Discurso durante a 128ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca do crime perpetrado contra a jovem Eliza Samudio. Críticas à atuação do Estado que não consegue proteger a sociedade de forma eficiente.

Autor
Valter Pereira (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Valter Pereira de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Comentários acerca do crime perpetrado contra a jovem Eliza Samudio. Críticas à atuação do Estado que não consegue proteger a sociedade de forma eficiente.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2010 - Página 35565
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REPUDIO, CRIME, SUSPEIÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ATLETA PROFISSIONAL, FUTEBOL, TIME, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), HOMICIDIO, MULHER.
  • DEFESA, NECESSIDADE, TIME, BRASIL, OFERECIMENTO, ASSISTENCIA PSICOLOGICA, ATLETA PROFISSIONAL, ACOMPANHAMENTO, ESPECIFICAÇÃO, PROBLEMA, SUPERIORIDADE, EXPOSIÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, JUIZ, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), NEGAÇÃO, PROTEÇÃO, MULHER, CRITICA, OMISSÃO, ESTADO, ADVERTENCIA, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, ATENÇÃO, SITUAÇÃO.

            O SR. VALTER PEREIRA (PMDB - MS. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o crime perpetrado contra a jovem Eliza Samudio rivaliza-se com os mais revoltantes atentados já cometidos no País. Se a covardia do ataque a uma vítima indefesa já era suficiente para causar indignação, o grau de perversidade rompeu os limites da imaginação. Quando ouvi a entrevista de um dos protagonistas do crime, esclarecendo que sua tarefa foi promover a desossa do cadáver, confesso, Sr. Presidente, que senti náusea. Até então, só tinha ouvido essa expressão na atividade frigorífica, onde a desossa é uma etapa no processamento do animal abatido para comercialização. Além do esquartejamento da vítima, pedaços do seu corpo foram jogados na boca de cães famintos, e os ossos, misturados a argamassas de concreto.

            É o caso de se indagar: até onde pode chegar a maldade humana? Ou nós estamos lidando com bichos travestidos de gente?

            A fim de completar esse enredo de filme de terror, vieram outros depoimentos também patéticos. Num deles, a súplica de Eliza: “Não aguento mais apanhar!” Em seguida, a mórbida resposta de um dos seus algozes: “Você não vai apanhar mais. Agora, você vai morrer”. Enfim, a palavra de ordem tinha o claro objetivo de dar sumiço aos vestígios e destruir as provas do crime. O tamanho da brutalidade, o tamanho da torpeza não importava; desde que tirasse a vítima do caminho do mandante, tudo valeria: o sequestro, a tortura, o assassinato, a ocultação de cadáver. Até a criança estava sentenciada, Sr. Presidente, mas acabou sendo protegida - quiçá por seus anjos da guarda.

            Evento tão abominável como esse acaba nos instigando a algumas reflexões. Uma delas é quanto aos clubes empregadores. Será que não está na hora de incluir no departamento de recursos humanos de tais grêmios profissionais a figura do psicólogo ou do psicanalista? Ou a participação de ambos? Faço esse questionamento em razão da dificuldade que atletas de grandes times têm revelado para lidar com a fama e a fortuna. Em muitos casos, eles são originários de famílias desestruturadas. Algumas vezes, pela pobreza; outras, pela ignorância ou pela hostilidade do próprio meio ambiente de onde eles procedem.

            A verdade é que só o talento não tem se mostrado capaz de pavimentar essa transição do anonimato para o estrelato. O recorrente envolvimento de atletas renomados com delinquentes contumazes tem criado situações embaraçosas para os mais famosos clubes. Só o Flamengo já amargou dois episódios que expuseram jogadores do clube a situações vexatórias, antes mesmo do desatino do goleiro Bruno. Adriano e Vagner Love ganharam as páginas policiais em notícias de suas ligações com o mundo do crime. E as explicações esfarrapadas de jogadores e até de cartolas não conseguiram até hoje descartar a veracidade das publicações.

            Com certeza, se atletas recebessem atenção psicológica especializada, jogadores e clubes só teriam a ganhar. Seria a oportunidade para o desabafo de inquietações e incertezas que não raro os desestabilizam, por serem jovens, por estarem inebriados com a fama e com os holofotes também.

