Discurso durante a 128ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Balanço do vigésimo aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente, e proposta de criação da Agência Nacional de Proteção da Criança e do Adolescente e da carreira nacional do magistério

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Balanço do vigésimo aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente, e proposta de criação da Agência Nacional de Proteção da Criança e do Adolescente e da carreira nacional do magistério
Aparteantes
Alvaro Dias, Eduardo Suplicy, Valter Pereira.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2010 - Página 35548
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • OPORTUNIDADE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, NECESSIDADE, PROMOÇÃO, BEM ESTAR SOCIAL, MENOR, CRITICA, INEFICACIA, GARANTIA, PROTEÇÃO, REDUÇÃO, PARTICIPAÇÃO, JUVENTUDE, CRIME, VIOLENCIA, DEFESA, APERFEIÇOAMENTO, ESTATUTO, ESPECIFICAÇÃO, FORMAÇÃO, RECURSOS HUMANOS.
  • NECESSIDADE, INSTALAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, AMPLIAÇÃO, ATENÇÃO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, IGUALDADE, QUALIDADE, ENSINO PUBLICO, DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, SEMELHANÇA, MODELO, COLEGIO MILITAR, COLEGIO PEDRO II, COLEGIO UNIVERSITARIO, PROGRAMA NACIONAL, ENSINO, TEMPO INTEGRAL, DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, ESCOLA PUBLICA, CRIAÇÃO, AMBITO NACIONAL, CARREIRA, VALORIZAÇÃO, MAGISTERIO, MELHORIA, SALARIO, SETOR.
  • QUESTIONAMENTO, FALTA, APOIO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PROPOSTA, CRIAÇÃO, AGENCIA, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • DEBATE, SUGESTÃO, EXPERIENCIA, EFICACIA, EDUCAÇÃO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado. É sempre gentil o senhor, Senador Mão Santa.

            Senador, venho hoje aqui lembrar o 20º aniversário do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Faz vinte anos que o Brasil dispõe de um dos instrumentos mais - não posso dizer eficazes - consistentes, bem feitos, de proteção da criança e do adolescente. E, vinte anos depois, é claro que a gente tem que reconhecer que a simples existência já foi um marco, mas que a sua existência serviu para dar consciência à população brasileira da necessidade de cuidar melhor das crianças e dos adolescentes do Brasil.

            Mas, lamentavelmente, nestes vinte anos, nós deixamos grandes marcas negativas na maneira como o Brasil trata as suas crianças, as nossas crianças. E nós deixamos ainda pendentes ações fundamentais para que o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, se transforme, de fato, em um instrumento que nos permita dizer que, no Brasil, nós respeitamos, nós cuidamos, nós apoiamos, nós educamos, nós protegemos nossas crianças e nossos adolescentes.

            Até hoje, apesar do ECA, nós temos todas as informações, todos os dias, de quantidade de violências contra as nossas crianças e adolescentes, violências físicas, até assassinatos de crianças, e assassinatos de crianças nas ruas, e assassinatos de crianças como soldados em guerras infantis que a gente vê acontecer na África. O Brasil tem um exército de crianças no tráfico.

            A gente não pode dizer que, depois de vinte anos, o ECA surtiu o efeito que aqueles que o criaram desejavam, mesmo que tenhamos de respeitar, reconhecer e agradecer aqueles que ajudaram a fazer esse Estatuto. Neste momento em que nós comemoramos vinte anos da existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, neste 13 de julho, é preciso agradecer a todos os que o fizeram possível.

            O ECA tem um dimensão do tipo do Ficha Limpa, a importância desses grandes marcos para mudar os costumes, mas não conseguiu ainda mudar suficientemente. Este nosso Brasil ainda não é o País da criança. Ainda não é um País que seja um exemplo mundial de atenção e cuidado para com as crianças. Não é. Não somos. E temos de reconhecer para, aprendendo isso, pedirmos desculpas e mudarmos. E é um pouquinho sobre essa mudança que eu quero falar.

            O ECA precisa deixar de ser apenas um estatuto de proteção contra a violência às crianças e se transformar em um estatuto do cuidado às crianças, do cuidado, de como cuidá-las desde o momento em que nascem e até antes do nascimento. Para isso, o ECA tem de se transformar em um instrumento de garantia de educação de qualidade para todas as crianças, e com a mesma qualidade. O ECA não será um estatuto suficiente enquanto neste País houver criança fora e dentro da escola; enquanto houver criança em escolas boas e essa invenção brasileira de escola ruim, porque essa é uma invenção brasileira. Porque escola ruim é uma fantasia. Escola ruim não é escola... Chamar não escola de escola ruim é uma invenção brasileira. Uma invenção pela qual nós temos de pedir desculpas ao mundo.

