Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Propostas para a melhoria do ensino no Brasil, tendo em vista que o País recebeu a nota 4,6 no Índice de Desenvolvimento da Educação de Base - IDEB

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Propostas para a melhoria do ensino no Brasil, tendo em vista que o País recebeu a nota 4,6 no Índice de Desenvolvimento da Educação de Base - IDEB
Aparteantes
Arthur Virgílio, Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2010 - Página 35151
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, RESULTADO, PESQUISA, QUALIDADE, ENSINO FUNDAMENTAL, BRASIL, IMPORTANCIA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, CONSOLIDAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, COMENTARIO, NEGLIGENCIA, PODER PUBLICO, RESOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • EXPECTATIVA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, MELHORIA, EDUCAÇÃO, PROXIMIDADE, LEGISLATURA, OPINIÃO, ORADOR, NECESSIDADE, FEDERALIZAÇÃO, ENSINO PUBLICO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, CARREIRA, AMBITO NACIONAL, PROFESSOR, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, EXPECTATIVA, REELEIÇÃO, SENADO, CONTINUAÇÃO, ATUAÇÃO, SETOR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Sarney, Srªs e Srs. Senadores, eu fico feliz pelo privilégio de ser o último, aparentemente, a falar neste momento em que encerramos esse esforço concentrado. Agora vamos nos dedicar bastante à campanha eleitoral, para ver quais de nós vão, ou não, estar aqui nos próximos anos. Neste momento eu gostaria de falar um pouco sobre uma das tarefas que, creio, nós, Senadores, deveríamos nos reservar para o próximo período, para a próxima Legislatura.

            E, para essa proposta de a que nos dedicarmos, eu quero levar em conta o resultado que nós pudemos ler nos últimos dias sobre a avaliação feita da situação da escola no Brasil. Em primeiro lugar, eu quero dizer que o Brasil teve um grande avanço, um imenso avanço no que se refere à avaliação das escolas. Aí ninguém pode ignorar o papel do Governo Fernando Henrique Cardoso e do Governo Lula em levar adiante, implantar e melhorar o sistema de avaliação.

            É como se, em uma família, nós tivéssemos a possibilidade de comprar um termômetro, que antes não se tinha, para medir a temperatura das crianças. Não há dúvida de que comprar um termômetro é um avanço. Antes ninguém avaliava; antes ninguém sabia se o doente, a educação brasileira, estava ou não com temperaturas de febre. Ninguém sabia como estava a educação. Sentia-se, respirava-se que ela não ia bem, mas não havia uma convicção, não havia um número que dissesse a educação está doente. Esse foi um grande avanço.

            E, hoje, graças a esse avanço da avaliação do Enem, no ensino médio, do Ideb, no ensino fundamental, do provão, nas universidades, nós podemos dizer, com convicção, com clareza, com números, qual é o grau da doença da educação brasileira. E é muito fácil dizer que, por essa medição, por esse termômetro chamado Ideb, o ensino fundamental, a escola mais fundamental do Brasil, está reprovada. Nós fomos reprovados.

            Nós fomos reprovados porque a nota para passar, em qualquer exame, é 5 - passar apertado. Se um sistema de avaliação é de 0 a 10, tirar 5 significa o limite entre aprovação e reprovação. Significa um aprovação deficiente. Mas o Brasil não conseguiu a aprovação deficiente. A escola brasileira foi reprovada ao ser divulgado, nesta semana, o resultado do chamado Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação de Base), porque a nota foi 4,6. Quatro vírgula seis! Nós não fomos capazes de passar.

            Mas isso não é tudo. O mais grave é que essa nota indica apenas o resultado daqueles que estão na escola; não leva em conta os que estão fora da escola; não leva em conta, ainda, os milhões que ainda não se matriculam na escola; não leva em conta aqueles que se matriculam, mas não continuam estudando. Portanto, se a escola brasileira foi reprovada com 4,6, a educação no Brasil foi reprovada com uma nota bem mais baixa. Eu não consigo, hoje, calcular ainda. Estamos tentando levar em conta qual seria a nota que poderia ser dada àqueles que abandonaram a escola. Porque dar um zero pode ser um exagero; pode ser um ou dois. Mas, se nós colocarmos na avaliação, além daqueles que estão na escola, os que não estão na escola, o Ideb não ficará em 4,6. Eu creio que dificilmente ele passará de 3,5. E aí não é apenas reprovação, aí é uma reprovação desesperante, dessas que, quando acontece com um filho da gente, nós ficamos desesperados. É a reprovação da quase condenação; é a incapacidade, a impossibilidade de continuar estudando. O Brasil foi reprovado.

