Discurso durante a 126ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem à Igreja Memorial Batista pelo transcurso do seu Jubileu de Ouro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA INDUSTRIAL. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Homenagem à Igreja Memorial Batista pelo transcurso do seu Jubileu de Ouro.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2010 - Página 35441
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA INDUSTRIAL. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, FUNDAÇÃO, IGREJA EVANGELICA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), SAUDAÇÃO, PRESENÇA, AUTORIDADE RELIGIOSA, MEMBROS, REGISTRO, HISTORIA, ORIGEM, INSTITUIÇÃO RELIGIOSA, BRASIL, COMENTARIO, FILIAL, NOVA CAPITAL, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ENTIDADE, ENSINO, CONTEUDO, BIBLIA, EDUCAÇÃO MUSICAL, VALORIZAÇÃO, FAMILIA, ASSISTENCIA SOCIAL, ASSISTENCIA ESPIRITUAL, RECONHECIMENTO, CONTRIBUIÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, JUVENTUDE.
  • COMENTARIO, EDITORIAL, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, REDUÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, BRASIL, PERDA, EVOLUÇÃO, SETOR, TECNOLOGIA.
  • CRITICA, NEGLIGENCIA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, IMPORTANCIA, IGUALDADE, ACESSO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, PRIORIDADE, ETICA, MORAL, DIRETRIZ, ATUAÇÃO, HOMEM, ESPECIFICAÇÃO, ATIVIDADE, CIENCIA E TECNOLOGIA, EFETIVAÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom dia a cada uma e a cada um dos presentes. Quero cumprimentar, obviamente, os membros da Mesa: inicialmente, o Exmº Sr. Senador Marconi Perillo, que é o primeiro signatário do requerimento que ensejou a realização da presente sessão - na sua posição de membro da Mesa, é correto que seja o nosso Presidente nesta sessão; o Exmº Sr. Senador Mozarildo Cavalcanti; o Sr. Brigadeiro Sérgio Luiz de Oliveira Freitas, representando o Ministro da Defesa; o Pastor da Igreja Memorial Batista e Presidente da Convenção Batista Brasileira, Revmº Sr. Josué Mello Salgado; o Primeiro Vice-Presidente da Igreja Memorial Batista, Sr. Paulo Vieira dos Santos, e o Presidente da Associação Cultural Evangélica de Brasília, Sr. Ditimar Sousa Britto, que não estão presentes; o Presidente da Convenção Batista do Distrito Federal, Revmº Sr. João Roberto Raimundo. E cito, também, outros, mesmo que não estejam aqui: o Coordenador do Jubileu de Ouro, da Igreja Memorial Batista, Sr. Diácono Esdras Alves Queiroz; os Srs. Embaixadores; os demais representantes do Corpo Diplomático.

            Srªs e Srs. Senadores, Revmªs Srªs e Srs. Pastores; Srªs e Srs. membros da Igreja Memorial Batista; senhoras e senhores, quero deixar claro que venho aqui não como cristão, que sou, não como Senador, que sou; venho aqui como um professor, como um educador, para dizer da minha visão, do meu agradecimento, do meu sentimento para a perspectiva do papel das igrejas evangélicas e de outras também na construção da nossa sociedade. Mas quero, até como professor, como educador, começar, falando um pouco da história, lembrando, para que fique registrada, embora todos saibam, a origem nacional - ocorrida bem antes da origem da nossa Igreja Memorial local.

            Quando, em 1882, foi organizada a Primeira Igreja Batista no Brasil, voltada para a evangelização do País, já existiam, então, duas outras igrejas batistas, organizadas por imigrantes norte-americanos residentes na região de Santa Bárbara D’Oeste e em Americana, São Paulo, provavelmente, missionários que vieram com a migração de alguns norte-americanos para essa região.

            Os casais de missionários batistas norte-americanos, recém-chegados ao Brasil, Willian Buck Bagby e Anne Luther Bagby são os pioneiros; Zacharias Clay Taylor, Kate Stevens Crawford Taylor, auxiliados pelo ex-padre Antônio Teixeira de Albuquerque, decidiram iniciar a sua missão na cidade de Salvador, Bahia. Ali chegaram no dia 31 de agosto de 1832 e, no dia 15 de outubro, organizaram a primeira igreja batista do Brasil com cinco membros: os dois casais de missionários e esse ex-padre Antônio Teixeira.