            O ECA não será um estatuto correto enquanto não cuidarmos das crianças desde que nascem, nos seus primeiros meses de vida, nos seus primeiros anos, na sua pré-escola, na sua escola fundamental e em seu ensino médio. É a isso que o ECA precisa chegar. É aí que ele precisa chegar! E, em vinte anos, não chegamos. Vinte anos depois do ECA, apesar da proteção que hoje se pode dizer que temos dado a certas crianças em situação de alto risco, como na redução do trabalho infantil, mas não à abolição ainda, nós ainda temos, vinte anos depois, crianças fora da escola. Calculam-se aqui cinco milhões - é muito esse número -, fora da escola. Mas, mais grave do que isso, invisível: nós temos 20, 25, talvez 30 milhões de crianças que entraram na escola, mas não estão na escola. E não estão na escola ou porque abandonaram antes dos 18 anos - portanto, não estão na escola -, ou frequentam a escola de maneira irregular - portanto, não estão na escola -, ou a frequentam de maneira regular, mas não o dia inteiro - portanto, não estão na escola -, ou até frequentam o dia inteiro, mas sem aulas por falta de professores, ou sem razão para estudar por falta de acompanhamento a essas crianças.

            Depois de vinte anos, Senador Alvaro Dias, o ECA, que foi um grande passo, não cumpriu aquilo com que sonhavam os que tentaram e conseguiram fazê-lo lei. O ECA não se fez realidade. Nós estamos engatinhando muito pouco ainda na, de fato, garantia do atendimento, do cuidado, da proteção, da educação das crianças e dos adolescentes no Brasil.

            Por isso, é preciso comemorar os vinte anos, obviamente, porque foi um passo, como foi um passo, 122 anos atrás, a abolição da escravatura; mas um passo incompleto. O ECA corresponde ainda menos do que a Lei Áurea foi para a abolição da escravatura - que, a gente sabe, não foi nem tanto assim -, quando comparado com o que era preciso fazer para resgatar e dar ao povo negro a mesma igualdade que tem com as outras raças do Brasil.

            Quero concluir em breve, Senador Mão Santa, mas eu gostaria muito de ouvir a palavra do Senador Alvaro Dias, que certamente enriquecerá a minha fala.

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - É um aparte curtíssimo, Senador Cristovam, apenas para dizer que gostei muitíssimo da frase de V. Exª no Twitter: “O Brasil ficou em 8º lugar na Copa do Mundo, e ficamos tristes; fica em 85º lugar em educação, e não há tristeza”. Acho que essa frase tem profundidade. Parabéns a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador, e é um prazer ser seu seguidor e saber que o senhor é meu seguidor no Twitter.

            Mas, Sr. Presidente, o que eu quero falar aqui é de duas coisas, duas leis, Senador Mozarildo, que, a meu ver, ajudariam muito a completar o ECA.

            A primeira é a criação da agência nacional de proteção da criança e do adolescente. Nós temos o Conanda - conselho. Conselho não tem mãos, não tem braços, não tem pernas, não tem corpo, não tem força. O Conanda é um conselho fundamental e tem prestado grandes serviços, mas não tem poder. Nós temos conselho das mulheres, mas nós temos uma secretaria que cuida dos assuntos das mulheres. Nós temos conselhos para zelar pela igualdade racial, mas temos um ministério que cuida dos problemas da desigualdade racial. Nós temos agência da água, agência da energia, agência das telecomunicações. São órgãos com poderes para fazer com que a Nação brasileira cuide da sua água, da sua energia, das suas telecomunicações, da sua população marginalizada, por razões raciais ou por razão de gênero.

            Por que nos negamos a ter uma agência - para não dizer mesmo um ministério - da criança e do adolescente? Por que as ONGs que cuidam das crianças são contra a criação dessa agência? Por que acham que vão perder poder? Mas essas ONGs existem para ter poder ou para cuidar das crianças? Por que acham que vão deixar de ter uma função? Então, elas não vão querer que as crianças sejam protegidas, porque, quando elas o forem, não terão mais necessidade delas?