            Na mesma semana quase, o Brasil foi reprovado no futebol, ficando entre os oito melhores, o que - vamos reconhecer - não é uma posição ruim. Passamos por todas as seleções anteriores, passamos por todas as preliminares, fomos classificados entre os poucos dos melhores que chegam à Copa, superamos a maioria dos que ali chegaram e ficamos entre os oito. Talvez, fôssemos o sétimo, o sexto, não chegamos aos quatro, mas nós ficamos entre os oito melhores. E houve uma tragédia nacional durante, pelo menos, os primeiros dias e horas.

            Mas, em educação, nós não ficamos entre os oito. Na avaliação mundial, feita pela Unesco, nós estamos em 85º. Oito e oitenta e cinco. Não houve tragédia, não houve reclamação, não houve mobilização. E eu não vejo o Presidente da República ter convocado Ministros para saber o porquê de termos ficado em 85º na educação, quando saiu esse resultado. Nós não fomos reprovados em futebol, apenas não ficamos entre os primeiros. Mas nós fomos reprovados na educação e temos que ter uma proposta para sair disso.

            Eu gostaria de ver este Senado, nos próximos anos, debatendo como o Brasil poderá reverter esse quadro. Primeiro, debater o que vai acontecer se não virarmos esse quadro. E não é difícil dizer como, porque o futuro de um país se parece muito com a escola pública do presente. Se você quer ver a cara de um país daqui a 30 anos, olhe como está a cara da sua escola pública do dia de hoje - é muito parecido.

            Quando a gente vê a França e outros país da Europa com a cara bonita hoje, é porque há 150 anos eles mudaram a cara da escola. E, ao mudar a cara da escola, construíram uma base de conhecimento que propiciou transformar aqueles países, num primeiro momento, em industriais, que chamo de primários (a indústria da mecânica), e, depois, nas últimas décadas, darem um salto para a indústria do conhecimento, a indústria que vem da ciência e da tecnologia. A ciência e a tecnologia a serviço da medicina, da segurança, do transporte, da indústria, da agricultura. A cara da Europa de hoje é igual à cara da escola da Europa de 100 anos atrás, 50 anos atrás. Se a gente olhar a cara do Brasil hoje, não teremos um futuro bonito.

            Mas dá para mudar a cara dessa escola. Nós não estamos condenados a um futuro nefasto, negativo de exportadores de bens primários, seja minerais, seja agrícolas, ou mesmo o que a gente pode chamar de industriais primários, que é a indústria mecânica, não chegando na indústria sofisticada dos bens de alta tecnologia, que são aqueles que realmente representam hoje o desenvolvimento.

            Nós temos como mudar. E eu gostaria de ver, Senador Heráclito, que a próxima Legislatura, onde eu desejo que o senhor esteja e vou fazer o possível para eu estar também, nós possamos não apenas despertarmos mas começarmos a construir; despertarmos para a necessidade e construirmos a possibilidade de uma escola como o Brasil precisa.