            Esse é início, menos de 130 anos atrás. Esse é o início desse grande movimento evangélico que hoje são as igrejas batistas do Brasil, com seus milhões de membros.

            Um pouco da história local vale a pena recordar, quando, no dia 30 de novembro de 1956, no ponto mais alto do que mais tarde viria a ser o Eixo Monumental do Plano Piloto de Brasília, reuniram-se, e sempre é bom lembrar, Elias Brito Sobrinho e Silas de Brito Lopes, dois pastores, e o missionário James Everett Musgrave Jr. e o irmão Marcelino Cardoso, sonhando a implantação do Evangelho na futura capital do Brasil.

            Em janeiro de 1957, o missionário Musgrave e o irmão Waldemar Magalhães vieram de Goiânia com o propósito de iniciar o trabalho batista, que começou na então Cidade Livre, que era o acampamento de obras da nova capital. Começaram em um barraco com uma escola bíblica.

            O Diácono batista norte-americano Maxey Jarman, ao saber, em 1958, da construção da nova capital brasileira, doou o equivalente a US$300 mil para a edificação de um templo no Plano Piloto.

            Em maio de 1960 iniciaram-se as obras da construção do templo, antes mesmo da organização da Igreja Memorial Batista, que ocorreu em 22 de julho de 1960, sendo alguns de seus 44 fundadores egressos da Primeira Igreja Batista de Brasília.

            O templo foi inaugurado em 15 de dezembro de 1962. A igreja contava, então, com menos de 200 membros. A Igreja Memorial Batista integra o rol, hoje, das Igrejas da Convenção Batista do Distrito Federal e da Convenção Batista Brasileira. Desde então, vem levando a sua missão de trazer pessoas a Cristo, a participação na adoração, a comunhão na família de Deus, que é, fundamentado na Bíblia, capacitar para o serviço do Senhor. Traz a visão de ser uma igreja relevante e íntegra, acolhedora e propiciadora da descoberta, da capacitação e do exercício dos ministérios de cada pessoa, em pequenos grupos ou na grande congregação.

            Tem seus dez valores na alegria de pertencer a Cristo e fazer parte da Família Memorial Batista; a excelência na adoração comunitária, com ênfase na pregação bíblica e na execução musical de qualidade; a constituição e manutenção da família nos princípios bíblicos; a legitimidade e a dignidade do ministério pastoral; a ação social altruísta; a transparência e a participação comunitária na gestão administrativo-financeira; a intermediação do amor de Deus por meio da evangelização e da ação missionária; o discipulado e maturidade cristã; a integração das gerações e a comunhão e confraternização comunitárias.

            Eu considerei, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, que era importante fazer essa lembrança da história. A história tem que estar sempre presente em cada instante da nossa vida, mas um instante é uma simples ponte para o futuro, e eu quero falar mais do futuro.

            A grande crise que o Brasil vive sempre é mostrada como uma crise financeira, como uma crise econômica, como uma crise social, como uma crise de segurança. Não é. Essas são crises importantes. A grande crise da sociedade brasileira é a crise da mentalidade, é a crise do conhecimento, é a crise da espiritualidade que nós atravessamos.

            Olhemos cada ponto do problema que nós atravessamos ao nível da realidade e vamos ver que por trás está a causa: a alma da nação brasileira.

            A crise econômica, hoje, ela é, sobretudo, a crise de um País que abandonou a possibilidade de se transformar num produtor de bens de alta tecnologia e continuou sendo um País produtor dos bens chamados primários, seja da agricultura, seja da indústria mecânica.

            O editorial, hoje, da Folha S.Paulo fala na desindustrialização do Brasil. E as pessoas se espantam: “Como é possível aumentar o Produto Interno Bruto da indústria e desindustrializar?” É porque daqui para frente a indústria está dividia em duas: a indústria que a gente vê, dos que fazem as coisas físicas: os automóveis, os móveis e as roupas; e as indústrias que vêm das coisas invisíveis: da ciência, da tecnologia, nos chips, nos medicamentos de alta tecnologia.

            O Brasil está ficando para trás por falta de dar alma à produção da economia.

            Olhemos a desigualdade, a desigualdade social que durante décadas, séculos até, que, pelas visões, sobretudo, marxistas, socialistas, foram encaradas como problema da propriedade, do capital; como problema da desigualdade de renda. Não é um problema de desigualdade de renda. A desigualdade de renda é uma consequência. O problema é a desigualdade no acesso à educação.