            Ora, o grande sonho de uma ONG é ficar desnecessária porque a sua finalidade já passou a ser uma prática. Existiam ONGs pela abolição da escravatura. Elas devem ter feito uma imensa festa no dia 13 de maio quando disseram: “Não é mais necessário ONG contra a escravidão, porque a escravidão deixou de ser aceita”.

            Uma ONG que se preocupa em continuar viva e quer com isso manter o problema não merece existir. Não merece existir. A ONG merece existir quando ela luta no dia a dia cuidadosamente para resolver pequenos pontos dos problemas, mas quando ela sonha e luta radicalmente para que não mais precise existir no dia em que este País for decente. Como o Bolsa Família, o ideal é o dia em que o Brasil não precisar mais. Como as cotas para negros, o ideal é o dia em que não precisar mais.

            Lamentavelmente, eu não vejo apoio dos órgãos, das agências de aconselhamento dos problemas de criança e de adolescente para a criação de uma agência. Uma agência que, ao lado do Presidente, aja como se fosse um Ministério. Aja e não apenas aconselhe. Uma agência que, no dia em que o Presidente ler no jornal que aconteceu alguma coisa contra as crianças, ele saiba o número para o qual telefonar e dar ordem: “Resolva isso!” Para o Conanda, ele não pode fazer. É o contrário. O Conanda é que aciona, como conselho.

            E o meu projeto de lei que cria o conselho deixa claro: o Conanda será parte fundamental da gestão dessa agência. Eu peço que as pessoas do Conanda entendam o papel dessa agência. Eu peço que os conselheiros tutelares, que não têm sido atendidos como deveriam, que eles procurem apoiar a existência dessa agência. Se houvesse uma agência de proteção da criança e do adolescente, tenho certeza de que os conselhos tutelares hoje estariam muito melhor atendidos e em melhor funcionamento, Senador Tuma.

         E a segunda coisa que eu acho que complementaria o ECA, depois de vinte anos, além da Agência de Proteção à Criança e ao Adolescente, Senador Mozarildo, um outro projeto meu, que é fazer com que a educação seja igual para todos. O ECA não é eficiente, como deveria, enquanto existir escola boa para uns e escola ruim para outros. Aluno bom e aluno ruim sempre vai acontecer. Aí não adianta. Aluno bom e aluno ruim sempre vai ter. Tem um que tem talento, tem outro que não tem talento; tem um que tem persistência, tem outro que não tem persistência; tem um que tem vocação, tem outro que não tem. Não queremos igualdade entre as pessoas, mas a igualdade nas condições que as pessoas recebem, sim.

            Não há por que a gente aceitar que rico tem escola boa e pobre tem escola ruim. Não adianta. A gente pode até aceitar que certos meninos mais geniais vão aproveitar melhor a escola do que outros que não são geniais, mas não pela renda da família, não pela cidade onde moram. Escola tem que ser com a mesma qualidade. Eu não disse igual, porque a gente tem de dar a liberdade pedagógica, para que uma escola tente um método, outra escola tente outro método; uma escola dê mais ênfase a um aspecto, outra dê mais ênfase à outra disciplina, mas da mesma qualidade.

            Isso se consegue com duas leizinhas; aliás, uma lei com dois temas, Senador Valter, que está em andamento aqui. Uma cria a Carreira Nacional do Magistério. Professor não pode continuar sendo de uma carreira municipal, porque, enquanto for municipal, é desigual de uma cidade para outra, porque as cidades são muito desiguais. Ninguém aceita Banco do Brasil municipal; ninguém quer universidade municipal nas federais. A gente quer as escolas técnicas federais e a gente adora o Colégio Pedro II, os colégios militares, as escolas de aplicação.

            O Brasil tem 200 escolas de educação de base federais. São as melhores na média do Ideb. Estão acima das particulares. Por que, em vez de 200, a gente não tem 200 mil, que é o número de escolas públicas deste País? Agora, não façamos demagogia. Para isso, para isso precisa-se de algumas décadas, pelo menos duas. Mas, em 20 anos, a gente pode fazer com que todas as escolas deste país sejam tipo o Colégio Pedro II e - vou dizer - melhor ainda do que hoje o Colégio Pedro II, que está precisando de muito apoio. A gente pode fazer com que todas as escolas públicas deste País sejam iguais às escolas de aplicação das universidades.