            Mas essa parte sobre como fazer o debate vou deixar para depois que passar a palavra, para um aparte, ao Senador Heráclito Fortes.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Senador Cristovam, eu quero me congratular com o pronunciamento que V. Exª faz, aliás abordando o tema da sua preferência, que é educação. V. Exª traz um tema que entristece muito a mim como piauiense. O meu Estado, o Estado do Piauí, foi o último colocado nessa última avaliação do ensino médio. Em contrapartida, Teresina, a capital, teve a melhor avaliação do Nordeste, com crescimento fantástico, o que prova, Senador Cristovam, que é apenas uma questão de gestão. E aí vem um contrassenso. O Secretário de Educação do Piauí, Deputado Estadual; Secretário por mais quatro anos, Deputado Federal; Secretário mais quatro anos, agora candidato a Senador. Vê-se que se usou uma Secretaria única e exclusivamente para se fazer política e politicagem. Acho que nós devíamos aperfeiçoar o sistema democrático brasileiro, e não seria de mau tamanho se houvesse impedimentos para que Secretários de Estado, principalmente de áreas essenciais como saúde, educação e segurança, fossem inelegíveis ou, pelo menos, tivessem que pagar uma quarentena quando exercessem cargos dessa importância, porque quem paga isso é o pobre, é o eleitor, é a criança, é o desamparado. Eu contei aqui, Senador Sarney, um fato que se deu. O Ministro da Educação, quatro anos atrás, foi à região de Picos - esta história é contada por aí pelos correligionários do então Secretário - e encontrou-se com uma senhora que estava recebendo uma bolsa para treinamento, aquele treinamento do ensino fundamental. Ele perguntou se ela estava frequentando as aulas, e ela disse: “Não. Mas estou fazendo tudo direitinho”. “Direitinho como?” E ela respondeu: “Todo dia de manhã, eu pego o picolé do candidato, boto-o na porta e, às seis horas da tarde, recolho-o”. Picolé é aquela propaganda comprida que você põe na porta para anunciar a candidatura do seu preferido. Esse é um fato lamentável. Acho que V. Exª, que é um abnegado nessa questão, deveria pensar um pouco nessa proibição, porque é um crime. Geralmente, Secretaria de Educação - principalmente educação e, há uns anos, saúde - se transforma em trampolim para alavancar candidaturas. E todas elas são bancadas pelo cofre do sofrido povo nordestino e brasileiro. Muito obrigado.

           O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, sou eu que agradeço e quero lhe dizer que comparto dessa sua sugestão, lembrando até algo mais: na escola, as crianças não votam; votam os professores. Então, é comum que, na busca do voto, os Secretários terminem fazendo concessões aos professores em detrimento dos alunos. É comum isso, e a gente sabe.

           Mas vou mais longe no tocante à formulação do Senador Heráclito, lembrando que, ainda mais do que não poder ser candidato - e eu dizia há pouco que a gente muitas vezes esquece que criança não vota, quem vota é professor -, não é raro que o Secretário termine fazendo concessões aos professores e sacrificando as crianças por conta disto: em busca do processo eleitoral.

           Mas vou na linha de dizer o que é preciso que o Senado, Senador Sarney, possa debater se quiser de fato fazer a revolução educacional: debatermos - e eu nem diria mais “se fizer”, mas “como fazer” - a federalização da educação de base neste País. Não há outra solução. Deixar que um professor de um Município seja selecionado entre as pessoas do Município e que o salário do professor de um Município seja pago com o dinheiro do Município é condenar a desigualdade entre as escolas, é condenar a desigualdade das escolas entre os Municípios.

            Nós só vamos conseguir ter uma educação de qualidade e qualidade igualitária no País quando tratarmos a escola como nós tratamos o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, como nós tratamos a Receita Federal, a Polícia Federal, o Congresso, a Justiça, de uma maneira que os gastos sejam financiados nacionalmente, pela Nação, e as exigências sejam feitas pela Nação, não apenas localmente pelos Municípios e pelos Estados.

            E o Ideb mostra isso. O Ideb deste ano mostrou que as escolas federais têm notas acima das escolas particulares nos anos quinto a oitavo da escola fundamental e têm praticamente empatado nas séries primeira a quinta do ensino fundamental. Ou seja, as públicas não são piores do que as particulares, desde que sejam federais.

            Quando compara as particulares com as estaduais e municipais, há uma diferença imensa a favor das particulares. Mas quando colocamos as públicas federais, Colégio Pedro II, as escolas de aplicação que as universidades têm, os colégios militares, esses estão acima das particulares.

