto à questão do que se fazer com o lixo. Hoje, é um sério problema no Estado do Amazonas a questão do lixo: onde depositar o lixo, como tratar o lixo.

            Portanto, o desafio é muito grande e vamos continuar trabalhando no sentido de não termos mais comportamentos como esse, que foi de uma multa elevada e da perda da vida de um homem da Amazônia.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2010 - Página 32109