            A melhor escola de todas no Ideb foi uma escola de aplicação em Pernambuco, que pertence à Universidade Federal de Pernambuco. Por que não se pode fazer todas assim? Basta uma carreira nacional do Magistério e ampliar para o País esses professores que são federais das escolas técnicas, que são federais das escolas de aplicação, que já são federais do Colégio Pedro II, que já são federais dos Colégios Militares, e ampliamos para o País. Cem mil por ano, numa carreira nova. São dois milhões o total. Impossível encontrar mais de 100 mil jovens capazes de ser bons professores hoje, numa carreira nova, mesmo pagando um bom salário, porque o bom salário não vai ser igual ao do Ministério Público, ao do Senado, da Câmara. Não vai ser, para a gente atrair esses jovens para lá. Mas que seja de R$4 mil, que é o salário médio aqui em Brasília, que é o salário médio do Colégio Pedro II, a gente consegue atrair 100 mil professores por ano. Em 20 anos, são dois milhões. A gente pode fazer com 100 mil professores, 10 mil escolas com esses professores. Em 20 anos, são 200 mil. A gente pode atender a 3 milhões de crianças com 100 mil professores. Em 20 anos, serão 60 milhões de crianças. E a gente pode atingir 250 cidades por ano. Em 20 anos, serão 5.564.

            O que a gente precisa fazer? A carreira nacional do magistério, contratando 100 mil novos professores por ano e concentrando esses professores nas mesmas cidades em todas as suas escolas daquelas cidades. Quando se faz concurso para o Banco do Brasil, você não trabalha onde você quer. Você trabalha onde o Banco do Brasil manda.

            Você já faz o concurso sabendo para onde vai. Se você não quer ir àquele lugar, você avisa: “Não faça o concurso”. Se faz o concurso é porque quer ir para ali. Serão 250 cidades por ano; 100 mil novos professores; três milhões de crianças; 10 mil escolas rapidamente, porque 20 anos é pouco, o mesmo tempo que tem o ECA, 20 anos - parece que foi ontem. Eu participei disso. Assim, a gente chegaria lá.

            Agora não adianta colocar esses professores magistrais, bem preparados, bem remunerados se a escola estiver caindo aos pedaços, se a escola não tiver os equipamentos modernos, porque hoje educar não se faz com quadro- negro apenas, tem que ser com televisão e computador. Então, precisa, além da Carreira Nacional do Magistério, um programa federal de qualidade escolar em horário integral, nessas mesmas 10 mil escolas, nessas mesmas 250 cidades, para esses mesmos 100 mil professores e esses mesmos três mil meninos e meninas.

            Ao longo de 20 anos, o tempo que a gente tem o ECA, a gente teria o ECA completo. Eu não penso que possa ser feito em menos, não por falta de dinheiro, porque isso não custa tanto, mas por falta dos recursos humanos, porque eles não existem hoje na quantidade de que a gente precisa.

            Era isso, Sr. Presidente, o que tinha a falar, mas quero obviamente ouvir o aparte do Senador Valter e depois do Senador Suplicy.