            Por que não fazemos isso para todo o Brasil? Por que só pode haver um Colégio Pedro II em todo o Brasil, em vez de fazer com que as duzentas mil escolas do Brasil sejam, no mínimo, tão boas quanto o Colégio Pedro II? Qual é a lógica? Por que só no Rio de Janeiro tem um Colégio Pedro II? Por que só catorze escolas de aplicação no Brasil inteiro, pagas pela União, mantidas pela União, com o rigor da União, com seleção nacional dos professores? Por que só catorze? Por que tão poucos colégios militares? Por que não transformamos as duzentas escolas federais, incluindo aí as escolas técnicas, que todos sabem que são de boa qualidade? Por que não transformamos as duzentas escolas federais em duzentas mil escolas federais? É isso.

            A ideia é simples, mas se deve debater como fazer isso, porque não se pode pegar um decreto do Presidente dizendo que as escolas brasileiras hoje passam a ser federais. Isso daí não faz sentido. Não se pode dizer que, a partir de amanhã, os professores do Brasil inteiro, os dois milhões serão pagos pela União. Não pode. E nem se pode dizer: “amanhã vamos fazer um concurso para contratar dois milhões de professores federais”, porque nós não conseguiremos encontrar, no Brasil inteiro, mais do que cem mil jovens capazes de serem bons professores.

            É aqui que está a chave da tragédia brasileira. Se quisermos mudar amanhã o quadro de professores brasileiros, não conseguiremos mais de cem mil e precisamos de dois milhões. É como se tivéssemos em uma guerra e precisássemos de dois milhões de soldados e só existissem hábeis cem mil. Parece uma guerra perdida.

            No caso da educação, não é, porque podemos administrar no tempo. Cem mil a gente pode conseguir já, pagando um bom salário. Então, pode-se conseguir duzentos mil em dois anos, trezentos mil em três anos. Em vinte anos, a gente consegue os vinte milhões e, provavelmente, em menos tempo do que isso, porque quando os professores sentirem que é uma carreira bem remunerada, quando sentirem que as condições de trabalho são satisfatórias, os jovens deste País todo vão correr para serem professores, e não como hoje, que ninguém mais quer ser professor.

            Temos que usar a próxima legislatura, Senador Arthur Virgílio, não digo nem mais para discutir “se”, mas para discutir “como” a educação do Brasil passa a ser um problema do Brasil, e não um problema do Município; como o problema da educação passa a ser um problema do Presidente, e não um problema do Prefeito; como o professor é contratado no Brasil, e não na cidade; como a remuneração dele vai ser igual à dos funcionários públicos federais, e não como a dos funcionários públicos municipais. Como fazer isso? Em quanto tempo fazer isso? E, claro, tomando um cuidado: não centralizar a gestão. Não funciona se se centralizar a gestão. Mas é simples.

            O Colégio Pedro II é dirigido por um diretor. A escola técnica mais perto dele, que não está longe, é dirigida pelo diretor. Eles não estão imbricados, eles têm suas autonomias. Os reitores do Brasil têm uma carreira única do magistério, mas cada um tem sua gestão autônoma dentro de certos limites, é claro. E mais, não centralizando o sistema pedagógico.

            A federalização tem que vir com a descentralização gerencial e com a liberdade pedagógica. O Senado deveria discutir como fazer isso. Eu dei a minha contribuição. Não sei se vou estar aqui de volta no próximo ano. Terei que disputar uma eleição. Uma eleição que não vai ser fácil, muito difícil no Distrito Federal, mas dei a minha contribuição.

            A minha contribuição, Senador Arthur Virgílio, é um simples projeto que cria a Carreira Nacional do Professor e o Programa Federal de Qualidade Educacional. E a ideia é que estes dois itens, estas duas pernas: carreira nacional e projeto federal de qualidade, a gente implantaria por cidades. Duzentos e cinquenta cidade a cada ano. Cem mil professores novos a cada ano, três milhões de crianças a cada ano nas escolas, dez mil novas escolas em cada ano. Em 20 anos, serão 200 mil escolas, dois milhões de professores, 60 milhões de crianças, em 5.564 cidades. Talvez possa fazer até antes. Não quis ser ambicioso demais.