            É ali que se cria o círculo vicioso. Quem tem renda dá uma boa educação para o filho, e aí o filho vai ter uma boa renda. Quando a gente igualar a qualidade da educação, independente da renda, independente da cidade onde mora a pessoa, a desigualdade vai continuar, de renda, mas ela vai estar dentro de limites e ela não vai ser mais porque se recebeu herança financeira, mas, sim, porque se recebeu formação educacional. A desigualdade virá do talento, da persistência, da vocação e não simplesmente da oportunidade, da sorte, que deu a um a possibilidade de estudar em uma boa escola e a outro a de estudar em uma má escola.

            Olhemos o problema da crise ecológica. De onde vem o problema da crise ecológica? Da falta de espiritualidade na maneira como os seres humanos se relacionam com a natureza, ao tratarem a natureza como o depósito do lixo do produto e como a despensa onde a gente vai buscar os recursos naturais. A gente não vê uma irmandade com a natureza onde a gente vive. A gente não percebe que uma das tarefas da humanidade é reconstruir o Jardim do Éden, onde a gente possa ter uma relação fraterna também com a natureza.

            Todas as crises vêm da falta de conhecimento. Esse conhecimento só virá através de uma mudança radical na maneira como a educação brasileira é organizada. Enquanto a educação for uma questão dos pais, apenas os ricos vão tê-la; enquanto for uma questão do Município, apenas os Municípios ricos vão ter quando o prefeito deseja. A educação, para ser boa para todos, ela tem que ser uma questão nacional, da Nação brasileira. Sem isso nós não vamos superar as nossas crises.

            Mas a educação, apenas do ponto de vista, Sr. Presidente, Senador Mozarildo, da lógica, do ponto d vista da ciência, do ponto de vista da tecnologia, é uma ciência perigosa. Se nós olharmos, grande parte dos problemas que nós vivemos hoje vêm de uma ciência sem alma, vem de uma ciência física que faz a bomba atômica., vem de uma ciência biológica que faz os clones.

            Nós precisamos colocar ética dentro da ciência e da tecnologia. Nós precisamos colocar ética dentro da ciência econômica, que se considera uma ciência fria, embora trabalhe com os seres humanos. E isso virá da ética, do ponto de vista da moral, mas virá, sobretudo, da ética do ponto de vista dos compromissos espirituais dos seres humanos.

            A ética não surge da cabeça na lógica. Antes da lógica, ela surge de um sentimento de espiritualidade; de um sentimento de espiritualidade, por exemplo, da relação entre os seres humanos como semelhantes. Isso é uma questão de espiritualidade, não é uma questão de lógica. A relação dos seres humanos com as suas florestas não é uma questão de lógica, é de espiritualidade.

            Além disso, não se pode falar em futuro, em progresso, em utopia do ponto de vista de mais produtos materiais. O futuro está no crescente produto do mundo espiritual, incluindo aí também as artes, a música e as religiões.

            Um dos grandes erros dos pensadores utopistas do passado, chamemos assim os socialistas, foi a ideia de que a religião era o ópio do povo, em vez de ver as religiões como uma ascensão do ser humano. Obviamente, de vez em quando, certas igrejas ou até todas, se quisermos, se desviam desse lado. Às vezes, é preciso acontecerem fatos como os da grande Reforma Luterana para trazerem a Igreja Católica a um sentimento mais humanista. Isso pode acontecer também com algumas das igrejas que surgiram da Reforma, que se perdem um pouco dessa visão espiritual e também caem na visão material. Mas não é isso que vai dizer que a espiritualidade é um atraso e que a religião é um ópio.

            Não vejo outra possibilidade de termos um futuro desenvolvido e solidário com a natureza se não transformamos essa mentalidade do produto consumido individualmente pela voracidade de cada um pela busca de um produto público a serviço de todos. E, nesses produtos públicos a serviço de todos, não apenas o transporte público, não apenas a saúde e não apenas a segurança, mas também os produtos que vêm da espiritualidade.

            As sociedades altamente espirituais são superiores às sociedades baixamente materiais. Daí a importância de estarmos prestando esta homenagem, Senador.

            Mais uma fala sobre isso: a importância da espiritualidade na formação das nossas crianças e jovens. Não devemos misturar Estado e igrejas, mas não podemos imaginar que a educação pode ser uma coisa apenas do Estado. A educação é produto de uma trindade e mais uma coisa: a trindade da Igreja, da família, da mídia e mais a religião, sendo que nos três primeiros o Estado deve intervir e ao outro o Estado deve dar liberdade plena.