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª foca bem o grande problema que é enfrentado por crianças e adolescentes brasileiros, especialmente aqueles que nós podemos dizer que não estão na linha da pobreza, porque essa é uma discussão já ultrapassada. Mas, na verdade, se encontram no limite da exclusão. E V. Exª dá o diagnóstico correto: a escola. O caminho é a escola. Não tenho a menor dúvida. E nós temos que realçar que existem alguns progressos extraordinários na área da educação que merecem ser aplaudidos, um deles é a avaliação, o Ideb. Eu não tenho a menor dúvida. O dia que foi instituído o Ideb, eu subi a essa tribuna para aplaudir, sabendo que isso incomodava muito os educadores que entendem que o educador não deve ser submetido à avaliação, a escola não deve ser submetida à avaliação. Eu acho que é um equívoco muito grande, porque ambos têm que ser avaliados e isso deve acontecer periodicamente, como de fato está acontecendo. Mas quero aqui, para dar suporte à sustentação que V. Exª faz, lembrar um exemplo que eu trago lá no meu Estado, de um município pequenininho cujo Prefeito é meu filho, Beto Pereira - o Município Terenos. Uma cidade que tem numerosos assentamentos fundiários, uma cidade de vocação extremamente rural, e lá, quando eu indagava do Prefeito como é que tinha sido o desempenho dos seus alunos no Ideb, ele me respondia que não havia atendido à expectativa dele. E eu, quando fustigava para saber a razão pela qual não havia alcançado a meta, ele me respondia: “É que nós temos lá dois segmentos sociais: nós temos aquele que está no assentamento, que corresponde hoje a uma parcela significativa da população, e temos aquele da zona mais consistente, da zona mais sólida que é o Município e uma colônia antiga de japoneses, chamada Colônia Jamic”. Na Colônia Jamic foi implantada a primeira escola de tempo integral de Mato Grosso do Sul, nem Campo Grande havia adentrado a essa experiência, foi o Município de Terenos o primeiro Município a adotar essa experiência. E o que aconteceu? A média do Ideb, dessa escola de tempo integral, aproximou-se da média do Governo Federal e a do assentamento ficou lá embaixo; daí o estabelecimento de uma média distorcida do objetivo que não alcançou a meta fixada pelo Ministério da Educação. Então, veja V. Exª: é preciso realmente melhorar a qualidade da escola e melhorar a qualidade do ensino; é preciso que a escola tenha equipamentos adequados e que tenha educadores eficientes, senão não tem solução. No caso, por exemplo, dos assentamentos, existe até uma escola boa, construída pela administração municipal. No entanto, as deficiências decorrem não só da forma da ocupação, da forma como é montado o assentamento, como este é instituído, como também dos professores, que não têm o devido treinamento, que estão ali ora com o assentamento, ora surpreendidos com outro assentamento, sem preparo etc. Então, acho que, na discussão do ensino, é preciso observar rigorosamente a natureza da clientela que vai frequentar a escola. Aí, sim, poderemos criar uma escola que tenha qualidade, com professor eficiente, que possa dar a resposta que toda a sociedade espera. Parabéns a V. Exª por mais uma vez abordar um tema de tamanha relevância como a educação. E a solução dos graves problemas sociais, não tenho dúvida, a esmagadora maioria deles passa necessariamente pelo bom desempenho da escola pública.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Valter. O senhor trouxe diversos pontos para refletir.

            Primeiro, quero dizer ao Prefeito Beto que ele não precisa se preocupar por não ter conseguido, porque é impossível um prefeito conseguir dar o salto sozinho. Não acredito que uma cidade consiga dar o salto no Ideb de todas as suas escolas sem o apoio radical federal. Pode-se fazer uma escola integral, e é muito, muito bom isso, mas o salto virá dos recursos federais. Mas não o recurso dinheiro apenas; é o recurso de buscar professor no Brasil inteiro, é o recurso de buscar o computador no Brasil inteiro, é o recurso da arquitetura ser feita conforme o que existe de melhor.

            Segundo, estou de acordo com o senhor de que o Ideb é uma das melhores coisas que tivemos. Agora, o Ideb é como o termômetro: é muito importante na casa que tem crianças doentes um termômetro. Mas não cura. O termômetro apenas indica o tamanho da febre. Para resolver, é preciso dar o remédio. Nós estamos hoje com um ótimo termômetro, que é o Ideb, mas não estamos com os bons remédios que são necessários. Temos até alguns poucos remediozinhos: temos o Fundeb, temos a merenda, temos o livre escolar. São aspirinas importantes, mas não fundamentais.

            Agora, o que o senhor trouxe mostra como é possível, com um gesto, numa escola, dar um salto. Se a gente faz numa escola, por que não faz em toda cidade?

            Hoje eu conversei com um empresário, Jair Ribeiro, que eu não sei se o Senador Suplicy conhece, de São Paulo. É um empresário da área de informática e que tem se dedicado muito à educação, com um programa de adoção de escola. Ele adota escolas. E a primeira coisa, sabe qual é? Não é dar equipamentos, computador, tampar goteira, não. É levar sistemas de avaliação para, com o sistema de avaliação, ir acompanhando a escola, e aí ele dá os incentivos.

            Hoje eu fiz um desafio para ele: adote uma cidade. Por que a gente só adota escolas isoladamente? Adote todas as escolas de uma cidade. Claro, uma cidade de quatro, cinco escolas, não é difícil. O erro do grande Leonel Brizola foi ter feito os Cieps por unidades escolares e não por unidades urbanas. Se em vez de ter feito 500 Cieps tivesse feito 40 cidades, onde todas as escolas da cidade fossem em horário integral, com professores de uma carreira especial, diferente da carreira tradicional, ninguém teria acabado mais isso.