            Vou querer continuar aqui, até para debater esse projeto e outros projetos que deixei aqui, mas o importante é que a gente queira debatê-los. Porque, senão, daqui a mais dois anos, essa grande coisa que foi a avaliação, iniciada pelo Ministro Paulo Renato, continuada pelo Ministro Fernando Haddad, esse grande avanço que foi, limita-se àquela família que compra o termômetro, mas não tem o remédio para baixar a febre.

            O Brasil adquiriu o termômetro, sabe a nota das escolas, mas não quer ainda comprar o remédio para que essas notas subam. É a mesma coisa de comprar o termômetro e não baixar a temperatura. A única diferença é que temperatura a gente quer baixar, e nota da escola a gente quer subir.

            Não vejo outra saída, mas debatamos outra. Se não for a federalização, com descentralização e com liberdade. Eu vou querer continuar debatendo esse assunto enquanto eu puder. Por isso, passo a palavra, com muito prazer, ao Senador Arthur Virgílio.

            O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Cristovam, V. Exª se marcou na Casa, ao longo do seu mandato e logo após a sua saída do Ministério da Educação, com essa saudável obsessão pela educação. Já ouvi, assim, críticas que não se sustentavam, do tipo: é monotemático. Não é verdade. V. Exª abordou, e abordou bem, outros temas. Já ouvi elogios do tipo: teria que ser monotemático alguém no campo da luta por educação. E V. Exª não foi monotemático. Mas a marca do seu mandato é a luta por educação de melhor qualidade no País. E temos exemplos bem claros. E temos um exemplo bem claro. Quero aqui me recordar também do meu inesquecível amigo Mário Covas, mas temos um exemplo bem claro. Anos 50, o Brasil tinha o dobro da renda per capita da Coreia do Sul. Agora, ela tem mais do que o dobro da nossa renda per capita...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Exatamente.