            Não há como imaginar uma pessoa plenamente educada que não teve acesso às formações relacionadas à espiritualidade e às religiões, até para, se quiser, ficar ateu, mas depois de ter conhecido todas as informações necessárias do mundo das religiões. E eu não falo do proselitismo de uma ou outra religião dentro da escola. Isso a gente faz na escola dominical. Mas falo do ensino de religião na escola, desde as primeiras idades. E aí é a escola, é a família e é a mídia.

            No Brasil, nos preocupamos muito com a escola, e com razão: ela está muito ruim. Basta ter visto ontem o programa Fantástico, em que havia gente chorando ao meu lado quando viu a situação das escolas sem professores.

            Mas a escola, sem a família, não educa ninguém. E a escola, com a família e uma mídia perversa, passando mensagens negativas a todo instante, não educa ninguém. E mesmo esses três, sem uma espiritualidade, sem uma dose de religiosidade, não educam plenamente.

            Frequentei muito, quando Governador - confesso que depois não tenho feito isso -, prisões no Distrito Federal, tanto delegacias quanto a nossa detenção. E é claro que a gente vê, no brilho dos olhos, a diferença do preso que teve ou não teve uma conversão. E eu não falo conversão para essa ou para aquela igreja. E até alguns que se converteram em nenhuma igreja, mas se converteram de dentro deles próprios, para terem uma visão espiritual diferente da que tinham antes.

            Não vejo como recuperar a juventude que ainda não caiu no crime, antes que ela caia, sem uma dose de espiritualidade para eles, espiritualidade a que alguns chegam até pelo esporte, pela arte, mas chegam muito pela religião.

            Daí, eu estou aqui como educador, preocupado com o futuro do Brasil, como brasiliense também, com orgulho de estar aqui em uma homenagem, Senador Perillo, a uma igreja do Distrito Federal, numa sessão para a qual V. Exª teve a iniciativa de nos convocar. Mas estou aqui, sobretudo, como professor, como político, preocupado com o futuro do País, consciente de que, talvez, o maior dos nossos problemas seja essa visão parcial de que a nossa crise está no Produto Interno Bruto, de que nossa crise está na falta de policiais nas ruas.

            Sempre digo que é pequena a ambição de querer uma sociedade segura. A verdadeira ambição é querer uma sociedade em paz. Sociedade segura é aquela que tem cadeia para todo bandido; sociedade em paz é aquela que um dia vai derrubar todas as cadeias porque ninguém mais será bandido.

            É muito pequeno o sonho de uma sociedade com segurança. Temos de sonhar com uma sociedade em paz, e ela não virá da economia. Ela não virá nem mesmo das regras constitucionais. Ela virá da espiritualidade, que se manifesta sob a forma do conhecimento racional e sob a forma do conhecimento realmente espiritual e religioso.

            Como educador, como brasileiro, como político, eu deveria estar aqui para homenagear vocês, mas estou aqui para agradecer a vocês. Imagino como seria o Brasil se não tivéssemos tido esse salto de evangelização dos últimos anos. E aí não falo em homenagem apenas a nossa igreja; eu falo em homenagem a todas as igrejas brasileiras. Falta muito ainda para avançar, nas escolas, nas famílias, na mídia e na convivência fraterna com religiões de todos os tipos em uma sociedade que busque mais o socialismo da alma do que o socialismo da carne; o socialismo do espírito muito mais do que o da produção. Até que um dia a gente nem precise usar a palavra “socialismo”, como eu gosto de usar a palavra “educacionismo” no lugar.

            Este eu acho que é um sonho para o Brasil: a utopia da mente, da alma, e não a utopia da carne, da produção; a utopia da educação e da religião, e não a utopia da economia produtiva materialmente.

            Por isso, em vez de prestar homenagem, muito obrigado pelo que vocês vêm fazendo nesses 50 anos. E olho com muito otimismo que, ao longo dos próximos 50 anos, vamos poder, sim, dar um salto. Não um salto de aumentar o produto, mas um salto de virar o rumo da nossa sociedade em uma direção cada vez mais culta, cada vez mais educada e cada vez mais espiritualizada.

            Muito obrigado a cada uma e cada um de vocês.

            (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2010 - Página 35441