            Nós, no Governo Lula, no primeiro ano em que fui Ministro, começamos isso em 29 pequenas cidades do Brasil. Pena que leva muito tempo para começar. Levamos dez meses, até conseguir o dinheiro do próprio Ministério. Repassamos o dinheiro para os prefeitos em dezembro e, em janeiro, o programa acabou quando eu saí.

            Hoje, o Presidente Lula poderia ter, Senador Suplicy, pelo menos, de 1000 a 1500 cidades onde todas as escolas seriam em horário integral e os professores teriam uma carreira especial. Provavelmente, entre essas 1.500 cidades não estaria São Paulo, não estaria Brasília, mas estariam cidades de São Paulo, cidades do Distrito Federal. Seria muito bom esse efeito de demonstração.

            E, finalmente, o Prefeito Beto tem toda razão: há duas clientelas, mas essas duas clientelas podem ser unificadas quando a escola de uma for igual a outra do ponto de vista da qualidade e não do conteúdo. A gente pode até tolerar que existam pessoas assentadas, mas criança não pode ter escola de assentamento. Escola é escola! Não tem diferença de assentamento para não assentamento, a não ser no conteúdo. O conteúdo pode-se adaptar. O conteúdo lá de Pernambuco não é necessariamente o mesmo daqui de Brasília, mas o salário do professor tem que ser; a qualidade das edificações tem que ser.

            Nesta semana, ouvi uma frase: o importante é o professor, não interessa o prédio. O importante é o professor, mas, assistir à aula com goteira na cabeça, não tem menino que assista, por melhor que seja o professor. Jogar bola na chuva de vez em quando é bom, mas assistir à aula na chuva não é bom nunca.

            Então, ou a gente caminha para a federalização da educação, com descentralização gerencial... O Colégio Pedro II é gerenciado pelo diretor. O Colégio Militar aqui de Brasília é gerenciado pelo seu diretor. Descentralização gerencial, liberdade pedagógica, mas federalização na carreira nacional do magistério e no Programa Federal de Qualidade em horário integral.

            Ainda temos um pedido de aparte do Senador Suplicy, a quem passo com prazer.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - ES) - Senador Cristovam Buarque, quero cumprimentá-lo por sua dedicação ininterrupta à melhoria das condições de educação e boas oportunidades, sobretudo por ocasião dos 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Amanhã, anuncia-se que o Presidente Lula promoverá um ato em que encaminhará um projeto de lei relacionado aos 20 anos do ECA, que leva em conta, de um lado, um projeto da Deputada Maria do Rosário, bem como a proposição que vem sendo objeto de campanha por parte da Xuxa, qual seja, educar e não bater. O Presidente Lula assinará um projeto de lei pelo qual fica proibido que pais venham a maltratar e a bater em seus filhos. Quero dizer que acho isso um bom passo. Muitos episódios que têm por vezes chocado a opinião pública brasileira, inclusive de violências como as cometidas de maneira atroz pelo goleiro Bruno, ou outras formas que têm preocupado tanto e chocado os brasileiros, decorrem muito de atitudes que começam desde quando somos crianças. V. Exª tem toda razão de dizer que o importante é provermos as boas oportunidades e o encaminhamento, inclusive para aquelas pessoas que na adolescência, eventualmente, tenham cometido alguns delitos e crimes. É tão importante que a ênfase seja sobretudo na ressocialização, no espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente de prover novas oportunidades para que essas pessoas possam, depois de eventual período de punição, ser reconduzidas ao seio da sociedade de maneira que possam realizar trabalhos frutíferos para a sociedade e não mais voltados para o crime. Então, quero cumprimentar V. Exª pelo seu pronunciamento.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Suplicy. Creio que é uma boa notícia o que o Presidente Lula fará amanhã.

            Concluo, Senador Presidente, Senador Suplicy, dizendo que vamos comemorar os 20 anos do ECA, levando em conta o que a gente precisa fazer pelos próximos 20 anos. E creio que duas coisas bastariam: a criação da Agência Nacional para a Proteção da Criança e do Adolescente, que está no Senado, e a aprovação da carreira nacional do magistério e do Programa Federal de Qualidade Escolar em horário integral.

            É isso o que eu tinha para dizer. Muito obrigado pelo tempo que me foi permitido.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2010 - Página 35548