            O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - E a resposta para esse fenômeno, que não é fenômeno nenhum, é explicável à luz do dia, é de clareza palmar, a resposta está em que a Coreia se planejou e investiu maciçamente na educação e o Brasil, não. Por outro lado, conseguimos avanços fantásticos no Governo Fernando Henrique, ampliados no Governo do Presidente Lula, avanços fantásticos, por exemplo, na educação de base. A maioria esmagadora das crianças matriculadas em escolas, enfim. Passamos a questionar - esse é o passo seguinte - a qualidade de ensino que se presta. Temos que melhorar a qualidade do ensino a partir da reciclagem efetiva dos professores. Os professores têm que estar aptos a dar boas aulas, senão, eles limitarão a criança ao pouco que porventura alguns deles possam saber para ministrar. Então, temos que preparar bons professores. Lembro-me de Mário Covas, porque Mário Covas dizia... Ele se irritava, era irritadiço às vezes, embora uma figura muito meiga no trato pessoal, e muito leal, sobretudo. Mário Covas se irritava quando as pessoas diziam a ele que professor era sacerdote e que, portanto, não era para se preocupar com o salário do professor, porque ele só se dedicava ao magistério porque amava o magistério. E ele dizia que não era sacerdote. E argumentava: piloto só é piloto porque é apaixonado por aviação. E não é por isso que se vai deixar de pagar salário bom para piloto. Outro exemplo: médico. Eu conheço advogados, bacharéis em Direito como eu, sem vocação - não tenho vocação e sou bacharel em Direito -, é possível; médico, não é possível. Médico tem de ter vocação para Medicina. Então, não é por isso que se vai deixar de pagar a consulta do médico ou se vai deixar de remunerar de maneira adequada os médicos. Então, criou-se o preconceito de que professor teria de trabalhar mais ou menos de graça, num projeto - porque não havia um projeto - inexistente e falso de educação no País. Portanto, eu entendo que V. Exª está montando um bom quebra-cabeça e procurando fechar as arestas pelas quais pudesse desaguar o desperdício. Nós temos de ter professores bem pagos, temos de ter investimento maciço em educação, investimento otimizado, porque também não pode ser investimento do tipo que a corrupção vá comendo as verbas e, quando elas chegam na ponta, já não dá para realizar o projeto, muito bem elaborado às vezes por um bom técnico, de boa cabeça do Ministério, aqui do MEC, enfim. Sou a favor da descentralização com os recursos e de planos. V. Exª falou em algo que me agradou muito: 20 anos. Nós aqui, raramente, falamos em 20 anos. Nós sempre falamos na próxima eleição, no próximo ano, sempre falamos no próximo momento. Nós não temos paciência para dizer: vamos trabalhar para colhermos efetivamente bons frutos - é claro que os vamos colhendo ao longo dos anos -, mas com uma culminância ao longo de 20 ou 30 anos. Foi o que fez a Coreia. E o que fez a Coreia nos passar largamente para trás em matéria de bem-estar social, de pujança econômica, com o dobro da nossa renda per capita, sendo o país, para usar uma expressão que é de política internacional - e engraçado que os dicionários não a registram aqui -, que seria capabilities, as nossas capabilidades. É uma linguagem diplomática, enfim, e de economia. O que é capabilidade? É o conjunto de potencialidades de um país. O Brasil tem mais capabilidades do que seus parceiros latino-americanos. É um conjunto de possibilidades que faz do país um país capaz de emergir. A Costa Rica pode ser um país próspero, mas não poderá ser uma potência; o Brasil necessariamente será uma potência porque tem capabilidades - e não há em dicionários brasileiros -; o Brasil tem capabilities que a Costa Rica não tem. Portanto, eu parabenizo V. Exª por estarmos aqui - eu, de minha parte, encerrando minha participação até a próxima convocação extraordinária e ouvindo um discurso sobre educação, porque considero que, se pensarmos em tudo e não pensarmos em educação, nós simplesmente engasgaremos o futuro do País na próxima esquina. Sem educação nós não vamos. Muito obrigado, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu que agradeço, Senador. E vou aproveitar essa expressão sua da capabilidade para dizer, primeiro, que eu estou de acordo, o Brasil tem mais capabilidade, mas, em um item, tem menos capacidade. Porque a capabilidade, como o senhor disse, é a soma das capacidades: a terra boa, energia, água, riquezas minerais, os rios etc. Mas há um item das capacidades que está atrasado, que é a capacidade em educação. Agora, o problema é que essa é a capacidade de todas as capacidades; essa é capacidade que unifica todas as outras. Não adianta um país ter a capacidade hidrelétrica se não tiver os engenheiros capazes de fazer a hidrelétrica. A água caindo solta não resolve a energia; é preciso fazer a represa, é preciso colocar as turbinas, é preciso puxar os fios, levar até as casas.

            O Brasil tem maior capabilidade, usando a palavra do Senador Arthur Virgílio, a soma das capacidades, mas na capacidade-chave, que é a educação, estamos atrás da Costa Rica. Por isso, a Intel não veio para o Brasil; foi para Costa Rica. Por isso, há hotéis que preferem ir para lá porque se fala inglês nas ruas, inclusive - aqui a gente não fala -, porque a educação deles é melhor por causa de 50 anos de esforços.

            A Coreia é um grande exemplo, mas há outros. Era a metade a renda deles, como o senhor disse, e hoje a deles é mais que o dobro! E não é só o valor da renda; é o tipo, a origem da renda. Porque a nossa renda é baseada na agricultura, que é uma coisa boa - é verdade -, é baseada na indústria mecânica, que é boa; a deles é baseada na ciência e tecnologia. Agora a gente teve a Copa no Mundo, e as televisões que compramos por aí eram coreanas. Eles produzem não apenas mais, eles produzem melhor que nós. Nós não temos outra saída a não ser isso.