            O goleiro Bruno Fernandes era um ídolo de torcedores, cercado de maus elementos por todos os lados. Dentre seus confidentes, um era conhecido como Bola e o outro, alcunhado de Macarrão. O primeiro um ex-policial - Marcos Aparecido dos Santos - suspeito de pertencer a uma quadrilha de extermínio. O segundo - Luiz Henrique Romão -, amigo de infância, torcedor fanático e sabujo contumaz. A interlocução dele era com estes tipos: delinqüentes, aduladores e aproveitadores, também. Era com esse tipo de gente que ele buscava ajuda para lidar com a situação embaraçosa que enfrentava e tanto o inquietava. Assim, seus impulsos perigosos ganhavam azo enquanto a razão dava lugar para a loucura.

            A morte da jovem Eliza e a interrupção da esplêndida carreira do atleta foram as consequências do seu desatino. Bruno acabou trocando os aplausos da torcida pelo tédio do xadrez, mas sua prisão deixa lições que precisam ser aprendidas por atletas, cartolas e fãs. E uma de suas principais é que os clubes precisam se conscientizar de que lidam com o imaginário de multidões e com os sonhos de crianças e adolescentes especialmente. Os sonhos de todos, especialmente de crianças e adolescentes. Assim sendo, não podem esquivar-se de sua responsabilidade social e permanecerem indiferentes à conduta de quem é ídolo em potencial ou daqueles que já conquistaram o estrelato.

            Outra avaliação que não podemos deixar de fazer diz respeito à atuação do Estado. Neste caso específico, a vítima pressentia os riscos, já tinha sinais dos perigos e temia por seu destino. Sentindo-se ameaçada, fez exatamente aquilo que deveria fazer. Já no segundo semestre do ano passado, procurou a Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, formalizando sua queixa e pedindo providências. Tudo indica que a autoridade policial fez a sua parte com a devida diligência, tomou as medidas que precisavam ser tomadas no devido tempo. O que me leva a essa convicção é o fato de que, em outubro do ano passado, o processo já estava concluso para decisão do 3º Juizado de Violência Doméstica, do Rio de Janeiro.

            No entanto, não é possível afirmar que a mesma diligência que teria orientado a autoridade policial não foi prestada por aquele juizado. Sucedeu que a proteção pedida pela vítima, que já estava ameaçada, não recebeu a devida guarida da magistrada que presidia o feito. Pior: foram negadas mediante evasivas que precisam ser analisadas pelas instâncias superiores. E aqui eu chamo a atenção do Conselho Nacional de Justiça, a quem cumpre fiscalizar o funcionamento do Poder Judiciário. Não posso interpretar de outra forma o fundamento de que a vítima não poderia se beneficiar de medidas protetivas, nem “tentar punir o agressor”, porque isso implicaria na banalização da Lei Maria da Penha. E foi exatamente aí o fundamento arguido pela magistrada.

            É o caso de se indagar: o que é mais relevante: preocupar-se com a banalização da lei ou contribuir para a banalização do crime?

            Muito provavelmente, uma decisão enérgica naquela oportunidade, naquele momento, teria representado o divisor de águas entre a vida e a morte, entre o crime planejado e a desistência eficaz. Mais ainda: se tivesse havido a desistência do crime, até a carreira do Bruno teria sido preservada, e os 35 milhões de torcedores do Flamengo não teriam mais motivo para constrangimento. O equivoco da magistrada traduziu, inquestionavelmente, uma falha, uma omissão do Estado, que, naquele momento, era representado pela juíza. É uma conduta que tem me instigado a discutir. Por várias vezes já ocupei a tribuna para falar das debilidades do Estado, deste Estado que precisa proteger a sociedade e que não tem conseguido fazê-lo com eficiência. É por isso que muita gente, ainda hoje, desacredita na autoridade e sustenta que a lei é geralmente aplicada para proteger os fortes.

            Fica aqui o brado e o convite para o debate.

            Era a nossa palavra nesta tarde de hoje, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2010 - Página 35565