            Quero dizer também - o senhor lembrou a questão dos 20 anos - que eu creio que a proposta que faço tem uma “sacação” interessante: são 20 anos no Brasil, mas dois anos numa cidade. Em vez de fazer aos pouquinhos, durante 20 anos, no Brasil inteiro, a gente continua aos pouquinhos no Brasil inteiro e dá o salto em algumas cidades. De outra forma, é pegar os Cieps do Brizola por cidade. Em vez de espalhá-los por aí - o Presidente Collor também fez os Ciacs -, perdidos, a gente pega uma cidade e diz: aqui todas as escolas serão bonitas, bem equipadas, e os professores, da carreira federal, com salário federal. Aqui todas as escolas serão tipo Pedro II. A gente começa pelas pequenas cidades. Dá para fazer 250 por ano. Aí, em 20 anos, chega ao Brasil inteiro, mas, em dois anos, já chegou àquela cidade. E virá o exemplo dessas cidades que vai fazer com que todos queiram fazer o esforço, que não é tão alto quanto parece. É muito mais barato do que se sabe. Agora, tem que ser completo.

            O senhor falou: “professor gostar de dar aula...” Até pode haver um ou outro sacerdote, mas sacerdote mesmo... porque quem tem família jamais dará uma boa aula para o filho de outro se o seu filho está em casa sem comida; ou se ele está com comida, mas sem sapato; ou está com sapatos, mas sem o computador, uma das exigências de hoje.

            Não adianta querer que um professor seja bom por vocação se ele não tiver condições de atender as necessidades de sua família. A minha geração conseguiu estudar em escolas baratas, com professores missionários, porque eles eram padres mesmo, porque não tinham família, porque não pagavam aluguel, porque o colégio não pagava impostos, porque não existia o custo dos computadores.

            Agora, não mais! Agora, só haverá professor dando boas aulas se ele tiver resolvida a situação da sua família, se ele for muito bem preparado, se ele for muito dedicado. E não é só isso: sem que ele tenha uma escola confortável, porque senão os alunos não assistem aula. E não paramos por aí: sem que ele tenha equipamentos pedagógicos modernos como televisor, como DVD e computador.

            Não há mais professor bom sem a casa resolvida, e não há mais professor bom só com o giz e o quadro negro! Acabou esse tempo! Hoje é um conjunto. E eu diria mais: sem que a criança esteja bem alimentada. E diria mais: sem que a família lhe dê suporte. Por isso essa minha ideia de fazer por cidade. Nas cidades que escolhermos para isso, temos de fazer que a praça seja um centro de educação; tem que ter um pequeno teatro, tem que ter uma biblioteca.

            Senador Arthur Virgílio, eu comecei fazendo isso no pouco tempo que tive no Ministério. Escolhi 29 cidades do Brasil, todas com 10 mil habitantes, porque não tive nenhum apoio da Fazenda, não tive nenhum apoio do resto do Governo. Escolhi 29 cidades, refiz o orçamento. Retirei dinheiro até do Bolsa Escola, uma invenção que eu tive, mas retirei o dinheiro daí porque ele não estava sendo gasto todo, e investi nessas cidades.

            Levamos um ano até para passar por aqui a reformulação. Jogamos o dinheiro lá, e em janeiro pararam o programa. Se o Presidente Lula tivesse continuado esse programa, hoje ele podia dizer que havia mil cidades neste País com o que a gente chamava de escola ideal: todas as cidades com professores de uma carreira nacional, com esses prédios bonitos, com os equipamentos modernos, tudo em horário integral. Isso é possível.

            E este Senado tem uma responsabilidade para tentar fazer isso. Tem projetos em andamento que permitem isso. Tem novas ideias que podem surgir. E eu espero, Senadores, poder continuar fazendo esse trabalho, não sei se monotemático ou não, mas tentar continuar isso.

            Eu até posso ser um pouco pretensioso em dizer que eu até falo de outras coisas, mas a melodia é a educação. Toda boa sinfonia tem uma melodia que dá o tom. As outras partes são para compor e até distrair um pouco o ouvinte. E eu não vejo outra melodia capaz de unificar todos os problemas que nós temos, a não ser uma revolução na educação. Demora para chegar ao Brasil inteiro, mas pode ser feita rapidamente em algumas cidades. E o caminho são projetos que já estão nesta Casa e eu espero que nós possamos continuar debatendo nos próximos anos.

            É isso, Presidente Sarney, que eu tinha para colocar nesta sessão. Agradeço a sua presença, a sua Presidência, e que eu tenha podido usar o tempo para falar isso.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2010 - Página 35151